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18/05/2025

Retos (Vol. 68/2025) | Dinâmica de marcação do golo nas 5 principais ligas europeias de futebol: Efeitos situacionais e relacionados com o sexo no resultado dos jogos

No dia em que o blogue “Linha de Passe” comemora o seu 19.º aniversário, apraz-nos comunicar o término de mais um trabalho científico: Goal-scoring dynamics in the Big-5 European football leagues: Situational and sex-based effects on match outcome. A ponta do icebergue – publicação na revista espanhola Retos (fator de impacto Scopus: 1.406; CiteScore 2024: 3.6) – coloca-nos, naturalmente, um sorriso no rosto, mas a massa oculta do mesmo foi um processo longo e com inúmeras frustrações.

Eis o contexto: o projeto de investigação “Efeitos de variáveis situacionais no período de concretização do golo: uma incursão nos momentos críticos do jogo de futebol” foi proposto em 2018 e, em resultado dos trabalhos de investigação de alguns dos nossos alunos de licenciatura do Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes, em Portimão, foram publicados alguns trabalhos. Um deles, primariamente desenvolvido pelo João Lança, acabou mesmo por resultar numa comunicação oral na Conferência Internacional “Ciência e Futebol”, organizada pela Portugal Football School, em abril de 2022. A apresentação suscitou bastante interesse da audiência presente na Cidade do Futebol, o que nos motivou a desenvolver um trabalho com outra dimensão e, eventualmente, outra projeção.

A fim de melhor entender a importância do contexto situacional na dinâmica de marcação de golo no futebol masculino e feminino de alto nível, executámos um estudo observacional retrospetivo abrangente, incluindo a análise de 15366 golos nas 5 maiores ligas europeias (Inglaterra, Espanha, Itália, Alemanha e França). Além do sexo, as demais variáveis independentes foram: país, local do jogo, período do jogo, relação numérica, qualidade da equipa e criticidade do golo), no intuito de perceber o impacto que tiveram no desfecho de todos os jogos disputados em duas épocas consecutivas (2020/21–2021/22). A recolha de dados foi um trabalho de sapa, longo e desgastante. Depois, o modelo principal teve problemas de sobredispersão. O resto foi a azáfama habitual: revisão de literatura, redação de texto, revisões e mais revisões.

Para submeter, pensámos em grande, mas fomos chutados para canto algumas vezes. Frustração é aguardar 8 meses por um parágrafo de 4 linhas a rejeitar o artigo com base na ausência de processo de fiabilidade intra e interobservador. O nosso trabalho não pressupunha análise da performance e consultámos duas fontes de dados independentes, baseadas nos resultados oficiais, para obter a informação necessária. As duas fontes dos dados não revelaram quaisquer inconsistências. Um parágrafo injusto que fomentou a nossa resiliência.

No passado dia 13 de maio, a publicação na Retos encerra um processo que durou aproximadamente 30 meses (figura 1).

 


Figura 1. Página inicial do artigo original publicado na revista Retos (13-mai-2025), com as informações editoriais.

 

Apesar do crescente interesse pelas diferenças entre o futebol feminino e masculino, ainda há muito por compreender sobre como o contexto do jogo influencia o resultado final. No futebol feminino, por exemplo, os resultados foram mais moldados por fatores contextuais e diferenças entre países, sugerindo um maior impacto de elementos como o equilíbrio competitivo ou o nível de profissionalismo. Em ambos os sexos, os golos considerados “críticos” – aqueles que alteram o estatuto competitivo entre as equipas – foram determinantes para o sucesso, sobretudo quando marcados no período final dos jogos (76 minutos – final), especialmente no futebol masculino.


Que contributo pode este estudo trazer para o futebol?

O trabalho aprofunda o entendimento sobre como o contexto e o sexo influenciam o desempenho e o resultado em jogos de futebol ao mais alto nível competitivo. Ao distinguir padrões distintos entre ligas masculinas e femininas, fornece uma base empírica robusta para adaptar estratégias de jogo e políticas de desenvolvimento desportivo, respondendo a uma lacuna persistente na literatura sobre o futebol feminino (figura 2).

