Nota prévia: O artigo
científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes
critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com
revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3)
associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do
Desporto.
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Autores: Stone, J., Smith, A., &
Barry, A.
País: Inglaterra
Data de publicação: 10-fevereiro-2021
Título: The undervalued set piece:
Analysis of soccer throw-ins during the English Premier League 2018-2019
Revista: International Journal of
Sports Science & Coaching
Referência: Stone, J., Smith, A.,
& Barry, A. (2021). The undervalued set piece: Analysis of soccer throw-ins
during the English Premier League 2018-2019. International
Journal of Sports Science & Coaching.
Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 14 – fevereiro
de 2021.
Apresentação do problema
Uma vez que os esquemas táticos (i.e., situações de bola parada) estão associados a cerca de 30 a 40% dos golos marcados no futebol de elite, estudos recentes têm vindo a analisar pontapés de canto (Strafford et al., 2019), pontapés livres (Casal et al., 2014; Link et al., 2016) e penáltis (Almeida et al., 2016). As evidências sugerem que as bolas paradas são eventos críticos para o êxito da performance ofensiva e, por isso, constituem uma área chave de intervenção no treino de equipas profissionais. Contudo, um tipo de esquema tático que tem sido pouco investigado é o lançamento lateral e, portanto, não se sabe ao certo se os treinadores devem dedicar tempo a trabalhar estas situações fixas específicas.
Segundo a lei 11 do jogo de futebol, um lançamento lateral é atribuído a uma equipa quando um dos adversários toca a bola e esta ultrapassa completamente a linha lateral, junto ao solo ou pelo ar. Um estudo recente de KcKinley (2018) mostrou que, na Major League Soccer (EUA), houve uma média de 44 lançamentos laterais por jogo, entre 2015 e 2019, correspondendo a quase 5% da totalidade dos passes efetuados. Este facto demonstra que estas bolas paradas ocorrem mais frequentemente num jogo que os pontapés de canto, os pontapés livres ou os pontapés de baliza. Neste sentido, a importância que podem ter na manutenção da posse de bola de uma equipa e no resultado dos jogos não deve ser menosprezada.
Do ponto de vista científico, o lançamento lateral tem sido essencialmente avaliado ao nível da biomecânica e, designadamente, na identificação dos fatores inerentes à projeção da bola a longa distância (no caso, para dentro da área de penálti; figura 2). No entanto, a maioria dos lançamentos laterais ocorre em zonas defensivas, com o propósito de recomeçar o processo ofensivo. Consoante a zona do campo, assim se alteram os problemas contextuais que uma equipa tem de lidar para obter sucesso no esquema tático, seja para recomeçar o jogo sem perder extemporaneamente a posse de bola, seja para criar uma situação eminente de golo. Em termos práticos, em zonas do campo mais recuadas, fomentar que os jogadores lancem a bola “o mais longe possível ao longo da linha lateral” ou “para o meio-campo adversário” são estratégias comuns que não estão cientificamente fundamentadas. A produção de evidência a este respeito pode ajudar a que os treinadores optem por outro tipo de estratégia que conduza os jogadores a serem, técnica e taticamente, mais bem-sucedidos. Também não é por acaso que clubes de futebol de elite tenham começado a contratar treinadores especialistas em lançamentos laterais (Bascombe, 2018).
(imagem não publicada pelos autores; fonte:
vsports.pt)
Deste modo, a investigação em torno dos lançamentos laterais
no futebol ainda é escassa, pelo que é necessário um conhecimento mais
aprofundado de como estes eventos específicos afetam a performance no jogo de
futebol, decorrendo o proveito adicional de melhor se poder informar o
treinador quanto à preparação do processo de treino. Este estudo teve como
propósitos: (1) examinar se a execução do lançamento lateral está ligada à
performance subsequente em jogo; (2) analisar os efeitos da direção e da
distância do lançamento lateral na taxa de sucesso do primeiro contacto, na
manutenção da posse de bola, no tempo médio em posse e na criação de situações
de finalização, em jogos da Premier League inglesa, na época 2018/2019.
