Nota prévia: O artigo
científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes
critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com
revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3)
associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do
Desporto.
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Autores: Saavedra-García, M. A., Santiago-Alonso, M., Vila-Suárez,
H., Montero-Seoane, A., & Fernández-Romero, J. J.
País: Espanha
Data de publicação: 22-abril-2024
Título: Relative age effect analysis
in the history of the Ballon d’Or (1956–2023)
Referência: Saavedra-García, M.
A., Santiago-Alonso, M., Vila-Suárez, H., Montero-Seoane, A., &
Fernández-Romero, J. J. (2024). Relative
age effect analysis in the history of the Ballon d’Or (1956–2023). Sports, 12, 115. https://doi.org/10.3390/sports12040115
Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 53 – maio de 2024.
Apresentação do problema
O efeito da idade relativa refere-se ao fenómeno em que indivíduos nascidos mais próximos de uma data de corte, inerente a um processo de seleção por idade cronológica, possuem um conjunto de vantagens sobre os seus pares nascidos mais tarde nesse período de seleção (Musch & Grondin, 2011; Wattie et al., 2014). No desporto, as datas de corte são comumente definidas entre os dias 1 de janeiro e 31 de dezembro do mesmo ano, conferindo aos jogadores nascidos nos primeiros meses uma vantagem desportiva, derivada a aspetos físicos, psicossociais, cognitivos e emocionais. De facto, a maioria dos países utiliza estas datas de seleção (Figueiredo et al., 2021), o mesmo ocorrendo nos torneios juvenis tutelados pela Fédération Internationale de Football Association (FIFA), desde 1997 (Romann & Fuchslocher, 2013; Simon et al., 2022). Porém, no futebol profissional, a data de corte pode variar entre países. Por exemplo, em Inglaterra utiliza-se o dia 1 de agosto (Pedersen et al., 2022). Apesar destas divergências, os eventos da FIFA apresentam características propícias para estudos sobre o tema no futebol (Ribeiro et al., 2023).
O efeito da idade relativa é particularmente pronunciado no futebol, no qual a idade influencia significativamente a elegibilidade e a participação (Mujika et al., 2009; Sarmento et al., 2018). A explicação primária para o efeito da idade relativa no futebol gira em torno de atributos físicos, que têm mais influência no jogo do que as habilidades técnicas durante as fases iniciais de desenvolvimento. Além disso, as pressões de seleção enfrentadas pelos futebolistas em idades mais jovens persistem na idade adulta, ao nível da elite (Saavedra-García et al., 2019; Wattie et al., 2014). Embora haja um número considerável de estudos sobre este efeito no futebol, é raro encontrar publicações que o examinem ao longo de um período prolongado (Pedersen et al., 2022; Saavedra-García et al., 2019).
Os estudos longitudinais identificados incluíram jogadores
de seleções nacionais (Saavedra-García et al., 2019) que participam em torneios
da FIFA e que experienciaram a extrema dificuldade de seleção numa era marcada
por uma enorme pressão competitiva. De facto, a competitividade levada ao
extremo está a aumentar o efeito da idade relativa no futebol. No entanto, não
foram encontrados estudos associando o efeito da idade relativa à nomeação ou
atribuição de prémios individuais, como a Bola de Ouro (Ballon d’Or),
promovida pela revista France Football (figura 2). A Bola de Ouro é um dos
mais prestigiados prémios anuais de futebol, elegendo o melhor jogador de
futebol masculino desde 1956 e a melhor jogadora de futebol feminino desde
2018. Introduzida em 1956 pelo editor-chefe da France Football, a Bola
de Ouro era inicialmente exclusiva para jogadores europeus a atuar na Europa.
Em 1995, uma parceria entre a FIFA e a France Football fundiu o prémio “FIFA
World Player of the Year” com a Bola de Ouro. Em 2016, a FIFA e a France
Football separaram os prémios. A FIFA introduziu o “The Best FIFA Men’s
Player”, enquanto a France Football continuou a apresentar a Bola de
Ouro, prémios que refletem de forma significativa a excelência individual na
modalidade.
