Nota prévia: O artigo
científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes
critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com
revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3)
associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do
Desporto.
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Autores: Riboli, A.,
Olthof, S. B. H., Esposito, F., & Coratella, G.
País: Itália
Data de publicação: 28-julho-2021
Título: Training elite youth soccer
players: area per player in small-sided games to replicate the match demands
Revista: Biology of Sport
Referência: Riboli, A., Olthof, S.
B. H., Esposito, F., & Coratella, G. (2022). Training elite youth soccer
players: area per player in small-sided games to replicate the match demands.
Biology of Sport, 39(3),
579–598. https://doi.org/10.5114/biolsport.2022.106388
Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 21 – setembro de
2021.
Apresentação do problema
As equipas técnicas de futebol (i.e., treinadores, preparadores físicos, analistas, etc.) necessitam de controlar a carga de treino imposta a cada jogador, no intuito de maximizar as adaptações individuais e melhorar a performance competitiva (Impellizzeri et al., 2019; Martin-Garcia et al., 2018). Para o efeito, as tecnologias de rastreamento (e.g., GPS) são tipicamente utilizadas para quantificar a distância total, a corrida em velocidades alta e muito alta, o sprint e as ações de aceleração/desaceleração durante o treino e a competição.
Por sua vez, é sabido que os jogos reduzidos são muitas vezes propostos para melhorar a condição física enquanto recriam situações contextuais técnicas, táticas e físicas do jogo formal (Hill-Haas et al., 2011; Riboli et al., 2020). A intensidade destas tarefas jogadas é uma característica crucial para o desenvolvimento e preparação da performance, quer no futebol juvenil, como no futebol sénior. A comparação das exigências em jogo com as relativas ao treino pode ajudar a otimizar objetivos de performance (Lacome et al., 2018; Martin-Garcia et al., 2018; Riboli et al., 2020) e a estimular as atividades motoras particularmente suscitadas durante os 90 minutos e/ou as passagens mais exigentes do jogo (Riboli et al., 2021a, 2021b; Varley et al., 2012). Apesar disso, no decurso do processo de treino, tem sido evidenciado uma exposição insuficiente a atividades de corrida em alta velocidade e em sprint, relativamente ao solicitado em competição, nas principais ligas de futebol europeias.
Na prática, a manipulação dos jogos reduzidos permite que os treinadores modulem as atividades locomotoras, como as distâncias de corrida em velocidades altas, sprint e/ou em aceleração/desaceleração. Por norma, o aumento do espaço de jogo ou a redução do número de jogadores determinam maiores distâncias total, de corrida em velocidades alta e muito alta, e em sprint (Lacome et al., 2018); ao invés, quando o espaço de jogo é reduzido ou é aumentado o número de jogadores, os indivíduos realizam mais toques sobre a bola e a prevalência de atividades locomotoras é geralmente caracterizada por acelerações e desacelerações (Lacome et al., 2018; Riboli et al., 2020). Ao combinarmos as variáveis “espaço de jogo” e “número de jogadores”, estamos a promover alterações na “área por jogador”, sendo determinada pela área de jogo total a dividir pelo número de jogadores (m2/jogador). Esta variável possibilita que profissionais do treino e investigadores estudem os efeitos da manipulação do espaço, independentemente do tamanho das equipas (Olthof et al., 2019).
Recentemente, foi reportado que a área por jogador em jogos reduzidos esteve fortemente correlacionada com as distâncias total relativa (m/min), de corrida em velocidades alta e muito alta, e em sprint, embora a correlação fosse inexistente para acelerações/desacelerações (Riboli et al., 2020). Por exemplo, áreas por jogador superiores a 300 m2/jogador têm sido sugeridas para induzir respostas de carga interna e externa próximas das capacidades individuais máximas (Castagna et al., 2019), replicar respostas cardiovasculares e metabólicas de jogos oficiais (Castellano et al., 2015) e simular comportamentos táticos em competição (Olthof et al., 2019).
