12/08/2022

Curiosidades da bola #1 – Jornada 1 da Liga Portugal Bwin 2022/2023

Ainda no rescaldo da primeira jornada da Liga Portugal Bwin 2022/2023, foram assinaladas duas grandes penalidades pelas equipas de arbitragem, em dois jogos distintos: GD Estoril Praia 2 x 0 FC Famalicão e CD Santa Clara 0 x 0 Casa Pia AC. 

Sobre este par de eventos de jogo decorreram as seguintes curiosidades: (1) ambos os penáltis foram executados para a mesma zona (zona 4; figura 1) e defendidos pelos guarda-redes; (2) os dois jogadores que marcaram o penálti eram estreantes na Liga Portugal Bwin (Álex Millán, 22 anos, ponta de lança do FC Famalicão; Leonardo Lelo, 22 anos, defesa/ala esquerdo do Casa Pia AC); (3) os dois marcadores eram mais jovens (e inexperientes) que os guarda-redes opositores (Daniel Figueira, 24 anos, 74 jogos na Liga Portugal Bwin; Marco Pereira, 35 anos, 130 jogos na Liga Portugal Bwin).

 

Figura 1. Definição de zonas para análise da performance em grandes penalidades no futebol (Almeida et al., 2016; Almeida & Volossovitch, 2022).

 

Por força destas curiosidades que ocorrem de forma inusitada, os aficionados do futebol criam ocasionalmente noções imprecisas sobre o desempenho dos jogadores. Em seguida iremos desmistificar algumas perceções erradas acerca da marcação de grandes penalidades em contexto de jogo.

 

1) A experiência de jogadores e guarda-redes é determinante para o resultado do penálti.

Não, não é. É sabido que a experiência acumulada pelos jogadores pode auxiliar na identificação de informação relevante para a ação subsequente, porém, os estudos científicos não mostraram qualquer relação entre o diferencial de idade (e experiência) entre o executante da grande penalidade e o guarda-redes em 536 penáltis na UEFA Champions League (Almeida et al., 2016) e em 833 episódios registados na I Liga Portuguesa, entre 2013/2014 e 2020/2021 (Almeida & Volossovitch, 2022). Inclusive, estudos prévios sugeriram que os jogadores mais jovens tendem a ser mais eficazes, por estarem menos suscetíveis ao stress e terem menos experiências negativas próprias, ou decorrentes da observação de falhanços de companheiros ou adversários (Jordet et al., 2007; Lopes et al., 2012).

 

2) Os destros são mais eficazes a bater penáltis do que os esquerdinos.

Errado. As evidências são, no máximo, inconclusivas (figura 2). Em nenhum dos estudos consultados houve diferenças significativas entre destros e esquerdinos no que concerne com o resultado do penálti (Almeida et al., 2016; Almeida & Volossovitch, 2022; Horn et al., 2021; López-Botella & Palao, 2007). À exceção da investigação realizada por López-Botella e Palao (2007), nos outros três estudos os destros foram ligeiramente – não significativamente – mais eficazes que os canhotos (Almeida et al., 2016: 77.4 vs. 70.1%; Almeida & Volossovitch, 2022: 80.3% vs. 73.4%; Horn et al., 2021: 78.7% vs. 75.1%).

 

Figura 2. Marco Pereira (CD Santa Clara) a defender a grande penalidade executada pelo jovem canhoto Leonardo Lelo (Casa Pia AC) (fonte: vsports.pt).

 

3) Os avançados são mais eficazes que os jogadores de posições mais recuadas (médios e defesas).

Os jogadores chamados a bater uma grande penalidade tendem a ser especialistas dentro do plantel. É normal que os avançados sejam selecionados mais vezes para assumir esta responsabilidade, pois são normalmente mais eficazes nas ações de finalização, ou seja, têm mais apetência para o golo (figura 3). Contudo, quando são médios ou defesas a executar, as percentagens de golo, defesa do guarda-redes e falha (bola no poste/trave ou fora) são idênticas. Estes factos não suportam a ideia de que jogadores com missões mais ofensivas e mais competentes na finalização sejam mais bem-sucedidos da marca dos 11 metros (Jordet et al., 2007).

 

Figura 3. Daniel Figueira (GD Estoril Praia) a defender a grande penalidade executada pelo estreante avançado espanhol Álex Millán (FC Famalicão) (fonte: vsports.pt).

 

4) É para os cantos inferiores da baliza que se deve executar o remate nas situações de grande penalidade.

Não. Se há facto que tem sido sucessivamente comprovado é que a probabilidade de marcar golo ao rematar para as zonas inferiores da baliza, mesmo para os cantos, é inferior à probabilidade de marcar golo nas zonas altas da baliza, sobretudo quando o alvo é um dos cantos superiores. Por outras palavras, a probabilidade de a bola ser defendida pelo guarda-redes nas zonas baixas é superior à probabilidade de falhar a baliza quando o remate é direcionado para as zonas superiores (Almeida et al., 2016; Almeida & Volossovitch, 2022; López-Botella & Palao, 2007; Palao et al., 2010).


Este tipo de evidências é útil não apenas para aprimorar no treino as ações e as estratégias adotadas nas grandes penalidades, quer pelos jogadores, quer pelos guarda-redes, mas também para conhecer algumas tendências que vão emergindo em contextos específicos de desempenho (i.e., localização do jogo, resultado corrente, período do jogo, qualidade das equipas, nível competitivo, tipo de competição, etc.). Em última instância, o conhecimento dá-nos um empurrão(zinho) extra na direção do êxito, prevenindo que certas crenças comuns e infundadas adquiram o desígnio de verdades absolutas.

 

Referências

Almeida, C. H., & Volossovitch, A. (2022). Multifactorial analysis of football penalty kicks in the Portuguese First League: A replication study. International Journal of Sports Science & Coaching. https://doi.org/10.1177/17479541221075722

Almeida, C. H., Volossovitch, A., & Duarte, R. (2016). Penalty kick outcomes in UEFA club competitions (2010-2015): The roles of situational, individual and performance factors. International Journal of Performance Analysis in Sport, 16(2), 508–522. https://doi.org/10.1080/24748668.2016.11868905

Horn, M., de Waal, S., & Kraak, W. (2021). In-match penalty kick analysis of the 2009/10 to 2018/19 English Premier League competition. International Journal of Performance Analysis in Sport, 21(1), 139–155. https://doi.org/10.1080/24748668.2020.1855052

Jordet, G., Hartman, E., Visscher, C., & Lemmink, K. (2007). Kicks from the penalty mark in soccer: the roles of stress, skill, and fatigue for kick outcomes. Journal of Sports Sciences, 25(2), 121–129. https://doi.org/10.1080/02640410600624020

Lopes, J. E., Araújo, D., Duarte, R., Davids, K. and Fernandes, O. (2012). Instructional constraints on movement and performance of players in the penalty kick. International Journal of Performance Analysis in Sport, 12(2), 311–345. https://doi.org/10.1080/24748668.2012.11868602

López-Botella, M., & Palao, J. M. (2007). Relationship between laterality of foot strike and shot zone on penalty efficacy in specialist penalty takers. International Journal of Performance Analysis in Sport, 7(3), 26–36. https://doi.org/10.1080/24748668.2007.11868407

Palao, J. M., López-Montero, M., & López-Botella, M. (2010). Relationship between efficacy, laterality of foot strike, and shot zone of the penalty in relation to competition level in soccer. International Journal of Sport Science, 6(19), 154–165.

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