29/05/2024

Artigo do mês #53 – maio 2024 | Análise do efeito da idade relativa na história da Bola de Ouro (1956–2023)

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.

 

- 53 -

Autores: Saavedra-García, M. A., Santiago-Alonso, M., Vila-Suárez, H., Montero-Seoane, A., & Fernández-Romero, J. J.

País: Espanha

Data de publicação: 22-abril-2024

Título: Relative age effect analysis in the history of the Ballon d’Or (1956–2023)

Referência: Saavedra-García, M. A., Santiago-Alonso, M., Vila-Suárez, H., Montero-Seoane, A., & Fernández-Romero, J. J. (2024). Relative age effect analysis in the history of the Ballon d’Or (1956–2023). Sports, 12, 115. https://doi.org/10.3390/sports12040115

  

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 53 – maio de 2024.

 

Apresentação do problema

O efeito da idade relativa refere-se ao fenómeno em que indivíduos nascidos mais próximos de uma data de corte, inerente a um processo de seleção por idade cronológica, possuem um conjunto de vantagens sobre os seus pares nascidos mais tarde nesse período de seleção (Musch & Grondin, 2011; Wattie et al., 2014). No desporto, as datas de corte são comumente definidas entre os dias 1 de janeiro e 31 de dezembro do mesmo ano, conferindo aos jogadores nascidos nos primeiros meses uma vantagem desportiva, derivada a aspetos físicos, psicossociais, cognitivos e emocionais. De facto, a maioria dos países utiliza estas datas de seleção (Figueiredo et al., 2021), o mesmo ocorrendo nos torneios juvenis tutelados pela Fédération Internationale de Football Association (FIFA), desde 1997 (Romann & Fuchslocher, 2013; Simon et al., 2022). Porém, no futebol profissional, a data de corte pode variar entre países. Por exemplo, em Inglaterra utiliza-se o dia 1 de agosto (Pedersen et al., 2022). Apesar destas divergências, os eventos da FIFA apresentam características propícias para estudos sobre o tema no futebol (Ribeiro et al., 2023). 

O efeito da idade relativa é particularmente pronunciado no futebol, no qual a idade influencia significativamente a elegibilidade e a participação (Mujika et al., 2009; Sarmento et al., 2018). A explicação primária para o efeito da idade relativa no futebol gira em torno de atributos físicos, que têm mais influência no jogo do que as habilidades técnicas durante as fases iniciais de desenvolvimento. Além disso, as pressões de seleção enfrentadas pelos futebolistas em idades mais jovens persistem na idade adulta, ao nível da elite (Saavedra-García et al., 2019; Wattie et al., 2014). Embora haja um número considerável de estudos sobre este efeito no futebol, é raro encontrar publicações que o examinem ao longo de um período prolongado (Pedersen et al., 2022; Saavedra-García et al., 2019). 

Os estudos longitudinais identificados incluíram jogadores de seleções nacionais (Saavedra-García et al., 2019) que participam em torneios da FIFA e que experienciaram a extrema dificuldade de seleção numa era marcada por uma enorme pressão competitiva. De facto, a competitividade levada ao extremo está a aumentar o efeito da idade relativa no futebol. No entanto, não foram encontrados estudos associando o efeito da idade relativa à nomeação ou atribuição de prémios individuais, como a Bola de Ouro (Ballon d’Or), promovida pela revista France Football (figura 2). A Bola de Ouro é um dos mais prestigiados prémios anuais de futebol, elegendo o melhor jogador de futebol masculino desde 1956 e a melhor jogadora de futebol feminino desde 2018. Introduzida em 1956 pelo editor-chefe da France Football, a Bola de Ouro era inicialmente exclusiva para jogadores europeus a atuar na Europa. Em 1995, uma parceria entre a FIFA e a France Football fundiu o prémio “FIFA World Player of the Year” com a Bola de Ouro. Em 2016, a FIFA e a France Football separaram os prémios. A FIFA introduziu o “The Best FIFA Men’s Player”, enquanto a France Football continuou a apresentar a Bola de Ouro, prémios que refletem de forma significativa a excelência individual na modalidade.

 

Figura 2. As 5 bolas de ouro ganhas por Cristiano Ronaldo (fonte: https://www.marca.com) (imagem não publicada pelos autores).

