Nota prévia: O artigo
científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes
critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com
revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3)
associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do
Desporto.
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Autores: Modric,
T., Carling, C., Lago-Peñas, C., Versic, Š, Morgans, R., & Sekulic, D.
País: Croácia
Data de publicação: 19-dezembro-2023
Título: To train or not to train (on
match day)? Influence of a priming session on match performance in competitive
elite-level soccer
Referência: Modric,
T., Carling, C., Lago-Peñas, C., Versic, Š., Morgans, R., & Sekulic, D.
(2023). To train or not to train (on match day)? Influence of a priming session
on match performance in competitive elite-level soccer. Journal of Sports Sciences, 41(18), 1726–1733.
https://doi.org/10.1080/02640414.2023.2296741
Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 49 – janeiro de
2024.
Apresentação do problema
A análise de jogo é frequentemente utilizada em muitos desportos, pois fornece aos treinadores um meio de recolher informações objetivas que podem ser usadas para dar feedback sobre o desempenho em jogo (Kim et al., 2023). No futebol, o rendimento competitivo é determinado por uma interação complexa entre fatores físicos, técnicos, táticos e psicossociais (Schuth et al., 2016). O desempenho físico é geralmente avaliado pela quantificação de diferentes variáveis cinemáticas (e.g. distância total percorrida, distâncias percorridas em diferentes zonas de intensidade e frequências de aceleração/desaceleração (Byrkjedal et al., 2023; Riboli & Castagna, 2023). Os remates, passes, cruzamentos e dribles estão entre as variáveis mais utilizadas para examinar o desempenho técnico (Yi et al., 2019), enquanto a coordenação entre jogadores e entre as equipas é usualmente analisada para avaliar o desempenho tático (Folgado et al., 2015). Embora o desempenho técnico dos jogadores seja considerado decisivo para o sucesso competitivo (Hoppe et al., 2015; Moalla et al., 2018), não é possível alcançar um alto nível de rendimento no futebol contemporâneo sem um nível apropriado de condição física (Mackenzie & Cushion, 2013). Portanto, aprimorar o desempenho técnico e físico dos jogadores constitui um objetivo essencial para os profissionais do treino no futebol.
Juntamente com uma recuperação e alimentação adequadas,
uma estratégia importante para melhorar o desempenho técnico e físico no dia do
jogo é a periodização da carga de treino (Los Arcos et al., 2017). A maior
parte dos esforços para otimizar a preparação para o jogo ocorre durante as
sessões de treino semanais; no entanto, a preparação final acontece no dia do
jogo. Assim, na manhã do dia do jogo (visto que os jogos são habitualmente disputados
à tarde ou à noite), a equipa técnica pode optar pela realização de uma “sessão
de preparação” (priming session; figura 2), no futebol também designada
de “ativação”. A investigação sobre a prevalência e aplicação de exercícios de
preparação em desportos de alto rendimento mostraram que estas sessões consistem
predominantemente em exercícios para a parte superior do corpo (e.g., supino,
lançamento de bola medicinal, elevações, etc.) e para a parte inferior do corpo
(e.g., agachamento, variações de levantamento olímpico, saltos, etc.),
envolvendo ou não carga adicional (Harrison et al., 2020).
Figura 2. Jogadores em preparação matinal antes de um jogo
competitivo (imagem não publicada pelos autores; fonte: https://www.soccersupplement.com).
As sessões de preparação em geral visam melhorar o desempenho à tarde/noite por meio de vários mecanismos, como a redução da rigidez articular e muscular, a ativação dos motoneurónios de alta frequência e o aumento agudo da testosterona (Harrison et al., 2019; Nutt et al., 2022). Contudo, apesar de algumas evidências empíricas sugerirem que as sessões de preparação podem ser uma estratégia eficaz para melhorar a performance dos atletas (Marrier et al., 2019; McGowan et al., 2017; Nutt et al., 2022), outros estudos não reportaram qualquer efeito positivo (Fry et al., 1995; Harrison et al., 2020). A existência de resultados contraditórios pode ser em parte atribuída a prescrições distintas das sessões de preparação, uma vez que tem sido aplicada uma vasta gama de métodos na prática (Harrison et al., 2020). Independentemente da causalidade, é importante destacar que os estudos investigaram apenas medidas instantâneas de desempenho, como saltos e/ou indicadores de força.
Considerando a importância comprovada do desempenho
físico e técnico no futebol (Hoppe et al., 2015; Moalla et al., 2018; Schuth et
al., 2016), até à presente data, nenhum estudo investigou os efeitos de sessões
de preparação na performance em jogos oficiais de futebol (Harrison et al.,
2020). Consequentemente, permanece incerto se as sessões de preparação têm ou
não um efeito positivo no desempenho competitivo dos jogadores, havendo necessidade
de mais investigação. Este estudo visou suprir esta lacuna, examinando o efeito
das sessões de preparação no desempenho físico e técnico de jogadores profissionais
em competição.
