29/08/2022

Artigo do mês #32 – agosto 2022 | Efeitos da variação do comprimento do campo de futebol de 11 nos comportamentos coletivos e nas respostas físicas de jovens jogadores

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.

 

- 32 -

Autores: Nieto, S., Castellano, J., Echeazarra, I., & Fernández, E.

País: Espanha

Data de publicação: 5-junho-2022

Título: Effects on collective behaviour and locomotor and neuromuscular response in young players by varying the length of the pitch in 11-a-side football

Referência: Nieto, S., Castellano, J., Echeazarra, I., & Fernández, E. (2022). Effects on collective behaviour and locomotor and neuromuscular response in young players by varying the length of the pitch in 11-a-side football. International Journal of Sports Science & Coaching. https://doi.org/10.1177/17479541221101603

  

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 32 – agosto de 2022.

 

Apresentação do problema

O desafio diário do treinador de futebol passa por tentar conceptualizar tarefas práticas que promovam a transferência dos comportamentos individuais e coletivos desejados do treino para o jogo competitivo (Coutinho et al., 2019; Olthof et al., 2015). A necessidade de respeitar o princípio da representatividade da tarefa na conceção do processo ensino-aprendizagem, embora não seja uma proposta recente, tem sido evocada persistentemente com o objetivo de facilitar a transferência de competências específicas para um contexto competitivo dinâmico, complexo e não linear: o jogo (Araújo et al., 2006). Significa, por isso, que a tarefa deve ser configurada para que os jogadores a possam reproduzir na presença de informação situacional apropriada (relações espaciotemporais com a bola, os companheiros de equipa e os adversários) e que fomente a execução de múltiplas ações motoras específicas inerentes à resolução dos problemas contextuais emergentes. 

Até à data, as dimensões do espaço (comprimento x largura) e o número de jogadores têm sido duas das variáveis mais investigadas para conhecer os efeitos que induzem nos jogadores e no comportamento da equipa em contexto de jogo reduzido/condicionado (Hill-Haas et al., 2011). Em termos físicos, é sabido que os formatos de jogo com menos jogadores ou menor área de jogo relativa (por jogador) induzem maiores exigências de carga interna (frequência cardíaca, lactato e perceção subjetiva e esforço) e em algumas métricas de carga externa (i.e., número de acelerações/desacelerações) (Casamichana & Castellano, 2010). Um outro grupo de estudos tem focado a sua atenção na descrição das respostas comportamentais de jovens jogadores, em função de constrangimentos relativos ao número de jogadores e/ou às dimensões espaciais das tarefas propostas, dando origem a uma enorme diversidade de formatos de jogo (F3, F4, F5, F6, F7, F8, F9 e F11; F refere-se ao tipo de futebol face ao número de jogadores por equipa). As principais conclusões deste conjunto de estudos é que, à medida que área de jogo relativa e/ou o número de jogadores aumenta, os comportamentos tornam-se mais estáveis, aumentando a largura e/ou o comprimento dos jogadores mais periféricos, a área coberta pela equipa e as distâncias entre companheiros de equipas e para os oponentes. Contudo, também se reconhece que tarefas práticas com um número mais reduzido de jogadores (e.g., 3v3, 4v4 ou 5v5) condicionam o cumprimento do princípio da representatividade (Olthof et al., 2017). 

Comparativamente ao formato de jogo de referência (F11; área de jogo relativa: ~ 300 m2/jogador), quando o número de jogadores é reduzido e, com esta variável, o espaço absoluto de jogo, os comportamentos coletivos desviam-se daqueles que normalmente são solicitados no formato competitivo oficial (Olthof et al., 2017). Tanto quanto os autores sabem, houve apenas um estudo que abordou o conceito da representatividade associado ao F11, embora tenha sido realizado com jogadores de futebol adultos (Clemente et al., 2018). Parece ser premente analisar os comportamentos individuais e coletivos de jovens jogadores em circunstâncias numéricas idênticas ao formato de jogo no qual competem. 

