22/09/2020

Artigo do mês #9 – setembro 2020 | Avaliação do desempenho de jovens futebolistas em relação ao salto pubertário

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.

 

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Autores: Hill, M., Scott, S., McGee, D., & Cumming, S.

País: Inglaterra

Data de publicação: 07-agosto-2020

Título: Coaches’ evaluation of match performance in academy soccer players in relation to the adolescent growth spurt

Revista: Journal of Science in Sport and Exercise

Referência: Hill, M., Scott, S., McGee, D., & Cumming, S. (2020). Coaches’ evaluation of match performance in academy soccer players in relation to the adolescent growth spurt. Journal of Science in Sport and Exercise. https://doi.org/10.1007/s42978-020-00072-3 (link)

 

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 9 – setembro de 2020.

 

Apresentação do problema

No futebol de formação, os miúdos treinam e competem em grupos definidos pela sua idade cronológica (e.g., Sub-11 ou Sub-12). Crianças e jovens da mesma faixa etária podem, contudo, demonstrar variações significativas na maturação biológica, visto que alguns indivíduos entram na puberdade mais cedo e outros numa fase mais tardia da sua vida. Estas diferenças individuais representam um desafio considerável para os agentes envolvidos no processo de identificação e desenvolvimento do talento no desporto. Por exemplo, um treinador terá de gerir, treinar e avaliar jogadores com características bastante distintas em termos de tamanho, potencial atlético e nível maturacional (i.e., pré, durante ou pós-puberdade). 

No período pubertário, as diferenças interindividuais na maturação biológica têm um enorme impacto ao nível do rendimento desportivo. Às variações marcantes na altura e no peso dos jovens, típicas do “salto pubertário”, concorre o desenvolvimento de diversos atributos fisiológicos e funcionais. Como o futebol é uma modalidade que requer características físicas bem desenvolvidas (e.g., velocidade, potência e agilidade), o crescimento e a maturação devem ser equacionados ao avaliar os jogadores e ao tomar decisões referentes à identificação e à seleção do talento. Neste âmbito, o conceito de “inaptidão do adolescente” (do britânico “adolescent awkwardness”), tem sido proposto e largamente debatido pelas ciências pediátricas. Este fenómeno refere-se à disrupção temporária no controlo neuromuscular e na capacidade propriocetiva que coincide com o salto pubertário, estando associado a uma combinação de fatores: modificações rápidas e assíncronas no tamanho e na composição corporal; redução da mobilidade, flexibilidade e coordenação; alterações profundas de força e potência; mudanças no modo como o cérebro assimila e processa informações relativas à posição corporal (Quatman-Yates et al., 2012; John et al., 2018; Viel et al., 2009). Evidências científicas sugerem que existe pelo menos um "plateau" ou um declínio em tarefas que requeiram equilíbrio e coordenação durante o salto pubertário, especialmente nos rapazes (Beunen & Malina, 1988; Quatman-Yates et al., 2012; Ryan et al., 2018). 

Ao período pubertário surge, também, associado o facto de as crianças/jovens estarem mais vulneráveis a certos tipos de lesão associados ao crescimento (e.g., síndrome de Osgood Schlatter e doença de Sever). Portanto, o salto pubertário e as respetivas modificações no organismo podem influenciar negativamente a performance no futebol de formação. Contudo, as evidências empíricas que suportam o conceito de “inaptidão do adolescente” e/ou o declínio temporário no desempenho desportivo são limitadas, o que está inerente à complexidade de identificar e medir um fenómeno transitório e à escassez de estudos longitudinais com o propósito de avaliar a performance durante a adolescência. Os jovens que vivenciam o salto pubertário sofrem diversas mutações que indivíduos pré ou pós pico de velocidade em altura não sofrerão de forma tão severa. Enquanto uns jogadores experienciam progressos nas suas capacidades físicas e coordenativas, outros ficarão descoordenados, trapalhões e sentirão dores ou os efeitos nocivos de lesões subjacentes ao seu crescimento. 

