26/02/2025

Artigo do mês #62 – fevereiro 2025 | Efeitos de diferentes dispositivos táticos nos comportamentos posicionais coletivos em jogos reduzidos disputados por jovens jogadores de futebol

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto. 

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Autores: González-Rodenas, J., Ferrandis, J., Valdó, J. C., Claver-Rabaz, F., Ballester, R., & Gil-Arias, A.  

País: Espanha

Data de publicação: 19-dezembro-2024

Título: Effects of different tactical formations on positional team behaviors during small-sided games in youth soccer players

Referência: González-Rodenas, J., Ferrandis, J., Valdó, J. C., Claver-Rabaz, F., Ballester, R., & Gil-Arias, A.  (2025). Effects of different tactical formations on positional team behaviors during small-sided games in youth soccer players. Journal of Human Kinetics, 97, 1–11. Advance online publication. https://doi.org/10.5114/jhk/194071

 

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 62 – fevereiro de 2025.

 

Apresentação do problema

O futebol é um jogo dinâmico, no qual as equipas se influenciam mutuamente nas fases de organização ofensiva e defensiva (Duarte et al., 2012). A interação tático-estratégica requer que os treinadores desenvolvam meios de treino representativos para facilitar a transferência de competências para a competição (Passos & Davids, 2015). 

Neste contexto, os jogos reduzidos (JRs) são ferramentas eficazes para o desenvolvimento técnico, tático e físico dos jogadores (Clemente et al., 2021; Sarmento et al., 2018). Através da manipulação de variáveis como o espaço, o número de jogadores e o formato das balizas, torna-se possível (re)criar condições de jogo específicas (Davids et al., 2013; Ometto et al., 2018). O impacto da adaptação destas condições nas variáveis físicas e fisiológicas tem sido amplamente explorado (González-Rodenas et al., 2015; Praça et al., 2022; Rabano-Muñoz et al., 2023), contribuindo para que as equipas técnicas concebam tarefas de treino mais precisas para monitorizar a carga dos jogadores (Clemente et al., 2014; Hammami et al., 2018; Skalski et al., 2024). 

Nos últimos anos, a investigação sobre a influência dos constrangimentos da tarefa nos comportamentos táticos tem vindo a aumentar consideravelmente (Ometto et al., 2018). Também a dinâmica posicional dos jogadores no campo emergiu recentemente como um dos principais aspetos para avaliar a coordenação coletiva das equipas (Coito et al., 2022). Contudo, a investigação em torno de variáveis posicionais tem-se focado predominantemente nos efeitos da manipulação do número de jogadores (Aguiar et al., 2015; Vilar et al., 2014), da dimensão e configuração do campo (Coutinho et al., 2018; Olthof et al., 2018), bem como em ajustes na tarefa, como os métodos concretização de golo (Travassos et al., 2014) ou as regras do jogo (Castellano et al., 2016; Praça et al., 2021, 2022). 

Embora alguns estudos em contexto competitivo indiquem efeitos significativos dos dispositivos táticos no desempenho tático-técnico (Aquino et al., 2020; Forcher et al., 2023; Memmert et al., 2019), a exploração deste fator em JRs ainda é escassa. Os dispositivos táticos estabelecem uma estrutura coletiva que define a distribuição espacial e os papéis específicos dos jogadores (González-Rodenas et al., 2023; Shaw & Glickman, 2019), sendo fundamentais para moldar as interações e sinergias entre as diferentes posições e missões táticas. Por exemplo, Baptista et al. (2020) verificaram que o número de médios utilizados num dispositivo tático afeta a dinâmica do jogo e a ocupação espacial em jogos 7v7. Concretamente, o estudo revelou que o 4-3-0 (4 defesas, 3 médios e nenhum avançado) promoveu a exploração espacial, o 4-1-2 favoreceu uma distribuição mais compacta e a regularidade coletiva, enquanto o 0-4-3 estimulou o equilíbrio e a capacidade de cobertura face ao adversário. 

Assim, é necessário aprofundar a compreensão sobre o modo como comportamentos coletivos são influenciados pela manipulação dos dispositivos táticos em JRs de futebol. As evidências resultantes podem auxiliar as equipas técnicas a definir estruturas táticas específicas em treino, que sejam mais propícias para criar ambientes de aprendizagem mais representativos para os jogadores. Por conseguinte, este estudo teve como objetivo explorar o impacto de diferentes dispositivos táticos nos comportamentos coletivos da equipa em jovens jogadores durante JRs 7v7.

 

Métodos

Participantes: 18 jogadores (idade = 17,9 ± 0,8 anos; massa corporal = 69,2 ± 4,3 kg; estatura = 178,0 ± 5,6 cm) pertencentes a uma equipa subelite sediada em Madrid, que competia ao mais alto nível no escalão correspondente. Os guarda-redes também integraram o protocolo, mas foram excluídos da análise dos dados. Os critérios de inclusão exigiam que os jogadores estivessem oficialmente inscritos em competição e fisicamente aptos para suportar as exigências dos JRs. 

