Cada publicação tem a sua história. Uma história que não consta nas palavras e nas páginas que compõem o documento, independentemente do tipo que for (livro, artigo científico, artigo de opinião, capítulo, etc.). Ontem foi publicado (online) um artigo que demorou anos a elaborar e, apesar de estar feliz com o produto final, não atravessámos propriamente um “mar de rosas”.
Recuemos ao dia 3 de janeiro de 2020. Com a primeira
versão do estudo concluída, submetemos a uma revista científica internacional.
Volvidos 6 meses, uma vez que o status do artigo não alterava na plataforma digital
(“submitted”), decidimos escrever ao editor-chefe. Não recebendo qualquer
resposta, aos 9 meses de espera voltámos a questionar o porquê de o paper
não estar em revisão, porém, sem sucesso; finalmente, o e-mail dos 12 meses motivou,
no dia 15 de fevereiro de 2021, a réplica seguinte:
First
of all, we would like to apologize for this prolonged period of preliminary
review procedure. It was caused by the delay in section editor response. Since
our journal recently went through many changes, we are having same troubles at
the moment, but we will solve them as soon as possible.
An initial
review of “Multifactorial analysis of football penalty
kicks in the Portuguese first league: a replication study" had
undergone a preliminary review process. Unfortunately, the manuscript in its
present form does not reach the required level to be included in the peer
review process. The authors must understand that the journal [X] has very high
submission rate and must be very strict in assessing top 25 to 30% of
manuscripts which can be included in the peer review process. As this process is
very demanding these days, unfortunately, we are unable to provide each
manuscript with the international peer-review evaluation. Therefore, we
regretfully must decline your manuscript at this point.
Murro no estômago! Treze meses (!) para que o corpo
editorial tomasse a decisão de “não remeter o trabalho para revisão de pares”. Contrariando
a inércia de não fazer mais nada, cerrámos fileiras: aumentámos a amostra com a
análise de mais duas épocas de grandes penalidades, acrescentámos e redefinimos
variáveis, revimos a literatura mais recente e melhorámos o racional do estudo
e a discussão dos resultados. Voltámos a submeter a outra revista, com fator de
impacto mais elevado, no dia 24 de outubro de 2021. Um ano e um dia depois do
murro no estômago, tivemos a consagração da persistência e da resiliência (figura 1).
Reference
Almeida, C. H., & Volossovitch, A. (2022). Multifactorial
analysis of football penalty kicks in the Portuguese First League: a
replication study. International
Journal of Sports Science & Coaching, 17. https://doi.org/10.1177/17479541221075722
Não é um tema novo, visto que se tratou de uma replicação de um estudo prévio. No Linha de Passe foram publicados três textos com base nos dados recolhidos na I Liga Portuguesa, atual Liga Bwin, e que constituíram parte da amostra desta investigação: “Análise das grandes penalidades na Liga Portuguesa 2013/2014: Parte 1”, “Análise das grandes penalidades na Liga Portuguesa 2013/2014: Parte 2” e “Evolução do resultado das grandes penalidades na I Liga Portuguesa, nas últimas 6 épocas desportivas (2013/2014 – 2018/2019)”.
Em síntese, exponho alguns factos apurados que, contudo, não
traduzem todo o conteúdo do artigo:
· Das 833 grandes
penalidades analisadas em 8 épocas consecutivas da I Liga (de 2013/2014 a 2020/2021),
658 (79%) foram convertidas, 119 (14,3%) foram defendidas pelos guarda-redes e
56 (6,7%) falharam o alvo;
· De todos os golos marcados
nestas edições da I Liga, 10,9% foram obtidos através de penálti;
· Nenhuma variável contextual
(localização do jogo, resultado corrente do jogo, período do jogo e qualidade
da equipa) influenciou o produto das grandes penalidades (i.e., marcado, defendido
ou falhado);
· Das variáveis individuais,
a lateralidade do marcador (destro vs. canhoto) foi a que mais se aproximou da
significância, já que destros marcaram 80,3% das grandes penalidades e os
canhotos apenas 73,4%. As variáveis “status” do jogador (titular vs. suplente
utilizado), posição de jogo (defesa vs. médio vs. avançado) e diferença de
idade do marcador do penálti para o guarda-redes não produziram qualquer efeito
significativo no resultado do penálti;
· As direções horizontal e
vertical do remate foram absolutamente fulcrais para o resultado da grande
penalidade. Rematar a bola para o lado esquerdo, na perspetiva de quem bate o
penálti, foi mais frutífero do que os remates direcionados para as zonas
centro-esquerda, centro-direita e direita da baliza. Colocar a bola nas zonas
altas da baliza é mais recomendado que rematar rasteiro, pois as probabilidades
de falhar a baliza nas zonas altas são mais reduzidas relativamente às probabilidades
de defesa do guarda-redes quando a bola segue baixa (figura 2);
· Os guarda-redes têm um papel importante no resultado do penálti. Embora só se tenham estirado na direção da bola em 45,5% dos remates, essa circunstância aumenta extraordinariamente a possibilidade de interceção da bola.
Figura 2. Resultado dos penáltis (frequências absolutas) e taxas
de sucesso, de acordo com a direção do remate (n = 833). Legenda: (−) Resíduos
ajustados (AR) < −2.0 (frequências observadas foram inferiores
às frequências esperadas); (+) AR > 2.0 (frequências observadas foram superiores
às frequências esperadas).
Não poderia concluir sem endereçar sinceros agradecimentos (1) à professora Anna Volossovitch (CIPER, Faculdade de Motricidade Humana, SpertLab, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal), pela sempre preciosa colaboração, (2) ao Tiago Salvador, pela disponibilidade e assertividade nos procedimentos inerentes à fiabilidade interobservador e (3) aos dois revisores (Bill Gerard e Tim Swartz), pelas sugestões e recomendações que nos permitiram aumentar a qualidade do artigo ora publicado.
Por fim, num período em que a valorização do futebol
português é um assunto na ordem do dia, considerar os dados que advêm das nossas ligas
profissionais, e não só, como amostras para estudos científicos também pode
contribuir para esse intento.
Sem comentários:
Enviar um comentário