Método
Amostra: foram incluídos na amostra 16154 lançamentos laterais executados nos 380 jogos da Premier League inglesa, na época 2018/2019, envolvendo 20 equipas. Os dados referentes aos lançamentos foram retirados do website Statsbomb (https://statsbomb.com). Da amostra total de lançamentos (n = 16380), foram apenas excluídas 226 observações relativas à cedência deliberada da posse de bola à equipa adversária, após a assistência médica a um jogador lesionado.
Procedimentos e variáveis: cada fase de jogo analisada começou com a execução do lançamento lateral e terminou quando a equipa que repôs a bola em jogo perdeu a posse de bola. Com base nos dados brutos retirados do site da Statsbomb, foram definidas 3 variáveis independentes e 4 variáveis dependentes. A figura 3 expressa as variáveis independentes e a forma como foram operacionalizadas: distância (curta, média e longa), direção (para trás, lateral e para a frente) e zona do campo (4 áreas).
Figura 3. Operacionalização das variáveis independentes:
distância, direção e zona do lançamento lateral (Stone et al., 2021). Nota: 1
jarda (yard) = 0,9144 metros.
As definições operacionais das categorias das variáveis
dependentes encontram-se discriminadas na tabela 1.
Tabela 1. Definições
operacionais das categorias das variáveis dependentes: primeiro contacto, tempo
em posse, retenção da posse e lançamento resultando em finalização (adaptado de
Stone et al., 2021).
Para todas as variáveis, o primeiro autor realizou um protocolo para aferir a fiabilidade da recolha dos dados. Selecionando 3 jogos aleatórios, reanalisou um total de 106 lançamentos laterais e obteve um valor de Kappa de 0.97, o que representa uma excelente fiabilidade intraobservador.
Análise estatística: registados
os dados e calculada a estatística descritiva numa folha de Excel, os dados
foram exportados para o SPSS, v. 24.0. Numa primeira fase, foi analisada a
relação entre a performance de cada equipa (classificação final: 1–20) com
cada uma das variáveis dependentes, utilizando Coeficientes de Correlação de
Spearman em separado. Em segundo lugar, para compreender se as estratégias de
lançamento variavam em função da classificação final, foram calculados
Coeficientes de Correlação de Spearman relativamente às variáveis
independentes. Por fim, foram corridos diversos testes paramétricos de análise
de variância para amostras repetidas (ANOVA) para examinar a influência das
variáveis independentes nas variáveis dependentes. As dimensões de efeito foram
apresentadas mediante o cálculo de Partial Eta Squared (ƞp2).
Principais resultados
As
equipas que terminaram em posições mais altas da tabela classificativa da Premier
League 2018/2019 obtiveram mais sucesso nos lançamentos laterais. Em
particular, foram reveladas taxas de sucesso mais elevadas no primeiro
contacto, na retenção da bola e no tempo médio da posse subsequente, tal como
foram executados mais remates decorrentes deste tipo de esquema tático.
Curiosamente, as equipas mais bem classificadas realizaram mais lançamentos
para trás, enquanto as menos bem classificadas fizeram mais lançamentos na
direção da baliza adversária (i.e., para a frente).
· Sucesso do primeiro contacto
A taxa de sucesso do primeiro contacto após o lançamento lateral decresceu com o aumento da distância do lançamento. Lançar para trás teve a taxa de sucesso mais alta (99.5%), aumentando 24.9% em relação aos lançamentos para a frente (74.6%). Conforme podemos constatar na figura 4, o maior insucesso no primeiro contacto foi observado após lançamentos longos, para a frente e a partir do meio-campo defensivo.
Figura 4. Sucesso (relativo e
absoluto) do primeiro contacto, em função da zona do campo, da distância (S – curta;
M – média; L – longa) e da direção (B – para trás; L – lateral; F – para a
frente) do lançamento lateral (Stone et al., 2021).
