Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.
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Autores: Roca, A., & Ford, P. R.
País:
Inglaterra
Título:
Decision-making practice during coaching sessions in elite youth football
across European countries
Revista: Science and Medicine in Football
Referência: Roca, A., & Ford, P. R. (2020). Decision-making
practice during coaching sessions in elite youth football across European
countries. Science and Medicine in Football. doi: 10.1080/24733938.2020.1755051 (link)
Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 6 – junho de
2020.
Apresentação do problema
Os investigadores na área da aprendizagem motora têm avaliado a importância da estrutura da prática na aquisição de habilidades durante o processo de treino. Este trabalho aborda uma questão crítica para treinadores e profissionais do futebol: o modo como as sessões de treino e as suas atividades devem de ser concetualizadas, no intuito de facilitar a aprendizagem e a aquisição de perícia no futebol.
Um dos atributos que tem sido constantemente indicado para discriminar jogadores de alto nível de outros com níveis de desempenho mais baixos é a capacidade para antecipar e tomar decisões efetivas sob pressão durante o jogo. Neste sentido, o principal objetivo da atividade do treinador é promover a aquisição de competências que resultem em performances melhoradas no formato competitivo, através da prática de situações representativas que simulem as exigências desse mesmo formato (Pinder et al., 2011). A Abordagem Baseada nos Constrangimentos (Davids et al., 2008) é, neste âmbito, uma estrutura teórica relevante para concetualizar e criar ambientes de aprendizagem propícios para a aquisição de habilidades e para o transfer para a competição. Uma das estratégias mais efetivas dos treinadores passa por manipular os constrangimentos da tarefa, desenvolvendo atividades que fomentem a tomada de decisão ativa, também designadas de “atividades jogadas” (Ford et al., 2010), como os jogos reduzidos e/ou condicionados.
O treino, em si, depende do contexto no qual estamos inseridos, pelo que é expectável que haja diferenças nas abordagens dos treinadores à prática entre países ou regiões pelo mundo fora, em parte como consequência de discrepâncias existentes na formação dos treinadores. Por exemplo, Ford et al. (2010) analisou a prática de 25 treinadores do futebol juvenil em Inglaterra e verificou que 65% das sessões de treino foram destinadas a atividades sem tomada de decisão ativa (exercícios analíticos e tarefas de condição física), ao contrário dos restantes 35%. Partington e Cushion (2013) investigaram as atividades propostas e os comportamentos de treinadores de futebol juvenil, a trabalhar numa academia de um clube da FA Premier League e comprovaram que estes agentes prescreveram mais atividades sem tomada de decisão ativa, em comparação com as atividades jogadas (53% e 47%, respetivamente). Estudos mais recentes, porém, evidenciaram que as atividades propostas em equipas de futebol juvenil em Inglaterra (Ford & Whelan, 2016) e na Austrália (O’Connor et al., 2018) envolveram uma maior quantidade de atividades em forma de jogo relativamente a situações analíticas sem tomada de decisão ativa. Estas alterações podem estar relacionadas com atualizações dos cursos de treinadores e revisões das linhas orientadoras para a aquisição de habilidades específicas do jogo nos países referidos (Ford & Whelan, 2016).
Portanto, é necessária mais investigação que permita uma comparação direta das abordagens dos treinadores à prática, considerando uma amostra extensível a outros países para além do Reino Unido e da Austrália (figura 2). O propósito do estudo foi investigar os tipos de atividades práticas propostos por treinadores de futebol juvenil em diversos países europeus. A ideia passou por fornecer uma perspetiva global das abordagens dos treinadores à prática em algumas das nações de topo do futebol europeu.
Figura 2. Atividades práticas propostas por treinadores de futebol juvenil: haverá diferenças entre países?(imagem não publicada pelos autores; fonte: ertheo.com)
Método
Amostra: 53 treinadores de futebol do género masculino, a trabalhar com jovens dos Sub-12 aos Sub-16, em 16 academias de clubes profissionais de futebol em 4 países europeus: Inglaterra – 10 treinadores com certificação UEFA B e 5 UEFA A; Alemanha – 8 UEFA B, 4UEFA e 2 UEFA Pro; A; Portugal – 6 UEFA B e 5 UEFA A; Espanha – 6 UEFA B, 5 UEFA A e 2 UEFA Pro.
Procedimentos: foram examinadas 83 sessões de treino efetuadas nas academias de cada clube, num total de 20 sessões para os 4 clubes ingleses, 21 sessões para os 4 clubes alemães, 22 sessões para os 4 clubes portugueses e 20 sessões para os 4 clubes espanhóis. Um sistema de anotação manual foi utilizado in situ para recolher os dados de cada sessão (i.e., variáveis contextuais, início e final das atividades implementadas pelos treinadores e períodos de transição). O sistema de categorização das atividades encontra-se especificado na tabela 1.
