Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.
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Autores: Rey, E., Lorenzo-Martinez, M., López-Del
Campo, R., Resta, R., & Lago-Peñas, C.
País: Espanha
Data de publicação: 9-março-2022
Título: No sport for old players. A
longitudinal study of aging effects on match performance in elite soccer
Referência: Rey, E.,
Lorenzo-Martinez, M., López-Del Campo, R., Resta, R., & Lago-Peñas, C. (2022).
No sport for old players. A longitudinal study of aging effects on match
performance in elite soccer. Journal of Science and Medicine in Sport.
https://doi.org/10.1016/j.jsams.2022.03.004
Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 29 – maio de 2022.
Apresentação do problema
O processo de envelhecimento tem um papel crítico na performance competitiva de atletas ou jogadores de topo. Diversos estudos têm confirmado a existência de incrementos anuais na idade do pico de performance desde 2000, em diferentes desportos de elite (Allen & Hopkins, 2015). De facto, os jogadores de elite estão a jogar até mais tarde e isso, provavelmente, tem um impacto significativo no futebol enquanto indústria. Conhecer a altura em que os jogadores atingem o seu melhor nível e compreender os efeitos da idade nos desempenhos físico e tático-técnico em jogo pode auxiliar jogadores, treinadores e managers a tomar decisões mais consertadas nas suas rotinas diárias (Dendir, 2016).
Os jogadores de futebol de elite acabam as suas carreiras entre os 31 e os 35 anos de idade, com uma duração média de carreira entre os 8 e os 11 anos (Carapinheira et al., 2019). Nas ligas de futebol mais importantes, os jogadores tendem a alcançar o pico de performance entre os 25 e os 27 anos de idade, dependendo da sua posição de jogo: o pico dos avançados (≈ 25 anos) ocorre mais cedo que o dos médios e defesas (≈ 27 anos) (Dendir, 2016; Kalén et al., 2019). Alguns estudos recentes mostraram ainda que os desempenhos em jogo de indivíduos com mais de 30 anos apresentaram decréscimos significativos na distância total percorrida, nas atividades de alta intensidade, na distância em sprint e no número de acelerações e de desacelerações (Lorenzo-Martínez et al., 2020, 2021; Rey et al., 2019; Zhou et al., 2020). Os declínios associados à idade foram mais pronunciados nos defesas centrais, médios-centro e avançados. Contudo, raros foram os estudos que analisaram alterações na performance tático-técnica de jogadores de elite, de acordo com a idade cronológica. As evidências produzidas verificaram que o número e a percentagem de passes bem-sucedidos foram significativamente mais elevados em jogadores mais velhos (>30 anos), em comparação com outros mais jovens (<30 anos) (Sal de Rellán-Guerra et al., 2019; Zhou et al., 2020). Os parâmetros tático-técnicos também exibiram variações face às diferentes posições de jogo.
Estes estudos basearam-se em designs transversais, pelo
que os resultados podem ter sido enviesados por problemas inerentes aos coortes
analisados: diferenças na habilidade, nos estilos de vida ou na componente
genética. É, portanto, relevante preencher a lacuna de estudos longitudinais
sobre esta temática. De momento, apenas podemos presumir que os jogadores deixam
o futebol de elite quando a sua performance entra em declínio, e que somente
jogadores geneticamente dotados ou altamente competentes (figura 2) conseguem
manter-se envolvidos para lá de determinada idade, tendo carreiras mais longas
(Rey et al., 2019). Assim, este estudo visou analisar os efeitos da idade nas
performances física e tático-técnica em jogo, recorrendo a um design
longitudinal. Os autores colocaram as seguintes hipóteses: (1) a performance de
corrida decresce com o avançar da idade, (2) os desempenhos tático-técnicos não
se relacionam com a idade no futebol de elite e (3) os efeitos variam nas
diferentes posições de jogo.
Figura 2. Luka Modric no CF Real Madrid (36 anos): um exemplo de
longevidade no futebol de elite (fonte: realmadrid.com; imagem não publicada
pelos autores).
