Nota prévia: O artigo
científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes
critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com
revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3)
associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do
Desporto.
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Autores: Hill, M., Scott, S., McGee,
D., & Cumming, S.
País: Inglaterra
Data de publicação: 07-agosto-2020
Revista: Journal
of Science in Sport and Exercise
Referência: Hill, M., Scott, S., McGee, D., & Cumming, S. (2020). Coaches’ evaluation of match performance in academy soccer players in relation to the adolescent growth spurt. Journal of Science in Sport and Exercise. https://doi.org/10.1007/s42978-020-00072-3 (link)
Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 9 – setembro de
2020.
Apresentação do problema
No futebol de formação, os miúdos treinam e competem em grupos definidos pela sua idade cronológica (e.g., Sub-11 ou Sub-12). Crianças e jovens da mesma faixa etária podem, contudo, demonstrar variações significativas na maturação biológica, visto que alguns indivíduos entram na puberdade mais cedo e outros numa fase mais tardia da sua vida. Estas diferenças individuais representam um desafio considerável para os agentes envolvidos no processo de identificação e desenvolvimento do talento no desporto. Por exemplo, um treinador terá de gerir, treinar e avaliar jogadores com características bastante distintas em termos de tamanho, potencial atlético e nível maturacional (i.e., pré, durante ou pós-puberdade).
No período pubertário, as diferenças interindividuais na maturação biológica têm um enorme impacto ao nível do rendimento desportivo. Às variações marcantes na altura e no peso dos jovens, típicas do “salto pubertário”, concorre o desenvolvimento de diversos atributos fisiológicos e funcionais. Como o futebol é uma modalidade que requer características físicas bem desenvolvidas (e.g., velocidade, potência e agilidade), o crescimento e a maturação devem ser equacionados ao avaliar os jogadores e ao tomar decisões referentes à identificação e à seleção do talento. Neste âmbito, o conceito de “inaptidão do adolescente” (do britânico “adolescent awkwardness”), tem sido proposto e largamente debatido pelas ciências pediátricas. Este fenómeno refere-se à disrupção temporária no controlo neuromuscular e na capacidade propriocetiva que coincide com o salto pubertário, estando associado a uma combinação de fatores: modificações rápidas e assíncronas no tamanho e na composição corporal; redução da mobilidade, flexibilidade e coordenação; alterações profundas de força e potência; mudanças no modo como o cérebro assimila e processa informações relativas à posição corporal (Quatman-Yates et al., 2012; John et al., 2018; Viel et al., 2009). Evidências científicas sugerem que existe pelo menos um "plateau" ou um declínio em tarefas que requeiram equilíbrio e coordenação durante o salto pubertário, especialmente nos rapazes (Beunen & Malina, 1988; Quatman-Yates et al., 2012; Ryan et al., 2018).
Ao período pubertário surge, também, associado o facto de as crianças/jovens estarem mais vulneráveis a certos tipos de lesão associados ao crescimento (e.g., síndrome de Osgood Schlatter e doença de Sever). Portanto, o salto pubertário e as respetivas modificações no organismo podem influenciar negativamente a performance no futebol de formação. Contudo, as evidências empíricas que suportam o conceito de “inaptidão do adolescente” e/ou o declínio temporário no desempenho desportivo são limitadas, o que está inerente à complexidade de identificar e medir um fenómeno transitório e à escassez de estudos longitudinais com o propósito de avaliar a performance durante a adolescência. Os jovens que vivenciam o salto pubertário sofrem diversas mutações que indivíduos pré ou pós pico de velocidade em altura não sofrerão de forma tão severa. Enquanto uns jogadores experienciam progressos nas suas capacidades físicas e coordenativas, outros ficarão descoordenados, trapalhões e sentirão dores ou os efeitos nocivos de lesões subjacentes ao seu crescimento.
Deste modo, é importante perceber se a fase de crescimento acelerado na adolescência influencia as avaliações dos treinadores da performance de crianças/jovens em situação de jogo no futebol de formação (figura 2). Considerando o conceito de “inaptidão do adolescente”, foi colocada a hipótese que a avaliação realizada pelos treinadores das performances dos jogadores variaria relativamente ao seu estádio de desenvolvimento.
Figura 2. Desempenho de jovens Sub-13 em situação de jogo oficial de futebol (imagem não publicada pelos autores).
Métodos
Participantes: 278 jovens praticantes de futebol, pertencentes a uma academia de um clube da FA Premier League, do escalão Sub-9 ao Sub-16. Entre julho de 2014 e junho de 2018, foram recolhidos dados dos jogos disputados pelos jogadores, à exceção de torneios e de partidas em que os indivíduos tenham feito menos de 40 minutos. Como os jogadores participaram em diversos jogos ao longo de 4 épocas, foram anotados dados em diferentes pontos temporais por jogador. A recolha dos dados e a posterior análise foram permitidas pelos jovens e pelos seus encarregados de educação/representantes legais, através de consentimento escrito.
Procedimentos: a maturação biológica dos participantes foi estimada através da percentagem da altura predita em adulto. Para o efeito, foi utilizado o método Khamis-Roche que inclui a idade atual, a altura e o peso do jogador e a altura média dos pais biológicos (Khamis & Roche, 1994). A altura e o peso dos jogadores foram avaliados a cada 12 semanas por cientistas do desporto da academia, com qualificação e treino nos procedimentos adotados. Em cada jogo foi utilizada a estimativa mais próxima relativa ao estatuto de maturação biológica dos jogadores, inferida a partir da percentagem da altura predita em adulto: pré-puberdade, < 86%; puberdade, 86–95%; pós-puberdade, > 95%. A avaliação de desempenho dos jogadores foi assegurada pelo treinador de cada equipa, considerando uma escala de 1 a 4: 1) abaixo do padrão exigido pela academia, 2) próximo do padrão, 3) dentro do padrão e 4) acima do padrão. Analogamente, foi registada a qualidade da oposição, em função das categorias atribuídas às academias da Premier League, em que 1 corresponde a “elite” e 4 a “grassroots” (i.e., nível básico de organização), bem como o resultado do jogo.