 

Figura 2. Futebol feminino em ascensão: Barcelona x Real Madrid (fonte: flashscore.pt; autor: Javier Borrego, Zuma Press).

 

Uma nota final, não menos especial, de agradecimento aos coautores do estudo: Paulo Paixão, José António Jorge (Zé Tó), Pedro Vargas, Ricardo Gonçalves e Rui Batalau, todos pertencentes ao Grupo de Investigação e Formação em Futebol/Futsal (GIFut) do ISMAT. Estou certo de que não ficaremos por aqui.


Referência

Almeida, C. H., Paixão, P., Jorge, J. A., Vargas, P., Gonçalves, R., & Batalau, R. (2025). Goal-scoring dynamics in the Big-5 European football leagues: Situational and sex-based effects on match outcome. Retos, 68, 24–39. https://doi.org/10.47197/retos.v68.111879

31/01/2025

Artigo do mês #61 – janeiro 2025 | Atualização sobre a evolução do Campeonato do Mundo da FIFA: futebol masculino e feminino

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.

- 61 -

Autores: Norton, K.

País: Austrália

Data de publicação: 8-dezembro-2024

Título: Update on the evolution of World Cup soccer: men and women

Referência: Norton, K, (2024). Update on the evolution of World Cup soccer: men and women. International Journal of Performance Analysis in Sport, 1–14. Advance online publication. https://doi.org/10.1080/24748668.2024.2436276

 

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 61 – janeiro de 2025.


Apresentação do problema

Raros são os estudos que analisaram a evolução dos desportos de invasão ao longo do tempo, devido à falta de tecnologias adequadas até ao início do século XXI (Norton et al., 1999; Sarmento et al., 2018). A introdução de tecnologias como sensores microeletrónicos e sistemas multicâmara revolucionou a análise do jogo no futebol e noutros desportos análogos (Bradley et al., 2016; Bush et al., 2015); porém, as mudanças a longo prazo continuam difíceis de quantificar. Neste sentido, metodologias computacionais e notacionais recentes permitiram superar algumas dessas limitações ao analisar vídeos de arquivo (Edgecomb & Norton, 2006; Wallace & Norton, 2014). Os padrões de jogo, aparentemente aleatórios a curto prazo, revelam-se quantificáveis numa análise de longo prazo (Norton, 2013). Além disso, a evolução destes desportos pode ajudar a identificar vantagens estratégico-táticas, bem como os limites das capacidades humanas. 

Documentar a evolução dos desportos pode trazer diversos benefícios, incluindo: (1) estabelecer ligações com as exigências atuais e futuras do jogo e do treino, (2) otimizar a seleção e o desenvolvimento do talento, (3) avaliar os limites da interação entre o aporte energético, a fadiga e a execução de habilidades motoras e, crucialmente, (4) aprofundar a relação entre as regras, a carga física dos jogadores e padrões de lesão. Todos estes potenciais benefícios podem ser valiosos para jogadores, clubes e organizações desportivas e, em particular, para os diretores/gestores desportivos num contexto em que os jogadores são cada vez mais ágeis, competitivos e fisicamente mais bem preparados (Hill et al., 2018; Norton & Olds, 2001). A compreensão das tendências desportivas também contribui para a definição de diretrizes que minimizam o surgimento de lesões sem comprometer a identidade do jogo. A análise de vídeos históricos e o rastreamento da bola e da estrutura do jogo permitiram identificar padrões emergentes e tendências estratégicas ao longo do tempo em diversos desportos coletivos (Norton, 2013; Norton et al., 1999; Wallace & Norton, 2014). 

