Há dias, a Federação Internacional de História e Estatísticas do Futebol (IFFHS, sigla na língua inglesa) classificou a Primeira Liga (Liga NOS) como a sexta melhor do mundo em 2019, à frente de ligas como a Bundesliga (alemã) e a Ligue 1 (francesa). Sinceramente, não procurei saber os critérios que nortearam a atribuição de pontos pela IFFHS, mas não deixa de ser um pouco estranho, visto que, somente em 2019/2020, a Primeira Liga recuperou a sexta posição no ranking de ligas da UEFA, por troca com a Rússia.
A antítese da competitividade no futebol profissional português foi aqui debatida há dois anos. Por essa altura, foi citado um estudo brasileiro (Da Silva et al., 2018) que concluiu que a Primeira Liga era a que mostrava menor equilíbrio competitivo de entre as 7 ligas analisadas (Alemanha, Brasil, França, Espanha, Inglaterra, Itália e Portugal). Os investigadores também verificaram que, na liga portuguesa, o desequilíbrio competitivo (ou a desigualdade entre os 4 primeiros classificados e as restantes equipas) tem vindo a aumentar significativamente ao longo do tempo. Embora este estudo tenha analisado um período de 13 épocas consecutivas (2003/2004–2015/2016), utilizou apenas uma métrica subjacente ao equilíbrio competitivo (C4 Index of Competitive Balance), que mede a desigualdade entre os 4 primeiros classificados da tabela final de cada época e as restantes equipas e não, exclusivamente, o (des)equilíbrio competitivo da totalidade das equipas que compõem a liga.
No relatório da IFFHS, divulgado no passado dia 20 de janeiro de 2021, é mencionado que a Primeira Liga subiu 4 posições no ranking das melhores ligas em relação a 2018. Em face deste novo e surpreendente facto, urge averiguar o que aconteceu ao equilíbrio competitivo nas melhores ligas europeias na última década. Será que o equilíbrio competitivo da Liga NOS se aproximou das outras ligas europeias de referência ou, ao invés, os clubes de maior dimensão cavaram ainda mais o fosso para os ditos “clubes pequenos”?
Para o efeito, foram calculados valores de duas variáveis comummente aplicadas neste âmbito (Michie & Oughton, 2004):
· Five-club
Concentration Index of Competitive Balance
(C5ICB) – Índice C5 de Equilíbrio Competitivo: mede o grau de desigualdade entre
os 5 clubes de topo numa liga e os restantes, relativamente a um valor ideal
que seria alcançado numa liga perfeitamente equilibrada, com um qualquer número
de equipas. Valores mais elevados traduzem uma redução do equilíbrio
competitivo e um aumento da dominância dos 5 primeiros classificados.
· Herfindahl Index of
Competitive Balance (HICB) – Índice de
Equilíbrio Competitivo de Herfindahl: através da proporção de pontos
conquistados por cada equipa, avalia as desigualdades entre todos os clubes que
compõem uma liga, também ponderando o valor ideal que seria atingido numa liga
perfeitamente equilibrada, com um qualquer número de equipas. Quanto maior for
o valor do índice, menor é o equilíbrio competitivo. Numa liga perfeitamente
equilibrada, o índice de Herfindahl assume um valor similar a 100.
Em relação à primeira métrica, a figura 1 exibe a variação do equilíbrio competitivo nas 6 melhores ligas europeias ao longo da última década.
Figura 1. Variação do Índice C5 de Equilíbrio Competitivo nas 6
melhores ligas europeias na última década.
Como podemos constatar, a Primeira Liga (a verde) é uma
das que apresenta valores consecutivamente mais elevados no Índice C5 de
Equilíbrio Competitivo, ao invés do que sucede, por exemplo, com a Ligue 1 (a lilás).
Isto significa que a dominância dos 5 primeiros classificados, em relação às
outras equipas que compõem a liga, é das mais elevadas nas ligas em análise, o
que reflete uma maior desigualdade ou, por outras palavras, um menor equilíbrio competitivo. Para
atestar esta evidência, a tabela 1 expõe os valores médios do Índice C5
apurados para a década 2010–2020.
Tabela 1. Médias e
desvios-padrão do Índice C5 de Equilíbrio Competitivo para as 6 melhores ligas
europeias de futebol, na década 2010–2020.
É, também, curioso verificar que a Premier League e a LaLiga são as ligas que maior dispersão (desvios-padrão) apresentam em relação à média, o que sugere que a desigualdade entre os 5 primeiros classificados e as restantes equipas tende a ser mais inconstante de época para época. Por sua vez, além de ser a segunda liga mais equilibrada, a Bundesliga é a prova cujo Índice C5 de Equilíbrio Competitivo é mais regular ao longo do tempo.