Abordagem experimental: este estudo transversal analisou o impacto de diferentes dispositivos táticos em JRs 7v7. Foram criadas duas equipas equilibradas (A e B), mantendo-se estáveis ao longo do estudo. A seleção das posições teve por base o perfil tático-técnico e a posição habitual dos jogadores. Os jogos foram disputados num campo de 65x50m (232 m²/jogador), replicando as condições da competição, com exceção das reposições, realizadas sempre através de pontapés de baliza. Propuseram-se 3 dispositivos táticos: 2-3-1 e 3-1-2, sempre contra uma estrutura tática 3-3 (Figura 2).

 

Figura 2. Representação dos dispositivos táticos implementados nos JRs (González-Rodenas et al., 2025).


Os JRs decorreram uma vez por semana durante 3 semanas, integrados no treino da equipa Sub-19. No total, realizaram-se 18 jogos de 5 minutos, com 2 minutos de intervalo, sendo os dispositivos táticos atribuídos aleatoriamente a cada equipa (Tabela 1).

 

Tabela 1. Desenho experimental exibindo os dispositivos táticos utilizados por cada equipa em cada período de jogo (adaptado de González-Rodenas et al., 2025).

Antes de cada jogo, os jogadores foram informados pelo treinador sobre o dispositivo tático e respetivas posições de jogo. O aquecimento incluiu 10 minutos divididos entre exercícios de mobilidade, mudanças de direção e passe/drible.

Procedimentos: os movimentos dos jogadores nos JRs foram monitorizados com WIMU PRO™ GPS (10 Hz), obtendo-se o registo de 9049 posições coletivas (Bastida-Castillo et al., 2019). A otimização do final foi assegurada mediante a configuração dos dispositivos num espaço desimpedido junto ao campo e colocados em coletes anatómicos ajustados às costas dos jogadores. O software SPRO (WIMU, Hudl, EUA) foi utilizado para calcular 5 variáveis táticas (Low et al., 2020; Rico-González et al., 2022): 

·  Altura da equipa: distância média (m) entre o jogador mais recuado e a baliza;

·  Largura da equipa: distância média (m) entre os jogadores mais afastados lateralmente;

· Comprimento da equipa: distância média (m) entre os jogadores mais afastados longitudinalmente;

·  Índice de dispersão: distância média dos jogadores ao centro geométrico da equipa;

·  Área da equipa: área total (m²) do polígono formado pelos jogadores (“convex hull”).


Estas métricas avaliam a coordenação coletiva, a exploração espacial e as distâncias interpessoais, e têm sido amplamente utilizadas em estudos sobre futebol (Baptista et al., 2020; Low et al., 2020, 2022; Ometto et al., 2018; Praça et al., 2021). 

Análise estatística: os dados foram transferidos do SPRO para o SPSS (v. 27.0). Como não seguiram uma distribuição normal (Kolmogorov-Smirnov), foram analisados com medianas e intervalos interquartis. Para comparar os diferentes dispositivos táticos, recorreu-se ao teste de Mann-Whitney U e ao d de Cohen para determinar a magnitude do efeito (Cohen, 1988, 1992): 0–0.2, trivial; >0.2–0.5, pequena; >0.5–0.8, moderada; >0.8, grande. Os resultados foram apresentados em tabelas e caixas de bigodes para visualizar a distribuição, a tendência central e a variabilidade da amostra (p < 0,05).


Principais resultados

 

·     Atacar com dispositivos táticos 2-3-1 ou 3-1-2

Em organização ofensiva, o dispositivo tático 2-3-1 promoveu uma maior altura e largura da equipa em campo do que a estrutura 3-1-2, com diferenças estatisticamente significativas. Contudo, não foram encontradas diferenças no comprimento da equipa nem no índice de dispersão. Além disso, o 2-3-1 registou uma área total significativamente superior à da estrutura 3-1-2, embora com um efeito trivial.

 

·     Defender com dispositivos táticos 2-3-1 ou 3-1-2

Em organização defensiva, o dispositivo tático 2-3-1 promoveu uma linha defensiva mais alta em campo do que a estrutura 3-1-2, com diferenças estatisticamente significativas. No entanto, também resultou numa equipa mais compacta, apresentando menor comprimento e menor dispersão dos jogadores. O 2-3-1 registou ainda uma área total da equipa significativamente inferior à do 3-1-2, o que reforça a ideia de contribuir para um bloco defensivo mais coeso.

