Desde que a memória me assiste, dois e mil e vinte (figura 1) foi, sem margem para dúvidas, o ano mais estranho que vivenciei. Não me parece que seja um sentimento estritamente pessoal, na medida em que diversas cabeças, por este mundo fora, têm prestado a mesma sentença. Pode ter havido conquistas, mas as perdas ultrapassam substancialmente o que, avulso, possamos ter conseguido ou adquirido.
Figura 1. Um 2020 que ficará para a posterioridade pelos piores
motivos (fonte: depositphotos.com).
Dois mil e vinte foi o ano pandémico, o ano da COVID-19, o ano das palavras “confinamento”, “isolamento”, “máscara” ou “desinfetante”. Singelas palavras que tiveram o condão de alterar por completo as nossas rotinas do quotidiano e, se me permitem o atrevimento, as relações humanas. As repercussões da (potencial) infeção pelo novo Coronavírus vão muito além das consequências fisiológicas e epidemiológicas. Longe de ser uma mera “gripe”, como muitos incautos nos quiseram fazer crer nos meios mais frequentados (porém, menos fidedignos) que utilizamos para nos conectar – as redes sociais –, a pandemia nunca se cingirá às largas dezenas de milhões de casos detetados no mundo e aos quase dois milhões de mortes que causou, ou ajudou a causar.
Por um lado, será que a humanidade manterá a sua relação despótica com a natureza? Chegamos a um ponto da nossa evolução em que almejamos ditar as leis da natureza. Voluntária ou involuntariamente, de modo mais ou menos consciente, não é isso que importa agora esmiuçar, foi o ser humano que dispôs as condições para que este vírus proliferasse. Numa cambalhota quase “cármica”, a natureza logrou colocar-nos no devido lugar, acautelando-nos que as nossas ações, enquanto espécie, têm limites e produzem consequências. Talvez a pandemia deva ser interpretada como uma lição para o futuro.
Por outro lado, se é verdade que vida que se perde jamais se recupera, ninguém deveria ser prescindível ou entrar em sistemas de prioridades, o que aconteceu por falta de capacidade de resposta de uma civilização que, em pleno séc. XXI, tomávamos como evoluída. As limitações dos sistemas sociais contemporâneos chegaram ao cúmulo de termos de escolher quem vive e quem morre numa era marcada pela (alta) tecnologia e pela abrangência das redes comunicação. Questionemos o que sentem, por exemplo, as pessoas que perderam familiares (pais, avós, irmãos, tios, etc.) por não haver ventiladores suficientes. Mais, nesta era também governada pelas vicissitudes das economias, quantas vidas estão ou ficarão comprometidas pela pandemia? E os efeitos colaterais do isolamento social? Foram ou são contabilizadas as pessoas que, não falecendo de COVID-19, partiram de outras maleitas potenciadas pela ausência de afeto e de carinho? Infelizmente, não. Na minha família, isso aconteceu duas vezes no período de uma semana, em julho.
Não sou, de modo algum, contra as medidas que foram implementadas pelas autoridades competentes, nem tampouco invejo os representantes que têm de tomar decisões dificílimas nesta fase crítica, ou os profissionais de saúde que estão na linha da frente a fazer o que podem, e o que não podem, para dar a melhor resposta possível à população, salvando vidas. Tiro-lhes o chapéu! Sinceramente, não sei o que poderia ter sido feito de diferente para atenuar os efeitos adversos do dito isolamento social, reduzindo, em simultâneo, o risco de contágio. Há variáveis que, simplesmente, não conseguimos controlar.
Ignoro o que futuro nos reserva, se anos mais felizes ou mais experiências do género, contudo, acredito que cada um de nós, individualmente, pode fazer algo pelo todo. Se o “algo” individual for positivo, então o todo (humanidade) viverá, seguramente, anos menos conturbados e mais felizes. Ao menos, que a esperança nos guie para que o planeta e os nossos descendentes possam coexistir em harmonia. Porque enquanto houver vida, perdura a esperança (figura 2).
Figura 2. Vidas que redobram a esperança num próspero 2021.
Que dois mil e vinte e um nos faça virar a página para melhor. Sem exceções: votos de saúde!
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