Ainda no rescaldo da primeira jornada da Liga Portugal Bwin 2022/2023, foram assinaladas duas grandes penalidades pelas equipas de arbitragem, em dois jogos distintos: GD Estoril Praia 2 x 0 FC Famalicão e CD Santa Clara 0 x 0 Casa Pia AC.
Sobre este par de eventos de jogo decorreram as seguintes
curiosidades: (1) ambos os penáltis foram executados para a mesma zona
(zona 4; figura 1) e defendidos pelos guarda-redes; (2) os dois
jogadores que marcaram o penálti eram estreantes na Liga Portugal Bwin (Álex
Millán, 22 anos, ponta de lança do FC Famalicão; Leonardo Lelo, 22 anos,
defesa/ala esquerdo do Casa Pia AC); (3) os dois marcadores eram mais
jovens (e inexperientes) que os guarda-redes opositores (Daniel Figueira, 24
anos, 74 jogos na Liga Portugal Bwin; Marco Pereira, 35 anos, 130 jogos na Liga
Portugal Bwin).
Figura 1. Definição de zonas para análise da performance em
grandes penalidades no futebol (Almeida et al., 2016; Almeida &
Volossovitch, 2022).
Por força destas curiosidades que ocorrem de forma
inusitada, os aficionados do futebol criam ocasionalmente noções imprecisas
sobre o desempenho dos jogadores. Em seguida iremos desmistificar algumas
perceções erradas acerca da marcação de grandes penalidades em contexto de
jogo.
1) A experiência de
jogadores e guarda-redes é determinante para o resultado do penálti.
Não, não é. É sabido que a experiência acumulada pelos
jogadores pode auxiliar na identificação de informação relevante para a ação
subsequente, porém, os estudos científicos não mostraram qualquer relação entre
o diferencial de idade (e experiência) entre o executante da grande penalidade
e o guarda-redes em 536 penáltis na UEFA Champions League (Almeida et al., 2016)
e em 833 episódios registados na I Liga Portuguesa, entre 2013/2014 e 2020/2021
(Almeida & Volossovitch, 2022). Inclusive, estudos prévios sugeriram que os
jogadores mais jovens tendem a ser mais eficazes, por estarem menos suscetíveis
ao stress e terem menos experiências negativas próprias, ou decorrentes da
observação de falhanços de companheiros ou adversários (Jordet et al., 2007;
Lopes et al., 2012).
2) Os destros são
mais eficazes a bater penáltis do que os esquerdinos.
Errado. As evidências são, no máximo, inconclusivas
(figura 2). Em nenhum dos estudos consultados houve diferenças significativas
entre destros e esquerdinos no que concerne com o resultado do penálti (Almeida
et al., 2016; Almeida & Volossovitch, 2022; Horn et al., 2021; López-Botella
& Palao, 2007). À exceção da investigação realizada por López-Botella e Palao
(2007), nos outros três estudos os destros foram ligeiramente – não
significativamente – mais eficazes que os canhotos (Almeida et al., 2016: 77.4
vs. 70.1%; Almeida & Volossovitch, 2022: 80.3% vs. 73.4%; Horn et al.,
2021: 78.7% vs. 75.1%).
3) Os avançados são mais eficazes que os jogadores de
posições mais recuadas (médios e defesas).
Os jogadores chamados a bater uma grande penalidade tendem
a ser especialistas dentro do plantel. É normal que os avançados sejam selecionados
mais vezes para assumir esta responsabilidade, pois são normalmente mais eficazes
nas ações de finalização, ou seja, têm mais apetência para o golo (figura 3).
Contudo, quando são médios ou defesas a executar, as percentagens de golo,
defesa do guarda-redes e falha (bola no poste/trave ou fora) são idênticas. Estes
factos não suportam a ideia de que jogadores com missões mais ofensivas e mais
competentes na finalização sejam mais bem-sucedidos da marca dos 11 metros (Jordet
et al., 2007).
Figura 3. Daniel Figueira (GD Estoril Praia) a defender a grande
penalidade executada pelo estreante avançado espanhol Álex Millán (FC
Famalicão) (fonte: vsports.pt).
4) É para os cantos inferiores da baliza que se deve executar
o remate nas situações de grande penalidade.
Não. Se há facto que tem sido sucessivamente comprovado é que a probabilidade de marcar golo ao rematar para as zonas inferiores da baliza, mesmo para os cantos, é inferior à probabilidade de marcar golo nas zonas altas da baliza, sobretudo quando o alvo é um dos cantos superiores. Por outras palavras, a probabilidade de a bola ser defendida pelo guarda-redes nas zonas baixas é superior à probabilidade de falhar a baliza quando o remate é direcionado para as zonas superiores (Almeida et al., 2016; Almeida & Volossovitch, 2022; López-Botella & Palao, 2007; Palao et al., 2010).
Este tipo de evidências é útil não apenas para aprimorar no
treino as ações e as estratégias adotadas nas grandes penalidades, quer pelos
jogadores, quer pelos guarda-redes, mas também para conhecer algumas tendências
que vão emergindo em contextos específicos de desempenho (i.e., localização do
jogo, resultado corrente, período do jogo, qualidade das equipas, nível
competitivo, tipo de competição, etc.). Em última instância, o conhecimento
dá-nos um empurrão(zinho) extra na direção do êxito, prevenindo que certas
crenças comuns e infundadas adquiram o desígnio de verdades absolutas.
Referências
Almeida, C. H., & Volossovitch, A. (2022). Multifactorial
analysis of football penalty kicks in the Portuguese First League: A
replication study. International Journal of Sports Science & Coaching.
https://doi.org/10.1177/17479541221075722
Almeida,
C. H., Volossovitch, A., & Duarte, R. (2016). Penalty kick outcomes in UEFA
club competitions (2010-2015): The roles of situational, individual and
performance factors. International Journal of Performance Analysis in Sport,
16(2), 508–522. https://doi.org/10.1080/24748668.2016.11868905
Horn,
M., de Waal, S., & Kraak, W. (2021). In-match penalty kick analysis of the
2009/10 to 2018/19 English Premier League competition. International Journal
of Performance Analysis in Sport, 21(1), 139–155.
https://doi.org/10.1080/24748668.2020.1855052
Jordet,
G., Hartman, E., Visscher, C., & Lemmink, K. (2007). Kicks from the penalty
mark in soccer: the roles of stress, skill, and fatigue for kick outcomes. Journal
of Sports Sciences, 25(2), 121–129.
https://doi.org/10.1080/02640410600624020
Lopes,
J. E., Araújo, D., Duarte, R., Davids, K. and Fernandes, O. (2012).
Instructional constraints on movement and performance of players in the penalty
kick. International Journal of Performance Analysis in Sport, 12(2),
311–345. https://doi.org/10.1080/24748668.2012.11868602
López-Botella, M., & Palao, J. M. (2007). Relationship
between laterality of foot strike and shot zone on penalty efficacy in
specialist penalty takers. International Journal of Performance Analysis in
Sport, 7(3), 26–36. https://doi.org/10.1080/24748668.2007.11868407
Palao, J. M., López-Montero, M., & López-Botella, M.
(2010). Relationship between efficacy, laterality of
foot strike, and shot zone of the penalty in relation to competition level in
soccer. International Journal of Sport
Science, 6(19), 154–165.
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