No passado dia 18 de maio, o blogue Linha de Passe celebrou a sua maioridade, completando 18 anos. Apesar de não ter assinalado a data no blogue e nas redes sociais, não me esqueci desta ocasião especial, pelo menos para mim. Como forma de comemorar a longevidade de um projeto que, por vezes, esteve moribundo, lanço a segunda edição da rubrica “Curiosidades da bola”, 21 meses após a publicação da primeira.
Tal como no tema inaugural da rubrica, a Liga Portugal,
agora patrocinada pela Betclic e conhecida entre os adeptos de futebol como “Tugão”,
surge novamente no foco da análise, juntamente com o golo: a última
determinante do sucesso na modalidade e que a torna tão apaixonante e popular.
As curiosidades a seguir apresentadas tratam precisamente dos golos
concretizados na recém-concluída edição da Liga Portugal Betclic 2023/24.
1) Recorde da média de golos por jogo das últimas 30
épocas (1994/95–2023/24)
Na época ora finda, a média de golos por jogo na Primeira
Liga foi a mais elevada das últimas 3 décadas (figura 1).
Figura 1. Evolução da média de golos marcados por jogo na Primeira
Liga portuguesa, entre 1994/95 e 2023/24.
Conforme podemos observar, marcou-se uma média de 2,87 golos/jogo em 2023/24, resultado de 877 golos em 306 partidas. De resto, este valor está significativamente acima da média de 2,52 golos/jogo, calculada para o período entre 1994/95 e 2023/24 (t = -11,775; p < 0,001; d = 2,15). A título de curiosidade, o segundo registo mais elevado (2,78) foi obtido na época 2012/13, enquanto o valor mais baixo (2,23) ocorreu em 2005/06.
Também foi executada uma análise de correlação de
Spearman para avaliar a relação entre a variável “Época” e a “média de golos
por jogo na Primeira Liga”. Os resultados indicaram uma correlação positiva
fraca, não significativa, entre as duas variáveis (rs = 0,224; p
= 0,233; n = 30). Este resultado sugere que, ao longo das últimas 30
épocas, não há evidência estatística suficiente para afirmar que houve uma
tendência significativa de aumento da média de golos por jogo na Primeira Liga.
2) Tipos de golos
marcados na edição 2023/24 da Primeira Liga
A figura 2 exibe a distribuição do modo como os golos
foram marcados na mais recente edição da principal divisão portuguesa.
Sem surpresa, cerca de 70% dos golos foram obtidos
através de jogada corrida. Dos 30% de golos marcados através de esquema tático
(bola parada), a maior porção derivou de pontapés de canto (n = 110;
12,5%), seguido de grandes penalidades (n = 75; 8,6%). O tipo de bola parada
que originou o menor número de golos foi o lançamento lateral (n = 20; 2,3%),
embora os pontapés livres diretos tenham tido uma frequência idêntica (n
= 21; 2,4%). Volto a insistir: se os esquemas táticos produzem praticamente um
terço dos golos marcados, quanto tempo deve ser despendido no microciclo
semanal para a prática destas situações específicas do jogo?
3) Os penáltis foram menos importantes na obtenção do
golo do que nas últimas épocas
Em 2023/24, foram assinaladas 98 grandes penalidades e
marcaram-se 75 golos, sendo 70 deles de forma direta e 5 após recarga, o que
corresponde a 8,55% da totalidade de golos concretizados. Esta é a percentagem
mais baixa de golos marcados através de penálti das últimas 11 épocas, i.e.,
desde 2013/2014. O jogador mais concretizador da marca dos 11 metros foi o Héctor
Hernández (GD Chaves), com 5 golos. Por outro lado, os guarda-redes mais
bem-sucedidos foram Anatoliy Trubin (SL Benfica) e Luiz Júnior (FC Famalicão),
com 3 defesas cada.
Figura 3. Luiz Júnior (FC Famalicão) a defender a grande
penalidade executada pelo avançado Adrián Butzke (Vitória SC), aos 90’+2, na
jornada 25 (fonte: vsports.pt).
4) Os autogolos não são assim tão irrelevantes quanto se
possa pensar…
Vinte e seis golos, portanto, aproximadamente 3% dos golos
marcados em 2023/24, foram “infortúnios” da equipa defensora, ou seja,
autogolos. É interessante constatar que se marcaram mais autogolos que golos
através de pontapés livres diretos ou na sequência de lançamentos laterais.
Neste particular, é comum atribuir-se a justificativa da aleatoriedade, da
chance: “foi infeliz”, “teve azar”, “tem de ir à bruxa”. O que é certo é que,
destes 26 autogolos, 16 (61,5%) derivaram de erros na ação defensiva executada
(interceção, alívio ou defesa do guarda-redes), ficando a restante parcela destinada
a eventos realmente associados ao acaso. O rei dos autogolos foi o defensor
Filipe Relvas (Portimonense SC), com 3 ações malsucedidas a desfavor da formação
alvinegra. Vejamos abaixo o exemplo de uma delas, em Vizela, à sétima jornada.
Parece-me perfeitamente possível preparar os jogadores
para evitarem alguns dos erros defensivos ou ofensivos inerentes à marcação de
autogolos. Enquanto se adjudicar estas situações de jogo à sorte ou ao azar,
jamais poderemos refletir sobre eventuais práticas para reduzir a respetiva
incidência em competição. O trabalho individual é altamente recomendado para o
efeito; a simples correção da colocação dos apoios pode contribuir bastante para
que o erro não surja.
Nota final
Assim, fechamos a segunda edição das “Curiosidades da bola”, onde procurámos demonstrar que o conhecimento pode revelar aspetos do jogo que não são imediatamente visíveis. As tendências que identificámos ao longo do tempo resultam frequentemente de uma variabilidade difícil de prever ou quantificar. O futebol não é uma ciência exata e nunca será. No entanto, a arte do treino pode beneficiar substancialmente se estivermos atentos às tendências e padrões que o jogo apresenta em diferentes circunstâncias.
Esperamos que esta análise inspire treinadores e
entusiastas a refletirem sobre a importância de situações estratégico-táticas
específicas, incorporando-as no treino diário. Com um entendimento mais
profundo de estatísticas, padrões ou tendências, podemos continuar a evoluir na
nossa abordagem ao futebol, tornando o jogo ainda mais apaixonante e
competitivo.
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