Amostra: foram analisados dados da performance em jogo de 154 jogadores da primeira divisão espanhola (LaLiga), durante 8 épocas consecutivas (2012/2013–2019/2020). Os jogadores incluídos tinham que jogar, no mínimo, 5 partidas completas (i.e., 90 minutos mais tempo adicional) durante, pelo menos, 5 épocas. As observações individuais em jogos com uma ou mais expulsões foram excluídas da amostra. Foram analisadas 14092 observações individuais, com uma média de 15.2 ± 7.0 observações por jogador e época.
Variáveis e procedimentos: as observações em jogo foram distribuídas por 5 posições de jogo: (1) defesas centrais (CD; n = 37 jogadores, observações = 3769); (2) defesas laterais (ED; n = 44 jogadores, observações = 4233); (3) médios-centro (CM; n = 34 jogadores, observações = 3281); (4) médios-ala (EM; n = 22 jogadores, observações = 1535); (5) avançados (F; n = 17 jogadores, observações = 1274). A idade dos jogadores em cada época foi determinada recorrendo à sua data de nascimento. Os dados foram obtidos da liga de futebol profissional de Espanha (LaLiga), que autorizou a utilização das variáveis incluídas no estudo. O desempenho de corrida em jogo foi examinado através das seguintes variáveis: distância total percorrida (TD), distância percorrida em corrida de alta intensidade (HIR; >21.0 km/h) e número de esforços em alta intensidade (N of HIR). A performance tático-técnica dos jogadores foi analisada através da eficácia do passe (PA; %), definida como a percentagem de passes bem-sucedidos da totalidade de tentativas de passe. Estes dados foram recolhidos através de um sistema de rastreamento ótico computadorizado, com múltiplas câmaras: TRACAB (ChyronHego, Nova Iorque, EUA). Os dados foram processados no software Mediacoach (LaLiga, Madrid, Espanha), cujas fiabilidade e validade foram previamente testadas (Felipe et al., 2019). Adicionalmente, foram registadas 3 variáveis situacionais: resultado do jogo (derrota, empate ou vitória), localização do jogo (casa ou fora) e qualidade da equipa (diferença de ranking das equipas no final de cada época).
Análise
estatística: a análise estatística foi realizada no software R,
versão 4.0.3 (R Core Team, 2020). As diferenças entre observações individuais,
em função da idade e da posição de jogo (idade x posição de jogo), foram
verificadas através de modelos lineares generalizados com ajuste. As variáveis
situacionais foram moduladas como efeitos fixos, enquanto a idade do jogador
como efeito aleatório, de modo a lidar com medidas repetidas. A variável
“época” foi introduzida como interceção aleatória para ponderar as evoluções
física e tático-técnica ao longo do tempo. As assunções de homogeneidade e de distribuição
normal dos resíduos foram analisadas e não causaram qualquer problema. O teste
do Qui-quadrado de Wald (χ2) foi executado para analisar os efeitos
principais e de interação. Para cada modelo, foram ainda computadas métricas de
R2. O valor de significância definido para todas as análises foi de
5% (p ≤ 0.05).
Principais resultados
·
Efeitos da idade nas
variáveis de performance
Verificou-se a existência de efeitos significativos da
idade em todas as variáveis de performance. Designadamente, por cada ano a mais
de idade, houve decréscimos de 0.56%, 1.80% e 1.42% na distância total
percorrida, na distância percorrida em corrida de alta intensidade e no número
de esforços de alta intensidade, respetivamente. Em particular, os decréscimos
nas atividades de alta intensidade começaram em torno dos 23 anos. Em sentido
contrário, os jogadores aumentaram a eficácia do passe em 0.25% por cada ano
que envelheceram (figura 3).
Figura 3. Efeitos da idade na distância total percorrida (TD), na
distância em corrida de alta intensidade (HIR), no número de esforço de alta
intensidade (N of HIR) e na eficácia do passe (PA). Os dados representam a
média com intervalos de confiança a 95% (Rey et al., 2022).
· Efeitos da idade nas variáveis de performance por posição
de jogo
O estudo mostrou a existência
de efeitos interativos entre a idade e a posição de jogo para as variáveis “distância
total percorrida”, “distância em corrida de alta intensidade”, “número de
esforços de alta intensidade” e “eficácia do passe” (figura 4).
