Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado
em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica
internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3)
associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do
Desporto.
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Autores: Sara Santos, Diogo Coutinho, Bruno Gonçalves, Eduardo
Abade, Bruno Pasquarelli, & Jaime Sampaio
Título:
Effects of manipulating ball type on youth footballers’ performance during
small-sided games
Revista: International Journal of Sports Science &
Coaching
País: Portugal
Referência:
Santos, S., Coutinho, D., Gonçalves,
B., Abade, E., Pasquarelli, B., & Sampaio, J. (2020). Effects
of manipulating ball type on youth footballers’ performance during small-sided
games. International Journal of Sports Science & Coaching. doi: 10.1177/1747954120908003 (link)
Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês #4 - abril 2020. |
Apresentação do problema
Os treinadores têm vindo a
utilizar os jogos reduzidos como meio integrante do processo de treino, uma vez
que permitem desenvolver, em simultâneo, comportamentos físicos, técnicos e
táticos dos jogadores. No futebol infantojuvenil, em particular, os jogos
reduzidos permitem que os praticantes aprendam e aperfeiçoem habilidades próprias
da modalidade, sendo que os treinadores, ao manipularem certas regras da tarefa
proposta, direcionam os praticantes para a deteção de informações relevantes do
envolvimento e para a execução de ações pretendidas.
Neste sentido, são
amplamente conhecidos os efeitos que derivam da manipulação do número de
jogadores e/ou das dimensões espaciais. Por exemplo, se os jogadores parecem
beneficiar da prática de jogos reduzidos com menor número de elementos,
porquanto executam um maior número de ações ofensivas e defensivas (Owen et
al., 2014; Vilar et al., 2014), formatos de jogo de maiores dimensões são mais
apropriados para aumentar a distância percorrida e para promover esforços de
alta intensidade (Owen et al., 2014). Contudo, enquanto a investigação
associada à manipulação do número de jogadores e/ou dimensões do espaço
encontra-se bastante fundamentada, a aplicação de outros tipos de
constrangimentos, ao invés, deve ser mais explorada, de forma a melhor elucidar
aqueles que trabalham no terreno em relação à criação de contextos profícuos
para a aprendizagem.
Uma das estratégias de
ensino adotadas consiste na manipulação do tamanho e do peso da bola. Estudos
prévios demonstraram que jogadores que treinaram com diferentes tipos de bola
exibiram melhorias na competência motora, em comparação com outros que somente
treinaram com bolas regulares de futebol (Burcak et al., 2015; Button et al.,
1999). Porém, estes resultados foram obtidos na repetição de tarefas isoladas
de passe, condução e drible, que não refletem a natureza dinâmica e
imprevisível do jogo. O estudo de Pasquarelli e colaboradores (2014) foi o
único que analisou os efeitos da modificação das características da bola no
desempenho físico de jogadores em jogos reduzidos. Apesar de não se terem
verificado diferenças significativas, é provável que bolas com propriedades
distintas (e.g., o maior ressalto de uma bola de andebol ou a forma oval da
bola de râguebi) possam induzir diferentes comportamentos técnicos e táticos,
mas, até à data, nenhum estudo averiguou essa hipótese.
Por outro lado, embora
estejam evidenciados os benefícios de expor os jogadores a contextos de
variabilidade, como os jogos reduzidos, há uma carência generalizada de
conhecimento acerca de como as capacidades dos praticantes podem ser afetadas
pela realização de tarefas com variabilidade adicional. Desta maneira, o
propósito do estudo foi identificar os efeitos de manipular o tipo de bola (futebol,
andebol e râguebi) nos desempenhos físico, técnico, tático e criativo de jovens
jogadores, em duas situações de jogo reduzido (Gr+4v4+Gr e Gr+6v6+Gr).
Métodos
Amostra: 12 jogadores de futebol (idade = 13.7 ± 0.5 anos; com
6.1 ± 0.9 anos de experiência na prática da modalidade) pertencentes ao mesmo
clube, com 4 treinos semanais e um jogo competitivo ao fim-de-semana, no nível
regional. Dois guarda-redes cumpriram o protocolo experimental, mas não foram
incluídos na análise dos dados devido à especificidade da sua posição.
