27/08/2021

Artigo do mês #20 – agosto 2021 | Como limitar o número de toques na bola afeta a performance de jovens jogadores de futebol em jogos reduzidos, nos diferentes escalões etários?

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto. 

- 20 -

Autores: Coutinho, D., Gonçalves, B., Santos, S., Travassos, B., Folgado, H., & Sampaio, J.

País: Portugal

Data de publicação: 2-agosto-2021

Título: Exploring how limiting the number of ball touches during small-sided games affects youth football players’ performance across different age groups

Revista: International Journal of Sports Science & Coaching

Referência: Coutinho, D., Gonçalves, B., Santos, S., Travassos, B., Folgado, H., & Sampaio, J. (2021). Exploring how limiting the number of ball touches during small-sided games affects youth football players’ performance across different age groups. International Journal of Sports Science & Coaching. https://doi.org/10.1177/17479541211037001

  

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 20 – agosto de 2021.

 

Apresentação do problema

Os jogos reduzidos são tarefas de treino realizadas em espaços pequenos, geralmente com regras adaptadas e com um número reduzido de jogadores em relação ao jogo formal. Estes meios permitem recriar cenários percetivo-motores similares aos encontrados em competição, o que permite que os jogadores desenvolvam a habilidade de acoplar as respetivas ações à informação disponível no envolvimento (Davids et al., 2013; Machado et al., 2019). De facto, uma das principais características dos jogos reduzidos reside na possibilidade de, através da manipulação de constrangimentos da tarefa, enfatizar a informação disponível que orienta o comportamento dos jogadores para objetivos específicos. 

Existe um vasto leque de investigação produzida no intuito de explorar como a manipulação de constrangimentos da tarefa influencia a performance dos jogadores. Neste âmbito, a manipulação do número de toques permitidos sobre a bola é um constrangimento que tem merecido uma atenção considerável das ciências do desporto. Por exemplo, do ponto de vista físico, jogadores internacionais percorreram maiores distâncias total, em alta intensidade e em sprint, quando o número de toques na bola foi limitado num jogo reduzido de posse de bola (4v4+4 neutros) (Dellal et al., 2011, 2012). Contudo, a utilização do mesmo constrangimento em jogadores semiprofissionais e amadores não produziu evidências consistentes, já que foram registadas maiores intensidades em jogos sem restrição do número de toques (Casamichana et al., 2014; Román-Quintana et al., 2013). 

Na dimensão técnica, jogar a um toque tende a diminuir a percentagem de passes bem-sucedidos e a aumentar o número de posses de bola e de bolas perdidas em jogadores de nível internacional e profissional (Dellal et al., 2011, 2012; Giménez et al., 2013). Atendendo ao aumento de exigências percetivas, é expectável que estes efeitos sejam exacerbados em jogadores com menor experiência, como em contexto de formação. Se, por um lado, jogadores em diferentes fases de desenvolvimento (e.g., Sub-13 a Sub-19) podem revelar diferentes adaptações a este constrangimento da tarefa, por outro lado, a maioria dos estudos existentes explorou os efeitos da manipulação do número de toques na performance física e técnica, descurando as implicações que pode acarretar no comportamento posicional dos jogadores. 

Uma vez que jogadores de níveis de experiência diferentes respondem de forma distinta à imposição do mesmo constrangimento, é importante aprofundar o conhecimento de como a manipulação do número de toques na bola afeta a performance de jovens jogadores pertencentes a diferentes escalões etários. A introdução de variáveis posicionais pode, também, fornecer novas perspetivas acerca da utilização deste constrangimento no decurso do processo de treino. Assim, este estudo teve como propósito explorar o modo como o número de contactos permitidos ("jogo livre", "2 toques" e "1 toque") influencia o comportamento tático, técnico e físico de jogadores pertencentes a diferentes escalões etários (de Sub-9 a Sub-19), em jogos reduzidos com o formato Gr+4v4+Gr.


Métodos

Participantes: 114 jovens praticantes de futebol do mesmo clube (ver detalhes na tabela 1). Os participantes (crianças/jovens) tinham dois a quatro treinos semanais, com um jogo ao fim de semana. Devido à especificidade da posição, os guarda-redes foram excluídos da análise.


Tabela 1. Detalhes da amostra (n = 114) por escalão etário (Coutinho et al., 2021).

Desenho e procedimentos experimentais: o desenho do estudo seguiu uma abordagem de medidas repetidas em função de três condições experimentais: (i) “jogo livre”, sem restrições ao nível do número de toques sobre a bola; (ii) “2 toques”, permitido um máximo de dois toques por cada intervenção individual; (iii) “1 toque”, apenas permitido um toque por cada posse de bola individual. O formato de jogo reduzido foi Gr+4v4+Gr, disputado num espaço de 40x30m (150 m2/jogador; figura 2), num relvado artificial, após 15 minutos de aquecimento padronizado.