Ainda que a representatividade do F11 requeira que os jogadores utilizem comprimentos entre os 90 e os 120 m, estudos prévios têm demonstrado que os jovens futebolistas tendem a utilizar proporcionalmente menos o comprimento em comparação com a largura do campo (Castellano et al., 2017; Serra-Olivares et al., 2019). Neste sentido, enquanto tarefas de jogo com 100 m de comprimento (LSG100) cumprem os requisitos de representatividade total, tarefas com 75 e 50 metros de comprimento (LSG75 e LSG50) cumprem parcialmente o princípio, ou seja, respeitam as leis de jogo, o número de jogadores, mas não as dimensões competitivas absolutas. 

Tendo por base as considerações anteriores, o propósito do estudo foi descrever o comportamento coletivo e a performance física condicional de jovens jogadores de futebol (Sub-15) num jogo de F11, disputado em campos com 3 medidas distintas de comprimento (50, 75 e 100 m), mantendo a largura constante (60 m). Os resultados podem ajudar a compreender (1) os efeitos causados pela manipulação do comprimento do campo e (2) até que ponto os comportamentos dos jogadores em competição podem ser reproduzidos nestes formatos. Em última instância, esta informação contribui para a conceptualização de tarefas de treino mais representativas no futebol de formação.

 

Métodos

Participantes: 22 jovens jogadores Sub-15, embora somente os 20 jogadores de campo tenham sido analisados (média ± desvio-padrão, idade: 14.6 ± 0.3 anos; estatura: 167.8 ± 7.8 cm; peso corporal: 57.5 ± 7.3 kg; experiência de treino na academia: 5.5 ± 0.5 anos). Os participantes pertenciam a uma academia de um clube de futebol da primeira divisão espanhola (LaLiga), tendo treinado e competido juntos nos 8 meses anteriores à investigação, com 3 treinos semanais com uma duração aproximada de 90-min. Os jovens competiram no formato F11 (duas partes de 40-min), em campos com as dimensões de 100 x 60m. 

Variáveis: o trabalho englobou variáveis de comportamento tático (intra-equipa e inter-equipas) e variáveis físicas.

 

·     Comportamentos intra-equipa e inter-equipas

Estas são variáveis de natureza tática, como já foi evidenciado em estudos anteriores (Castellano et al., 2017; Correia et al., 2018). A tabela 1 mostra o código e a descrição de cada variável e a figura 2 a respetiva representação esquemática.


Tabela 1. Variáveis táticas intra-equipa e inter-equipas (adaptado de Nieto et al., 2022).

Figura 2. Representação esquemática das variáveis táticas intra-equipa e inter-equipas (Nieto et al., 2022).

 

·     Variáveis físicas

Neste ponto foram utilizadas 3 variáveis físicas: (1) distância percorrida nas seguintes zonas relativas à velocidade máxima (Vmax) individual: <60%, 60–70%, 70–80% e >80%, sendo os valores apresentados relativizados como percentagem da distância total percorrida; (2) distância total percorrida (TD em m/min); (3) distância percorrida em aceleração (Acc) e desaceleração (Dec), acima ou abaixo de ± 2 m/s2, respetivamente (Casamichana et al., 2015). A Vmax foi calculada no final do aquecimento em 2 sprints de 40 m, ficando o melhor valor registado. Para as acelerações e desacelerações foram apresentados valores absolutos para os 24-min disputados nos 3 formatos de campo. 

Tarefas de treino e jogo: todas as situações foram disputadas no formato de F11 (10 jogadores de campo + 1 guarda-redes), com balizas oficiais. O objetivo das tarefas de treino era marcar mais golos do que a equipa adversária, sem enjeitar qualquer possibilidade de ataque. O comprimento do campo foi modificado, mantendo a largura constante (60 m), de forma a criar 2 formatos de jogo reduzido de dimensões amplas – 50 x 60 m (LSG50: large-sided game of 50 m) e 75 x 60 m (LSG75) –, além da dimensão do jogo oficial (100 x 60 m; LSG100), com áreas de jogo relativas de 150, 225 e 300 m2, respetivamente. Em cada tarefa de jogo reduzido (LSG50 e LSG75) foram cumpridas 3 repetições de 8-min, com pausas passivas de 3-min, enquanto no formato competitivo oficial (LSG100) somente foram gravados os primeiros 24-min, sendo divididos em 3 intervalos de 8-min, em consonância com a duração das repetições das tarefas de treino. O jogo oficial terminou empatado 0-0. 