Deste modo, é importante perceber se a fase de crescimento acelerado na adolescência influencia as avaliações dos treinadores da performance de crianças/jovens em situação de jogo no futebol de formação (figura 2). Considerando o conceito de “inaptidão do adolescente”, foi colocada a hipótese que a avaliação realizada pelos treinadores das performances dos jogadores variaria relativamente ao seu estádio de desenvolvimento. 

 

Figura 2. Desempenho de jovens Sub-13 em situação de jogo oficial de futebol (imagem não publicada pelos autores).

 

Métodos

Participantes: 278 jovens praticantes de futebol, pertencentes a uma academia de um clube da FA Premier League, do escalão Sub-9 ao Sub-16. Entre julho de 2014 e junho de 2018, foram recolhidos dados dos jogos disputados pelos jogadores, à exceção de torneios e de partidas em que os indivíduos tenham feito menos de 40 minutos. Como os jogadores participaram em diversos jogos ao longo de 4 épocas, foram anotados dados em diferentes pontos temporais por jogador. A recolha dos dados e a posterior análise foram permitidas pelos jovens e pelos seus encarregados de educação/representantes legais, através de consentimento escrito. 

Procedimentos: a maturação biológica dos participantes foi estimada através da percentagem da altura predita em adulto. Para o efeito, foi utilizado o método Khamis-Roche que inclui a idade atual, a altura e o peso do jogador e a altura média dos pais biológicos (Khamis & Roche, 1994). A altura e o peso dos jogadores foram avaliados a cada 12 semanas por cientistas do desporto da academia, com qualificação e treino nos procedimentos adotados. Em cada jogo foi utilizada a estimativa mais próxima relativa ao estatuto de maturação biológica dos jogadores, inferida a partir da percentagem da altura predita em adulto: pré-puberdade, < 86%; puberdade, 86–95%; pós-puberdade, > 95%. A avaliação de desempenho dos jogadores foi assegurada pelo treinador de cada equipa, considerando uma escala de 1 a 4: 1) abaixo do padrão exigido pela academia, 2) próximo do padrão, 3) dentro do padrão e 4) acima do padrão. Analogamente, foi registada a qualidade da oposição, em função das categorias atribuídas às academias da Premier League, em que 1 corresponde a “elite” e 4 a “grassroots” (i.e., nível básico de organização), bem como o resultado do jogo. 

Análise estatística: um teste do Qui-quadrado foi aplicado para comparar as classificações de jogo entre os grupos de maturação biológica. Uma ANCOVA de uma via foi implementada para determinar as diferenças estatísticas entre os níveis de maturação biológica (pré, durante ou pós salto pubertário) nas classificações de jogo, porém, controlando as variáveis de confusão “qualidade da oposição” e “resultado do jogo”. Este procedimento foi realizado para a amostra total e para cada escalão etário. As dimensões de efeito foram calculadas e interpretadas segundo as orientações de Cohen (1988) e o nível de significância definido em 5% (p ≤ 0.05).

 

Principais resultados

O teste do Qui-quadrado revelou a existência de uma associação significativa entre o estatuto maturacional e a classificação de jogo (p < 0.001) (tabela 1). Designadamente, menores classificações de jogo estiveram sobrerrepresentadas nos grupos pós-puberdade e puberdade.

 

Tabela 1. Frequências relativas (%) de cada classificação de jogo (“match grade”) por estatuto maturacional (“maturity status”) (Hill et al., 2020). 


Para a amostra total, a ANCOVA mostrou um efeito estatisticamente significativo do estatuto maturacional nas classificações de jogo, depois de controlar as variáveis “qualidade da oposição” e “resultado do jogo” (p < 0.001). Subsequentemente, as comparações entre pares indicaram que os valores médios ajustados das classificações de jogo foram menores no grupo na puberdade em relação ao grupo pré-puberdade, e no grupo pós-puberdade em relação ao grupo na puberdade. 