Tabela 1. Categorias e definições das atividades relacionadas com
a prática de futebol utilizadas na análise (adaptado de Roca & Ford, 2020).
Fiabilidade intra e inter-observador: 9 sessões aleatórias foram codificadas in situ, em duas ocasiões distintas separadas por uma semana de intervalo para o principal observador (intra-observador) e recorrendo a outro treinador de futebol (UEFA B) no decurso de uma semana (inter-observador). A percentagem de acordos foi 98.5% para o teste intra-observador e 96.3% para o teste inter-observador.
Análise de dados: como as sessões variaram em duração, foram calculadas
as percentagens de tempo passado nas atividades principais (e respetivas
categorias) e nos períodos de transição. A comparação dos resultados foi executada
pelo cálculo da estatística descritiva (média ± desvio-padrão) e pela aplicação
de ANOVAs unifatoriais, com o método de correção de Bonferroni (post hoc)
para comparações de pares. O nível de significância adotado foi de 5% (p <
0.05).
Principais resultados
Conforme podemos observar
na figura 3, a percentagem de tempo passado em atividades com tomada de decisão
ativa foi 62 ± 9% (média ± desvio-padrão), enquanto que para as atividades sem
tomada de decisão ativa foi 20 ± 8%, com a percentagem remanescente (17 ± 3%)
destinada a transições.
Figura 3. Percentagem média (desvio-padrão) da duração das sessões
passada em atividades com tomada de decisão ativa (verde), sem tomada de
decisão ativa (vermelho) e em transições (cinzento), em função do país analisado.
(diferenças significativas: *p <.01 e **p <.001)
Atividades com tomada de
decisão ativa
As percentagens de tempo das sessões passado em situações de jogo reduzido/condicionado foram entre 5 e 13% superiores nas equipas jovens portuguesas e espanholas, em relação ao observado para as equipas inglesas e alemãs (tabela 2). Nas outras categorias as percentagens foram similares, variando entre 7 e 11% para as habilidades (ativas), entre 5 e 8% para os jogos unidirecionais, entre 8 e 13% para os jogos de posse de bola e entre 1 e 5% para os jogos de fase.
Tabela 2. Percentagem média (± desvio-padrão) de tempo passado nas subactividades com e sem tomada de decisão ativa, em função do país.
Atividades sem tomada de
decisão ativa
A tabela anterior
demonstra que a percentagem de tempo despendido em atividades de fitness
para as equipas jovens alemãs foi entre 10 e 14% superior ao registado para as
equipas inglesas, portuguesas e espanholas. Por sua vez, as equipas inglesas
tiveram uma percentagem de tempo destinado ao treino técnico superior,
entre 11 e 16%, comparativamente às equipas alemãs, portuguesas e espanholas.
Por último, as percentagens de tempo associado a habilidades (não ativas)
foram reduzidas, variando entre os 2 e os 5% para as equipas das 16 academias
dos 4 países.
Conclusão
Este foi o primeiro estudo
que procurou comparar a microestrutura das atividades propostas por treinadores
de academias de clubes profissionais em países distintos. Houve diferenças
significativas entre os países na quantidade de atividades propostas com e sem
tomada de decisão ativa. Os jovens jogadores portugueses e espanhóis passaram
mais tempo em atividades com tomada de decisão ativa, em especial em jogos
reduzidos/condicionados, relativamente aos jovens ingleses e alemães. Este
tipo de atividades proporciona mais oportunidades para desenvolver habilidades
percetivas, cognitivas e motoras em contextos que, também, fomentam o transfer
para a competição. Ao invés, os jovens ingleses e alemães passaram mais tempo
em atividades sem tomada de decisão ativa, nomeadamente, em treino técnico
nas academias britânicas e em exercícios de fitness nas germânicas. A
sobreutilização desta tipologia de atividades está comprovada como sendo menos
efetiva para a aprendizagem do jogo e para o transfer positivo de
competências ligadas à tomada de decisão do contexto de prática para o
competitivo.
Implicações práticas
Recomenda-se que os treinadores
proponham mais situações representativas do jogo de futebol (e.g., jogos com
regras adaptadas) durante as sessões de treino, fomentando o aumento do tempo
útil de prática com atividade decisional. Como o tempo passado em transições
foi cerca de 20% da duração total das sessões em todos os países analisados, os
treinadores também se devem preocupar em ser mais efetivos e céleres nestes
momentos, por forma a aumentar o tempo útil passado em tarefas práticas. Em
linha com outras evidências científicas nas áreas da aprendizagem motora e do desenvolvimento
da perícia no desporto, a exposição dos jovens jogadores a uma maior quantidade
de atividades com tomada de decisão ativa favorece a transferência de competências
específicas para o jogo competitivo.
P.S.:
1- As ideias que constam neste texto foram
originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas
para a Língua Portuguesa;
2- Para melhor compreender as ideias acima referidas,
recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;
3- As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Science and Medicine in Football.
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