Procedimentos e protocolo
experimental: Os jogadores cumpriram
um total de 4 sessões, duas por semana separadas por dois dias, durante o
período competitivo. Duas sessões foram destinadas à situação de 4v4 e outras
duas para o 6v6, ambas com guarda-redes. Os jogos reduzidos foram organizados
em 4 séries de 6-min (bola de futebol, bola de andebol, bola de râguebi e
situação mista, com troca de tipo de bola a cada 2-min), com pausas de 3-min
entre séries/condições, o que determinou um tempo total de 33-min por sessão. A
ordem de cada condição de jogo (i.e., tipo de bola) foi aleatória nas 4 sessões
(figura 2). Os participantes foram divididos em duas equipas equilibradas,
tendo em consideração a avaliação subjetiva da habilidade dos jogadores pelo
treinador principal.
Figura 2. Representação esquemática das variantes de jogo reduzido propostas. (imagem não publicada pelos autores) |
Recolha dos dados: Os jogos reduzidos foram gravados com uma câmara
digital fixa. Os comportamentos técnicos individuais foram registados através
de um sistema de análise notacional, incluindo variáveis de passe, drible e de
remate, classificadas em função do resultado (sucesso vs. insucesso) e
considerando componentes de criatividade (tentativas, fluência e
versatilidade). As variáveis físicas (distância percorrida e velocidade do
deslocamento) e táticas (índice de exploração espacial, distância entre
companheiros de equipa, distância entre os centroides das equipas e espaço de
jogo efetivo) foram obtidas através de GPS e computadas com o software Matlab®.
Análise estatística: (1) as variáveis técnicas e de criatividade foram apresentadas
em medianas e amplitudes interquartis, enquanto as variáveis físicas e táticas
descritas mediante médias e desvios-padrão; (2) foram utilizadas duas folhas de
Excel próprias para inferências baseadas na magnitude; (3) a interpretação da
análise estatística foi efetuada com base numa escala de probabilidades e em
valores de corte associados às dimensões de efeito.
Principais resultados
No cômputo geral, ficou
demonstrado que comportamentos distintos de jogo emergiram em função do tipo de
bola utilizado e da manipulação do número de jogadores. As maiores diferenças,
relativamente à situação de controlo (jogo com bola de futebol), foram
verificadas com a bola de râguebi e em contexto misto (várias bolas). As
diferenças foram mais acentuadas em jogos disputados com mais jogadores.
· Gr+4v4+Gr
Bola de andebol vs. bola
de futebol: foi desvendada maior irregularidade
na distância entre equipas e um aumento do número de remates à baliza, o que
pode estar associado às menores dimensões da bola de andebol. Como esta bola pode ser passada com velocidade mais elevada, esse fator pode ter afetado
não apenas a distância verificada entre as equipas, como também aumentou as exigências
físicas do jogo, sobretudo da equipa em processo defensivo.
Bola de râguebi vs. bola
de futebol: as equipas atuaram mais próximas no
terreno de jogo, o que pode ser consequência da trajetória imprevisível da bola
de râguebi. Como controlar a bola é mais difícil, é natural que a equipa
contrária exerça mais pressão sobre o portador da bola para tirar proveito de erros
técnicos. O espaço efetivo de jogo foi mais reduzido e regular, sendo ainda
mais regular a distância entre companheiros de equipa, factos que ajudam a
explicar as menores exigências físicas apuradas nesta condição.
Situação mista vs. bola de
futebol: o tipo de bola foi alterado a cada
dois minutos de jogo, mas os resultados foram similares aos obtidos para jogos
com a bola de râguebi. Concretamente, houve decréscimos no espaço de exploração
individual, no espaço efetivo de jogo e na distância entre centroides das
equipas. A presença da bola de râguebi pode ter influenciado o posicionamento
dos jovens jogadores e, por inerência, o seu desempenho físico, traduzindo-se
em menores distâncias total e percorrida em jogging.
