24/07/2020

Artigo do mês #7 – julho 2020 | Os jogadores ingleses não são tão maus a bater penáltis como é vulgarmente assumido

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.

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Autores: Brinkschulte, M., Furley, P., & Memmert, D.

País: Alemanha

Data de publicação: 27-abril-2020

Título: English football players are not as bad at kicking penalties as commonly assumed

Revista: Scientific Reports

Referência: Brinkschulte, M., Furley, P., & Memmert, D. (2020). English football players are not as bad at kicking penalties as commonly assumed. Scientific Reports, 10, 7027. https://doi.org/10.1038/s41598-020-63889-6 (link) 

 

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 7 – julho de 2020.

 

Apresentação do problema

As grandes penalidades desempenham um papel importante no futebol e é plausível que assim continue a acontecer em eventos vindouros, como o campeonato europeu da UEFA, em 2021. A título de exemplo, através de desempates por grandes penalidades, já foram resolvidos 18 jogos de campeonatos europeus, incluindo um para decidir o vencedor da prova (1976). Em campeonatos do mundo da FIFA, 30 jogos foram concluídos desta forma, sendo que dois deles resultaram na consagração do campeão mundial (1994 e 2006). A investigação em torno do futebol tem sugerido, no entanto, que nem todas as nações apresentam desempenhos idênticos nestas situações, consideradas como o pináculo da performance sob alta pressão na modalidade. 

Um resultado específico que tem recebido uma extraordinária atenção do público em geral, dos média e até reconhecido por peritos de futebol em comentários televisivos, prende-se com o seguinte estereótipo: os jogadores ingleses são extremamente fracos a marcar penáltis (figura 2). 

Figura 2. David Beckham a falhar uma grande penalidade na decisão da eliminatória contra Portugal, no EURO 2004 (imagem não publicada pelos autores; fonte: uk.sports.yahoo.com)

 

Como é comum no caso dos estereótipos, há sempre alguma verdade por detrás dos mesmos. Desde 1978, a seleção nacional inglesa apenas venceu 3 dos 9 desempates por grandes penalidades em que participaram (derrotas nos campeonatos mundiais de 1990, 1998 e 2006, e nos campeonatos europeus de 1996, 2004 e 2012). Este registo negativo levou os cientistas a procurar por potenciais explicações para o facto. A chamada “maldição inglesa nos penáltis” permitiu que Jordet e colegas (2007) demonstrassem que o sucesso de uma grande penalidade, batida por um qualquer jogador, depende de uma multiplicidade de fatores psicológicos, fisiológicos, técnicos e, inclusive, da sorte. Jordet (2009a, 2009b) também evidenciou que jogadores que gozam de maior estatuto internacional, avaliado pelo número de troféus relevantes recebidos, tendem a exibir piores performances em desempates por grandes penalidades, comparativamente a jogadores com menor estatuto público. Estas evidências não sugerem que a nacionalidade dos jogadores per se influencie o resultado do penálti, ainda que a nacionalidade mesclada com variáveis de confusão (e.g., estatuto público do jogador) possa afetar o seu rendimento nestas bolas paradas. 

Esta linha de raciocínio, reforçada pela necessidade de se considerar os tamanhos das amostras na reprodutibilidade científica, levou os autores do estudo a questionar se os jogadores ingleses são, de facto, menos eficazes da marca de grande penalidade relativamente a outros de nacionalidades diferentes. Deste modo, eles procuraram solucionar o problema ao analisar a taxa de sucesso nos penáltis em função da nacionalidade do jogador. Primeiro, examinaram todas as grandes penalidades batidas em campeonatos da Europa e do Mundo (696 penáltis). Depois, investigaram uma amostra mais ampla de penáltis marcados nas principais ligas europeias (4708 penáltis). Por último, os autores consideraram esta pesquisa importante, uma vez que uma linha de investigação distinta tem destacado a influência dos estereótipos na performance desportiva, mesmo que não sejam válidos. A simples introdução de um estereótipo negativo sobre um grupo social pode, potencialmente, determinar decrementos no desempenho de membros desse grupo, fenómeno designado de ameaça do estereótipo (Beilock et al., 2013).

 

Método

Amostra: foram analisadas todas as grandes penalidades marcadas em desempates de jogos de campeonatos europeus e do mundo desde 1976 (n = 696); depois, foram também examinadas todas as grandes penalidades convertidas na principal divisão dos campeonatos nacionais da Alemanha, Inglaterra, Espanha, Itália e Holanda, desde a época 2006/2007 até à época 2015/2016. Os dados foram recolhidos de várias fontes (e.g., soccerstats.com, wikipedia.org, thestatszone.com, fifa.com, uefa.com, transfermarkt.de). 

Procedimentos: além dos nomes dos jogadores e das datas de cada penálti, os autores codificaram cada evento em função do grau de sucesso (golo vs. falhado). Os penáltis codificados foram conferidos utilizando múltiplas fontes de vídeo. Foi calculada a taxa de sucesso para cada jogador (variável dependente) e anotada a respetiva nacionalidade (variável independente). Na primeira análise – campeonatos europeus e mundiais –, houve a distinção entre performances no desempate por grandes penalidades e nos penáltis em jogo. A inferência estatística foi executada através de ANOVAs univariadas com comparações post hoc de Bonferroni. Adicionalmente, foram utilizados testes t-student para averiguar a performance dos jogadores de cada país em relação à média da amostra inteira. Perante a violação das assunções dos testes paramétricos, as alternativas não-paramétricas foram aplicadas, sendo o nível de significância adotado de 5% (p ≤ 0.05).