Quanto à análise por escalão etário, os procedimentos estatísticos demonstraram efeitos significativos do estatuto maturacional nas classificações de jogo para os Sub-12 e para os Sub-15 (figura 3).

 

Figura 3. Classificações de jogo médias pelos diferentes estatutos maturacionais em cada escalão etário (escalões etários apenas incluídos caso houvesse mais de 20 indivíduos classificados por estatuto maturacional) (Hill et al., 2020).

 

No escalão Sub-12, a média das classificações de jogo foi significativamente superior para os jogadores no grupo pré-puberdade (p < 0.001); nos Sub-15, os jogadores no grupo pós-puberdade obtiveram classificações médias mais altas em comparação com os jogadores ainda na puberdade (fase do salto pubertário) (p < 0.001). Emboras estas tendências tenham sido reproduzidas nos escalões Sub-13 e nos Sub-16, respetivamente, as diferenças apuradas não obtiveram significado estatístico. Ao invés, no que se refere à comparação dos estatutos maturacionais no escalão Sub-14, as classificações médias atribuídas pelos treinadores à performance dos jogadores em contexto de jogo foram similares. Este último resultado traduz, provavelmente, o facto de a maioria dos jogadores neste escalão etário estar inclusa no período pubertário.

 

Conclusão

O declínio na avaliação subjetiva dos treinadores da performance em situação de jogo de jovens na puberdade, e o posterior aumento após a puberdade, estão em consonância com o conceito de “inaptidão do adolescente”. As rápidas modificações de tamanho, forma e função que surgem no decurso do salto pubertário podem ser adversas para o desempenho desportivo nesta fase de desenvolvimento dos indivíduos. Contudo, importa reconhecer que nem todos os jovens púberes experienciam decréscimos na performance derivados ao crescimento e à maturação; aliás, o modo como cada indivíduo se adapta às mudanças típicas deste estágio de desenvolvimento varia. Investigações futuras devem examinar o impacto do salto pubertário na performance desportiva, com métodos e medidas mais abrangentes e sensíveis, propondo designs longitudinais, observacionais e mistos (i.e., com dados quantitativos e qualitativos).

 

Aplicações práticas

Embora seja argumentado que o “olho do treinador” tem dificuldade para discernir pequenas nuances no controlo motor, os resultados deste estudo sugerem que os decrementos na performance associados ao salto pubertário refletiram-se nas classificações de jogo atribuídas pelos treinadores. Como as classificações de jogo são utilizadas de forma rotineira para tomar decisões a propósito da seleção, manutenção ou exclusão de jogadores das academias, é fundamental que todos os envolvidos no processo estejam a par do impacto negativo que o salto pubertário pode acarretar na performance desportiva. 

Além disso, é igualmente relevante considerar o impacto que o decréscimo no desempenho, relacionado com o crescimento e a maturação, produz em termos psicológicos. A necessidade de sentir e demonstrar competência é um condutor primário da motivação intrínseca e adaptativa. O sentimento de incumprimento inerente a esta necessidade pode resultar em frustração, prostração e indiferença. Assim, treinadores e outros profissionais do treino devem educar os jogadores para os efeitos do crescimento/maturação na performance, ajudando-os a ajustar as suas expectativas nesta fase de desenvolvimento, apoiando-os sistematicamente e adaptando os programas de treino às modificações temporárias das aptidões dos jovens para a prática desportiva. 

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a Língua Portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Journal of Science in Sport and Exercise.

13/09/2020

Crystal Palace FC – quando da qualidade dos processos defensivos se retiram dividendos ofensivos

Há uns anos publiquei um texto no Linha de Passe a enfatizar a importância da pressão defensiva no futebol contemporâneo. À data, foi referido o seguinte:

A pressão defensiva, quando coletivamente bem coordenada entre os companheiros de equipa, temporalmente sincronizada e espacialmente contextualizada, é um desígnio das melhores equipas (…). No entanto, para alcançar esse ensejo é necessário um treino coletivo muito aprimorado, com a definição de bons referenciais de ação e sincronização (princípios) (…)..