 

Figura 2. Formato de jogo proposto na tarefa experimental: Gr+4v4+Gr, num espaço de 40x30m (imagem não publicada pelos autores).

 

A experiência decorreu durante duas semanas a meio do período competitivo da época, com um total de 6 sessões não consecutivas, sendo garantidas condições de práticas similares para todos os indivíduos (e.g., temperatura, fase do dia, etc.). Em cada sessão, os treinadores principais formaram duas equipas equilibradas de 4 elementos (+ guarda-redes). Houve variabilidade nas equipas ao longo da experiência para incentivar o envolvimento dos elementos dos planteis e aumentar a capacidade de generalização dos resultados; apesar disso, em cada sessão, as equipas permaneceram inalteradas nas três condições experimentais, cuja ordem foi aleatória. Em cada sessão, as condições experimentais tiveram a duração de 4 minutos, com um intervalo de 2 minutos de recuperação passiva entre elas. Os treinadores não podiam conceder feedbacks e encorajamento aos jovens participantes na experiência. As regras oficiais do futebol foram aplicadas, à exceção da lei do fora-de-jogo e a possibilidade de reatar o jogo após golo através do guarda-redes. 

Recolha dos dados: durante os jogos reduzidos, os dados posicionais dos jogadores (dimensão tática) foram obtidos mediante a utilização de um sistema de posição global (GPS), a 5 Hz (SP-PRO. GPSports, Canberra, ACT, Austrália). As coordenadas dos jogadores (latitude e longitude) foram exportadas e computadas através de rotinas específicas no software Matlab® (MathWorks, Inc., Massachussets, EUA). A utilização de GPS também permitiu analisar diversas variáveis na dimensão física. Na vertente técnica, os jogos foram gravados através de uma camara digital (Sony NV-GS230) e a análise notacional executada no software LongoMatch (Longomatch, v. 1.3.7., Fluendo). As variáveis utilizadas nesta análise multidimensional encontram-se detalhadas na tabela 2.

 

Tabela 2. Variáveis do estudo: dimensão e respetiva definição (adaptado de Coutinho et al., 2021).


Análise estatística: os resultados foram apresentados como médias ± desvios-padrão. A presença de outliers e a normalidade dos dados em cada variável foi analisada mediante testes de Shapiro-Wilk. Face à normalidade ou não dos dados, foram empregues dois tipos de teste: (1) paramétrico – análise de variância para amostras emparelhadas (ANOVA); (2) não paramétrico – teste ANOVA de Friedman. O nível de significância ficou definido em p ≤ 0.05 e os cálculos foram realizados no software SPPS v.24 (IBM SPSS, Armonk, NY: IBM Corp.). Posteriormente, as diferenças nas médias de grupo foram expressas em unidades não tratadas, com intervalos de confiança de 90%, utilizando, para cada escalão etário, uma folha específica de Excel proposta por Hopkins (2017). Os valores de corte das dimensões de efeito foram: <0.2 trivial, <0.6 pequena, <1.2 moderada, <2.0 grande e >2.0 muito grande (Kleiven et al., 2020).

 

Principais resultados

Os resultados são apresentados em função da dimensão de desempenho analisada: variáveis tático-posicionais, físicas e técnicas.

 

·      Efeito da manipulação do número de toques nas variáveis tático-posicionais

As distâncias de cada jogador para os centroides da própria equipa e da equipa oponente, para o companheiro de equipa mais próximo e para o adversário mais próximo não foram afetadas pela manipulação deste constrangimento da tarefa, à exceção da distância de cada jogador para o oponente mais próximo no escalão Sub-15, com valores mais elevados na condição “2 toques” comparativamente ao “jogo livre”. Também não foram observadas diferenças para o rácio comprimento : largura. Em termos de sincronização longitudinal, houve pequenos decréscimos de coordenação nos Sub-9 e nos Sub-17 nas condições “1 toque” e “2 toques”, respetivamente. No escalão Sub-17 verificaram-se decréscimos moderados de sincronização no jogo a “1 toque”. Ao invés, nos Sub-13 houve um pequeno aumento de coordenação longitudinal a jogar a “1 toque” e, nos Sub-15, acréscimos moderados nos jogos com limitação do número de toques (1 e 2 toques). Os efeitos na sincronização lateral foram somente evidentes nos escalões etários mais velhos: na condição “2 toques”, houve um pequeno aumento nos Sub-17 e um pequeno decréscimo nos Sub-19; na condição “1 toque”, observaram-se pequenos aumentos nos Sub-15 e Sub-19. No índice de exploração espacial foram registadas diferentes tendências por escalão etário: Sub-9 e Sub-17 – pequenos decréscimos a jogar a “1 toque”; Sub-11 – pequeno acréscimo a jogar a “1 toque” e pequeno decréscimo a jogar a “2 toques”.