· Gr+6v6+Gr
Bola de andebol vs. bola
de futebol: jogar com a bola de andebol originou
um decréscimo no espaço de exploração individual. Talvez a menor dimensão da
bola permita aos jogadores encontrar soluções de passe e remate mais simples e
imediatas. Por isso, houve um decréscimo substancial na carga externa, sendo evidente
nas menores distâncias percorridas em jogging, em corrida, em sprint e em
termos totais.
Bola de râguebi vs. bola
de futebol: o número de ações técnicas
bem-sucedidas decresceram, ao invés do observado para o número de erros
técnicos, o que também justifica os menores valores obtidos para a fluência e
versatilidade dos jogadores (figura 3). O elevado foco no controlo da bola
condicionou a perceção da informação relevante do envolvimento, registando-se
valores mais baixos na exploração individual do espaço, na distância entre
companheiros de equipa e no espaço efetivo de jogo.
Figura 3. Introdução da bola de râguebi em contexto de prática no futebol. (imagem não publicada pelos autores) |
Situação mista vs. bola de
futebol: ao modificar o tipo de bola durante
os jogos, observou-se uma redução do número de passes e dribles executados com
sucesso e da fluência das ações dos jogadores. Constataram-se menores distâncias
percorridas nas diversas zonas de velocidade e maior irregularidade na
distância interpessoal, podendo dever-se à menor familiaridade dos jovens com
este tipo de contextos dinâmicos, nos quais as regras do jogo são periodicamente
manipuladas.
Implicações práticas
Os treinadores podem (e
devem) planear tarefas com variabilidade adicional, nas quais as regras do jogo
sejam sistematicamente manipuladas, de maneira a que os jogadores se adaptem
continuamente a novas exigências do foro percetivo e comportamental. Os efeitos
da manipulação do tipo de bola são enfatizados em formatos de jogo com maior
número de jogadores (e possibilidades de ação). Por isso, o tipo de bola
utilizado em situações mais complexas deve ser cuidadosamente ponderado. De
acordo com as evidências apresentadas, seguem-se algumas especificações
decorrentes do tipo de bola proposto na prática:
Bola de futebol
· Requer que os jogadores explorem mais o envolvimento para
criar espaços, aumentando as exigências de movimento e físicas associadas.
Bola de andebol
· Aumenta a exigência física
sem comprometer a eficácia das ações técnicas e dos comportamentos táticos em
formatos de jogo mais reduzidos;
· Permite refinar ações
técnicas e promove a emergência de novas ações técnicas e criativas em formatos
de jogo com mais jogadores, aumentando a amplitude atencional.
Bola de râguebi
· Fomenta comportamentos de
aproximação dos defensores ao portador da bola, com o intuito de efetuar contenção
ou pressão;
· Induz maior regularidade
no comportamento defensivo coletivo e reduz as exigências físicas do jogo.
Situação mista (várias bolas)
· Suscita adaptabilidade
tática sem afetar comportamentos técnicos e criativos em formatos de menor dimensão;
· Proporciona a adaptação percetivo-motora
e comportamentos exploratórios constantes para superar as sucessivas modificações
da tarefa em formatos de jogo mais complexos.
Conclusão
Em comparação com a bola
regular de futebol, os efeitos de jogar com outros tipos de bola foram mais
evidentes em formatos com maior número de jogadores. Propor bolas com
características distintas (i.e., tamanho, forma e propriedades do ressalto) parece
amplificar as exigências percetivas, uma vez que os jogadores necessitam de
mais tempo para compreender a trajetória da bola. Este aspeto, combinado com o
aumento do volume informacional associado à adição de jogadores, pode afetar a capacidade
para interagir com o envolvimento e executar ações motoras apropriadas. Este
estudo demonstrou que modificar a informação disponível, em relação ao tipo de
bola e número de jogadores, amplifica ou limita a perceção de jogadores Sub-14,
condicionando o seu desempenho técnico, tático e físico.
P.S.:
1- As ideias que constam neste texto foram
originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas
para a Língua Portuguesa;
2- A leitura deste texto não dispensa a leitura integral do
artigo em questão;
3- As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas
pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na
versão original publicada no International Journal of Sports Science & Coaching.
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