E é rigorosamente sobre a questão dos referenciais de ação (indicadores de pressão) e da coordenação comportamental que incide o presente texto. Ontem, no dia do início da FA Premier League, época 2020/2021, o Crystal Palace FC recebeu e venceu, por 1-0, o Southampton FC. O golo do costa marfinense Wilfried Zaha, aos 13 minutos, foi construído em 8 segundos, com 6 toques sobre a bola e com a participação ativa de 3 jogadores. Vejamos a jogada:
 

 
Antes da recuperação da posse de bola, convém atentar na organização defensiva da equipa de Roy Hodgson. Assente numa estrutura 1-4-4-2 clássica, o bloco está recuado, com todos os jogadores atrás da linha da bola e com distâncias interpessoais curtas. Deste modo, o Southampton, equipa que, desde cedo, procurou assumir a posse de bola, foi obrigado a circulá-la em largura na busca de espaços livres para progredir (figura 1).

Figura 1. Estrutura tática de base, bloco baixo e proximidade interpessoal no Crystal Palace FC.


Não havendo espaço para progredir, o Southampton circula a bola até aos jogadores de campo mais recuados, com o bloco defensivo da casa avançando em conformidade. Face à indefinição criada pela primeira linha de pressão (Jordan Ayew e Zaha) no central contrário, os médios pressionam as opções de passe imediatas, designadamente, Townsend sobre Oriol Romeu e McCarthy sobre Redmond. A pressão vai precipitar o erro de Romeu (figura 2).

Figura 2. Hesitação do central adversário funcionou como indicador de pressão para os The Eagles.


Numa zona do campo em que a maioria das equipas prima pela segurança, os Saints meteram-se na “boca do lobo”. A precipitação induzida pela zona de pressão criada pelos jogadores da casa não gerou apenas a recuperação da posse de bola, como também uma transição ofensiva em profundidade, dando origem a um contra-ataque de 3v2+Gr (figura 3). Devo ainda ressalvar que a identificação de indicadores de pressão e a sincronização comportamental inerente à criação de zonas de pressão implicam muito treino em situações de elevada variabilidade contextual. Neste nível competitivo, basta um jogador chegar ligeiramente atrasado a um opositor direto ou à linha de interceção de um passe para todo o esforço coletivo ser em vão. Além do mérito associado à obtenção do golo, devemos de valorizar o que a equipa dos The Eagles executou no processo defensivo prévio ao golo.

Figura 3. Zona de pressão do Crystal Palace, com interceção da bola e consequente contra-ataque.


Apanhados em contrapé, os defensores do Southampton procuraram readquirir o controlo do espaço e da relação numérica; porém, partiram em desvantagem face à velocidade e à qualidade técnica que caracterizam os atacantes da equipa de Londres (figura 4). Tratou-se literalmente de “correr atrás do prejuízo”.

Figura 4. Contra-ataque do Crystal Palace (3v2+Gr), tirando proveito da velocidade dos seus atacantes.

A vantagem numérica e posicional foi muito bem gerida por Townsend, Jordan Ayew e Zaha. Ayew fixou os dois centrais na zona vital da área de penálti e Townsend cruzou para Zaha que, ao surgir livre atrás do segundo central, marcou um golo que valeu 3 pontos (figura 5).

Figura 5. A simplicidade e a eficácia das ações dos 3 atacantes do Crystal Palace deram origem ao triunfo da equipa.

A realidade é que o Crystal Palace é tido por muitos como um sério candidato à despromoção na presente edição da Premier League. O experiente manager Roy Hodgson, compreendendo que não apresenta jogadores que lhe permitam deter o controlo da bola por longos períodos do jogo, optou por uma estratégia baseada na coesão defensiva, na correta interpretação dos momentos de pressão e na adoção de métodos ofensivos rápidos (contra-ataque e ataque rápido), que se ajustam às valências dos jogadores que tem ao seu dispor. Para começar, sortiu efeito – “quem não tem cão, caça com gato” –, veremos o que nos reserva as próximas jornadas.

