“Era então que descia três ou quatro ruas e chegava ao terreno baldio, entre duas hortas, onde os rapazes se juntavam para jogar à bola. Nesse terreno, não cresciam ervas porque, todos os dias, havia dúzias de rapazes que se juntavam para correrem pelo campo atrás de uma bola de trapos. Eram rapazes livres, que não iam à escola ou que não tinham nem pai nem mãe. Nesse terreno de pó no verão e de lama no inverno, cresciam pedras. As balizas eram medidas com passos de pés descalços e feitas com pequenos montes de pedras. Quase no centro do campo havia uma oliveira que sobrevivia ano após ano, maltratada pelos rapazes que lhe arrancavam pernadas e que, correndo atrás da bola, faziam fintas à sua volta e que, ocasionalmente, esbarravam no seu tronco e caíam direitos para trás.”
In Cemitério de Pianos (José
Luís Peixoto, 2006, p. 120-121)
Figura 1. O futebol de rua (e de pé descalço) (fonte: escolinhabenficadeabrantes.blogspot.com).
Apesar de não passar de um episódio de ficção, pode muito bem ter reconstituído a brincadeira de milhares crianças e jovens portugueses, não apenas no final do século XIX, como também durante boa parte do século XX. Acrescento ainda que, para além de livres, os rapazes seriam decerto muito felizes a correr descalços atrás de uma bola de trapos, num baldio de terra e pedras, e com balizas improvisadas. Este, sim, era o futebol de rua na verdadeira aceção da expressão.
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