Nos meandros do treino
de futebol há, entre treinadores, jogadores e dirigentes, um conjunto de
crenças que, atendendo à sua longevidade, assumem quase contornos de verdades
inquestionáveis. O tipo/estado do terreno de jogo é uma problemática frequentemente
debatida, sobretudo na classe dos treinadores, que, regra geral, proclama
seguinte:
· Regar o relvado, seja
natural ou sintético, tende a tornar o jogo mais rápido e a aumentar a
intensidade do esforço;
· Deixar a relva crescer
muito determina que a bola prenda, proporcionando um jogo mais lento e,
supostamente, uma menor intensidade de esforço dos jogadores;
· Em terra batida, a bola
ressalta imenso, dificulta a receção, a condução e o passe e, consequentemente,
implica ritmos de jogo e intensidades mais baixas.
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Figura. Tipos de terreno de jogo no futebol. |
Mesmo
que estas perceções façam algum sentido, podem ser consideradas como factos?
Atentemos
a dois estudos que foram realizados neste âmbito por Andersson e colaboradores
(2008) e Tessitore e colaboradores (2012). No trabalho de Andersson et al. (2008), publicado no Journal of Sports Sciences, surgiu a
preocupação de perceber se jogadores de elite suecos apresentavam diferenças
nos padrões de movimento, nas habilidades com bola e na impressão subjetiva,
atuando em relvados artificiais (sintéticos) ou em relvados naturais. Eis os
resultados:
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Tabela. Perfil de rendimento relvado em artificial vs. relvado natural. (Andersson et al., 2008; p.f., clique para ampliar) |
De uma
forma geral, os valores obtidos foram similares, excetuando nos carrinhos (mais
frequentes nos relvados naturais) e nos passes curtos (mais habituais nos
relvados artificiais). A impressão dos jogadores revelou que acham mais difícil
controlar a bola nos relvados artificiais e que estes induzem maior esforço
físico. A impressão global revelou-se mais favorável ao jogo em relvados
naturais.
Por seu
turno, o italiano Tessitore e os seus colaboradores procuraram perceber se, em
crianças Sub-9 (Traquinas), o tipo de terreno de jogo influenciava as respostas
fisiológicas, expressas através da frequência cardíaca (FC), e as ações
técnico-táticas executadas. A investigação foi conduzida em situação de jogo
oficial, cujo formato é o F5 (Gr+4v4+Gr, 45x25m), em dois períodos de 15
minutos. Foram analisados 6 jogos do campeonato italiano «Pulcini».
O
estudo demonstrou que as respostas fisiológicas (FC) e os padrões de movimento
técnico-tático são similares entre a terra batida e o relvado sintético (sem
diferenças significativas). Além disso, neste escalão etário, dois períodos de
15 minutos parecem ser adequados para replicar a intensidade de jogo e a
natureza intermitente observadas no futebol sénior.
De
acordo com as investigações consultadas, podemos concluir que, na maioria das
variáveis em análise, os resultados obtidos não foram significativamente
distintos em função do tipo de terreno de jogo. No entanto, é crível que
diferentes estados do mesmo piso (e.g., encharcado, seco ou húmido) possam
influenciar o estilo de jogo adotado pelas equipas. Da breve pesquisa que
efetuei, não encontrei nenhum estudo que tenha investigado esta questão. Não
havendo ainda dados disponíveis, sugiro que duvidemos das perceções subjetivas
que estão, de certo modo, instituídas na modalidade, até porque «verdades
inquestionáveis», nos dias que hoje correm, são cada vez mais raras e efémeras.
Referências
Andersson,
H., Ekblom, B., & Krustrup, P: (2008). Elite football on artificial turf
versus natural grass: Movement patterns technical standards, and player
impressions. Journal of Sports
Sciences, 26(2), 113-122.
Tessitore,
A., Perroni, F., Meeusen, R., Cortis, C., Lupo, C., & Capranica, L. (2012).
Heart rate responses and technical-tactical aspects of official 5-a-side youth
soccer matches played on clay and artificial turf. Journal of Strength and Conditioning Research, 26(1), 106-112.