Procedimentos: as duas tarefas de treino e o jogo decorreram na mesma semana, embora em dias diferentes com intervalos de 48 a 72 horas para reduzir eventuais efeitos adversos da fadiga. A ordem das tarefas práticas seguiu os princípios definidos pela Periodização Tática (Delgado-Bordonau et al., 2014), começando com o formato LSG50 a 5 dias do jogo (MD-5), seguido do formato LSG75 a 3 dias do jogo (MD-3) e, finalmente, foi disputado o jogo oficial (LSG100). Antes da participação nas tarefas de treino, os jogadores cumpriram um aquecimento padrão de 12-min. Os treinadores distribuíram os jogadores por duas equipas equilibradas, adotando uma estrutura tática de base de 1-4-3-3 (1 guarda-redes, 4 defesas, 3 médios e 3 avançados) e os jogos incluíram todas as regras oficiais do F11. O deslocamento dos jogadores foi monitorizado através de GPS com uma frequência amostral de 10 Hz (MinimaxX S5, Catapult Innovations). Uma vez exportados os dados posicionais (latitude e longitude) dos jogadores para um ficheiro Excel previamente configurado, estes foram convertidos em coordenadas planares das quais resultou o cálculo das variáveis coletivas, mediante a utilização de uma macro Excel e de programação VBA. A gravação da duração das fases em posse de bola e sem a posse de bola, no meio-campo defensivo e no meio-campo ofensivo, e mesmo quando o jogo esteve parado, foi cumprida recorrendo à aplicação Dartfish EasyTag para Android, versão 2.0.11212.0. 

Análise estatística: os dados encontram-se representados em média ± desvio-padrão. Por uma questão de aplicabilidade prática, os dados foram analisados através de inferência baseada na magnitude (Hopkins et al., 2009). Para as variáveis intra-equipa foram calculadas as dimensões de efeito e os intervalos de confiança a 95% (p < 0.05) para os formatos de jogo propostos (LSG50, LSG75 e LSG100) e, para as variáveis inter-equipas, apenas para as tarefas de treino (LSG50 e LSG75). As variáveis inter-equipas não foram analisadas no jogo oficial, pois foi impossível monitorizar os jogadores da equipa adversária. As dimensões de efeito foram examinadas considerando os seguintes intervalos: <0.2 (muito pequeno), 0.2–0.6 (pequeno), 0.6–1.2 (moderado), 1.2–2.0 (grande) e 2.0–4.0 (muito grande) (Cohen, 1998). A entropia da amostra foi utilizada para determinar o grau de imprevisibilidade comportamental (González-Rodenas et al., 2022) das variáveis SI, L, W, CH, L/W e DC nos 3 formatos de jogo investigados. A análise estatística foi realizada no software JASP, versão 0.16.0.0 (University of Amsterdam, The Netherlands) e no Excel 2016 para o Windows.

 

Principais resultados

 

·     Distribuição do tempo de jogo

A distribuição do tempo efetivo de jogo, do tempo em processo ofensivo nos meios-campos defensivo e ofensivo e de quando a bola esteve parada foram os seguintes: (1) para o formato LSG50, o tempo com a bola fora foi 30% ± 4%, o tempo efetivo de jogo foi 70% ± 4%, o tempo em posse de bola no meio-campo defensivo foi 18% ± 7% (equipa A) e 24% ± 2% (equipa B), o tempo em posse de bola no meio-campo ofensivo foi 14% ± 3% (equipa A) e 14% ± 4% (equipa B); (2) para o formato LSG75, o jogo esteve parado em 21% ± 5% do tempo, o tempo efetivo de jogo foi 79% ± 5%, o tempo em processo ofensivo no meio-campo defensivo foi 25% ± 6% (equipa A) e 21% ± 10% (equipa B), enquanto o tempo com a bola no meio-campo ofensivo foi 12% ± 2% (equipa A) e 21% ± 3% (equipa B); (3) no jogo oficial (LSG100), o tempo em que esteve parado foi 42%, o tempo efetivo foi 58%, do qual 75% a equipa analisada deteve a posse de bola: 20% no meio-campo defensivo e 55% no meio-campo ofensivo.

