27/03/2011

O pormenor na génese de um "saber fazer" colectivo

No futebol, a utilização de caneleiras no processo de treino não é consensual. Constata-se, inclusivamente, existir uma espécie de aversão generalizada a este material, que não possui outro fim que não seja a protecção das pernas dos praticantes.

Foto: Jogadores da equipa sénior do SLB a treinar... sem caneleiras.

O treino assume, por natureza, o objectivo primordial de preparar a equipa para o fenómeno competitivo. A especificidade, princípio metodológico amplamente difundido com as correntes ou ideias contemporâneas da periodização do treino, parece não adquirir expressão no simples uso desta protecção. Enquanto estudante na área de Metodologia do Treino - especialidade Futebol, o professor advertia que não deixava ninguém treinar sem caneleiras, precisamente porque as circunstâncias do treino devem assemelhar-se ao máximo às particularidades das diversas situações de jogo.

Então, interrogo-me porque é que vislumbro, constantemente, jogadores de alto rendimento a descurar este pequeno pormenor em treino. Neste contexto, deixa de haver contacto físico? Não ocorrem choques? A desculpa esfarrapada de ser incómodo serve de pretexto para não "consciencializar" o jogador a utilizar o material? Durante um jogo, admitindo que seja incómodo - eu não o considero - é obrigatório; no treino, deveria ser igual. Sejamos coerentes.

Não sei se sou eu que sou mesquinho, porém, é um aspecto que me cria uma confusão tremenda. Nas minhas equipas, todos usam caneleiras; é regra. Nas equipas dos outros, quem gere os procedimentos disciplinares não sou eu, o que não me impede de discordar ou concordar com a adopção de determinadas normas de conduta.
Acima de tudo, eu proponho que qualquer norma como a exemplificada seja aplicada de forma coerente e convenientemente explicada ao jogador. A mera obrigação não pode transcender o seu entendimento e posterior respeito. É através deste "código de acção" que o grupo formará a linguagem universal de base, subjacente à sua evolução no "saber", no "fazer" e, sobretudo, no "saber fazer" colectivo. É neste sentido que julgo ser perigoso neglicenciar o "pormenor".

06/03/2011

Núcleo de Futebol da FMH

Hoje foi confrontado com um pedido de amizade no Facebook: "Núcleo de Futebol quer ser teu amigo". Curioso, fui ver de quem se tratava e, tal não foi o meu espanto, quando me apercebi que ex-alunos da Faculdade de Motricidade Humana, alguns meus colegas na instituição, tiveram a brilhante iniciativa de formar um Núcleo de Futebol com a preocupação de debater e melhorar a qualidade dos procedimentos e dos processos inerentes ao fenómeno futebol.

Foto: Núcleo de Futebol da FMH (fonte: Facebook).

Deram os primeiros passos com a organização de seminários, conferências e palestras, convidando figuras de reconhecida competência do futebol/desporto nacional. Porém, o que mais me deliciou, na verdade acepção da palavra, foi constatar que publicaram recentemente a primeira edição da NFFMH Magazine e com artigos de qualidade (download gratuito aqui).

Novas preocupações, novos anseios e um novo paradigma em prol de um futuro melhor para o futebol e para o desporto nacional.

Os meus sinceros parabéns aos dinamizadores do Núcleo de Futebol da FMH.

02/03/2011

Gonçalo M. Tavares: Um Nobel Professor?

Gonçalo M. Tavares é um escritor português contemporâneo. Apesar de ter apenas 41 anos, conta já com alguns prémios nacionais e internacionais. Conheci-o enquanto professor da cadeira de Epistemologia da Motricidade Humana na faculdade (FMH). Os seus métodos de ensino fugiam bastante do convencional. Nada de exames e leituras irreflectidas. Em cada semana tinhamos de apresentar um trabalho original, fosse uma pintura, um texto ou um filme, sobre uma temática em que o "corpo" estivesse presente (por exemplo, utopia e corpo).

Foto: Gonçalo M. Tavares

Nas suas aulas sentiamos-nos livres, longe das amarras de um programa a cumprir em x tempo. O que aprendi? Não sei ao certo, talvez muito ou, se calhar, nada, mas pude reflectir e, acima de tudo, ser criativo. Na altura, liamos um livro seu: "O Senhor Valéry" (Caminho, 2002). Lembro-me particularmente da seguinte passagem:


O senhor Valéry conhecia pessoas arrogantes e não gostava delas.

Para o senhor Valéry arrogante era a pessoa que se julgava melhor que a sua tarefa: quer esta fosse servir à mesa, escrever, ou pintar um quadro.

O senhor Valéry explicava:

Conheço pessoas que andam na rua como se fizessem um favor ao acto de andar. É perigoso julgarmo-nos maiores que a nossa tarefa – explicava o senhor Valéry.

- Se a nossa tarefa for fixar um prego na parede...

(...)

-...e se nos julgarmos mais inteligentes que essa tarefa, corremos o risco de falhar o prego, acertando em cheio no nosso próprio dedo.

- Deste modo – concluía o senhor Valéry – eu considero-me, em qualquer situação, ao mesmo nível da tarefa. Nem sou o seu chefe, nem o seu empregado. Eu e a minha tarefa somos coisas com igual inteligência que num determinado momento partilham o Destino. E é só.


Compreendi a razão do senhor Valéry e atestei o brilhantismo do estranho Gonçalo M. Tavares, aquele que, mais tarde, José Saramago vaticinou como o próximo português Nobel da Literatura.

Perspectiva Circunstancial

Figura: Povo de Baixo, Alferce (10h40)

As circunstâncias actuais levam-me a reparar, mais do que nunca, nos chamados gastos desnecessários, designadamente quando se repetem dia após dia.

OFF, se faz favor!