Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado
em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica
internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3)
associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do
Desporto.
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Autores:
Brinkschulte, M., Furley, P., & Memmert, D.
País: Alemanha
Data de publicação: 27-abril-2020
Título:
English football players are not as bad at kicking penalties
as commonly assumed
Revista: Scientific Reports
Referência: Brinkschulte,
M., Furley, P., & Memmert, D. (2020). English football players are
not as bad at kicking penalties as commonly assumed. Scientific Reports, 10,
7027. https://doi.org/10.1038/s41598-020-63889-6 (link)
Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 7 – julho de
2020.
Apresentação do problema
As grandes penalidades
desempenham um papel importante no futebol e é plausível que assim continue a
acontecer em eventos vindouros, como o campeonato europeu da UEFA, em 2021. A
título de exemplo, através de desempates por grandes penalidades, já foram resolvidos
18 jogos de campeonatos europeus, incluindo um para decidir o vencedor da prova
(1976). Em campeonatos do mundo da FIFA, 30 jogos foram concluídos desta forma,
sendo que dois deles resultaram na consagração do campeão mundial (1994 e
2006). A investigação em torno do futebol tem sugerido, no entanto, que nem
todas as nações apresentam desempenhos idênticos nestas situações, consideradas
como o pináculo da performance sob alta pressão na modalidade.
Um resultado específico que
tem recebido uma extraordinária atenção do público em geral, dos média e até reconhecido
por peritos de futebol em comentários televisivos, prende-se com o seguinte
estereótipo: os jogadores ingleses são extremamente fracos a marcar penáltis
(figura 2).
Figura 2. David Beckham a falhar uma grande penalidade na decisão
da eliminatória contra Portugal, no EURO 2004 (imagem não publicada pelos
autores; fonte: uk.sports.yahoo.com)
Como é comum no caso dos
estereótipos, há sempre alguma verdade por detrás dos mesmos. Desde 1978, a
seleção nacional inglesa apenas venceu 3 dos 9 desempates por grandes
penalidades em que participaram (derrotas nos campeonatos mundiais de 1990,
1998 e 2006, e nos campeonatos europeus de 1996, 2004 e 2012). Este registo
negativo levou os cientistas a procurar por potenciais explicações para o
facto. A chamada “maldição inglesa nos penáltis” permitiu que Jordet e colegas
(2007) demonstrassem que o sucesso de uma grande penalidade, batida por um qualquer
jogador, depende de uma multiplicidade de fatores psicológicos, fisiológicos,
técnicos e, inclusive, da sorte. Jordet (2009a, 2009b) também evidenciou que
jogadores que gozam de maior estatuto internacional, avaliado pelo número de
troféus relevantes recebidos, tendem a exibir piores performances em desempates
por grandes penalidades, comparativamente a jogadores com menor estatuto
público. Estas evidências não sugerem que a nacionalidade dos jogadores per
se influencie o resultado do penálti, ainda que a nacionalidade mesclada
com variáveis de confusão (e.g., estatuto público do jogador) possa afetar o
seu rendimento nestas bolas paradas.
Esta linha de raciocínio,
reforçada pela necessidade de se considerar os tamanhos das amostras na
reprodutibilidade científica, levou os autores do estudo a questionar se os
jogadores ingleses são, de facto, menos eficazes da marca de grande penalidade
relativamente a outros de nacionalidades diferentes. Deste modo, eles
procuraram solucionar o problema ao analisar a taxa de sucesso nos penáltis em
função da nacionalidade do jogador. Primeiro, examinaram todas as grandes
penalidades batidas em campeonatos da Europa e do Mundo (696 penáltis). Depois,
investigaram uma amostra mais ampla de penáltis marcados nas principais ligas
europeias (4708 penáltis). Por último, os autores consideraram esta pesquisa
importante, uma vez que uma linha de investigação distinta tem destacado a influência
dos estereótipos na performance desportiva, mesmo que não sejam válidos. A
simples introdução de um estereótipo negativo sobre um grupo social pode,
potencialmente, determinar decrementos no desempenho de membros desse grupo,
fenómeno designado de ameaça do estereótipo (Beilock et al., 2013).
Método
Amostra: foram analisadas todas as grandes penalidades marcadas
em desempates de jogos de campeonatos europeus e do mundo desde 1976 (n = 696);
depois, foram também examinadas todas as grandes penalidades convertidas na
principal divisão dos campeonatos nacionais da Alemanha, Inglaterra, Espanha,
Itália e Holanda, desde a época 2006/2007 até à época 2015/2016. Os dados foram
recolhidos de várias fontes (e.g., soccerstats.com, wikipedia.org,
thestatszone.com, fifa.com, uefa.com, transfermarkt.de).
Procedimentos: além dos nomes dos jogadores e das datas de cada
penálti, os autores codificaram cada evento em função do grau de sucesso (golo vs.
falhado). Os penáltis codificados foram conferidos utilizando múltiplas fontes
de vídeo. Foi calculada a taxa de sucesso para cada jogador (variável
dependente) e anotada a respetiva nacionalidade (variável independente). Na
primeira análise – campeonatos europeus e mundiais –, houve a distinção entre
performances no desempate por grandes penalidades e nos penáltis em jogo. A
inferência estatística foi executada através de ANOVAs univariadas com
comparações post hoc de Bonferroni. Adicionalmente, foram utilizados
testes t-student para averiguar a performance dos jogadores de cada país em
relação à média da amostra inteira. Perante a violação das assunções dos testes
paramétricos, as alternativas não-paramétricas foram aplicadas, sendo o nível
de significância adotado de 5% (p ≤ 0.05).