· Retenção da posse de bola após lançamento lateral
A direção, a distância e a zona do campo influenciaram significativamente as variáveis associadas à manutenção da posse de bola (figura 5). Os lançamentos para trás não só tiveram uma taxa de retenção da posse mais alta (83%), como originaram posses de bola subsequentes, em média, mais longas (24s). Por sua vez, lançar para a frente implicou uma menor taxa de manutenção da posse (50.3%) e processos ofensivos com uma duração média mais reduzida (13s). Os lançamentos curtos também propiciaram taxas de retenção da bola mais elevadas (70.5%) e posses de bola mais longas (20s), ao invés do que sucedeu nos lançamentos longos (64.3%; 17.8s). Lançamentos laterais na zona defensiva do campo também originaram posses de bola subsequentes, em média, mais demoradas (19.4s vs. 18.4s).
Figura 5. Sucesso (relativo e absoluto) da retenção da bola e
tempo médio da posse de bola subsequente, em função da zona do campo, da
distância (S – curta; M – média; L – longa) e da direção (B – para trás; L –
lateral; F – para a frente) do lançamento lateral (Stone et al., 2021).
· Lançamento lateral que origina finalização
Um total de 1053
lançamentos laterais, realizados nos meios-campos ofensivo e defensivo, e com
um primeiro contacto bem-sucedido, resultou numa ação de finalização. A
probabilidade de produzir uma ação de finalização foi mais elevada em
lançamentos executados para o lado (12.2%) ou para trás (11.2%). Dos
lançamentos para a frente, somente 6.6% permitiram visar a baliza adversária.
Aplicações práticas
Em média, foram executados 43 lançamentos laterais por jogo, uma frequência superior a pontapés de canto, pontapés livres ou pontapés de baliza. Dada a correlação existente entre o desenrolar do processo ofensivo após um lançamento lateral e a classificação obtida no final da época, os treinadores não devem negligenciar este tipo de esquema tático no processo de treino.
Os lançamentos laterais são mais ponderados e trabalhados em zonas ofensivas (i.e., projeção da área de penálti), quase como se de pontapés de canto se tratassem. Porém, 78.5% dos lançamentos da presente amostra ocorreram nas demais áreas ofensivas e defensivas. Estas bolas paradas são um fator importante no recomeço do jogo e nas ações inerentes à etapa de construção de uma equipa. Devem, assim, ser proporcionados contextos de treino que enfatizem a importância dos lançamentos laterais na (re)construção do processo ofensivo.
A crença comum que um lançamento lateral deve ser executado para a frente e longo (“ao longo da linha lateral” ou “para o meio-campo adversário”) não foi corroborada neste estudo. Pelo contrário, quando analisadas as taxas de sucesso do primeiro contacto e da retenção da posse de bola, lançar para trás ou para o lado constituiu uma estratégia mais eficaz que, inclusivamente, permitiu criar mais oportunidades de finalização.
Numa perspetiva defensiva, a estratégia de jogo mais adotada
é recuar o bloco, colocando um maior número de jogadores atrás da linha da bola,
no sentido de melhor proteger a baliza. Estes dados sugerem, no entanto, que consentir
que uma equipa lance para trás e recomece a etapa de construção pode não ser a
solução mais efetiva para o desfecho do jogo. Uma abordagem alternativa é,
precisamente, condicionar o lançamento para trás (ou para o lado) e fazer com
que o adversário lance longo, aumentando a probabilidade de reconquistar mais
rápido a posse de bola.
Conclusão
A investigação demonstrou que o sucesso nos lançamentos laterais está associado com a classificação obtida numa das principais ligas europeias (Premier League inglesa). Os resultados permitiram compreender que as estratégias implementadas nestes esquemas táticos influenciam o sucesso de ações seguintes relacionadas com o primeiro toque, a retenção da posse de bola e a criação de situações de finalização no futebol profissional. Lançar para trás ou para o lado foi mais profícuo do que lançar longo para a frente; de facto, as melhores equipas tendem a privilegiar o lançamento para trás. Recomenda-se que os treinadores revejam as estratégias de lançamento que propõem e equacionem outras soluções que potencialmente possam melhorar a performance global da equipa em competição.
P.S.:
1-
As que
constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e,
presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;
2-
Para melhor compreender as
ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;
3- As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista International Journal of Sports Science & Coaching.
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