 

·     Comportamento coletivo intra-equipa

Conforme é possível visualizar na figura 3, a começar pelo formato do jogo oficial (LSG100), os valores de todas as variáveis decresceram à medida que o comprimento do campo encurtou, mas não proporcionalmente. Os resultados mostraram diferenças significativas entre os 3 formatos de jogo para todas as variáveis. As magnitudes das reduções do formato LSG100 para o LSG75 foram pequenas para o índice de alongamento (SI), estrutura convexa (CH) e comprimento (L), e triviais para a largura (W) e rácio comprimento/largura (L/W). A comparação entre os formatos LSG100 e LSG50 revelou reduções com magnitudes mais pronunciadas: grande para L, moderada para SI e CH, pequena para W e trivial para L/W. A comparação LSG75 vs. LSG50 indicou reduções com as seguintes magnitudes: moderadas para SI, L e CH e pequenas para W e L/W.

 

Figura 3. Médias e desvios-padrão das variáveis intra-equipa para cada formato de jogo (LSG50, LSG75 e LSG 100) (Nieto et al., 2022).

 

A análise da entropia revelou que o comprimento da equipa (L) foi mais estável no formato mais longo (LSG100), sendo a largura (W) e a estrutura convexa (CH) das equipas mais instáveis nos jogos mais curtos (LSG50).

 

·     Comportamento coletivo inter-equipas

Houve diferenças significativas entre todos os formatos de jogo para todas as variáveis (figura 4). A comparação entre os formatos LSG75 e LSG50 revelou as seguintes alterações no comportamento inter-equipas: aumento moderado na distância dos centroides (DC), grande redução no comprimento (L2), reduções moderadas no índice de alongamento (SI2) e na estrutura convexa (CH2), e pequenas na largura (W2) e no rácio comprimento/largura (L/W2). À exceção de SI2, todas as outras variáveis inter-equipas foram mais estáveis no formato LSG75.

 

Figura 4. Médias e desvios-padrão das variáveis inter-equipas para os formatos de jogo LSG50 e LSG75 (Nieto et al., 2022).

 

·     Exigências (variáveis) físicas

O formato LSG75 foi o que propiciou a maior percentagem de metros percorridos acima dos 80% da velocidade máxima (Vmax) individual. Na zona 70–80% da Vmax, os formatos LSG75 e LSG100 tiveram resultados similares, enquanto o formato LSG75 determinou mais metros percorridos na zona 60–70%. No que se relaciona com a distância total percorrida, foi o formato LSG75 que proporcionou maiores valores, seguido do jogo oficial (LSG100). Ao nível da aceleração (Acc) e desaceleração (Dec), foram percorridos mais metros no formato LSG75, seguido pelo LSG50 e pelo LSG100. A tabela 2 especifica as magnitudes dos efeitos observados entre os formatos de jogo.

 

Tabela 2. Magnitude dos efeitos observados nas variáveis físicas, em função da análise comparativa dos formatos de jogo propostos (adaptado de Nieto et al., 2022). 


Aplicações práticas

Ao nível comportamental foram revelados valores mais elevados e maior estabilidade nas variáveis intra-equipa e inter-equipas no formato de jogo oficial (LSG100 > LSG75 > LSG50). Em termos condicionais, o formato LSG75 proporcionou uma maior percentagem de deslocamentos máximos (>80% Vmax) e submáximos (60–70% Vmax). Caso se pretenda que jovens jogadores repliquem diferentes respostas comportamentais típicas do F11, os treinadores podem manipular o comprimento do campo, propondo jogos com diferentes dimensões espaciais. As exigências físicas também devem ser equacionadas consoante o dia do microciclo em que a sessão de treino ocorre. 