10/09/2020

International Journal of Sports Science & Coaching (Vol. 15/2020) | Associações de variáveis situacionais e de performance com o resultado de transições defensivas no Campeonato do Mundo de 2018

Os momentos de transição têm um papel fundamental no resultado do jogo e constituem parte importante do processo de treino no futebol. Não fomos nós que o afirmámos. Esta é, de resto, uma opinião de treinadores de alto nível, como, por exemplo, José Mourinho: “Everybody says that set plays win most games, but I think it is more about transitions” (citado por Wright et al., 2014, p. 716). 

Entre outros motivos de cariz pessoal, penso que um dos principais argumentos que levou o Rui Freitas a selecionar o tema das transições defensivas para o seu projeto de doutoramento é que, de facto, há uma carência generalizada de evidência científica em matéria de transições, sobretudo no que se relaciona com o momento da perda da posse de bola. Não tendo qualquer tipo de intromissão nessa decisão, nem na elaboração do dito projeto, julgo que foi um tiro certeiro. Por isso, quando fui convidado para colaborar com o Rui e com a professora Anna Volossovitch (orientadora da tese de doutoramento), já a investigação seguia num ponto avançado, inclusive com resultados. A minha contribuição cingiu-se ao limar de pequenas arestas. E o que importa mesmo é o produto final, ora publicado na revista britânica International Journal of Sports Science & Coaching (figura 1).



Figura 1. Título, autores e outras informações editoriais do artigo. 1- CIPER, Faculdade de Motricidade Humana, SpertLab, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal; 2- CIDEF, ISMAT - Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes, Portimão, Portugal.

 

Abstract

Transition moments play a major role in match outcome and constitute an important part of the soccer coaching process. Nevertheless, the body of literature on match analysis reveals a lack of knowledge regarding transition moments, particularly the defensive ones. This study aimed to analyse how several situational and performance variables were associated with different defensive transition outcomes. A sample of 977 defensive transitions from 15 matches of FIFA World Cup 2018 was coded using a bespoke observational system. Data were analysed through log-linear modelling and Pearson’s chi-square. Regarding performance variables, final position (p≤0.001; ES=0.390[≥0.290]; large effect size), duration (p≤0.001; ES=0.206[0.07; 0.21]), defensive approach (p≤0.001; ES=0.419[0.30; 0.50]), defensive pressure (p≤0.001; ES=0.147[0.05; 0.15]; medium effect sizes), numerical relations (p≤0.05; ES=0.113[0.07; 0.21]), initial position (p≤0.05; ES=0.092[0.06; 0.17]), initial number of zones (p≤0.05; ES=0.083[0.05; 0.15]), final number of zones (p≤0.001; ES=0.112[0.05; 0.15]) and defensive coverage (p≤0.001; ES=0.130[0.05; 0.15]; small effect sizes) were significantly associated with the defensive transitions outcomes. A small-sized and non-significant association (p=0.126; ES=0.080[0.07; 0.21]) was found for type of ball loss. Concerning the situational variables, a small-sized and significant association between match outcome and defensive transitions outcome was identified (p≤0.05; ES=0.092[0.07; 0.21]). Our findings provide new knowledge on factors that influence team success in defensive transitions. The coaching staff should be aware that the exploitation of areas behind the most retreated player of the midfield sector ought to be avoided. Furthermore, a reduction in the space available to ball carriers and an increased effort to quickly recover possession should be encouraged. 

Key words: Association football, performance analysis, soccer, sport analytics. 