Numa analogia com o futebol praticado por jogadores
seniores de elite, a manipulação das regras, do espaço e do número de jogadores
em jogos reduzidos também afeta a carga externa imposta aos jovens. Contudo, a existência
de uma área por jogador mínima para reproduzir as exigências do jogo
competitivo ainda não foi investigada em jovens praticantes de futebol de nível
“elite” (figura 2). Para propósitos de conceptualização do treino, perceber se
a relação entre exigências de treino e jogo varia em diferentes idades, em
função da manipulação da área por jogador, não só é necessária como
primordial. O objetivo deste estudo passou, assim, por identificar a área por
jogador mínima que pode ser utilizada para replicar as atividades locomotoras
dos jogos oficiais (distâncias total relativa, de corrida em velocidades alta e
muita alta, em sprint, em aceleração/desaceleração), em jogadores de
elite do escalão Sub-15 ao escalão Sub-19. Adicionalmente, foi calculada a área
por jogador ótima para cada posição de jogo.
Figura 2. Jovens jogadores de elite em competição na UEFA Youth
League 2021/2022 (fonte: UEFA.tv, UEFA.com; imagem não publicada pelos
autores).
Métodos
Participantes: 228 jovens jogadores de elite a competir em provas juvenis de uma das cinco melhores ligas europeias de futebol. Os participantes foram enquadrados no estudo em função do escalão etário – Sub-15 (n = 36), Sub-16 (n = 48), Sub-17 (n = 49), Sub-18 (n = 37) e Sub-19 (n = 58) – e da posição de jogo – avançados (n = 6, 11, 12, 8 e 13 dos Sub-15 para os Sub-19, respetivamente), extremos (n = 4, 3, 5, 3 e 5), médios centro (n = 10, 12, 14, 11 e 14), médios-ala (n = 4, 5, 4, 4 e 11), defesas centrais (n = 7, 11, 8, 6 e 13) e defesas laterais (n = 5, 6, 6, 5 e 2). Os guarda-redes foram excluídos da análise.
Desenho experimental: o estudo decorreu durante os períodos competitivos de cinco épocas consecutivas (2015-2016 a 2019-2020). Os participantes realizaram as sessões de treino habituais ao longo dos microciclos, que tiveram lugar em campos relvados ou sintéticos devidamente tratados. Foram recolhidas 12183 observações individuais (mediana de 98) em diferentes formatos de jogo reduzido: Sub-15 – 3v3 ao 10v10, áreas por jogador entre 40 e 343 m2/jogador; Sub-16 – 2v2 ao 10v10, áreas por jogador entre 40 e 343 m2/jogador; Sub-17 – 3v3 ao 10v10, áreas por jogador entre 50 e 286 m2/jogador; Sub-18 – 2v2 ao 10v10, áreas por jogador entre 54 e 211 m2/jogador; Sub-19 – 3v3 ao 10v10, áreas por jogador entre 42 e 343 m2/jogador. Para o cálculo das áreas por jogador de cada jogo reduzido, os guarda-redes não foram contabilizados. Os jogos reduzidos foram realizados com a supervisão e encorajamento de vários treinadores, de modo a manter um nível de empenho elevado. Foram colocadas bolas ao redor do campo para reposição rápida e os pontapés de canto foram substituídos por reposição de bola pelo guarda-redes. Foi analisado um total de 116 jogos oficiais, com a recolha de 683 amostras individuais, sendo que estas partidas decorreram em campos de relva natural, com as seguintes dimensões: 105x66 m.
Procedimentos: foi utilizado um
sistema de posição global (GPS), com uma frequência de 10 Hz, para recolher os
dados das sessões de treino e dos jogos. Cada jogador utilizou sempre a mesma
unidade GPS em toda a investigação. Em cada sessão e em cada jogo foram medidas
as seguintes variáveis: distância total, corrida em velocidade alta (15–19.9
Km/h), corrida em velocidade muito alta (20–24 Km/h), sprint (>24 Km/h) e
acelerações/desacelerações (>3 m/s2). Estas variáveis foram,
posteriormente, normalizadas para a distância relativa percorrida por minuto
(m/min). A fim de determinar as áreas por jogador que replicam as
distâncias normalizadas em jogos oficiais, por escalão etário, os dados de cada
variável foram primariamente recolhidos nas partidas oficiais. A relação entre
a área por jogador e cada variável normalizada, obtida durante os jogos
reduzidos, foi esquematizada separadamente e confrontada com os valores médios
retirados dos jogos competitivos para calcular a área por jogador
correspondente às exigências do jogo competitivo (figura 3).