Análise estatística:
um teste do Qui-quadrado foi aplicado para comparar as classificações de jogo
entre os grupos de maturação biológica. Uma ANCOVA de uma via foi implementada
para determinar as diferenças estatísticas entre os níveis de maturação
biológica (pré, durante ou pós salto pubertário) nas classificações de jogo,
porém, controlando as variáveis de confusão “qualidade da oposição” e “resultado
do jogo”. Este procedimento foi realizado para a amostra total e para cada
escalão etário. As dimensões de efeito foram calculadas e interpretadas segundo
as orientações de Cohen (1988) e o nível de significância definido em 5% (p
≤ 0.05).
Principais resultados
O teste do Qui-quadrado revelou a existência de uma
associação significativa entre o estatuto maturacional e a classificação de
jogo (p < 0.001) (tabela 1). Designadamente, menores classificações
de jogo estiveram sobrerrepresentadas nos grupos pós-puberdade e puberdade.
Tabela 1. Frequências relativas (%) de cada classificação de jogo (“match grade”) por estatuto maturacional (“maturity status”) (Hill et al., 2020).
Para a amostra total, a ANCOVA mostrou um efeito estatisticamente significativo do estatuto maturacional nas classificações de jogo, depois de controlar as variáveis “qualidade da oposição” e “resultado do jogo” (p < 0.001). Subsequentemente, as comparações entre pares indicaram que os valores médios ajustados das classificações de jogo foram menores no grupo na puberdade em relação ao grupo pré-puberdade, e no grupo pós-puberdade em relação ao grupo na puberdade.
Quanto à análise por escalão etário, os procedimentos
estatísticos demonstraram efeitos significativos do estatuto maturacional nas
classificações de jogo para os Sub-12 e para os Sub-15 (figura 3).
Figura 3. Classificações
de jogo médias pelos diferentes estatutos maturacionais em cada escalão etário (escalões
etários apenas incluídos caso houvesse mais de 20 indivíduos classificados por
estatuto maturacional) (Hill et al., 2020).
No escalão Sub-12, a média das classificações de jogo foi
significativamente superior para os jogadores no grupo pré-puberdade (p
< 0.001); nos Sub-15, os jogadores no grupo pós-puberdade obtiveram
classificações médias mais altas em comparação com os jogadores ainda na
puberdade (fase do salto pubertário) (p < 0.001). Emboras estas
tendências tenham sido reproduzidas nos escalões Sub-13 e nos Sub-16,
respetivamente, as diferenças apuradas não obtiveram significado estatístico.
Ao invés, no que se refere à comparação dos estatutos maturacionais no escalão
Sub-14, as classificações médias atribuídas pelos treinadores à performance dos
jogadores em contexto de jogo foram similares. Este último resultado traduz,
provavelmente, o facto de a maioria dos jogadores neste escalão etário estar
inclusa no período pubertário.
Conclusão
O declínio na avaliação subjetiva dos treinadores da performance
em situação de jogo de jovens na puberdade, e o posterior aumento após a
puberdade, estão em consonância com o conceito de “inaptidão do adolescente”.
As rápidas modificações de tamanho, forma e função que surgem no decurso do salto
pubertário podem ser adversas para o desempenho desportivo nesta fase de
desenvolvimento dos indivíduos. Contudo, importa reconhecer que nem todos os
jovens púberes experienciam decréscimos na performance derivados ao crescimento
e à maturação; aliás, o modo como cada indivíduo se adapta às mudanças típicas
deste estágio de desenvolvimento varia. Investigações futuras devem examinar o
impacto do salto pubertário na performance desportiva, com métodos e medidas
mais abrangentes e sensíveis, propondo designs longitudinais, observacionais e
mistos (i.e., com dados quantitativos e qualitativos).
Aplicações práticas
Embora seja argumentado que o “olho do treinador” tem dificuldade para discernir pequenas nuances no controlo motor, os resultados deste estudo sugerem que os decrementos na performance associados ao salto pubertário refletiram-se nas classificações de jogo atribuídas pelos treinadores. Como as classificações de jogo são utilizadas de forma rotineira para tomar decisões a propósito da seleção, manutenção ou exclusão de jogadores das academias, é fundamental que todos os envolvidos no processo estejam a par do impacto negativo que o salto pubertário pode acarretar na performance desportiva.
Além disso, é igualmente relevante considerar o impacto que o decréscimo no desempenho, relacionado com o crescimento e a maturação, produz em termos psicológicos. A necessidade de sentir e demonstrar competência é um condutor primário da motivação intrínseca e adaptativa. O sentimento de incumprimento inerente a esta necessidade pode resultar em frustração, prostração e indiferença. Assim, treinadores e outros profissionais do treino devem educar os jogadores para os efeitos do crescimento/maturação na performance, ajudando-os a ajustar as suas expectativas nesta fase de desenvolvimento, apoiando-os sistematicamente e adaptando os programas de treino às modificações temporárias das aptidões dos jovens para a prática desportiva.
P.S.:
1-
As ideias que
constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e,
presentemente, traduzidas para a Língua Portuguesa;
2-
Para melhor compreender as
ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;
3-
As citações efetuadas
nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor
encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Journal
of Science in Sport and Exercise.
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