A marcação de uma grande
penalidade é uma circunstância peculiar no decurso de um jogo de
futebol. Pode resultar de uma falta ocorrida no interior da grande área ou, como
último recurso, determinar o desfecho de um jogo através de uma série de penáltis
para cada equipa. Por este motivo, são episódios que assumem proporções altamente
mediáticas. Ainda recentemente, o Campeonato Africano das Nações (CAN, 2012), a
Liga dos Campeões da UEFA (2011/2012) e uma das meias-finais do EURO 2012 foram
precisamente decididos através da marcação de grandes penalidades.
Foto: O penálti de Bruno
Alves no duelo das meias-finais do EURO 2012 diante da Espanha (fonte:
REUTERS).
Portanto, a grande penalidade não deveria ser um evento a negligenciar na preparação das equipas para a competição, embora muitos treinadores e equipas técnicas descurem esta categoria de bola parada no seu planeamento de sessões e microciclos, lembrando-se esporadicamente de “afinar a pontaria” dos 11 metros quando a ocasião assim o exige, por exemplo, na sessão prévia a jogos da Taça. Do mesmo modo que sempre me disseram que não se deve estudar apenas no dia anterior a um teste, estou ciente de que “bater” penáltis um ou dois dias antes de um jogo a eliminar é manifestamente escasso para melhorar a competência dos atacantes e dos guarda-redes (GRs) nestas situações específicas.
Parece ser consentâneo que a execução e o resultado de uma grande penalidade dependem de estados de equilíbrio/desequilíbrio entre o jogador que remata a bola e o GR, constituindo, por isso, uma interação dinâmica de um contra um (Lopes, Araújo, Peres, Davids, & Barreiros, 2008; Palao, López-Montero, & López-Botella, 2010). Além disso, são inúmeras as variáveis que condicionam a prestação dos dois intervenientes. O conhecimento anterior (observação e análise do adversário), os estados emocionais, a lateralidade do atacante (destro ou canhoto), a localização da partida (em casa ou fora), o resultado corrente do jogo (a vencer, empatado ou a perder), entre outros, são fatores que permanecem em jogo, senão mesmo de forma mais determinante, no curto período em que decorre a grande penalidade. A investigação científica tem procurado algumas respostas, porém a maioria das pesquisas peca por o concretizar fora do contexto ecológico em que a díade atacante vs. GR emerge (Lopes et al., 2008).
Na revisão efetuada por Lopes et al. (2008) sobre esta temática, foi possível sintetizar um conjunto de conclusões comuns a diversas investigações consultadas: (i) as coxas e a perna de apoio do atacante parecem ser fontes de informação relevantes para antecipar a direção do remate por parte dos GRs; (ii) os atacantes não podem alterar a direção do remate, sem prejuízo da performance, quando os GRs se movem entre os 400 e os 300 ms antes do contacto do atacante com a bola; (iii) os GRs que obtêm mais êxito aguardam mais tempo para iniciar a ação de defesa; (iv) os GRs podem influenciar a perceção prévia do atacante para uma determinada zona da baliza e, assim, condicionar a direção do remate; (v) há uma associação forte entre a importância da grande penalidade e a efetividade do desempenho; (vi) há uma associação entre instruções negativas proferidas pelo treinador e a performance do atacante na marcação da grande penalidade.
Segundo estas evidências, a típica desvantagem atribuída aos GRs nestas situações poderá ser atenuada com o treino de um vasto leque de habilidades percetivas, para além da hipersolicitada componente motora. Neste particular, a tomada de decisão do GR pode ser potenciada caso assente num processo permanente e ativo de exploração e seleção de informação relevante que suporte a decisão (Lopes et al., 2008). Do lado do atacante, podem surgir duas estratégias para marcar o penálti: (i) a independente do GR, na qual o jogador parte para a bola com a decisão tomada em relação ao lado para onde irá rematar, focando-se na precisão e potência da ação ou (ii) a dependente do GR, em que o jogador explora e analisa, em frações de segundo, as ações do GR no sentido de decidir o lado para o qual irá rematar e obter sucesso (Lopes et al., 2008; Palao et al., 2010).
Transpondo os factos para o treino desportivo, é importante que o desenvolvimento de habilidades subjacentes à marcação de grandes penalidades não seja colocado de parte no alto rendimento e, sobretudo, nas diversas etapas de formação na modalidade. No cômputo geral, é uma tarefa bastante aprazível desde as idades mais jovens, nas quais a aquisição de habilidades percetivas, cognitivas e motoras assumem especial significado. Em ambos os estudos mencionados, os autores indicaram algumas dicas para explorar na prática. Assim, o treinador deverá: (i) melhorar a tolerância dos jogadores (atacante e GR) à pressão das grandes penalidades, mediante a oposição a adversários com diferentes estratégias; (ii) manipular constrangimentos da tarefa (distância da bola, tamanho da bola, tamanho da baliza, etc.) e constrangimentos do praticante (e.g., aumentar a pressão imposta numa decisão por grandes penalidades, criar rankings de sucesso para todos os jogadores, etc.); (iii) conceder instruções aos GRs para 1) se moverem ao longo da linha de golo, 2) permanecerem estáticos o máximo possível ou 3) definir uma posição inicial ligeiramente para a esquerda ou para a direita e, posteriormente, tentar defender o penálti; para os atacantes 1) assumir diferentes ângulos de aproximação à bola, 2) variar a distância inicial entre o próprio e a bola, 3) rematar com o pé dominante e com o não dominante.
No essencial, o treinador deve propiciar a exploração de diversas estratégias, constrangendo a tarefa e o praticante, a fim de que o mesmo possa estar suficientemente “afinado” para lidar com circunstâncias inesperadas na marcação de uma grande penalidade. A aferição dos resultados pode ser alcançada com a elaboração de uma simples grelha de avaliação com critérios pré-definidos. Eis um exemplo relativo à eficácia: (i) para os atacantes: 8 ou mais golos, em 10 tentativas, é definido como “muito bom”, entre 5 e 7 “médio” e menos de 5 “insuficiente”; (ii) para os GR: 3 ou mais defesas, em 10 remates, é definido como “muito bom”, 2 em 10 “médio” e uma ou zero “insuficiente”.
Referências
Lopes, J. E., Araújo,
D., Peres, R., Davids, K., & Barreiros, J. (2008). The dynamics of decision making in penalty kick
situations in association football. The
Open Sports Sciences Journal, 1, 24-30. (pdf)
Palao, J. M.,
López-Montero, M., & López-Botella, M. (2010). Relación entre eficacia, lateralidad
y zona de lanzamiento del penalti en función del nivel de competición en
fútbol. Revista Internacional de Ciencias
del Deporte, 4(19), 154-165. (pdf)
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