 

Na realidade, existem poucos estudos sobre a Bola de Ouro: uns caracterizaram os jogadores nomeados (Shibata & Inuiguchi, 2014), outros examinaram o processo de votação (Coupe et al., 2017; Kopkin & Roberts, 2022) e outros investigaram as celebridades que ganharam o troféu mais vezes (Anderson et al., 2019). Contudo, nenhum destes estudos examinou o efeito da idade relativa neste contexto. Assim, o propósito deste trabalho foi analisar o efeito da idade relativa na história da Bola de Ouro, averiguando a existência e a evolução do fenómeno desde a edição inaugural em 1956 até à atualidade (2023).

 

Métodos

Amostra: todos os futebolistas do sexo masculino nomeados para a Bola de Ouro, de 1956 a 2023. Os dados foram extraídos do website oficial da Bola de Ouro (https://www.francefootball.fr/ballon-d-or/palmares/). No total, foram incluídos 1899 jogadores, com uma idade média de 27.09 ± 3.72 anos. 

Procedimentos: foram analisadas variáveis relacionadas com o ano do prémio, classificação, pontos (valores absolutos e relativos) e data de nascimento. Após a obtenção dos dados, os trimestres de nascimento foram definidos a partir da data de nascimento dos futebolistas. Considerando o número de dias, foi executada uma pequena correção na distribuição de probabilidade uniforme: 0.247, 0.249, 0.252 e 0.252, respetivamente (Doblhammer & Vaupel, 2001; Edgar & O‘Donoghue, 2005). Os jogadores selecionados foram categorizados em trimestres com base no seu mês de nascimento (Q1: janeiro, fevereiro e março; Q2: abril, maio e junho; Q3: julho, agosto e setembro; Q4: outubro, novembro e dezembro). O ano também foi dividido em semestres (S1: janeiro a junho; S2: julho a dezembro). 

Análise estatística: a presença do efeito da idade relativa entre os melhores jogadores de futebol nomeados para a Bola de Ouro de 1956 a 2022, foi investigada através de testes qui-quadrado (χ²) para avaliar as diferenças entre as distribuições observadas e esperadas em cada trimestre de nascimento. Os tamanhos do efeito foram calculados usando o V de Cramer, com os seguintes limites: pequeno entre 0.06–0.17, médio entre 0.18–0.29, e grande para valores superiores a 0.29 (Cohen, 1992). Foram calculados os resíduos estandardizados (testes post-hoc) para identificar os trimestres que se desviavam significativamente dos valores esperados (Garson, 2010; Hancock et al., 2011), com valores absolutos superiores a 1.96 sendo significativos. Valores positivos indicam uma sobrerrepresentação de nascimentos num trimestre, enquanto valores negativos indicam uma sub-representação. Foram, ainda, usados rácios de probabilidades (odds ratios – OR) e intervalos de confiança de 95% para comparar as discrepâncias entre trimestres (Q1 vs. Q2, Q1 vs. Q3, Q1 vs. Q4) e semestres (S1 vs. S2), com dimensões de efeito de 1.22, 1.86 e 3.00 indicando tamanhos de efeito pequenos, médios e grandes, respetivamente (Olivier & Bell, 2013). Todas as análises estatísticas foram realizadas no SPSS, v. 29, com o nível de significância definido em p < 0.05.

 

Principais resultados

 

·     Efeito da idade relativa nos nomeados e nos mais votados (Top 10, Top 3 e vencedor) para a Bola de Ouro

Embora o efeito da idade relativa influencie globalmente os nomeados para a Bola de Ouro, o mesmo não foi observado entre os jogadores que receberam mais votos (tabela 1). Apesar de haver uma clara sobrerrepresentação de jogadores nascidos nos primeiros meses do ano (Q1: jan–mar), o viés não se verifica entre os que ganharam ou se aproximaram de ganhar o troféu. Na amostra global, a dimensão do efeito foi pequena, com uma sobrerrepresentação significativa de futebolistas nascidos no primeiro trimestre e uma sub-representação de jogadores nascidos no terceiro trimestre (Q3: jul–set).

 

Tabela 1. O efeito da idade relativa na história da Bola de Ouro, no total e por década (Saavedra-García et al., 2024).

Notas: * teste estatístico significativo; V = dimensão de efeito Cramer’s V (s: pequeno; m: médio); Q1 até Q4 = trimestre 1 até trimestre 4; ** residuais estandardizados significativos.

