O VAR (Video Assistant
Referee) foi oficialmente introduzido na principal liga portuguesa (Liga
NOS) na época 2017/2018, depois do sistema ter sido testado na final da Taça de
Portugal da época 2016/2017. De facto, Portugal foi um dos países pioneiros na
adoção deste sistema tecnológico que, entretanto, foi utilizado no Campeonato do
Mundo da FIFA 2018, a partir dos oitavos-de-final da UEFA Champions League
da época 2018/2019 e, mais recentemente, na FA Premier League 2019/2020.
Entretanto, países como a Alemanha, a Espanha e a Itália, entre outros, já haviam
implementado o VAR nas respetivas ligas domésticas. O VAR está, na atualidade,
altamente disseminado por todo o mundo e, portanto, urge questionar que modificações
poderá a introdução deste sistema acarretar na dinâmica do jogo.
Figura 1. Sinalética de revisão de lance através do VAR (fonte: IFAB). |
Numa primeira análise, Haugen
(2019) sugeriu que o VAR seria prejudicial para o futebol, pois reduziria a
incerteza dos resultados a níveis que comprometeriam seriamente o interesse
competitivo do jogo. Este autor adianta que o VAR irá beneficiar as melhores
equipas, o que não deixa de ser irónico, uma vez que o seu principal propósito
é aumentar a justiça das decisões tomadas pela equipa de arbitragem em campo.
Ora, se o VAR apenas atua em 4 contextos muito específicos (1: golo ou não
golo; 2: penálti ou não penálti; 3: falta passível de expulsão – cartão vermelho
direto; 4: má identificação de um jogador aquando de uma advertência/cartão
amarelo ou expulsão/cartão vermelho), tenderá a reduzir as injustiças relativas
às equipas que detêm mais a bola e que atacam mais, promovendo um decréscimo da
probabilidade de visualizarmos mais desfechos do tipo David e Golias. Se este
último argumento é, para mim, no mínimo discutível, o próximo nem é tanto. Haugen
(2019) também alega que o VAR aumenta o número de paragens num jogo que per
se apresenta paragens naturais mais do que suficientes (e.g., pontapés-livres,
pontapés de canto, lançamentos laterais, penáltis, foras-de-jogo, substituições,
etc.), o que o torna mais aborrecido em relação a outras modalidades
desportivas.
Para estimular a
discussão, observemos o vídeo seguinte do jogo West Ham United FC x Manchester
City FC, da primeira jornada da FA English Premier League, no passado
dia 10 de agosto de 2019.
O VAR invalidou o golo por
escassos milímetros, presumo (figura 2). Embora a tecnologia vise reduzir a injustiça no
jogo, levantou-se uma onda de contestação de que está a “matar a essência do futebol”
e que é um “crime anular um golo destes”. Primeiro, o VAR cumpre o desígnio
para o qual foi criado, independentemente de agradar a A, B ou C, depois nem
sempre beneficia as melhores equipas, conforme pudemos constatar nestas imagens
e iremos, com certeza, voltar a observar no futuro.
Figura 2. Análise do VAR a um golo apontado pelo Manchester City FC vs. West Ham United FC (10-ago-2019). |
Num artigo científico
publicado no final do mês de julho de 2019, os autores Lago-Penãs, Rey e Kalén
propuseram compreender “como o VAR modifica o jogo no futebol de elite?”. Num
total de 1024 jogos disputados na Série A italiana e na Bundesliga alemã, nas
épocas antes e após a introdução do VAR (2016/2017 e 2017/2018, respetivamente),
os investigadores analisaram os efeitos do sistema nas seguintes variáveis:
faltas, golos, foras-de-jogo, penáltis, tempo de jogo na primeira parte, tempo
de jogo da segunda parte, tempo de jogo total, cartões amarelos e cartões
vermelhos. Curiosamente, foi identificado um decréscimo no número de foras-de-jogo,
faltas e cartões amarelos após a implementação do VAR. Pelo contrário, houve um
aumento do tempo de jogo na primeira parte e na totalidade do mesmo, mas não na
segunda parte das partidas. Os autores concluíram que o VAR não modificou as
características do jogo no futebol de elite.
Pessoalmente, sou a favor
do VAR. Julgo, ainda, que são necessários mais estudos para compreender mais detalhadamente
as implicações da introdução deste sistema na dinâmica do jogo. Por exemplo, na
Liga NOS, considerando as médias das duas épocas prévias (2015/2016 e
2016/2017) e posteriores à introdução do VAR (2017/2018 e 2018/2019), o número
de grandes penalidades por época aumentou de 95 para 106, tal como a
percentagem de golos obtidos de grande penalidade por época (≈ +1.5%). Até ver,
as evidências não confirmam o cenário de adversidade avançado por alguns adeptos,
dirigentes e treinadores. Não obstante o aumento das paragens, o futebol tende
agora a ser uma modalidade mais justa e limpa de especulações e suspeitas que
somente deturpem a beleza e o significado do jogo.
Referências
Haugen, K. K.
(2019). Video-Assisted Refereeing in association football: possible adverse
effects on uncertainty of outcome. OA Journal – Sports, 1. doi: 10.24294/sp.v1i1.176
Lago-Peñas, C., Rey,
E., & Kalén, A. (2019). How does
Video Assistant Referee modify the game in elite soccer? International
Journal of Performance Analysis in Sport, 19(4), 646-653. doi: 10.1080/24748668.2019.1646521
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