A Federação Internacional de Futebol Associativo (FIFA) organiza separadamente os Mundiais de futebol masculino e feminino a cada 4 anos, sendo estes dos maiores torneios desportivos do planeta. O torneio masculino ocorre desde 1930, enquanto o feminino teve início apenas em 1991. A relativa estabilidade das regras e a disponibilidade de imagens de arquivo permitem compreender a evolução deste desporto ao mais alto nível. Estudos prévios quantificaram a evolução do Mundial masculino entre 1966 e 2010, revelando maior velocidade da bola, aumento da densidade de jogadores junto à bola e maior intensidade de jogo (Wallace & Norton, 2014). Alguns trabalhos mais recentes confirmaram estas tendências no futebol de alto rendimento (Bradley et al., 2016; Bush et al., 2015). 

O presente estudo expande a análise até 2022 no torneio masculino e, pela primeira vez, examina a evolução do Mundial feminino (1991–2023). A investigação sobre o futebol feminino é escassa, refletindo a sub-representação de jogadoras em investigações nas áreas das ciências do desporto e da medicina (Costello et al., 2014; Ryan et al., 2023). Com uma história competitiva mais curta, o futebol feminino pode estar a evoluir de forma distinta, tornando-se fundamental a análise de padrões comuns e diferenças entre ambos os géneros.

 

Métodos

Desenho do estudo: o estudo utilizou um desenho correlacional retrospetivo para analisar as gravações das finais do Mundial da FIFA (1966–2022 para o futebol masculino, 1991–2023 para o futebol feminino) e quantificar as mudanças ao longo do tempo em métricas específicas. Foram consideradas 3 grandes dimensões: estrutura do jogo, deslocamento da bola e frequência de passes (tabela 1). A análise utilizou o rastreamento computacional da bola e a cronometragem automática dos períodos de jogo e paragem, complementados por uma análise notacional dos passes efetuados (Edgecomb & Norton, 2006; Wallace & Norton, 2014). Os dados das finais masculinas entre 1966 e 2010 foram previamente publicados (Wallace & Norton, 2014), sendo agora atualizados com as 3 edições subsequentes (2014–2022). Os jogos femininos foram analisados separadamente. Normalmente, as finais do Mundial duram 90 minutos, mas, no torneio feminino, houve duas exceções: em 1991, com partes de 40 minutos e, em 1995, com a introdução experimental do “tempo técnico”, que não foi contabilizado como tempo de paragem.


Tabela 1. Variáveis utilizadas no estudo e respetivas definições operacionais (adaptado de Norton, 2024).

Metodologia de rastreamento: as variáveis relacionadas com a duração dos períodos de jogo/paragem e com o deslocamento da bola foram registadas automaticamente pelo software TrakPerformance (Wallace & Norton, 2014). O sistema rastreia visual e mecanicamente o movimento da bola num campo em miniatura e calibra a posição para calcular a distância percorrida e a velocidade. O tempo de jogo iniciou-se no começo de cada parte, sendo interrompido por eventos como livres ou saídas da bola, e retomado com o seu regresso ao campo. A análise permitiu quantificar o tempo total de jogo/paragem e as respetivas percentagens. A fiabilidade do sistema registou um erro de 5–7%. A precisão foi influenciada pela experiência do rastreador, com erro intra-avaliador de 1,8–3,0% no estudo anterior (Wallace & Norton, 2014). Para o presente estudo, a fiabilidade foi recalculada antes da recolha de dados, com erro máximo de 3,68% na duração mediana das paragens. 

Análise notacional da taxa de passes: definiu-se o passe como qualquer toque deliberado para um colega por forma a manter a posse de bola. Os passes foram contabilizados manualmente por cada parte do jogo e normalizados pelo tempo de jogo, registado via TrakPerformance (Wallace & Norton, 2014). A fiabilidade da contagem foi testada com medições duplicadas em 2 jogos. 