Figura 2. As 5 bolas de ouro ganhas por Cristiano Ronaldo (fonte: https://www.marca.com)
(imagem não publicada pelos autores).
Na realidade, existem poucos estudos sobre a Bola de
Ouro: uns caracterizaram os jogadores nomeados (Shibata & Inuiguchi, 2014),
outros examinaram o processo de votação (Coupe et al., 2017; Kopkin &
Roberts, 2022) e outros investigaram as celebridades que ganharam o troféu mais
vezes (Anderson et al., 2019). Contudo, nenhum destes estudos examinou o efeito
da idade relativa neste contexto. Assim, o propósito deste trabalho foi analisar
o efeito da idade relativa na história da Bola de Ouro, averiguando a
existência e a evolução do fenómeno desde a edição inaugural em 1956 até à
atualidade (2023).
Métodos
Amostra: todos os futebolistas do sexo masculino nomeados para a Bola de Ouro, de 1956 a 2023. Os dados foram extraídos do website oficial da Bola de Ouro (https://www.francefootball.fr/ballon-d-or/palmares/). No total, foram incluídos 1899 jogadores, com uma idade média de 27.09 ± 3.72 anos.
Procedimentos: foram analisadas variáveis relacionadas com o ano do prémio, classificação, pontos (valores absolutos e relativos) e data de nascimento. Após a obtenção dos dados, os trimestres de nascimento foram definidos a partir da data de nascimento dos futebolistas. Considerando o número de dias, foi executada uma pequena correção na distribuição de probabilidade uniforme: 0.247, 0.249, 0.252 e 0.252, respetivamente (Doblhammer & Vaupel, 2001; Edgar & O‘Donoghue, 2005). Os jogadores selecionados foram categorizados em trimestres com base no seu mês de nascimento (Q1: janeiro, fevereiro e março; Q2: abril, maio e junho; Q3: julho, agosto e setembro; Q4: outubro, novembro e dezembro). O ano também foi dividido em semestres (S1: janeiro a junho; S2: julho a dezembro).
Análise estatística: a
presença do efeito da idade relativa entre os melhores jogadores de futebol
nomeados para a Bola de Ouro de 1956 a 2022, foi investigada através de testes
qui-quadrado (χ²) para avaliar as diferenças entre as distribuições observadas
e esperadas em cada trimestre de nascimento. Os tamanhos do efeito foram
calculados usando o V de Cramer, com os seguintes limites: pequeno entre
0.06–0.17, médio entre 0.18–0.29, e grande para valores superiores a 0.29
(Cohen, 1992). Foram calculados os resíduos estandardizados (testes post-hoc)
para identificar os trimestres que se desviavam significativamente dos valores
esperados (Garson, 2010; Hancock et al., 2011), com valores absolutos
superiores a 1.96 sendo significativos. Valores positivos indicam uma
sobrerrepresentação de nascimentos num trimestre, enquanto valores negativos
indicam uma sub-representação. Foram, ainda, usados rácios de probabilidades (odds
ratios – OR) e intervalos de confiança de 95% para comparar as discrepâncias
entre trimestres (Q1 vs. Q2, Q1 vs. Q3, Q1 vs. Q4) e semestres (S1 vs. S2), com
dimensões de efeito de 1.22, 1.86 e 3.00 indicando tamanhos de efeito pequenos,
médios e grandes, respetivamente (Olivier & Bell, 2013). Todas as análises
estatísticas foram realizadas no SPSS, v. 29, com o nível de significância
definido em p < 0.05.