Figura 4. Efeitos da idade na distância total percorrida (TD), na
distância em corrida de alta intensidade (HIR), no número de esforço de alta
intensidade (N of HIR) e na eficácia do passe (PA), em função da posição de
jogo: defesas centrais (CD), defesas laterais (ED), médios-centro (CM),
médias-ala (EM) e avançados (F) (Rey et al., 2022).
Distância total percorrida: os efeitos da idade foram mais pronunciados nos defesas laterais, médios-ala e avançados, com decréscimos de 0.58%, 0.81% e 0.64%, respetivamente, por cada ano a mais de idade. No caso dos defesas centrais e dos médios-centro, os decréscimos anuais foram mais reduzidos: 0.40% e 0.37%, respetivamente.
Distância em corrida de
alta intensidade: maiores reduções anuais
nos defesas laterais (1.99%), médios-ala (1.96%) e avançados (2.32%), em
comparação com os defesas centrais (1.37%) e os médios-centro (0.89%).
Número de esforços de alta intensidade: não houve diferenças significativas em relação à variável “posição de jogo”, contudo, os decréscimos anuais foram os seguintes: médios-ala (2.16%), defesas centrais (1.74%), avançados (1.52%), defesas laterais (1.27%) e médios-centro (1.15%).
Eficácia do passe: os defesas centrais e os médios-centro aumentaram a sua
eficácia na ação de passe em 0.34% e 0.43%, respetivamente, por cada ano a mais
de idade. Os efeitos positivos da idade foram menores para os avançados
(0.21%), médios-ala (0.20%) e defesas laterais (0.10%).
Aplicações práticas
A distância total percorrida e os esforços de alta intensidade em treino e competição devem ser regularmente monitorizados e analisados. Esta tarefa pode fornecer informações fiáveis e válidas acerca das variações intraindividuais das performances dos jogadores, em função do envelhecimento. Em concreto, os esforços de alta intensidade são considerados como ações físicas muito importantes no futebol de elite, devido à sua associação com eventos ofensivos altamente determinantes (i.e., marcação de golo ou assistência para golo). No contexto da LaLiga, é relevante notar que o declínio da performance nas ações de alta intensidade não começa somente na terceira década de vida dos jogadores, mas sim a partir dos 23/24 anos de idade.
A realização de desempenhos tático-técnicos superiores, que se reflitam, por exemplo, numa maior eficácia do passe, pode estar associada a um mecanismo de compensação dos jogadores para lidar com o decréscimo da performance física que ocorre com o avanço da idade. Trata-se, por isso, de uma estratégia profícua para que jogadores profissionais possam aumentar a longevidade das suas carreiras em patamares de rendimento elevados. Estes dados podem ainda ser utilizados por treinadores e managers para tomar decisões informadas sobre aspetos contratuais, tais como o salário, a duração do contrato e timing para transferir ou substituir um jogador do plantel.
Os defesas laterais, os médios-ala e os avançados foram
as posições de jogo mais afetadas pelo envelhecimento. Assim, os resultados da
monitorização previamente referida também podem ser usados por especialistas do
treino da condição física para (1) individualizar planos e cargas de
treino no decurso do(s) microciclo(s) e (2) conceptualizar e desenvolver
programas de treino, considerando a idade como um fator mediador da capacidade física
momentânea do jogador.
Conclusão
Em síntese, ao utilizar um design longitudinal, este
estudo forneceu novas evidências acerca dos efeitos da idade na performance em
jogo no futebol de elite. Os jogadores com carreiras de maior longevidade num
patamar de rendimento elevado foram incapazes de manter a performance física à
medida que a idade avançou. Apesar disso, mesmo envelhecendo, os jogadores
podem melhorar anualmente as suas competências tático-técnicas, constituindo um
possível mecanismo compensatório para os efeitos nefastos do envelhecimento ao
nível da performance física. Por último, constatou-se que o declínio da
performance física associado ao avanço da idade foi mais pronunciado nos
defesas laterais, médios-ala e avançados, enquanto os efeitos positivos da
idade na eficácia do passe foram mais acentuados nos defesas centrais e nos
médios-centro.
P.S.:
1- As ideias que constam neste texto foram originalmente
escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;
2- Para melhor compreender as ideias acima referidas,
recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;
3- As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos
autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão
original publicada na revista Journal of Science and Medicine in Sport.
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