 

·      Efeito da manipulação do número de toques nas variáveis físicas

Os resultados foram claros no que respeita à distância total percorrida: houve decréscimos pequenos a moderados em todos os escalões etários nas condições de jogo com limitação do número de toques (1 e 2 toques). No que respeita a zonas de intensidade, foram observados aumentos, de dimensão pequena a moderada, na distância percorrida a andar com limitação do número de toques para todos os escalões etários, ao contrário do que sucedeu para a distância percorrida em jogging. Para a distância percorrida em corrida, foram revelados pequenos decréscimos nos jogos a 1 e 2 toques no escalão Sub-11, enquanto nos Sub-13 houve um pequeno decréscimo na condição “1 toque”, em comparação com o “jogo livre”.

 

·      Efeito da manipulação do número de toques nas variáveis técnicas

A jogar a “2 toques” foram observados pequenos acréscimos no número de passes com sucesso nos escalões Sub-9, Sub-15 e Sub-17; por sua vez, a jogar a “1 toque” houve aumentos, de dimensão pequena a moderada, nos Sub-9, Sub-15 e Sub-17. Contrariamente, na condição de jogo “1 toque”, constatou-se um pequeno decréscimo do número de passes bem-sucedidos nos Sub-13. À exceção dos escalões Sub-11 e Sub-15, houve um aumento praticamente generalizado do número de passes sem sucesso ao limitar o número de toques nos jogos reduzidos (efeitos pequenos a moderados). Esta condicionante não influenciou o número de remates à baliza e o número de golos concretizados nos diversos escalões etários.

 

Aplicações práticas

Os treinadores devem estar cientes da importância de um planeamento apropriado das tarefas de treino, de modo que a introdução de regras (e.g., limitação do número de toques) nos jogos reduzidos garanta ambientes de aprendizagem profícuos, nos quais as crianças/jovens são capazes de desenvolver um conjunto vasto e variável de habilidades. 

Do ponto de vista tático-posicional, foram identificados padrões de movimento distintos ao longo dos diversos escalões etários. Contudo, uma vez que os praticantes mais jovens (Sub-9 a Sub-13) ainda se encontram a desenvolver e a refinar o seu repertório motor, é provável que o foco na condição “1 toque” seja colocado na execução motora, comprometendo a perceção do envolvimento e a sincronização do movimento com os companheiros de equipa. 

Ao invés do que sucede com jogadores profissionais, jogadores menos experientes e/ou com menor nível de prática, como sucede no futebol infantojuvenil, tendem a apresentar uma redução da performance física em contextos de jogo com limitação do número de toques. Se o objetivo dos treinadores for aumentar a solicitação física (i.e., deslocamentos espaciotemporais), o “jogo livre” parecer ser uma solução mais conveniente, em particular nos escalões mais jovens. 

Jogar com limite de toques parece ser um constrangimento chave para aumentar a habilidade dos jogadores para atuar sob pressão adicional em termos de tempo e espaço. Apesar de promover a frequência e a qualidade da ação de passe, bem como a adaptabilidade comportamental, também pode limitar o tempo necessário para executar – tão importante em idades mais jovens – e inibir a emergência de outras ações específicas do jogo, designadamente o drible. 

Com base nas evidências supramencionadas, os jogadores mais jovens (Sub-9 a Sub-13) devem ser expostos menos vezes à limitação de toques, sendo a condição “2 toques” mais oportuna para a etapa de desenvolvimento em causa. Os elementos dos escalões mais velhos (Sub-15 a Sub-19) exibiram maior capacidade para ajustar o seu comportamento à imposição de limite de toques, sobretudo na condição “1 toque”, pelo que os treinadores podem utilizar esta regra para aumentar as exigências percetivas da tarefa e, concomitantemente, desafiar os jogadores a explorar respostas motoras adaptativas.

 

Conclusão

Os resultados deste estudo mostram que diferentes respostas tendem a ocorrer como consequência da manipulação do número de toques sobre a bola em jogos reduzidos. Os efeitos da manipulação também variam em função do escalão etário. Em concreto, modificar o número de toques permitidos afetou, essencialmente, as performances física e técnica dos jovens jogadores. As crianças/jovens percorreram menores distâncias totais, em virtude de menores distâncias percorridas em jogging e maiores distâncias percorridas a andar. Na dimensão técnica, limitar o número de toques proporcionou o aumento quer de passes bem-sucedidos, como de passes malsucedidos. As variáveis tático-posicionais foram menos sensíveis à manipulação do número de toques, embora os jogadores alterarem a coordenação com os companheiros de equipa e o espaço explorado face ao número de contactos permitido. 

Os efeitos sobre as variáveis tático-posicionais, físicas e técnicas foram mais evidentes na condição de jogo a “1 toque”. Por isso, é fundamental que os treinadores periodizem de forma ponderada a utilização deste constrangimento, especialmente nos escalões etários mais novos, no intuito de conformar contextos de aprendizagem/treino dotados de variabilidade e riqueza informacional.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista International Journal of Sports Science & Coaching.

Sem comentários: