Há uns anos publiquei um texto no Linha
de Passe a enfatizar a importância da pressão defensiva no futebol contemporâneo. À data, foi referido o seguinte:
A pressão defensiva, quando
coletivamente bem coordenada entre os companheiros de equipa, temporalmente sincronizada
e espacialmente contextualizada, é um desígnio das melhores equipas (…). No
entanto, para alcançar esse ensejo é necessário um treino coletivo muito
aprimorado, com a definição de bons referenciais de ação e sincronização
(princípios) (…)..
E é rigorosamente sobre a questão dos
referenciais de ação (indicadores de pressão) e da coordenação comportamental
que incide o presente texto. Ontem, no dia do início da FA Premier League,
época 2020/2021, o Crystal Palace FC recebeu e venceu, por 1-0, o Southampton
FC. O golo do costa marfinense Wilfried Zaha, aos 13 minutos, foi construído em
8 segundos, com 6 toques sobre a bola e com a participação ativa de 3 jogadores. Vejamos a jogada:
Antes da recuperação da posse de bola,
convém atentar na organização defensiva da equipa de Roy Hodgson. Assente numa
estrutura 1-4-4-2 clássica, o bloco está recuado, com todos os jogadores atrás
da linha da bola e com distâncias interpessoais curtas. Deste modo, o
Southampton, equipa que, desde cedo, procurou assumir a posse de bola, foi
obrigado a circulá-la em largura na busca de espaços livres para progredir
(figura 1).
Figura 1. Estrutura tática de
base, bloco baixo e proximidade interpessoal no Crystal Palace FC.
Não havendo espaço para progredir, o Southampton circula a
bola até aos jogadores de campo mais recuados, com o bloco defensivo da casa avançando
em conformidade. Face à indefinição criada pela primeira linha de pressão (Jordan
Ayew e Zaha) no central contrário, os médios pressionam as opções de passe
imediatas, designadamente, Townsend sobre Oriol Romeu e McCarthy sobre Redmond.
A pressão vai precipitar o erro de Romeu (figura 2).
Figura 2. Hesitação do central adversário funcionou como indicador de pressão para os The Eagles.
Numa zona do campo em que a maioria das equipas prima pela
segurança, os Saints meteram-se na “boca do lobo”. A precipitação
induzida pela zona de pressão criada pelos jogadores da casa não gerou apenas a
recuperação da posse de bola, como também uma transição ofensiva em
profundidade, dando origem a um contra-ataque de 3v2+Gr (figura 3). Devo ainda ressalvar
que a identificação de indicadores de pressão e a sincronização comportamental inerente
à criação de zonas de pressão implicam muito treino em situações de elevada
variabilidade contextual. Neste nível competitivo, basta um jogador chegar
ligeiramente atrasado a um opositor direto ou à linha de interceção de um passe
para todo o esforço coletivo ser em vão. Além do mérito associado à obtenção do
golo, devemos de valorizar o que a equipa dos The Eagles executou no
processo defensivo prévio ao golo.
Figura 3. Zona de pressão do Crystal Palace, com interceção da bola e consequente contra-ataque.
Apanhados em contrapé, os defensores do Southampton procuraram
readquirir o controlo do espaço e da relação numérica; porém, partiram em
desvantagem face à velocidade e à qualidade técnica que caracterizam os atacantes
da equipa de Londres (figura 4). Tratou-se literalmente de “correr atrás do
prejuízo”.
Figura 4. Contra-ataque do Crystal Palace (3v2+Gr), tirando proveito da velocidade dos seus atacantes.
A vantagem numérica e posicional foi muito bem gerida por
Townsend, Jordan Ayew e Zaha. Ayew fixou os dois centrais na zona vital da área
de penálti e Townsend cruzou para Zaha que, ao surgir livre atrás do segundo
central, marcou um golo que valeu 3 pontos (figura 5).
Figura 5. A simplicidade e a eficácia das ações dos 3 atacantes do Crystal Palace deram origem ao triunfo da equipa.
A realidade é que o Crystal Palace é tido por muitos como
um sério candidato à despromoção na presente edição da Premier League. O
experiente manager Roy Hodgson, compreendendo que não apresenta jogadores
que lhe permitam deter o controlo da bola por longos períodos do jogo, optou por
uma estratégia baseada na coesão defensiva, na correta interpretação dos
momentos de pressão e na adoção de métodos ofensivos rápidos (contra-ataque e
ataque rápido), que se ajustam às valências dos jogadores que tem ao seu dispor.
Para começar, sortiu efeito – “quem não tem cão, caça com gato” –, veremos o
que nos reserva as próximas jornadas.
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