Principais resultados
· Efeito da idade relativa nos nomeados e nos mais votados (Top
10, Top 3 e vencedor) para a Bola de Ouro
Embora o efeito da idade
relativa influencie globalmente os nomeados para a Bola de Ouro, o mesmo não
foi observado entre os jogadores que receberam mais votos (tabela 1). Apesar de
haver uma clara sobrerrepresentação de jogadores nascidos nos primeiros meses
do ano (Q1: jan–mar), o viés não se verifica entre os que ganharam ou se
aproximaram de ganhar o troféu. Na amostra global, a dimensão do efeito foi
pequena, com uma sobrerrepresentação significativa de futebolistas nascidos no
primeiro trimestre e uma sub-representação de jogadores nascidos no terceiro
trimestre (Q3: jul–set).
Tabela 1. O efeito da idade relativa na história da Bola de Ouro, no
total e por década (Saavedra-García et al., 2024).
Notas: * teste estatístico significativo; V = dimensão de efeito Cramer’s V (s: pequeno; m: médio); Q1 até Q4 = trimestre 1 até trimestre 4; ** residuais estandardizados significativos.
· Evolução do efeito da idade relativa ao longo da história
da Bola de Ouro
A evolução do efeito da idade relativa ao longo da história da Bola de Ouro mostra que, nas primeiras décadas (1950 e 1960), houve um efeito invertido, ou seja, com uma sobrerrepresentação de jogadores nascidos no final do ano. Na década de 1950 foi identificado um efeito médio, com uma sub-representação significativa de atletas nascidos no segundo trimestre (Q2: abr–jun) e uma sobrerrepresentação de indivíduos do quarto trimestre (Q4: out–dez), que se manteve ao longo da década de 1960.
A tendência inversa observada nas décadas de 1950 e 1960
desapareceu nas seguintes, não sendo notado um efeito da idade relativa
significativo. Nas décadas de 2000 e 2010, o fenómeno reapareceu, caracterizando-se
por uma clara sobrerrepresentação de jogadores nascidos nos primeiros meses do
ano. De 2010 a 2020, identificou-se um efeito médio, com uma sobrerrepresentação
significativa de futebolistas nascidos no primeiro trimestre e uma sub-representação
de nascidos na segunda metade do ano (figura 3).
Figura 3. Evolução do dia de nascimento no ano de seleção, por ano
e por década. Os intervalos mostram a média ± desvio-padrão. Os pontos e as
linhas exibem as médias (Saavedra-García et al., 2024).
· Comparação dos rácios de probabilidade (OR) por semestre
e trimestre
S1 vs. S2: comparando os semestres de nascimento, observou-se uma dimensão de efeito grande na década de 2010 (OR = 3.37), média em 2000 (OR = 1.98) e efeitos pequenos nas décadas de 1980 (OR = 1.34), 1990 (OR = 1.44) e no total (OR = 1.25), com uma sobrerrepresentação de indivíduos nascidos no primeiro semestre do ano.
Q1 vs. Q2: a análise comparativa do primeiro com o segundo trimestre revelou uma dimensão de efeito média na década de 1950 (OR = 2.19) e efeitos pequenos nas décadas de 1960 (OR = 1.27), 1970 (OR = 1.52), 1980 (OR = 1.59), 2010 (OR = 1.22) e no total (OR = 1.22), a favor dos nascidos no primeiro trimestre do ano.
Q1 vs. Q3: os efeitos atingiram uma dimensão média na década de 2010 (OR = 2.79) e dimensões pequenas nas décadas de 1980 (OR = 1.42), 1990 (OR = 1.33) e no total (OR = 1.34), mais uma vez privilegiando os nascidos nos primeiros meses do ano.
Q1 vs. Q4: os resultados da comparação demonstraram uma dimensão
de efeito média na década de 2010 (OR = 2.19) e dimensões pequenas nas décadas
de 1970 (OR = 1.25), 1980 (OR = 1.62), 1990 (OR = 1.35), 2000 (OR = 1.62), 2020
(OR = 1.39) e no total (OR = 1.22), sempre a favor dos futebolistas nascidos
mais cedo no respetivo ano.