Métodos
Abordagem experimental: neste estudo observacional, a performance competitiva dos futebolistas foi analisada em função de duas rotinas específicas implementadas pela equipa no dia do jogo: (i) uma sessão de preparação de 15 a 20 minutos, (ii) um período de 15 a 20 minutos de caminhada ou descanso. Este desenho permitiu investigar as potenciais diferenças no desempenho em jogos precedidos e não precedidos por uma sessão de preparação. Os seguintes fatores contextuais também foram controlados (covariáveis): posição de jogo, local e resultado do jogo, qualidade do adversário e tipo de campo.
Amostra: foram recolhidos dados de 31 jogadores de campo de uma equipa sénior profissional da primeira divisão da Letónia (9 médios centro, 7 defesas centrais, 4 avançados, 5 defesas laterais e 6 médios ala). Os jogadores participaram em 32 jogos oficiais do campeonato, 12 precedidos por uma sessão de preparação e 20 não precedidos por uma sessão de preparação. Apenas foram incluídos na análise os jogos disputados com a mesma estrutura tática de base: 4-3-3. A nível individual, somente foram incluídas observações caso o jogador tivesse participado em, pelo menos, 75 minutos do jogo. No total, foram obtidas 266 observações individuais (92 precedidas por sessão de preparação e 174 observações não precedidas por sessão de preparação). Obteve-se o consentimento verbal do clube e dos jogadores e, ao longo do estudo, foi garantido o anonimato dos participantes.
Procedimentos: a performance física
dos jogadores foi medida utilizando um sistema global de posicionamento (GPS)
de 10 Hz (Vector S7, Catapult Sports Ltd., Melbourne, Austrália). Cada jogador
usou sempre o mesmo dispositivo em cada jogo. Os dados brutos foram exportados
após o final de cada jogo através do software específico do sistema (OpenField,
Catapult Sports Ltd., Melbourne, Austrália). O desempenho técnico dos jogadores
foi analisado mediante o sistema ótico semiautomático InStat Scout
(Instat Limited, Limerick, República da Irlanda). O sistema foi recentemente comprovado
como sendo altamente fiável (Silva & Marcelino, 2022). Com base na
experiência prática dos autores do estudo, que têm um histórico comprovado de
trabalho no futebol profissional como preparadores físicos, foi elaborado um protocolo
de preparação pré-jogo (figura 3). O protocolo teve a duração de 15–20 minutos
e consistiu em 4 partes: (i) aquecimento no solo, (ii) exercícios de força
média (core), (iii) exercícios de força para membros inferiores e (iv)
exercícios de agilidade reativa. Este protocolo foi realizado nas manhãs dos
dias de jogo e foi orientado pelo preparador físico da equipa (um dos coautores
do estudo). Dependendo da hora do jogo, as sessões de preparação foram
realizadas 6 a 9 horas antes do apito inicial.
Figura 3. Protocolo da sessão de preparação pré-jogo (traduzido de
Modric et al., 2023).
Variáveis: a performance física foi avaliada através das variáveis “distância total” (m), “distância em corrida de baixa intensidade” (m; <4m/s), “distância em corrida de intensidade moderada” (m; 4–5.5m/s), “distância em corrida de alta intensidade” (m; >19.8km/h), “total de acelerações” (n; >0.5m/s2), “acelerações de alta intensidade” (n; >3m/s2), “total de desacelerações” (n; <-0.5m/s2) e “desacelerações de alta intensidade” (n; <-3m/s2). Por sua vez, o desempenho técnico foi verificado através de remates, passes, cruzamentos, desarmes, dribles e duelos (n). O contexto foi analisado através das variáveis categóricas “posição de jogo” (defesa central, defesa lateral, médio centro, médio ala e avançado), “resultado do jogo” (vitória, empate e derrota), “localização do jogo” (casa e fora), “qualidade da oposição” (forte, 1.º–5.º lugares e fraca, 6.º–10.º lugares) e “tipo de campo” (relva artificial e relva natural). Para examinar o efeito de uma sessão de preparação no desempenho físico e técnico dos jogadores, foi criada a variável categórica “sessão de preparação” (jogo precedido por uma sessão de preparação ou não precedido).
Análise estatística: foi
corrido um modelo linear misto para examinar o efeito das sessões de preparação
no desempenho físico e técnico dos jogadores. As variáveis físicas e técnicas
nos jogos que foram precedidos ou não por sessões de preparação foram incluídas
no modelo como variáveis dependentes. A posição de jogo, o resultado do jogo, a
localização do jogo, a qualidade da oposição e o tipo de campo constituíram as
variáveis independentes, sendo inseridas no modelo como efeitos fixos. A
identidade dos jogadores foi modelada como efeito aleatório. O d de Cohen
foi utilizado para identificar as dimensões de efeito e interpretado da
seguinte forma: trivial (<0.2), pequeno (≥0.2–0.5), moderado (≥0.5–0.8) e
grande (>0.8) (Cohen, 2013). Todas as análises foram executadas no software
SPSS (IBM, SPSS, versão 25.0). A significância estatística
foi estabelecida em p < 0.05.