À medida que o espaço absoluto da tarefa de treino é reduzido, o espaço coberto pelas equipas também diminui. O estudo mostrou, contudo, que do formato LSG100 para o LSG75 as modificações táticas foram pequenas ou triviais, embora estas diferenças tenham sido mais pronunciadas relativamente ao formato LSG50. A existência de distâncias mais curtas entre as balizas facilita um maior número de finalizações, penetrações ofensivas e oportunidades de golo. Face à emergência de comportamentos mais ofensivos, as equipas tendem a fechar o espaço em largura e a aproximar os seus setores (espaço entrelinhas). Por isso mesmo, verificou-se um aumento moderado na distância entre as equipas na tarefa mais curta (50 m) e comportamentos coletivos mais irregulares. 

Para desenvolver a velocidade dos jogadores em situações similares ao formato oficial (F11), recomenda-se a utilização de espaços mais amplos, com comprimentos iguais ou superiores a 75 m, mantendo a largura regulamentar (~60 m). Em espaços com comprimentos mais curtos (50 m) há mais acelerações e ações individuais mais instáveis (e.g., mudanças de direção), o que torna as tarefas com menores áreas de jogo relativas mais adequadas para os primeiros treinos do microciclo. 

Em suma, tarefas com uma profundidade <75 m podem provocar comportamentos táticos bastante distintos dos que normalmente ocorrem nos jogos oficiais de F11. Apesar disso, estas evidências não podem ser interpretadas desconsiderando a abordagem estratégica a implementar em competição (e.g., pressão alta vs. bloco médio ou baixo), uma vez que estes fatores influenciam as respostas comportamentais e físicas dos jogadores. Propor condicionantes adicionais para valorizar determinados comportamentos coletivos – por exemplo, o golo vale a duplicar se a bola for recuperada no meio-campo ofensivo –, pode ajudar a atenuar as diferenças comportamentais verificadas entre jogos mais curtos e o jogo formal.

 

Conclusão

As principais conclusões do estudo resumem-se em 3 pontos: (1) à medida que o espaço de jogo reduziu, a distância entre os jogadores foi obviamente mais pequena, sendo o formato LSG75 aquele que melhor reproduziu os comportamentos coletivos que ocorrem em competição; (2) em jogos de menores dimensões a estabilidade do comportamento reduziu substancialmente; (3) as respostas individuais na dimensão condicional (física) não foram proporcionais à modificação das dimensões espaciais, conforme é sugerido na literatura científica; fenómenos coletivos, como o tempo em posse de bola, podem ter influenciado os resultados a este nível.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista International Journal of Sports Science & Coaching.

23/08/2022

Retos (Vol. 46/2022) | Criticalidade do jogo no futebol juvenil masculino: Efeitos de variáveis situacionais e do escalão etário nos campeonatos nacionais portugueses

No âmbito do projeto de investigação “Efeitos de variáveis situacionais no período de concretização do golo: uma incursão nos momentos críticos do jogo de futebol”, proposto, em 2018, para o Centro de Investigação em Desporto e Educação Física (CIDEF) do Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes (ISMAT), em Portimão, já havia resultado uma publicação de um dos trabalhos desenvolvidos por um dos nossos alunos (ver aqui). 

Ontem foi publicado o segundo estudo desta linha de investigação e que também adveio do trabalho levado a cabo pelo nosso ex-aluno da licenciatura Paulo Cruz. Partindo da pesquisa conduzida pelo Paulo, o trabalho foi aprimorado e reescrito em inglês pelos atuais elementos do Grupo de Investigação e Formação em Futebol/Futsal do ISMAT (GIFut – ISMAT) e submetido no passado mês de abril. Em menos de 4 meses, e por força do excelente trabalho desenvolvido em equipa, o artigo foi publicado, após revisão de pares, na revista espanhola Retos (Q3; Impact Factor 2021: 1.36; CiteScore 2021: 2.4) (figura 1).

 Figura 1. Informações editoriais do artigo (fonte: recyt.fecyt.es).


O golo é um evento fundamental no jogo de futebol, pelo que tentámos perceber os contextos que determinam a sua concretização e se os mesmos diferem em função do escalão etário. O conceito de “criticalidade”, associado à importância que um golo pode ter no resultado final da partida, adquiriu um papel central nesta análise. Curiosamente, a dinâmica de concretização de golos nos campeonatos nacionais em Portugal diferiu entre os escalões etários investigados (Sub-17, Sub-19 e Sub-23). Se é verdade que as equipas visitadas e as mais fortes tendem a marcar golo mais cedo nos jogos, fator crucial para obter um bom resultado no final do tempo regulamentar, as equipas Sub-23 marcaram mais golos (críticos e não críticos) no último período do jogo (76 min – Final), o que reflete um maior equilíbrio competitivo na Liga Revelação (figura 2).

 

Figura 2. Jogo entre o GD Estoril-Praia e o Portimonense F. SAD na Liga Revelação (fonte: fpf.pt).

 

Por sua vez, os efeitos da interação do escalão etário com a qualidade da equipa permitiu-nos discernir uma maior irregularidade na distribuição dos golos marcados ao longo dos jogos nas equipas Sub-17 e Sub-19, o que sugere que as equipas mais velhas – no caso, Sub-23 – são menos suscetíveis a influências contextuais no desenrolar de jogos oficiais. Estes resultados têm implicações para o processo de treino no futebol de formação, uma vez que jogos competitivos de nível nacional podem apresentar dinâmicas distintas de evolução do marcador em função do escalão etário. 

A figura 3 exibe a primeira página do artigo com o abstract (resumo) do mesmo. Como o trabalho foi publicado em regime “open access”, podem descarregar o artigo integral no link: https://recyt.fecyt.es/index.php/retos/article/view/94275.

 

Figura 3. Página inicial do artigo original publicado na revista Retos (22-ago-2022; p. f., clique para ampliar).

 

Para finalizar, não poderia deixar de agradecer o contributo de todos os coautores deste estudo (Ricardo Gonçalves, Rui Batalau, Paulo Paixão, José A. Jorge e Pedro Vargas) e, em especial, congratular o Paulo Cruz pela determinação, perseverança e seriedade que sempre colocou no projeto. Convidamos todos os nossos alunos do ISMAT a fazer parte desta caminhada no futuro; ideias não nos faltam!


Referência

Almeida, C. H., Cruz, P., Gonçalves, R., Batalau, R., Paixão, P., Jorge, J. A., & Vargas, P. (2022). Game criticality in male youth football: Situational and age-related effects on the goal-scoring period in Portuguese national championships. Retos, 46, 864–875.

12/08/2022

Curiosidades da bola #1 – Jornada 1 da Liga Portugal Bwin 2022/2023

Ainda no rescaldo da primeira jornada da Liga Portugal Bwin 2022/2023, foram assinaladas duas grandes penalidades pelas equipas de arbitragem, em dois jogos distintos: GD Estoril Praia 2 x 0 FC Famalicão e CD Santa Clara 0 x 0 Casa Pia AC. 

Sobre este par de eventos de jogo decorreram as seguintes curiosidades: (1) ambos os penáltis foram executados para a mesma zona (zona 4; figura 1) e defendidos pelos guarda-redes; (2) os dois jogadores que marcaram o penálti eram estreantes na Liga Portugal Bwin (Álex Millán, 22 anos, ponta de lança do FC Famalicão; Leonardo Lelo, 22 anos, defesa/ala esquerdo do Casa Pia AC); (3) os dois marcadores eram mais jovens (e inexperientes) que os guarda-redes opositores (Daniel Figueira, 24 anos, 74 jogos na Liga Portugal Bwin; Marco Pereira, 35 anos, 130 jogos na Liga Portugal Bwin).

 

Figura 1. Definição de zonas para análise da performance em grandes penalidades no futebol (Almeida et al., 2016; Almeida & Volossovitch, 2022).

 

Por força destas curiosidades que ocorrem de forma inusitada, os aficionados do futebol criam ocasionalmente noções imprecisas sobre o desempenho dos jogadores. Em seguida iremos desmistificar algumas perceções erradas acerca da marcação de grandes penalidades em contexto de jogo.

 

1) A experiência de jogadores e guarda-redes é determinante para o resultado do penálti.

Não, não é. É sabido que a experiência acumulada pelos jogadores pode auxiliar na identificação de informação relevante para a ação subsequente, porém, os estudos científicos não mostraram qualquer relação entre o diferencial de idade (e experiência) entre o executante da grande penalidade e o guarda-redes em 536 penáltis na UEFA Champions League (Almeida et al., 2016) e em 833 episódios registados na I Liga Portuguesa, entre 2013/2014 e 2020/2021 (Almeida & Volossovitch, 2022). Inclusive, estudos prévios sugeriram que os jogadores mais jovens tendem a ser mais eficazes, por estarem menos suscetíveis ao stress e terem menos experiências negativas próprias, ou decorrentes da observação de falhanços de companheiros ou adversários (Jordet et al., 2007; Lopes et al., 2012).

 

2) Os destros são mais eficazes a bater penáltis do que os esquerdinos.

Errado. As evidências são, no máximo, inconclusivas (figura 2). Em nenhum dos estudos consultados houve diferenças significativas entre destros e esquerdinos no que concerne com o resultado do penálti (Almeida et al., 2016; Almeida & Volossovitch, 2022; Horn et al., 2021; López-Botella & Palao, 2007). À exceção da investigação realizada por López-Botella e Palao (2007), nos outros três estudos os destros foram ligeiramente – não significativamente – mais eficazes que os canhotos (Almeida et al., 2016: 77.4 vs. 70.1%; Almeida & Volossovitch, 2022: 80.3% vs. 73.4%; Horn et al., 2021: 78.7% vs. 75.1%).

 

Figura 2. Marco Pereira (CD Santa Clara) a defender a grande penalidade executada pelo jovem canhoto Leonardo Lelo (Casa Pia AC) (fonte: vsports.pt).

 

3) Os avançados são mais eficazes que os jogadores de posições mais recuadas (médios e defesas).

Os jogadores chamados a bater uma grande penalidade tendem a ser especialistas dentro do plantel. É normal que os avançados sejam selecionados mais vezes para assumir esta responsabilidade, pois são normalmente mais eficazes nas ações de finalização, ou seja, têm mais apetência para o golo (figura 3). Contudo, quando são médios ou defesas a executar, as percentagens de golo, defesa do guarda-redes e falha (bola no poste/trave ou fora) são idênticas. Estes factos não suportam a ideia de que jogadores com missões mais ofensivas e mais competentes na finalização sejam mais bem-sucedidos da marca dos 11 metros (Jordet et al., 2007).

 

Figura 3. Daniel Figueira (GD Estoril Praia) a defender a grande penalidade executada pelo estreante avançado espanhol Álex Millán (FC Famalicão) (fonte: vsports.pt).

 

4) É para os cantos inferiores da baliza que se deve executar o remate nas situações de grande penalidade.

Não. Se há facto que tem sido sucessivamente comprovado é que a probabilidade de marcar golo ao rematar para as zonas inferiores da baliza, mesmo para os cantos, é inferior à probabilidade de marcar golo nas zonas altas da baliza, sobretudo quando o alvo é um dos cantos superiores. Por outras palavras, a probabilidade de a bola ser defendida pelo guarda-redes nas zonas baixas é superior à probabilidade de falhar a baliza quando o remate é direcionado para as zonas superiores (Almeida et al., 2016; Almeida & Volossovitch, 2022; López-Botella & Palao, 2007; Palao et al., 2010).