 

Principais resultados 

Campeonatos europeus e mundiais

Desempate por grandes penalidades: Neste tipo de grandes penalidades, um total de 387 jogadores executaram 473 penáltis. Em média, os jogadores obtiveram sucesso em 71,97% das ocasiões. Os procedimentos estatísticos não revelaram diferenças significativas em função do fator nacionalidade, embora se tenha registado um efeito de dimensão pequena. Apenas os jogadores germânicos se destacaram significativamente da média da totalidade da amostra, convertendo 85,29% das grandes penalidades. 

Penáltis em jogo: Em penáltis assinalado no decurso do jogo (tempos regulamentares e de prolongamento), 159 jogadores remataram da marca dos 11 metros. Em média, foram eficazes em 78,74% das vezes. Apesar de o efeito do fator nacionalidade não ser significativo, obteve uma dimensão de efeito pequena. Aliás, nenhum país diferiu significativamente da média da totalidade da amostra previamente reportada. 

Comparação entre desempate por grandes penalidades e penáltis em jogo: a figura 3 mostra as percentagens dos penáltis marcados em função da nacionalidade dos jogadores e do tipo de grande penalidade (desempate vs. em jogo).

 

Figura 3. Percentagens médias de penáltis marcados em campeonatos europeus e do mundo, em função da nacionalidade e do tipo de grande penalidade (desempate vs. em jogo). Os N’s referem-se aos números de jogadores de cada nacionalidade que bateram penáltis. As barras de erro representam os erros padrão da média (Brinkschulte et al., 2020).

 

Embora a figura 3 expresse algumas tendências descritivas interessantes (e.g., os jogadores ingleses tiveram um desempenho 30% menos bem conseguido nos desempates por grandes penalidades que nos penáltis em jogo; os alemães foram 10% mais eficazes nos desempates comparativamente aos penáltis em jogo), tanto o tipo de grande penalidade, como a interação entre o tipo de grande penalidade e a nacionalidade, não produziram um efeito significativo na eficácia dos pontapés da marca de grande penalidade. Por isso, os jogadores das diferentes nacionalidades analisadas não foram mais ou menos eficazes do que os outros, dependendo do tipo de grande penalidade. 

Ligas europeias

Nesta subamostra, 1103 jogadores executaram 4708 penáltis em jogo, 71,01% dos quais resultaram em golo. A figura 4 exibe as percentagens dos penáltis concretizados de acordo com a nacionalidade dos jogadores.

 

Figura 4. Percentagens médias de penáltis marcados em algumas das melhores ligas europeias, de acordo com a nacionalidade dos jogadores que os executaram. Os N’s referem-se aos números de jogadores de cada nacionalidade que bateram penáltis. As barras de erro representam os erros padrão da média (Brinkschulte et al., 2020).

 

A ANOVA univariada não revelou um efeito significativo do fator nacionalidade nas percentagens de penáltis concretizados. Contudo, a dimensão de efeito foi, mais uma vez, pequena. As comparações post hoc também não assinalaram qualquer diferença significativa entre as nacionalidades analisadas. Somente os holandeses (e quase os italianos) diferiram significativamente da média reportada para a amostra global.

 

Conclusão

Em relação ao estereótipo que os jogadores ingleses são menos eficazes da marca de grande penalidade, os resultados obtidos nesta investigação não o comprovaram. De facto, as evidências indicam que não há diferenças significativas entre jogadores de nacionalidades distintas, no que respeita às taxas de sucesso resultantes da marcação de penáltis. De um ponto de vista meramente descritivo, os jogadores ingleses foram menos eficazes em desempates por grandes penalidades (61,32%), em comparação com penáltis executados em jogo durante campeonatos europeus e do mundo (90%), e ligas europeias (75,14%). Tendo como referência a média da totalidade da amostra, os jogadores ingleses foram ligeiramente mais eficazes nos penáltis em jogo e menos eficazes no desempate por grandes penalidades (no entanto, sem diferenças significativas). 

Vieses cognitivos de diversa ordem podem levar as pessoas a exagerar determinadas perceções subjetivas, baseando-se em eventos marcantes (emocionais) que rapidamente são invocados, como a derrota num importante desempate por grandes penalidades. Este género de viés pode contribuir, de sobremaneira, para o estabelecimento do estereótipo que os jogadores ingleses são maus a bater penáltis, pois o impacto de uma derrota num campeonato europeu ou do mundo, através do desempate por grandes penalidades, é muito superior ao insucesso de um penálti em jogo. É por este motivo que as pessoas, os média e os próprios protagonistas, na generalidade, acreditam que os ingleses falham mais grandes penalidades do que realmente acontece. Eventualmente, num futuro próximo, com uma amostra mais abrangente de penalidades (desempates e jogos), é provável que este estereótipo amplamente disseminado possa até vir a desaparecer. 

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a Língua Portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Scientific Reports.

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