 

·     Evolução do efeito da idade relativa ao longo da história da Bola de Ouro

A evolução do efeito da idade relativa ao longo da história da Bola de Ouro mostra que, nas primeiras décadas (1950 e 1960), houve um efeito invertido, ou seja, com uma sobrerrepresentação de jogadores nascidos no final do ano. Na década de 1950 foi identificado um efeito médio, com uma sub-representação significativa de atletas nascidos no segundo trimestre (Q2: abr–jun) e uma sobrerrepresentação de indivíduos do quarto trimestre (Q4: out–dez), que se manteve ao longo da década de 1960. 

A tendência inversa observada nas décadas de 1950 e 1960 desapareceu nas seguintes, não sendo notado um efeito da idade relativa significativo. Nas décadas de 2000 e 2010, o fenómeno reapareceu, caracterizando-se por uma clara sobrerrepresentação de jogadores nascidos nos primeiros meses do ano. De 2010 a 2020, identificou-se um efeito médio, com uma sobrerrepresentação significativa de futebolistas nascidos no primeiro trimestre e uma sub-representação de nascidos na segunda metade do ano (figura 3).

  

Figura 3. Evolução do dia de nascimento no ano de seleção, por ano e por década. Os intervalos mostram a média ± desvio-padrão. Os pontos e as linhas exibem as médias (Saavedra-García et al., 2024).

 

·     Comparação dos rácios de probabilidade (OR) por semestre e trimestre

S1 vs. S2: comparando os semestres de nascimento, observou-se uma dimensão de efeito grande na década de 2010 (OR = 3.37), média em 2000 (OR = 1.98) e efeitos pequenos nas décadas de 1980 (OR = 1.34), 1990 (OR = 1.44) e no total (OR = 1.25), com uma sobrerrepresentação de indivíduos nascidos no primeiro semestre do ano. 

Q1 vs. Q2: a análise comparativa do primeiro com o segundo trimestre revelou uma dimensão de efeito média na década de 1950 (OR = 2.19) e efeitos pequenos nas décadas de 1960 (OR = 1.27), 1970 (OR = 1.52), 1980 (OR = 1.59), 2010 (OR = 1.22) e no total (OR = 1.22), a favor dos nascidos no primeiro trimestre do ano. 

Q1 vs. Q3: os efeitos atingiram uma dimensão média na década de 2010 (OR = 2.79) e dimensões pequenas nas décadas de 1980 (OR = 1.42), 1990 (OR = 1.33) e no total (OR = 1.34), mais uma vez privilegiando os nascidos nos primeiros meses do ano. 

Q1 vs. Q4: os resultados da comparação demonstraram uma dimensão de efeito média na década de 2010 (OR = 2.19) e dimensões pequenas nas décadas de 1970 (OR = 1.25), 1980 (OR = 1.62), 1990 (OR = 1.35), 2000 (OR = 1.62), 2020 (OR = 1.39) e no total (OR = 1.22), sempre a favor dos futebolistas nascidos mais cedo no respetivo ano.

 

Aplicações práticas

A partir dos resultados anteriores, sugerimos 5 aplicações práticas que devem ser, no mínimo, ponderadas pelos treinadores ou outros profissionais (e.g., olheiros), no âmbito dos processos de recrutamento/seleção e de treino no futebol infantojuvenil:

 

1. Promover ajustes nos escalões etários, consoante o contexto de cada clube: o staff técnico e os dirigentes devem ser sensíveis ao enquadramento dos jovens praticantes nos escalões etários, utilizando, por exemplo, um agrupamento relativo dentro de cada categoria. Esta medida visa garantir uma competição mais justa e oportunidades de desenvolvimento para todos os jogadores, o que ajuda a mitigar as vantagens que os jogadores relativamente mais velhos possam ter devido ao seu mês de nascimento. 

2. Desenvolver programas de treino individualizados: o treino físico complementar já é uma prática instaurada nos programas formativos de clubes de elite. Neste sentido, é imperioso que os programas de treino individualizados considerem a maturidade física e psicológica em vez da idade cronológica. Esta abordagem pode atenuar as desvantagens associadas ao efeito da idade relativa, auxiliando o desenvolvimento de jogadores mais novos ou nascidos mais tarde. 