Este tipo de evidências é útil não apenas para aprimorar no treino as ações e as estratégias adotadas nas grandes penalidades, quer pelos jogadores, quer pelos guarda-redes, mas também para conhecer algumas tendências que vão emergindo em contextos específicos de desempenho (i.e., localização do jogo, resultado corrente, período do jogo, qualidade das equipas, nível competitivo, tipo de competição, etc.). Em última instância, o conhecimento dá-nos um empurrão(zinho) extra na direção do êxito, prevenindo que certas crenças comuns e infundadas adquiram o desígnio de verdades absolutas.

 

Referências

Almeida, C. H., & Volossovitch, A. (2022). Multifactorial analysis of football penalty kicks in the Portuguese First League: A replication study. International Journal of Sports Science & Coaching. https://doi.org/10.1177/17479541221075722

Almeida, C. H., Volossovitch, A., & Duarte, R. (2016). Penalty kick outcomes in UEFA club competitions (2010-2015): The roles of situational, individual and performance factors. International Journal of Performance Analysis in Sport, 16(2), 508–522. https://doi.org/10.1080/24748668.2016.11868905

Horn, M., de Waal, S., & Kraak, W. (2021). In-match penalty kick analysis of the 2009/10 to 2018/19 English Premier League competition. International Journal of Performance Analysis in Sport, 21(1), 139–155. https://doi.org/10.1080/24748668.2020.1855052

Jordet, G., Hartman, E., Visscher, C., & Lemmink, K. (2007). Kicks from the penalty mark in soccer: the roles of stress, skill, and fatigue for kick outcomes. Journal of Sports Sciences, 25(2), 121–129. https://doi.org/10.1080/02640410600624020

Lopes, J. E., Araújo, D., Duarte, R., Davids, K. and Fernandes, O. (2012). Instructional constraints on movement and performance of players in the penalty kick. International Journal of Performance Analysis in Sport, 12(2), 311–345. https://doi.org/10.1080/24748668.2012.11868602

López-Botella, M., & Palao, J. M. (2007). Relationship between laterality of foot strike and shot zone on penalty efficacy in specialist penalty takers. International Journal of Performance Analysis in Sport, 7(3), 26–36. https://doi.org/10.1080/24748668.2007.11868407

Palao, J. M., López-Montero, M., & López-Botella, M. (2010). Relationship between efficacy, laterality of foot strike, and shot zone of the penalty in relation to competition level in soccer. International Journal of Sport Science, 6(19), 154–165.

06/08/2022

Fora da caixa

Podia dizer alguma coisa, mas prefiro o silêncio (figura 1). Um nada que para muitos nada é; para alguns, é pouco; para poucos, é muito; para muito poucos, raros, é tudo.

 

Figura 1. “Silêncio”, pintura de Wadim Chugriev (fonte: artmajeur.com).


Silêncio! A ausência de som aguça os sentidos e estimula o pensamento, a reflexão. Não tenho dúvidas que se encontra subvalorizado. O ser humano comum prefere o ruído, a azáfama e a excitação. Desde quando o comando da vida deixou de ter a opção “mute”? 

Cinco ou dez minutos de silêncio pode ser suficiente. É pedir muito? O dia tem mil quatrocentos e quarenta minutos. É reconfortante como nos podemos encontrar quando estamos calados. Quiçá, até, adquirir um novo rumo. Consoante o estado das ideias, elas propagam, fluem ou circulam com outra destreza e versatilidade. Tenho para mim, embora possa estar enganado – obviamente –, que as grandes descobertas da humanidade ocorreram na quietude. 

Para e escuta. Os sons da serra, da floresta, da cidade, da aldeia, da praia, do rio, do lago; os sons da Natureza. Permite-te romper o casulo mordaz que é o quotidiano. Projeta-te para fora da caixa e sintoniza-te com o mundo que te rodeia. Criar sinergias através da paz, do silêncio, do nada que pode ser tudo? Parece descabido de tão simples que é. 

Busco o silêncio cegamente como nunca o fiz, na esperança de que me possa cultivar fora da caixa.