Figura 3. Representação gráfica dos procedimentos usados para
determinar a área por jogador (Area per Player: ApP) em jogos
reduzidos, que reproduza a exigência física do jogo oficial. Eixo X: área por
jogador no jogo reduzido. Eixo Y: exigência do jogo oficial. O ponto de
interceção entre os dois eixos (X e Y) e a linha vertical picotada simbolizam a
área por jogador necessária para replicar as exigências físicas do jogo
formal (Riboli et al., 2022).
Análise
estatística: a análise estatística foi realizada no software SPSS v.
26. A normalidade dos dados foi averiguada através do teste de Shapiro-Wilk. Foram
executadas análises de regressão linear para calcular a correlação entre
distâncias total, de corrida em velocidades alta e muito alta, em sprint e de
aceleração/desaceleração e a área por jogador durante os jogos reduzidos.
Depois, uma análise de modelo linear misto permitiu calcular a diferença entre
a área por jogador mínima e as variáveis normalizadas para cada escalão
etário e por posição de jogo. Foi, ainda, realizada uma análise post-hoc (correção
de Holm-Sidak) para calcular as diferenças nas variáveis independentes. As
dimensões de efeito foram apuradas segundo o Cohen’s d, com intervalos
de confiança a 95%, para descrever a magnitude das diferenças entre pares. O
nível de significância estabelecido foi α < 0.05.
Principais
resultados
· Correlações entre área por jogador e atividades
locomotoras
As
correlações entre a área por jogador e as atividades locomotoras foram moderada
para a distância total, grande para a corrida em velocidade alta, muito
grandes para a corrida em velocidade muito alta e para o sprint. Houve uma
pequena correlação negativa entre área por jogador e
acelerações/desacelerações. De resto, esta foi uma tendência genérica para todos
os escalões etários.
·
Área por jogador em
jogos reduzidos para replicar as exigências do jogo oficial
Através do uso de jogos reduzidos, o sprint necessita de áreas
por jogador ligeiramente mais elevadas que a corrida em velocidade muito
alta (p = 0.041), moderadamente mais elevadas que a corrida em
velocidade alta (p = 0.009) e muito mais elevadas que a distância total
(p < 0.001). Por sua vez, a corrida em velocidade muito alta
apresentou áreas por jogador ligeiramente mais elevadas que a corrida em
velocidade alta (p = 0.009) e muito mais elevadas que a distância total
(p < 0.001). A corrida em velocidade alta requer áreas por
jogador moderadamente mais elevadas (p < 0.001) que a distância
total. As áreas por jogador para a aceleração/desaceleração foram
moderada a amplamente mais baixas que as corridas em velocidade alta e muito
alta, e o sprint (p < 0.001). Não houve diferenças significativas (p
> 0.05) entre as acelerações/desacelerações e a distância total. Os valores
descritivos de cada variável para os diferentes escalões etários constam na
figura 4 (painel A). As diferenças na área por jogador entre escalões
etários, para a mesma variável, estão apresentadas no painel B.
Figura 4. Área por jogador (m2/jogador) mínima
para replicar as exigências locomotoras (m/min) em jogos reduzidos, para os
diversos escalões etários (médias e desvios-padrão). Painel A (esquerda):
comparações da área por jogador entre variáveis, no mesmo escalão
etário. Painel B (direita): comparações da área por jogador entre
escalões etários, para a mesma variável. Legenda: TD – total distance
(distância total); HSR: high-speed running (corrida em velocidade alta);
VHSR: very high-speed running (corrida em velocidade muito alta); SPR: sprint;
Acc/Dec: acceleration/deceleration (aceleração/desaceleração) (Riboli et al., 2022).
· Área por jogador em jogos reduzidos para reproduzir as
exigências do jogo oficial por posição de jogo
As áreas por jogador em jogos reduzidos mínimas
para reproduzir as exigências do jogo formal para as variáveis distância total,
corrida em velocidade alta, corrida em velocidade muito alta, sprint e
acelerações/desacelerações, para cada posição de jogo, em cada escalão etário,
encontram-se detalhadas na figura 5.