Se fizermos uma análise isolada do Índice C5 de Equilíbrio Competitivo na Primeira Liga, ficamos em posição de perceber que houve uma tendência crescente ao longo da última década (figura 2), ou seja, a desigualdade entre as equipas do topo da tabela e as outras aumentou.
Figura 2. Linha de tendência do Índice C5 de Equilíbrio
Competitivo na Primeira Liga (2010-2020).
Porém, ao considerarmos os valores médios por época do
conjunto das outras ligas europeias de referência, foi observada uma tendência similar,
mas com um declive bem mais pronunciado (figura 3). Portanto, ainda que a
desigualdade entre as equipas de topo e as restantes esteja a aumentar na
Primeira Liga, a competição portuguesa está a aproximar-se da média das
melhores ligas europeias, o que pode explicar parte dos recentes dados publicados
pela IFFHS.
A segunda variável – Índice de Equilíbrio Competitivo de
Herfindahl –, que envolve a proporção de pontos conquistados por todas as
equipas de uma liga, traça um cenário ligeiramente diferente para as 6 melhores
ligas europeias e, em particular, para a Primeira Liga (figura 4).
Figura 4. Variação do Índice de Equilíbrio Competitivo de
Herfindahl nas 6 melhores ligas europeias na última década.
À primeira vista sobressai uma linha verde (Primeira
Liga) mais uniforme e destacada das restantes. Por outro lado, ao contrário do
Índice C5 de Equilíbrio Competitivo, parece que a linha segue uma tendência
decrescente. De facto, a tabela 2 revela que, segundo este índice, a Primeira
Liga apresenta um menor equilíbrio competitivo (valores mais elevados) em
relação às outras ligas europeias. A Ligue 1 continua a liderar no que ao
equilíbrio competitivo diz respeito, e a Premier League e a LaLiga trocam de posição.
Neste parâmetro, a Ligue 1 é a prova com equilíbrio competitivo mais uniforme,
ao invés do que sucede com a LaLiga e a Serie A, que mostram valores de
dispersão (desvios-padrão) mais altos relativamente à média.
Tabela 2. Médias e
desvios-padrão do Índice de Equilíbrio Competitivo de Herfindahl para as 6
melhores ligas europeias de futebol, na década 2010–2020.
A análise isolada do Índice de Equilíbrio Competitivo de Herfindahl na Primeira Liga corrobora a perceção inicial: houve uma tendência decrescente ao longo da última década (figura 5), ou seja, a liga portuguesa tem-se tornado mais competitiva. Não obstante qualquer razão apontada não passe de pura especulação, estou a crer que a crescente profissionalização da estrutura de alguns clubes ditos “pequenos” possa estar a contribuir para que a liga portuguesa esteja a melhorar. Face ao disposto no Índice C5 de Equilíbrio Competitivo, talvez seja incorreto pensarmos que os “clubes grandes” estejam a perder supremacia na competição.
Figura 5. Linha de tendência do Índice de Equilíbrio Competitivo
de Herfindahl na Primeira Liga (2010-2020).
Por último, não podemos omitir a linha de tendência que
resulta do combinado das outras 5 ligas europeias (figura 6).
Figura 6. Linha de tendência do Índice de Equilíbrio Competitivo
de Herfindahl para a média de valores, por época, do conjunto composto por
Bundesliga, LaLiga, Ligue 1, Premier League e Serie A (2010-2020).
Estes dados comprovam, até certa medida, o salto qualitativo da Primeira Liga para a IFFHS, em 2019: se na principal liga portuguesa de futebol o equilíbrio competitivo está a aumentar, a média provinda das 5 melhores ligas europeias expressa a tendência oposta. Em suma, de entre as 6 melhores ligas europeias para a UEFA, a portuguesa é a menos competitiva, contudo, na última década, tem vindo a aproximar-se do valor médio das ligas europeias de topo. Para bem do futebol português, é bom que assim continue!
Referências Bibliográficas
Da Silva, C. D., Abad, C. C.
C., Macedo, P. A. P., Fortes, G. O. I., & do Nascimento, W. W. G. (2018). Equilíbrio competitivo no futebol: Um
estudo comparativo entre Brasil e as principais ligas europeias. Journal of Physical Education,
29, e2945. https://doi.org/0.4025/jphyseduc.v29i1.2945
Michie, J., & Oughton, C. (2004). Competitive balance in football: Trends and effects. Football Governance Research Centre.
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