Após 14 anos ininterruptos
ligado ao futebol de formação, no qual representei três clubes distintos como
treinador – Atlético CP, JD Monchiquense e Portimonense SC –, tomei a decisão
de fazer uma pausa sabática na presente época. Quis a ironia o destino que este
maldito COVID-19, à data com quase 900 000 infetados e 45 000 mortos,
colocasse boa parte da população portuguesa, europeia e mundial em quarentena.
O futebol que, desde cedo,
fez parte da minha vida, parou totalmente. Se a saudade já apertava por não
estar diretamente envolvido no fenómeno, agora, confinado entre quatro paredes,
adquiriu outra magnitude. Porém, num dia de arrumações invulgares, remexendo em
“águas passadas”, encontrei uma surpresa (figura 1), que me transportou para
uma memória feliz do futebol: a avaliação prática das disciplinas
Técnico-Tática e Metodologia do Treino, do curso de treinadores UEFA Basic
(Grau II), promovido pela Associação de Futebol do Algarve, há uns anos.
Após cada formando tirar à
sorte um “exercício-surpresa”, de entre 36 hipóteses, a avaliação consistia em
construir o exercício em 10 ou 15 minutos (não me recordo bem), de acordo com as breves
informações facultadas e considerando o modelo de jogo previamente elaborado. O
acaso ditou um exercício do Grupo 2 – Manutenção da Posse de Bola: Conceptualize
um exercício de treino para a manutenção da posse da bola utilizando um espaço reduzido
de jogo, e com 3 equipas.
Para além da conceção do
exercício decorrer sob pressão temporal, tínhamos de equacionar todos os seus elementos,
incluindo a formação das equipas, para expor, orientar e discutir em sessões
práticas subsequentes. Sem margem para dúvida, foi uma das tarefas mais aliciantes do curso. Apresento em seguida a
minha proposta (figura 2).
Figura 2. Representação esquemática do exercício proposto. |
Características
estruturais
Formato: Gr+3v3+Gr+3NT (2 neutros exteriores + 1 neutro
interior)
Espaço: 25x20m (55.6 m2/jogador)
Duração: 3 x 4’ (1’ recuperação passiva entre reps)
Volume: 14’
Densidade: 1 : 1/4
Condicionantes: (1) neutros (NT) jogam, no máximo, a 2
toques/intervenção sobre a bola; (2) no processo ofensivo, é obrigatório
circular a bola pelos 2 NT exteriores (linhas laterais); (3) a equipa em
posse tem de realizar, no mínimo, 6 passes consecutivos para poder finalizar.
Variantes: (1) condicionar todos os jogadores a jogar, no
máximo, a 2 toques/intervenção; (2) aumentar o número mínimo de passes para se
poder finalizar (8-10); (3) impossibilitar a realização de passe de retorno ao
último portador da bola; (4) solicitar cada NT apenas uma vez durante
cada ataque.
Objetivos
(1) Potenciar o
jogo apoiado, recorrendo ao triângulo como unidade estrutural funcional;
(2) Privilegiar a
execução de receções orientadas e passes curtos;
(3) Estimular o
cumprimento constante dos princípios específicos cobertura ofensiva e
mobilidade;
(4) Em transição
ofensiva, retirar rapidamente a bola de zonas de pressão adversária, variando o
ângulo de ataque à baliza contrária.
Relação com o modelo de
jogo
Estrutura tática de base:
1-4-3(1-2)-3. Pretendemos que a equipa jogue predominantemente em ataque
posicional, fazendo do triângulo a unidade estrutural e funcional de
referência. Em organização ofensiva, circular a bola com velocidade e precisão
(receção orientada e passe curto), obrigando a equipa oponente a basculações
sucessivas (variação do ângulo de ataque à baliza oponente). O cumprimento dos
princípios cobertura ofensiva e mobilidade é essencial para circular a bola com
segurança e, posteriormente, criar espaços para finalizar em golo. Em transição
ofensiva, reforçar o seguinte princípio geral do modelo de jogo: «retirar a
bola rapidamente da zona de pressão adversária». Após a recuperação da bola, a
equipa deve circulá-la para espaços menos congestionados e mais seguros para
elaborar o processo ofensivo.
Planeamento
Sessão de treino: incluir na Parte Fundamental, imediatamente após a
Parte Preparatória.
Microciclo: incluir na sessão de quarta-feira, tendo jogo oficial
ao domingo (-4 dias).
Zona de intensidade alvo
80-90% FC máx.; PSE: 8/9.
Regime
Força específica.
Equipas
O melhor, no entanto, foi
a camaradagem, a partilha de conhecimentos e experiências, e aquele cheiro tão
característico da relva. O futebol, a saudade e a surpresa imiscuídos num
simples exercício… para a posterioridade.
Para todos os meus
companheiros de curso e formadores: um abraço e votos de saúde e muito sucesso!
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