É noite na vila. Deserto. O ar circula livre entre canais formados por paredes que, outrora, albergaram movimento, som e alegria. O dia traz-nos estabelecimentos comerciais encerrados, agora abandonados pelo tempo e vivos apenas na memória de alguns resistentes. Os que ainda por cá andam fazem-no cabisbaixos, conscientes da gravidade da doença de que o concelho padece. Os novos fogem, em busca de esperança, sustento, “ganha-pão”. Os mais velhos ficam porque têm na terra as suas raízes, as suas rotinas e a sua energia. E é nesta mesma terra que depositarão o seu bem mais precioso: a vida. Curioso: enquanto uns saem em busca de melhor sorte, outros ficam para contrariar a fatalidade do destino. Nenhum dos cenários é bom, se pensarmos a médio ou a longo prazo.
Sou de Monchique, sempre
tive orgulho em sê-lo e, como qualquer cidadão comum, tenho as minhas
preocupações, os meus desejos e as minhas utopias. No que diz respeito à minha
terra, desejava que a realidade fosse outra: mais população jovem, dinâmicas sociais, comerciais e culturais mais cativantes, e perspetivas otimistas para o
futuro. Mas factos são factos e não são propriamente motivo de regozijo. Atualmente,
o Agrupamento de Escolas de Monchique conta, pela primeira vez na história, com
menos de 500 alunos no concelho (i.e., contabilizando os jardins de infâncias, as
escolas do ensino básico e a escola básica 2,3 de Monchique). Fala-se,
insistentemente, no fecho de serviços como o Tribunal e as Finanças. Dia após
dia, é ouvir os sinos a tocar; a porta da igreja da misericórdia exibe, cada vez
mais frequentemente, um, dois, às vezes, três retratos. Os jovens, não
encontrando emprego e habitação/terreno para o seu bolso, debandam para outras
paragens; como disse, «buscam melhor sorte». Quem os pode censurar?
Posto isto, o que está a
acontecer à população residente no concelho de Monchique? O que foi antigamente
este concelho em termos populacionais? Estas foram as questões que coloquei e
decidi pesquisar um pouco. Os resultados encontram-se expressos no gráfico 1.
Gráfico 1.
Evolução da população residente no concelho de Monchique em 100 anos (1911 –
2011).
(fonte: www.ine.pt; p.f., clique para ampliar)
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Os
dados foram obtidos dos Recenseamentos gerais/Censos da população portuguesa,
cujos documentos (pdf) podem ser
encontrados no site do Instituto
Nacional de Estatística. Como podemos verificar, entre 1911 e 1940, houve um
crescimento da população residente no concelho de Monchique até ao valor máximo
de 15028. Entre 1940 e 1960, a população estabilizou em torno deste número
para, a partir de 1960 até 2011, sofrer um decréscimo gradual e abrupto até às
6045 pessoas. Como explicar o fenómeno?
Estou
em crer que muito terá a ver com as alterações que a própria sociedade
portuguesa veio a sofrer ao longo destes 100 anos. Localmente, a partir de
1960, passámos de uma economia centrada no setor primário – agricultura,
pecuária, caça e indústrias extrativas (madeira, cortiça) – para uma economia
progressivamente mais centrada no setor terciário – turismo, comércio,
restauração e serviços locais (finanças, administração autárquica, etc.). Por
outro lado, com a melhoria da rede viária e o acesso facilitado a viaturas
próprias, a população ficou dotada de maior mobilidade, deixando também de
estar tão isolada. Quiçá inadvertidamente, este paradigma promoveu o êxodo
rural. Além disso, o crescente ingresso de estudantes nos ensinos secundário e
superior, fomentou a saída de muita população jovem do concelho para outros
locais do país, nomeadamente para pólos populacionais de maior dimensão
(Portimão, Faro, Lisboa, etc.). A tendência natural é para quem vai já não
voltar. Estes e outros fatores contribuíram/contribuem para que no concelho de
Monchique haja menos pessoas a residir, década após década.
Observemos
a Taxa de Variação Populacional no concelho
de Monchique no século em análise (tabela 1).
Tabela 1.
Variação populacional no concelho de Monchique entre 1911 e 2011
(valores
relativos - % - na linha superior e valores absolutos na linha inferior, em
relação à década anterior; p.f., clique para ampliar).
Somente
em três décadas se constatou um crescimento populacional em Monchique: entre
1921 e 1930 (12,01%), entre 1930 e 1940 (6,15%) e entre 1950 e 1960 (0,76%). O
período de 30 anos, entre 1960 e 1991, foi negro a nível demográfico
para o concelho. Por década, o decréscimo médio de população residente foi de 20,88%
(i.e., média de - 2490 indivíduos/década). Se compararmos diretamente a
população de Monchique nos anos de 1960 e de 1991, verificamos que houve um
decréscimo abrupto de 7470 pessoas, o que corresponde a uma perda de 50,54%
da população no concelho. Entre 1991 e 2001, o decréscimo populacional abrandou
substancialmente (- 4,58%), para, na década seguinte (2001-2011), voltar a ser
mais pronunciado: - 13,32%.
Então,
o que esperar dos próximos censos em 2021? Tendo em consideração que, em 2011, 31,7%
da população residente em Monchique tinha 65 ou mais anos e que o número de
óbitos tem sido assinalável (mesmo comparativamente ao número de nascimentos),
as perspetivas não são nada animadoras. Talvez para o governo sejam, atendendo
à importância que atribui aos números no que toca à arte de «cortar». Quem sabe
se depois da fusão de freguesias, não vem a fusão de concelhos…
Por
isso, é urgente que se tomem medidas para travar este flagelo associado à
maioria dos concelhos do interior. O esforço não pode advir apenas da
administração local; o comprometimento das instâncias governamentais centrais é
fulcral neste processo. Neste sentido, a fixação de população jovem (promoção de habitação
e/ou lotes de terreno a custos controlados) e a criação de postos de emprego
(captação de investimento privado, apoio ao empreendedorismo empresarial, aposta no turismo rural/de natureza, incentivo à exportação de produtos locais de referência, etc.)
são dois eixos de orientação essenciais para que se possa obter algum sucesso.
Ignorar a realidade atual será o garante de que o que parece ser inevitável se
concretize: o desaparecimento do concelho de Monchique como (ainda) o
conhecemos.
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