O meu primeiro evento
oficial no âmbito das Ciências do Desporto ocorreu em abril de 2003, na
Faculdade de Motricidade Humana, quando alguns alunos da instituição foram
convidados a fazer voluntariado no 5th
World Congress on Science & Football. Tive o prazer de apoiar diversos
cientistas em termos logísticos e lembro-me, em particular, da qualidade da
apresentação do professor Magni Mohr, com o tema “Temperatura muscular e
desempenho em sprint durante jogos de
futebol – Benefícios do reaquecimento ao intervalo”. Aliás, os resultados deste
estudo viriam a ser publicados, em 2004, no prestigiado Scandinavian
Journal of Medicine & Science in Sports.
Apesar de as primeiras
evidências remontarem a um período superior a uma década, só recentemente temos
visto algumas equipas profissionais de futebol a reaquecer no relvado no período de intervalo. Tomemos como exemplo o FC Porto, que na época transata já cumpria
breves instantes de reaquecimento organizado no relvado e continua a adotar
essa estratégia com o atual treinador Sérgio Conceição (figura 1). Confesso que
desconheço se outras equipas da Liga portuguesa o fazem. Para mim, também não é
um dado líquido que não o façam no balneário ou noutra infraestrutura do
estádio; face ao tempo disponível para o suposto «período de descanso» (15
minutos), parece-me pouco provável que assim seja. Admito que muitas equipas
profissionais de futebol, inclusivamente algumas de elite, não o façam, pois a
brecha entre a prática (o jogo) e a ciência (o conhecimento) ainda é larga.
Figura 1. Equipa principal do FC Porto a reaquecer ao intervalo do jogo contra o Leicester City (UEFA Champions League 2016-2017). |
Faz ou não sentido realizar
um reaquecimento durante o intervalo de um jogo de futebol? Vamos a factos. A
temperatura muscular – por exemplo, do quadríceps – sofre variações em função
da atividade exercida ao longo do tempo. Mohr, Krustrup, Nybo, Nielsen e
Bangsbo (2004) propuseram um protocolo experimental, no qual 8 jogadores realizaram
Exercícios de Baixa Intensidade (EBI) ao intervalo,
enquanto outro grupo de 8 jogadores Recuperou de forma Passiva
(RP). No início e no final da 1.ª parte, a diferença entre os grupos nas
temperaturas musculares do quadríceps e do core não foram significativas.
Contudo, antes do início da 2.ª parte, o grupo EBI apresentou temperaturas do
quadríceps e do core significativamente superiores (+ 2.1 °C e + 0.9 °C,
respetivamente). Em termos do desempenho na atividade de sprint no recomeço do jogo (i.e., primeiros minutos da 2.ª parte),
houve um decréscimo de 2.4% no grupo RP, o que não ocorreu no grupo EBI.
Basicamente, este estudo demonstrou que o decréscimo da temperatura muscular
durante o intervalo compromete a capacidade de realizar sprints no reinício do jogo, o que pode ser evitado com um breve
período de reaquecimento (2-3 minutos) durante o intervalo, que permita
preservar a temperatura muscular (figura 2).
Figura 2. Reaquecimento ao intervalo do jogo (fonte: fotballviten.no). |
Mais recentemente, Edholm,
Krustrup e Randers (2015) investigaram os efeitos agudos da prática de
reaquecimento ao intervalo na performance e nos padrões de movimento de 22
jogadores profissionais de futebol em dois jogos competitivos. O protocolo
utilizado foi semelhante ao anteriormente referido: num jogo competitivo, os
jogadores fizeram a tradicional Recuperação Passiva (RP); no
outro jogo, efetuaram Exercícios de Baixa Intensidade
(EBI) no período de intervalo. As evidências foram ainda mais contundentes.
Após o intervalo, os desempenhos em atividades de sprint e de salto sofreram decréscimos significativos de 2.6% e
7.6%, respetivamente, no grupo RP; no grupo EBI, a atividade de sprint não se alterou e a deterioração
da capacidade de salto quedou-se pelos 3.1%. Nos primeiros 15 minutos da 2.ª
parte, o grupo que cumpriu reaquecimento (EBI) realizou uma menor distância em
corrida de alta intensidade na fase defensiva do jogo, apresentando também uma
maior percentagem de posse de bola.
De uma forma geral, as
evidências científicas indicam que a estratégia de reaquecer/reativar no
período de intervalo induz efeitos positivos em atividades musculares básicas
como correr em velocidade ou saltar no reinício do jogo, quanto mais não seja
pelo atenuar dos efeitos adversos decorrentes do decréscimo significativo da
temperatura muscular. Para além disso, o próprio desempenho coletivo das
equipas tende a melhorar, através do acréscimo do tempo passado em posse de
bola (fase ofensiva) e da redução do dispêndio energético associado a
atividades de alta intensidade na fase defensiva do jogo. Finalmente, o
reaquecimento muscular ao intervalo é altamente recomendado como método de
prevenção para o elevado risco de lesão documentado nos primeiros 20 minutos da
2.ª parte do jogo de futebol (Russell, West, Harper, Cook, e Kilduff, 2015).
Factos são factos e a
ciência abona a favor das equipas técnicas que adotam a estratégia de reaquecer/reativar
nos instantes prévios ao início da 2.ª parte. Ao ignorar a informação disponível,
e nos mantermos fieis às práticas tradicionais de proceder a reforços e
correções de natureza estratégico-tática e/ou apelar à «atitude» e à
competitividade dos jogadores, estamos a negligenciar um período relevante para
preparar, funcional e metabolicamente, a individualidade e o grupo para o
recomeço do jogo. Afinal, dois ou três minutos podem ser muito mais
determinantes para o sucesso em competição do que intuitivamente poderíamos
imaginar.
Referências
Edholm, P., Krustrup, P., &
Randers, M. B. (2015). Half-time re-warm up increases performance capacity in
male elite soccer players. Scandinavian
Journal of Medicine & Science in Sports, 25(1), e40–e49. doi: 10.1111/sms.12236
Mohr, M., Krustrup, P., Nybo, L.,
Nielsen, J. J., & Bangsbo, J. (2004). Muscle temperature and sprint performance
during soccer matches – Beneficial effect of re-warm-up at half-time. Scandinavian Journal of Medicine &
Science in Sports, 14, 156–162. doi: 10.1046/j.1600-0838.2003.00349.x
Russell, M., West, D. J., Harper, L.
D., Cook, C. J., & Kilduff, L. P. (2015). Half-time strategies to enhance
second-half performance in team-sports players: A review and recommendations. Sports Medicine, 45(3), 353– 364.