3. Sensibilizar e educar: um dos mecanismos mais promissores para lidar com o efeito da idade relativa é, precisamente, sensibilizar e educar treinadores, pais e dirigentes desportivos. Ações deste género conduzem a decisões mais informadas sobre a seleção e o desenvolvimento dos jogadores, reduzindo a possibilidade de vieses na identificação e na potenciação do talento. 

4. Monitorizar e avaliar o impacto do efeito da idade relativa nas performances individuais e coletivas: controlar e acompanhar a importância das datas de nascimento no desempenho dos jogadores e das equipas, de modo a perceber claramente se tal influi (ou não) na seleção e na retenção de talentos nos clubes e/ou nas seleções. 

5. Criar uma estrutura de apoio aos jovens relativamente mais jovens: proporcionar apoio adicional e orientação para os jogadores mais jovens ou nascidos mais tarde que possam apresentar desvantagens devido ao efeito da idade relativa. Esta intenção pode passar por propor sessões de treino extra, alternância de escalões etários na instituição, apoio psicológico e mentoria de jogadores mais velhos ou mais experientes.

 

Conclusão

A análise da história da Bola de Ouro permitiu identificar alguns padrões-chave relativos ao efeito da idade relativa: (1) o fenómeno é evidente e estatisticamente significativo entre os futebolistas nomeados para o troféu, especialmente no século XXI; (2) o efeito foi constatado entre os jogadores que ocuparam as posições de topo nas classificações da Bola de Ouro; (3) a evolução do efeito da idade relativa mostrou variabilidade ao longo do tempo, com um efeito inverso nas primeiras duas décadas do troféu, um período de inexistência (1970, 1980 e 1990) e um ressurgimento nas décadas mais recentes com maior incidências de futebolistas nascidos nos primeiros meses do ano. 

Os resultados destacam a complexidade do efeito da idade relativa no contexto do futebol e de prémios individuais prestigiados como a Bola de Ouro. A natureza dinâmica do fenómeno sugere que o seu impacto pode ser influenciado por fatores que evoluem ao longo do tempo. A inexistência do efeito da idade relativa nos futebolistas mais bem classificados na Bola de Ouro é um resultado intrigante, que requer uma análise mais aprofundada das circunstâncias únicas que podem contribuir para este efeito nos níveis de rendimento mais altos do desporto.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Sports.

21/05/2024

Curiosidades da Bola #2 – Os golos na Liga Portugal Betclic 2023/24

No passado dia 18 de maio, o blogue Linha de Passe celebrou a sua maioridade, completando 18 anos. Apesar de não ter assinalado a data no blogue e nas redes sociais, não me esqueci desta ocasião especial, pelo menos para mim. Como forma de comemorar a longevidade de um projeto que, por vezes, esteve moribundo, lanço a segunda edição da rubrica “Curiosidades da bola”, 21 meses após a publicação da primeira. 

Tal como no tema inaugural da rubrica, a Liga Portugal, agora patrocinada pela Betclic e conhecida entre os adeptos de futebol como “Tugão”, surge novamente no foco da análise, juntamente com o golo: a última determinante do sucesso na modalidade e que a torna tão apaixonante e popular. As curiosidades a seguir apresentadas tratam precisamente dos golos concretizados na recém-concluída edição da Liga Portugal Betclic 2023/24.

 

1) Recorde da média de golos por jogo das últimas 30 épocas (1994/95–2023/24)

Na época ora finda, a média de golos por jogo na Primeira Liga foi a mais elevada das últimas 3 décadas (figura 1).

 

Figura 1. Evolução da média de golos marcados por jogo na Primeira Liga portuguesa, entre 1994/95 e 2023/24.

 

Conforme podemos observar, marcou-se uma média de 2,87 golos/jogo em 2023/24, resultado de 877 golos em 306 partidas. De resto, este valor está significativamente acima da média de 2,52 golos/jogo, calculada para o período entre 1994/95 e 2023/24 (t = -11,775; p < 0,001; d = 2,15). A título de curiosidade, o segundo registo mais elevado (2,78) foi obtido na época 2012/13, enquanto o valor mais baixo (2,23) ocorreu em 2005/06. 

Também foi executada uma análise de correlação de Spearman para avaliar a relação entre a variável “Época” e a “média de golos por jogo na Primeira Liga”. Os resultados indicaram uma correlação positiva fraca, não significativa, entre as duas variáveis (rs = 0,224; p = 0,233; n = 30). Este resultado sugere que, ao longo das últimas 30 épocas, não há evidência estatística suficiente para afirmar que houve uma tendência significativa de aumento da média de golos por jogo na Primeira Liga.

