Há dois dias, Josep (Pep) Guardiola, treinador do Manchester
City FC, foi taxativo ao referir que a melhor equipa do futebol mundial a jogar
em ataque posicional é o Brighton & Hove Albion FC, de Roberto De Zerbi (figura
1).
Figura 1. Roberto De Zerbi, atual treinador do Brighton & Hove
Albion FC, 7.º classificado da FA Premier League (fonte: football365.com).
O catalão esclareceu que, no presente, não há melhor equipa a levar a bola controlada do setor mais recuado até ao quarto mais ofensivo do campo. Quem acompanha a Premier League e, em particular, o Brighton, sabe que é um conjunto perfeitamente identificado com as ideias do seu treinador: o portador da bola tem de ser capaz de provocar o adversário direto; no centro de jogo, dois ou três jogadores têm de conseguir atrair a pressão defensiva oponente, de modo a libertar espaço para que um jogador mais bem posicionado dê sequência à progressão da bola no terreno de jogo. De facto, na linha de raciocínio de De Zerbi, um posicionamento coletivo criterioso e mobilidade ao nível do centro de jogo, através da dinâmica do terceiro homem, são aspetos indispensáveis para desconstruir ou perturbar a organização defensiva adversária. Atrair, criar (espaço) e explorar.
Este jogo de provocação ou de atração, por assim dizer,
não se esgota, porém, na opção de jogar curto em permanência. Coloquemo-nos no papel
de treinador adversário: como é que podemos condicionar uma construção de jogo curta
a partir do setor defensivo? Se formos presunçosos, achando que temos jogadores
mais fortes que o Brighton, provavelmente encontraremos motivos para recorrer defensivamente
a referências individuais, abandonando o método zonal. Foi precisamente o que
aconteceu no início do último jogo em Stamford Bridge, entre o Chelsea e o
Brighton, com vitória por 2-1 para os visitantes. O clip seguinte mostra os
instantes iniciais da partida mais interessantes do ponto de vista
estratégico-tático.
O Brighton manifestou cedo a intenção de sair curto a
partir do guarda-redes e dos centrais, chamando até si a pressão do Chelsea. O
Chelsea optou por condicionar individualmente as saídas curtas do Brighton,
sendo que um dos atacantes – no caso, Conor Gallagher – procurava apertar o
guarda-redes forasteiro e, simultaneamente, fechar a linha de passe para o central
do seu lado. Ao fazê-lo, permitiu que o Brighton buscasse, como terceiro homem,
esse mesmo central (Veltman), já solto para progredir (figura 2).
Figura 2. Saída curta do Brighton face à pressão alta do Chelsea,
organizada segundo referências individuais. Com dois passes, o central Veltman
ficou de frente para a baliza adversária e com espaço para progressão.
Apesar de a bola se ter perdido pela linha lateral, os Seagulls
compreenderam as intenções defensivas dos Blue e na jogada seguinte abordaram,
deliberadamente, o processo ofensivo de outra maneira: se nos vão pressionar alto
com referências individuais, podemos explorar o espaço existente no setor mais recuado do adversário. A figura 3 mostra o guardião espanhol Robert Sánchez a temporizar,
pisando a bola.
Figura 3.
A
ação de pisar a bola de Sánchez surge como convite para que a pressão
defensiva do Chelsea seja ativada.
Na realidade, ele não estava apenas a convidar a pressão
adversária, mas também a ler o espaço disponível no setor ofensivo da sua
equipa (figura 4). Assim que Gallagher aproxima para pressionar, o guarda-redes
já sabe a quem deve endossar a bola (Kaoru Mitoma).
Figura 4. Sánchez descobre o espaço disponível e o companheiro de
equipa mais bem posicionado para receber a bola (Mitoma). O passe longo permitiu
ultrapassar as linhas ofensiva e intermédia do Chelsea.
O japonês recebeu a bola e progrediu pelo corredor
esquerdo, aparecendo em apoio, vindo de trás, o lateral equatoriano Pervis
Estupiñán. Na figura 5, repare-se no potencial ofensivo da jogada do Brighton
na chegada à zona de criação de situações de finalização. A superioridade
numérica no corredor lateral iria concretizar-se por meio de uma combinação
tática direta (overlap).
Figura 5. Superioridade numérica no corredor lateral esquerdo e possível
situação de 4v4+Gr na chegada à área de penálti do Chelsea.
Não havendo vantagem numérica na área de penálti, havia,
no entanto, uma situação de vantagem espacial que foi percebida e aproveitada.
O passe saiu e Mac Allister não inaugurou o marcador por centímetros (figura 6).
Figura 6. Vantagem espacial explorada pelo Brighton e a
finalização de Mac Allister saiu à malha lateral exterior da baliza.
O que importa extrair desta análise é que os jogadores do Brighton, embora sigam um estilo de jogo claro e com processos muito bem definidos, sabem interpretar o contexto e adaptar os seus comportamentos às oportunidades de ação que são mais vantajosas para a equipa. Dominar e aplicar princípios de jogo flexíveis fomenta a variabilidade e a eficácia coletiva e é isso que torna esta equipa de De Zerbi um exemplo do que é atacar com inteligência e astúcia no futebol moderno. A adoção de um estilo de jogo não implica que se siga apenas uma via (i.e., os mesmos comportamentos) para chegar ao sucesso, pelo contrário.
Roberto De Zerbi já tinha as suas equipas a praticar um
futebol ofensivo distinto no Sassuolo e no Shakhtar Donetsk. Independentemente do
que possa vir a fazer no Brighton, ou do rumo que a sua carreira possa vir a tomar, parece-me
inequívoco que o italiano é um dos técnicos do futebol de elite com ideias mais
criativas e arrojadas.
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