As primeiras ideias deste projeto começaram a ser rascunhadas há cerca de oito anos. Na altura, acumulava sete épocas consecutivas a treinar rapazes no escalão Infantis (Sub-13), pelo que senti necessidade de aprofundar conhecimentos sobre os efeitos da idade relativa e da maturação biológica na participação desportiva infantojuvenil. Hoje em dia, sabe-se que são constructos distintos e que a relação existente entre “efeito da idade relativa” e “maturação biológica” não é tão linear e taxativa quanto a idealizada pelo senso comum.
O “efeito da idade relativa” é um fenómeno frequente que compreende consequências imediatas e de longo prazo resultantes de diferenças subtis na idade cronológica entre indivíduos pertencentes ao mesmo coorte anual (e.g., geração ou ano de nascimento). Este constructo traduz-se numa distribuição enviesada das datas de nascimento, com uma sobrerrepresentação de indivíduos nascidos no primeiro trimestre do ano/período de seleção e uma sub-representação de indivíduos nascidos no último trimestre. Por sua vez, a maturação biológica é um processo que caracteriza o crescimento e desenvolvimento humano, sofrendo variações individuais no tempo e ritmo em que o processo ocorre. Daqui decorre que nem todos os indivíduos nascidos no primeiro trimestre tenham, necessariamente, uma maturação mais avançada que os indivíduos do último trimestre, e vice-versa.
Portanto, sabendo-se que o “efeito da idade relativa” no futebol de formação é mais forte a nível representativo (i.e., seleções distritais e nacionais), foi conjeturado um desenho experimental com o propósito de perceber se a origem geográfica (associações distritais), a qualidade das respetivas equipas e a posição de jogo afetavam o “efeito da idade relativa” em jogadores portugueses Sub-14 (n = 2693) convocados para as últimas sete edições do torneio interassociações Lopes da Silva (2013–2019).
Foi uma jornada laboriosa e marcada por inúmeros
solavancos, em que ligeiros avanços foram interpolados por longas interrupções.
No início de 2020 foram reunidas condições para concluir a investigação, levada
a cabo com o valioso contributo da professora Anna Volossovitch (CIPER,
Faculdade de Motricidade Humana, SpertLab, Universidade de Lisboa), a quem
expresso a minha profunda gratidão. No dia 4 do presente mês, após 13 meses (!)
de duras revisões, o artigo foi finalmente publicado na revista britânica Science
and Medicine in Football (figura 1).
Figura 1. Informações
editoriais do artigo “Relative age effect among U14 football players in
Portugal: do geographical location, team quality and playing position matter?”,
publicado na revista Science and Medicine in Football.
Em síntese, ficou comprovado que o “efeito da idade
relativa” é real na amostra de jogadores Sub-14 convocados para o torneio Lopes
da Silva, com 44.3% dos jovens nascidos no primeiro trimestre (Q1: janeiro–março)
e 9.9% no quatro trimestre do ano (Q4: outubro–dezembro). As variáveis “localização
geográfica” e “qualidade da equipa” influenciaram o “efeito da idade relativa”.
Por um lado, a probabilidade de selecionar jogadores Q1 (vs. Q4) aumentou
significativamente na região norte (76.3%) e centro-norte (87.3%),
comparativamente às equipas regionais das ilhas. Por outro lado, equipas mais
bem classificadas apresentaram um aumento de 94.6% na probabilidade de
selecionar jogadores Q1 (vs. Q4) em relação a equipas menos bem
classificadas em cada edição do torneio (figura 2). A variável “posição de
jogo” (guarda-redes, defesa, médio ou avançado) não
afetou o “efeito da idade relativa” na amostra analisada.
Figura 2. Imagem do jogo entre a AF Algarve e a AF Coimbra na 25.ª
edição do Torneio Lopes da Silva, em 2019 (fonte: https://www.fpf.pt/Galeria/gallery/479).
O abstract (resumo) original do artigo, que
desenvolve um pouco mais os resultados suprarreferidos, encontra-se expresso na
figura 3.
Figura 3.
Abstract do artigo.
(Keywords: youth soccer; adolescence; talent identification;
selection process; birthdate)
Reference
Almeida, C. H., Volossovitch, A. (2021).
Relative age effect among U14
football players in Portugal: do geographical location, team quality and
playing position matter? Science and Medicine in Football. https://doi.org/10.1080/24733938.2021.1977840
Uma vez que num projeto desta dimensão precisamos de contar com contribuições de outras pessoas, que não os autores, para que todos os dados sejam viáveis e para que o conteúdo possa ser convenientemente interpretado, aproveito a ocasião para agradecer a Catarina Martins (Federação Portuguesa de Futebol), Emanuel Domingos e Hélder Brito (Associação de Futebol do Algarve), e João Ramos (Vitória Futebol Clube), por nos terem ajudado a recolher alguns dados em falta de jovens jogadores que participaram nas últimas sete edições do torneio Lopes da Silva. Endereço, também, sinceros agradecimentos a Eduardo Jorge Duarte (geógrafo), por nos realizar todos os arranjos inerentes à Figura 1 da publicação, com a divisão de Portugal nas cinco zonas geográficas que compuseram a variável independente “localização geográfica”.
Fizemos todos os possíveis para que a narrativa (que versa sobre o percurso formativo de Bernardo Silva) e os resultados obtidos fossem comunicados de forma escorreita e cativante. Acima de tudo, torço para que as evidências produzidas possam, de alguma forma, prevenir que processos de seleção/recrutamento sejam deturpados por variáveis ou intentos que, a longo prazo, pouca relevância têm na vida pessoal ou desportiva de crianças/jovens que buscam no jogo experiências e sensações prazerosas.
Não raras vezes, a manifestação do potencial individual –
o famigerado "talento" – depende da paciência dos agentes e das instituições
desportivas. Tal como dita a natureza, tudo ocorre no seu devido tempo e cada
individualidade (ser vivo) segue o seu próprio guião.
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