Aplicações práticas
A partir dos resultados
anteriores, sugerimos 5 aplicações práticas que devem ser, no mínimo,
ponderadas pelos treinadores ou outros profissionais (e.g., olheiros), no âmbito
dos processos de recrutamento/seleção e de treino no futebol infantojuvenil:
1. Promover ajustes nos escalões etários, consoante o contexto de cada clube: o staff técnico e os dirigentes devem ser sensíveis ao enquadramento dos jovens praticantes nos escalões etários, utilizando, por exemplo, um agrupamento relativo dentro de cada categoria. Esta medida visa garantir uma competição mais justa e oportunidades de desenvolvimento para todos os jogadores, o que ajuda a mitigar as vantagens que os jogadores relativamente mais velhos possam ter devido ao seu mês de nascimento.
2. Desenvolver programas de treino individualizados: o treino físico complementar já é uma prática instaurada nos programas formativos de clubes de elite. Neste sentido, é imperioso que os programas de treino individualizados considerem a maturidade física e psicológica em vez da idade cronológica. Esta abordagem pode atenuar as desvantagens associadas ao efeito da idade relativa, auxiliando o desenvolvimento de jogadores mais novos ou nascidos mais tarde.
3. Sensibilizar e educar: um dos mecanismos mais promissores para lidar com o efeito da idade relativa é, precisamente, sensibilizar e educar treinadores, pais e dirigentes desportivos. Ações deste género conduzem a decisões mais informadas sobre a seleção e o desenvolvimento dos jogadores, reduzindo a possibilidade de vieses na identificação e na potenciação do talento.
4. Monitorizar e avaliar o impacto do efeito da idade relativa nas performances individuais e coletivas: controlar e acompanhar a importância das datas de nascimento no desempenho dos jogadores e das equipas, de modo a perceber claramente se tal influi (ou não) na seleção e na retenção de talentos nos clubes e/ou nas seleções.
5. Criar uma estrutura de apoio aos jovens relativamente
mais jovens: proporcionar apoio adicional e orientação para os jogadores
mais jovens ou nascidos mais tarde que possam apresentar desvantagens devido ao
efeito da idade relativa. Esta intenção pode passar por propor sessões de
treino extra, alternância de escalões etários na instituição, apoio psicológico
e mentoria de jogadores mais velhos ou mais experientes.
Conclusão
A análise da história da Bola de Ouro permitiu identificar alguns padrões-chave relativos ao efeito da idade relativa: (1) o fenómeno é evidente e estatisticamente significativo entre os futebolistas nomeados para o troféu, especialmente no século XXI; (2) o efeito foi constatado entre os jogadores que ocuparam as posições de topo nas classificações da Bola de Ouro; (3) a evolução do efeito da idade relativa mostrou variabilidade ao longo do tempo, com um efeito inverso nas primeiras duas décadas do troféu, um período de inexistência (1970, 1980 e 1990) e um ressurgimento nas décadas mais recentes com maior incidências de futebolistas nascidos nos primeiros meses do ano.
Os resultados destacam a complexidade do efeito da idade
relativa no contexto do futebol e de prémios individuais prestigiados como a
Bola de Ouro. A natureza dinâmica do fenómeno sugere que o seu impacto pode ser
influenciado por fatores que evoluem ao longo do tempo. A inexistência do
efeito da idade relativa nos futebolistas mais bem classificados na Bola de Ouro
é um resultado intrigante, que requer uma análise mais aprofundada das
circunstâncias únicas que podem contribuir para este efeito nos níveis de
rendimento mais altos do desporto.
P.S.:
1- As ideias que constam neste texto foram originalmente
escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua
portuguesa;
2- Para melhor compreender as ideias acima referidas,
recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;
3- As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos
autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão
original publicada na revista Sports.
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