Principais resultados
·
Distâncias total e
percorridas em diversas zonas de intensidade
Em jogos precedidos por uma sessão de preparação (vs. sem
sessão de preparação), os futebolistas alcançaram valores significativamente
superiores nas seguintes variáveis: distância total (10727m vs. 10468m,
respetivamente; efeito pequeno), corrida de intensidade moderada (1632m vs.
1484m, respetivamente; efeito moderado) e corrida de alta intensidade (689m vs.
625m, respetivamente; efeito pequeno). As covariáveis posição de jogo, localização
do jogo e resultado do jogo tiveram influência na distância total e nas distâncias
percorridas em corrida de intensidade moderada e de alta intensidade. Além
disso, o tipo de campo teve impacto na distância total e na distância
percorrida em alta intensidade.
·
Atividades de
aceleração e desaceleração
Não houve um efeito significativo de prescrever sessão de
preparação antes dos jogos nas 4 variáveis afetas a acelerações e
desacelerações. Ainda assim, quando os jogos foram precedidos por uma sessão de
preparação, os jogadores manifestaram valores ligeiramente superiores de
acelerações de alta intensidade (30 vs. 28, respetivamente; efeito pequeno) e
desacelerações de alta intensidade (39 vs. 36, respetivamente; efeito pequeno),
comparativamente aos jogos que não foram precedidos por uma sessão de
preparação. A covariável posição de jogo teve influência nas acelerações e
desacelerações de alta intensidade. O resultado e a localização do jogo
manifestaram efeitos significativos no número total de acelerações e
desacelerações. A qualidade da oposição influiu nas acelerações de alta
intensidade, enquanto o tipo de campo afetou o número total de acelerações e
desacelerações, e as acelerações de alta intensidade.
·
Desempenho técnico
Das 6 variáveis analisadas (remates, passes, cruzamentos,
desarmes, duelos e dribles), os jogadores apenas executaram significativamente
mais duelos em jogos precedidos de sessões de preparação (vs. sem sessão de
preparação). As respetivas médias foram 18.66 e 16.71, respetivamente (efeito
pequeno). Os duelos também foram afetados pelas covariáveis posição de jogo e
qualidade da oposição.
Aplicações práticas
As evidências extraídas do
estudo proporcionaram a formulação de 3 sugestões práticas para os treinadores
de futebol profissional:
1. Melhorar o desempenho físico em competição: implementar sessões de preparação na manhã do dia do jogo pode conduzir a uma melhoria notável no desempenho físico dos jogadores durante o jogo subsequente. Ao contrário de sessões altamente intensivas, a natureza não intensiva e de curta duração destas sessões de preparação é improvável que afete negativamente o estado anímico dos jogadores. Assim, os treinadores podem incorporar com confiança estas sessões nas rotinas pré-jogo sem preocupações com efeitos adversos no bem-estar psicológico dos jogadores.
2. Impacto na performance técnica: embora as sessões de preparação não melhorem diretamente a performance técnica dos jogadores em competição, também não a prejudicam. Por um lado, esta evidência sugere que a integração de sessões de preparação (ativação) no dia de jogo não compromete a execução de habilidades técnicas associadas à obtenção de sucesso no futebol. Por outro lado, destaca a importância de incorporar sessões de preparação pré-jogo no planeamento semanal (microciclo), no intuito de otimizar a prontidão física dos jogadores, mantendo o nível tático-técnico inalterado.
3. Eficácia das sessões de preparação em diversos
contextos de jogo: o impacto positivo das sessões de preparação no
desempenho físico permanece significativo mesmo quando foram controlados diversos
fatores contextuais conhecidos por influenciar o rendimento no futebol. Os
resultados enfatizam a eficácia das sessões de preparação em múltiplos contextos
de futebol profissional e enaltecem a sua relevância na mitigação da
variabilidade natural que existe entre jogos.
Conclusão
Este estudo pioneiro demonstrou que as sessões de
preparação no dia do jogo podem melhorar o desempenho físico dos jogadores em
competição. Especificamente, observou-se que em jogos precedidos por uma sessão
de preparação, os jogadores percorreram maiores distâncias totais e em corrida
de intensidade moderada e alta, comparativamente com jogos não precedidos por
este tipo de trabalho. Embora tenham sido observadas ligeiras melhorias nas
acelerações e desacelerações de alta intensidade, estas não foram
estatisticamente significativas. Além disso, não foi detetado nenhum efeito
negativo no desempenho técnico. Em suma, os autores destacam que a aplicação de
carga adicional na manhã do dia do jogo não compromete o desempenho competitivo
subsequente.
P.S.:
1- As ideias que constam neste texto foram originalmente
escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua
portuguesa;
2- Para melhor compreender as ideias acima referidas,
recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;
3- As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Journal of Sports Sciences.
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