Principais resultados
Campeonatos europeus e
mundiais
Desempate por grandes penalidades: Neste tipo de grandes penalidades, um total de 387
jogadores executaram 473 penáltis. Em média, os jogadores obtiveram sucesso em 71,97%
das ocasiões. Os procedimentos estatísticos não revelaram diferenças
significativas em função do fator nacionalidade, embora se tenha registado um
efeito de dimensão pequena. Apenas os jogadores germânicos se destacaram
significativamente da média da totalidade da amostra, convertendo 85,29% das
grandes penalidades.
Penáltis em jogo: Em penáltis assinalado no decurso do jogo (tempos
regulamentares e de prolongamento), 159 jogadores remataram da marca dos 11
metros. Em média, foram eficazes em 78,74% das vezes. Apesar de o efeito do
fator nacionalidade não ser significativo, obteve uma dimensão de efeito
pequena. Aliás, nenhum país diferiu significativamente da média da totalidade
da amostra previamente reportada.
Comparação entre desempate
por grandes penalidades e penáltis em jogo:
a figura 3 mostra as percentagens dos penáltis marcados em função da
nacionalidade dos jogadores e do tipo de grande penalidade (desempate vs. em
jogo).
Figura 3. Percentagens médias de penáltis marcados em campeonatos
europeus e do mundo, em função da nacionalidade e do tipo de grande penalidade
(desempate vs. em jogo). Os N’s referem-se aos números de jogadores de cada nacionalidade que bateram penáltis. As barras de erro representam os erros padrão da média (Brinkschulte et al., 2020).
Embora a figura 3 expresse
algumas tendências descritivas interessantes (e.g., os jogadores ingleses tiveram
um desempenho 30% menos bem conseguido nos desempates por grandes penalidades
que nos penáltis em jogo; os alemães foram 10% mais eficazes nos desempates
comparativamente aos penáltis em jogo), tanto o tipo de grande penalidade, como
a interação entre o tipo de grande penalidade e a nacionalidade, não produziram
um efeito significativo na eficácia dos pontapés da marca de grande penalidade.
Por isso, os jogadores das diferentes nacionalidades analisadas não foram mais
ou menos eficazes do que os outros, dependendo do tipo de grande penalidade.
Ligas
europeias
Nesta subamostra, 1103
jogadores executaram 4708 penáltis em jogo, 71,01% dos quais resultaram em
golo. A figura 4 exibe as percentagens dos penáltis concretizados de acordo com
a nacionalidade dos jogadores.
Figura 4. Percentagens médias de penáltis marcados em algumas das
melhores ligas europeias, de acordo com a nacionalidade dos jogadores que os
executaram. Os N’s referem-se aos números de jogadores de cada nacionalidade
que bateram penáltis. As barras de erro representam os erros padrão da média
(Brinkschulte et al., 2020).
A ANOVA univariada não
revelou um efeito significativo do fator nacionalidade nas percentagens de
penáltis concretizados. Contudo, a dimensão de efeito foi, mais uma vez,
pequena. As comparações post hoc também não assinalaram qualquer
diferença significativa entre as nacionalidades analisadas. Somente os
holandeses (e quase os italianos) diferiram significativamente da média
reportada para a amostra global.
Conclusão
Em relação ao estereótipo
que os jogadores ingleses são menos eficazes da marca de grande penalidade, os resultados
obtidos nesta investigação não o comprovaram. De facto, as evidências indicam que
não há diferenças significativas entre jogadores de nacionalidades distintas,
no que respeita às taxas de sucesso resultantes da marcação de penáltis. De um
ponto de vista meramente descritivo, os jogadores ingleses foram menos eficazes
em desempates por grandes penalidades (61,32%), em comparação com penáltis
executados em jogo durante campeonatos europeus e do mundo (90%), e ligas europeias
(75,14%). Tendo como referência a média da totalidade da amostra, os jogadores
ingleses foram ligeiramente mais eficazes nos penáltis em jogo e menos eficazes
no desempate por grandes penalidades (no entanto, sem diferenças
significativas).
Vieses cognitivos de diversa
ordem podem levar as pessoas a exagerar determinadas perceções subjetivas, baseando-se
em eventos marcantes (emocionais) que rapidamente são invocados, como a derrota
num importante desempate por grandes penalidades. Este género de viés pode
contribuir, de sobremaneira, para o estabelecimento do estereótipo que os
jogadores ingleses são maus a bater penáltis, pois o impacto de uma derrota num
campeonato europeu ou do mundo, através do desempate por grandes penalidades, é
muito superior ao insucesso de um penálti em jogo. É por este motivo que as
pessoas, os média e os próprios protagonistas, na generalidade, acreditam que
os ingleses falham mais grandes penalidades do que realmente acontece.
Eventualmente, num futuro próximo, com uma amostra mais abrangente de
penalidades (desempates e jogos), é provável que este estereótipo amplamente
disseminado possa até vir a desaparecer.
P.S.:
1- As ideias que constam neste texto foram
originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas
para a Língua Portuguesa;
2- Para melhor compreender as ideias acima referidas,
recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;
3- As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas
pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na
versão original publicada na revista Scientific Reports.