Reference

Freitas, R., Volossovitch, A., & Almeida, C. H. (2020). Associations of situational and performance variables with defensive transitions outcomes in FIFA World Cup 2018. International Journal of Sports Science & Coaching, 15. https://doi.org/10.1177/1747954120953666

 

Um conjunto de treze variáveis distintas (três situacionais e dez de performance) foi analisado em relação à variável dependente “resultado da transição defensiva”. Sem pretender esmiuçar os resultados obtidos, bem como a discussão que deles adveio, apurámos alguns factos de interesse prático para o treinador, que de seguida sintetizo:

 

·  As equipa vencedoras foram capazes de impedir mais frequentemente a progressão espacial da equipa adversária. As melhores equipas não são somente competentes em processo ofensivo, mas também demonstram mais eficácia nos momentos de perda da bola. Nos instantes subsequentes à perda da posse, recomenda-se a promoção de situações de superioridade numérica no centro de jogo e a adoção de comportamentos, individuais e/ou coletivos, que fechem espaços a ser explorados pelos opositores, via drible ou passes progressivos.

 

· Episódios curtos de transição defensiva estiveram associados a ações defensivas bem-sucedidas. Procurar recuperar rapidamente a bola após a perda, embora seja individual e coletivamente exigente, deve ser incentivado em treino e competição.

 

·  Parece ser crucial evitar que a transição defensiva termine no espaço atrás do médio mais recuado (aM; figura 2), pois nessas circunstâncias observámos um aumento de ações de finalização dos oponentes. 


Figura 2. Identificação do espaço atrás do médio mais recuado (aM) (Freitas et al., 2020; adaptado de Seabra & Dantas, 2006).

 

·  Logo após a perda da bola, o 1.º defensor deve encurtar espaço e pressionar o portador da bola adversário, condicionado o tempo e o espaço disponível para ler o jogo e agir. Se for assegurada a existência de cobertura(s) defensiva(s), a probabilidade de recuperação da posse de bola aumenta.

 

· As equipas de elite geralmente expõem-se em demasia durante a fase ofensiva, exacerbando o princípio “espaço”. Contudo, acautelar a possível perda da bola, garantindo um posicionamento mais equilibrado no decurso do ataque, reduz as perturbações causadas pela equipa contrária nos momentos de transição.

 

Sou suspeito para adjetivar o trabalho que foi realizado, mas posso-vos confidenciar que me deu um prazer imenso reler o artigo. Não só recomendo vivamente a leitura integral daquela que é a primeira publicação científica do Rui Freitas – a quem, em particular, congratulo –, como ainda sugiro que acompanhem os conteúdos que vai escrevendo no seu blogue Diário do Mister.

09/09/2020

Como seria o futebol de rua, no final do século XIX, em Lisboa?

“Era então que descia três ou quatro ruas e chegava ao terreno baldio, entre duas hortas, onde os rapazes se juntavam para jogar à bola. Nesse terreno, não cresciam ervas porque, todos os dias, havia dúzias de rapazes que se juntavam para correrem pelo campo atrás de uma bola de trapos. Eram rapazes livres, que não iam à escola ou que não tinham nem pai nem mãe. Nesse terreno de pó no verão e de lama no inverno, cresciam pedras. As balizas eram medidas com passos de pés descalços e feitas com pequenos montes de pedras. Quase no centro do campo havia uma oliveira que sobrevivia ano após ano, maltratada pelos rapazes que lhe arrancavam pernadas e que, correndo atrás da bola, faziam fintas à sua volta e que, ocasionalmente, esbarravam no seu tronco e caíam direitos para trás.” 

In Cemitério de Pianos (José Luís Peixoto, 2006, p. 120-121)

   

Figura 1. O futebol de rua (e de pé descalço) (fonte: escolinhabenficadeabrantes.blogspot.com).

  

Apesar de não passar de um episódio de ficção, pode muito bem ter reconstituído a brincadeira de milhares crianças e jovens portugueses, não apenas no final do século XIX, como também durante boa parte do século XX. Acrescento ainda que, para além de livres, os rapazes seriam decerto muito felizes a correr descalços atrás de uma bola de trapos, num baldio de terra e pedras, e com balizas improvisadas. Este, sim, era o futebol de rua na verdadeira aceção da expressão.