Figura 5. Área por jogador (m2/jogador) para
replicar as exigências locomotoras (m/min) em jogos reduzidos, para os diversos
escalões etários e por posição de jogo (médias e desvios-padrão). Painel A: distância
total. Painel B: corrida em velocidade alta. Painel C: corrida em velocidade
muito alta. Painel D: sprint. Painel E: aceleração/desaceleração. Legenda: FW –
forwards (avançados); WF: wide forwards (extremos); CM: central
midfielders (médios centro); WM: wide midfielders (médios-ala); CD: central
defenders (defesas centrais); WD: wide defenders (defesas laterais) (Riboli et al., 2022).
Aplicações práticas
Melhorar a condição física no treino pode ser almejado através de atividades jogadas que, simultaneamente, permitem recrear fatores contextuais específicos dos jogos oficiais. Entre os Sub-15 e os Sub-19, os treinadores devem propor áreas por jogador mais amplas para aumentar as distâncias total, de corrida em velocidade alta e muito alta, e em sprint. A aceleração/desaceleração parece ser menos afetada pela área por jogador prescrita, embora espaços mais reduzidos sejam mais recomendados para suscitar este tipo de deslocamentos espaciotemporais (efeito de pequena dimensão).
Os resultados indicam ser necessária uma área por jogador mínima de 200 m2/jogador para estimular apropriadamente atividades de corrida em velocidades elevadas em jovens jogadores de futebol. As áreas por jogador mínimas para replicar as diferentes atividades locomotoras são: ≈182 m2/jogador para a corrida em velocidade alta; ≈197 m2/jogador para a corrida em velocidade muito alta; ≈212 m2/jogador para o sprint; ≈158 m2/jogador para a distância total; ≈156 m2/jogador para a aceleração/desaceleração.
Os jogadores mais jovens (i.e., Sub-15 e Sub-16) parecem requerer áreas por jogador mais amplas (≈230 m2/jogador) para reproduzir as exigências espaciotemporais do jogo competitivo. Uma vez que tendem a ser indivíduos menos maturados e, por isso, com menor capacidade de aceleração, é plausível que necessitem de mais espaço para atingir velocidades muito altas (>20 Km/h).
A falta
de consistência para a área por jogador entre as diversas posições de
jogo, nos diferentes escalões etários, sugere que é conveniente adotar uma
abordagem individualizada. Visto que agrupar os jogadores por posição (e.g., só
avançados) em jogos reduzidos não reproduz os fatores contextuais e
estratégico-táticos encontrados em competição, a tradicional conceptualização
de jogos reduzidos envolvendo jogadores de posições distintas deve ser
complementada pela adição de constrangimentos espaciais por posição de jogo, ou
por exercícios analíticos (técnico-físicos) ou de corrida que induzam os
esforços de alta velocidade solicitados nos jogos oficiais.
Conclusão
Este estudo mostrou correlações positivas entre a área
por jogador e medidas da carga externa, em jovens jogadores de futebol
pertencentes à faixa etária entre os Sub-15 e os Sub-19. Excetuando a variável aceleração/desaceleração,
maiores áreas por jogador induzem exigências locomotoras mais elevadas
em termos de distância total, corrida em velocidades alta e muita alta, e
sprint. Para cada variável foi sugerida uma área por jogador mínima que
permite replicar ou enfatizar as exigências do jogo formal. Analisando todos os
grupos etários, são necessárias áreas por jogador de maiores dimensões nos
Sub-15 e nos Sub-16. Estas evidências podem ajudar as equipas técnicas a recriar
a carga externa desejada, em relação às exigências específicas de cada posição
nos jogos oficiais, tendo por base o planeamento de diferentes formatos de jogo
reduzido no processo de treino com jovens jogadores de elite (dos Sub-15 aos
Sub-19).
P.S.:
1- As ideias que constam neste texto foram originalmente
escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua
portuguesa;
2- Para melhor compreender as ideias acima referidas,
recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;
3- As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Biology of Sport.
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