 

2) Tipos de golos marcados na edição 2023/24 da Primeira Liga

A figura 2 exibe a distribuição do modo como os golos foram marcados na mais recente edição da principal divisão portuguesa.

  

Figura 2. Distribuição do modo como os golos foram marcados na mais recente edição da Primeira Liga.

 

Sem surpresa, cerca de 70% dos golos foram obtidos através de jogada corrida. Dos 30% de golos marcados através de esquema tático (bola parada), a maior porção derivou de pontapés de canto (n = 110; 12,5%), seguido de grandes penalidades (n = 75; 8,6%). O tipo de bola parada que originou o menor número de golos foi o lançamento lateral (n = 20; 2,3%), embora os pontapés livres diretos tenham tido uma frequência idêntica (n = 21; 2,4%). Volto a insistir: se os esquemas táticos produzem praticamente um terço dos golos marcados, quanto tempo deve ser despendido no microciclo semanal para a prática destas situações específicas do jogo?

 

3) Os penáltis foram menos importantes na obtenção do golo do que nas últimas épocas

Em 2023/24, foram assinaladas 98 grandes penalidades e marcaram-se 75 golos, sendo 70 deles de forma direta e 5 após recarga, o que corresponde a 8,55% da totalidade de golos concretizados. Esta é a percentagem mais baixa de golos marcados através de penálti das últimas 11 épocas, i.e., desde 2013/2014. O jogador mais concretizador da marca dos 11 metros foi o Héctor Hernández (GD Chaves), com 5 golos. Por outro lado, os guarda-redes mais bem-sucedidos foram Anatoliy Trubin (SL Benfica) e Luiz Júnior (FC Famalicão), com 3 defesas cada.

 

Figura 3. Luiz Júnior (FC Famalicão) a defender a grande penalidade executada pelo avançado Adrián Butzke (Vitória SC), aos 90’+2, na jornada 25 (fonte: vsports.pt).

 

4) Os autogolos não são assim tão irrelevantes quanto se possa pensar…

Vinte e seis golos, portanto, aproximadamente 3% dos golos marcados em 2023/24, foram “infortúnios” da equipa defensora, ou seja, autogolos. É interessante constatar que se marcaram mais autogolos que golos através de pontapés livres diretos ou na sequência de lançamentos laterais. Neste particular, é comum atribuir-se a justificativa da aleatoriedade, da chance: “foi infeliz”, “teve azar”, “tem de ir à bruxa”. O que é certo é que, destes 26 autogolos, 16 (61,5%) derivaram de erros na ação defensiva executada (interceção, alívio ou defesa do guarda-redes), ficando a restante parcela destinada a eventos realmente associados ao acaso. O rei dos autogolos foi o defensor Filipe Relvas (Portimonense SC), com 3 ações malsucedidas a desfavor da formação alvinegra. Vejamos abaixo o exemplo de uma delas, em Vizela, à sétima jornada.

  


Parece-me perfeitamente possível preparar os jogadores para evitarem alguns dos erros defensivos ou ofensivos inerentes à marcação de autogolos. Enquanto se adjudicar estas situações de jogo à sorte ou ao azar, jamais poderemos refletir sobre eventuais práticas para reduzir a respetiva incidência em competição. O trabalho individual é altamente recomendado para o efeito; a simples correção da colocação dos apoios pode contribuir bastante para que o erro não surja.

 

Nota final

Assim, fechamos a segunda edição das “Curiosidades da bola”, onde procurámos demonstrar que o conhecimento pode revelar aspetos do jogo que não são imediatamente visíveis. As tendências que identificámos ao longo do tempo resultam frequentemente de uma variabilidade difícil de prever ou quantificar. O futebol não é uma ciência exata e nunca será. No entanto, a arte do treino pode beneficiar substancialmente se estivermos atentos às tendências e padrões que o jogo apresenta em diferentes circunstâncias. 

Esperamos que esta análise inspire treinadores e entusiastas a refletirem sobre a importância de situações estratégico-táticas específicas, incorporando-as no treino diário. Com um entendimento mais profundo de estatísticas, padrões ou tendências, podemos continuar a evoluir na nossa abordagem ao futebol, tornando o jogo ainda mais apaixonante e competitivo.