 

·     Atacar contra um dispositivo 2-3-1 ou 3-1-2

Ao construir um ataque contra um dispositivo defensivo 2-3-1, a equipa atacante apresentou uma menor altura média, mas maior largura e dispersão coletiva em comparação com o ataque contra um 3-1-2. Adicionalmente, atacar contra um bloco defensivo 2-3-1 levou a um aumento significativo da área total da equipa atacante face à estrutura 3-1-2, com um efeito de magnitude moderada.

 

·     Defender contra um dispositivo 2-3-1 ou 3-1-2

Em organização defensiva, quando a equipa adversária atacou com um dispositivo 2-3-1, a equipa defensora apresentou menor comprimento e dispersão coletiva do que ao defender contra um 3-1-2, com efeitos de magnitude moderada e pequena, respetivamente. Também, defender contra um ataque estruturado em 2-3-1 resultou numa área total defensiva significativamente menor em comparação com a defesa contra um 3-1-2, embora o efeito tenha sido pequeno.

 

Aplicações práticas

A escolha dos dispositivos táticos nos JRs influencia significativamente as dinâmicas coletivas, tanto na equipa que os implementa como na adversária. A compreensão de como os diferentes dispositivos táticos afetam a ocupação espacial, a organização ofensiva e a organização defensiva pode ajudar os treinadores a conceber tarefas práticas mais eficazes e consentâneas com o modelo de jogo criado. Com base nos resultados deste estudo, propõem-se 4 aplicações práticas para aprimorar o treino tático no futebol juvenil:

1. Definir o dispositivo tático conforme o modelo de jogo pretendido: o 2-3-1 favorece ataques mais amplos e estruturados, proporcionando maior liberdade aos médios-ala e garantindo mais estabilidade defensiva com 2 centrais fixos. Em contrapartida, o 3-1-2 gera maior variabilidade posicional e pode potenciar ataques mais imprevisíveis. Ao ponderar as vantagens e limitações de cada estrutura, os treinadores tomam decisões mais informadas sobre o dispositivo tático que melhor se ajusta ao seu modelo de jogo. 

2. Manipular os dispositivos táticos para condicionar a equipa adversária: a estrutura tática proposta não impacta apenas a organização da própria equipa, mas também a dinâmica da equipa adversária, fenómeno reconhecido como coadaptação tática. O 2-3-1 induz uma defesa mais compacta e organizada, enquanto o 3-1-2 tende a ampliar a dispersão longitudinal da equipa adversária. Os treinadores podem recorrer a esta informação para conceber cenários de treino que desafiem os jogadores a solucionar problemas contextuais, como atacar blocos defensivos compactos ou explorar espaços em defesas mais alongadas, ou seja, cedendo mais espaço entre linhas. 

3️. Refinar a ocupação espacial em função da estrutura tática utilizada: o 2-3-1 promove uma organização simétrica e equilibrada, já que permite que os jogadores mantenham distâncias mais curtas entre si, especialmente em momentos defensivos. Por sua vez, o 3-1-2 apresenta uma estrutura ofensiva menos expansiva, o que pode levar os laterais a assumir um papel mais defensivo para garantir o equilíbrio numérico. Os treinadores podem ajustar o dispositivo tático nas tarefas de treino para enfatizar certos princípios de jogo, por forma a melhorar a ocupação espacial sem comprometer as dinâmicas coletivas pretendidas. 

4️. Personalizar os JRs com base nas características dos jogadores e nos objetivos da sessão: a escolha do dispositivo tático deve considerar não apenas o modelo de jogo e o perfil dos jogadores disponíveis, mas também o objetivo específico da sessão de treino. A interação entre diferentes estruturas táticas nos JRs influencia a emergência de padrões coletivos, tornando-se essencial que os treinadores adaptem as tarefas de treino para estimular os comportamentos desejados. Ao manipular os dispositivos táticos de forma estratégica, a equipa técnica pode criar desafios que estimulem a adaptabilidade tática dos praticantes e o desenvolvimento de comportamentos tático-técnicos representativos do jogo competitivo.

 

Conclusão

Este estudo demonstra a influência dos dispositivos táticos nos comportamentos posicionais em JRs de futebol. O 2-3-1 promoveu maior largura e área ofensiva, bem como um posicionamento mais alto, enquanto, defensivamente, proporcionou uma estrutura mais compacta devido à redução do comprimento e do índice de dispersão. Por outro lado, o 3-1-2 resultou numa ocupação espacial mais variável. Atacar contra um 2-3-1 incentivou maior largura e dispersão, enquanto defendê-lo levou a uma estrutura mais compacta. Os resultados enfatizam a importância da escolha do dispositivo tático para modular os comportamentos coletivos. Os treinadores devem manipular estrategicamente o dispositivo tático nos JRs para desenvolver a adaptabilidade dos jogadores e a sua compreensão tática. Ao fazê-lo, otimizam as sessões de treino em função do modelo de jogo idealizado.


P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Journal of Human Kinetics.

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