Análise estatística: a análise por partes do jogo permitiu avaliar tendências temporais em função de contextos competitivos e estratégicos distintos (Gollan et al., 2020; Wallace & Norton, 2014). Uma regressão linear simples foi utilizada para avaliar mudanças na estrutura do jogo, no movimento da bola e nas taxas de passes. Os jogos masculinos e femininos foram analisados separadamente, comparando-se as tendências através de um teste F para detetar diferenças entre as inclinações das linhas de regressão. As variáveis foram analisadas com testes t emparelhados para identificar as diferenças entre as partes do jogo. O nível de significância foi definido como p < 0,05.

 

Principais resultados

 

·     Estrutura do jogo

Os tempos totais de jogo e de paragem nas finais masculinas e femininas seguiram padrões semelhantes ao longo do tempo. O tempo de jogo manteve-se estável, enquanto o tempo de paragem aumentou progressivamente, com uma evolução semelhante para ambos os géneros (figura 2a). 

A duração das paragens tem aumentado ao longo das décadas, sem diferenças significativas entre as tendências do futebol masculino e feminino (figura 2b). A percentagem de tempo de jogo diminuiu de 65% para cerca de 55%, com descidas semelhantes para ambos os géneros (figura 2c).


Figura 2. Padrões de jogo e paragens nas finais do Campeonato do Mundo masculino (1966–2022) e feminino (1991–2023). O painel (a) apresenta o tempo total de jogo e o tempo de paragem em cada parte do jogo. O painel (b) ilustra a duração mediana das interrupções. O painel (c) mostra a evolução do tempo efetivo de jogo como percentagem do tempo total da partida.


Na segunda parte dos jogos, o tempo efetivo de jogo foi inferior, devido ao aumento do tempo de paragem, enquanto o tempo total de jogo permaneceu estável. O tempo de paragem foi 9% superior nos homens e 25% superior nas mulheres, comparativamente à primeira parte.

 

·     Movimento da bola

A distância total percorrida pela bola manteve-se estável nos homens e aumentou nas mulheres (figura 3a), embora o deslocamento médio tenha sido 7% superior no futebol masculino. As tendências entre géneros não diferiram significativamente. 

A velocidade média da bola aumentou significativamente em ambos os géneros (figura 3b), mas o crescimento foi mais acentuado no futebol feminino (18%), reduzindo a diferença para os homens: de uma diferença aproximada de 17% nas primeiras edições do Mundial feminino, passou-se para uma diferença atual de cerca de 8%. A distância percorrida e a velocidade da bola permaneceram constantes entre a primeira e a segunda parte, tanto nos jogos masculinos como nos femininos.


Figura 3. Movimento da bola nas finais do Campeonato do Mundo masculino (1966–2022) e feminino (1991–2023). O painel (a) representa a distância percorrida pela bola em cada parte do jogo. O painel (b) mostra a velocidade média da bola (distância percorrida por tempo de jogo) nas finais masculinas e femininas.

 

·     Taxa de passes

Esta variável registou um aumento significativo no futebol masculino e feminino (figura 4), sem diferenças na taxa de variação entre ambos os géneros. Nos homens, a taxa de passes por 100 metros de deslocamento da bola cresceu ao longo do tempo, enquanto nas mulheres manteve-se estável. A taxa de passes por unidade de distância foi semelhante entre os grupos. Já a taxa de passes por minuto de jogo diminuiu significativamente do primeiro para o segundo tempo em ambos os géneros, tal como a taxa de passes por 100 metros percorridos pela bola.


Figura 4. Variação na média das taxas de passe por minuto de jogo nas finais do Campeonato do Mundo masculino (1966–2022) e feminino (1991–2023).

 

Aplicações práticas

A evolução do futebol, tanto no género masculino como feminino, tem demonstrado um aumento da intensidade de jogo, da velocidade da bola e das taxas de passe. Estes padrões reforçam a necessidade de adaptação por parte de treinadores e equipas técnicas para otimizar o desempenho, mitigar riscos e rentabilizar as vantagens competitivas. A duração crescente das paragens de jogo permite maior recuperação fisiológica, mas também influencia a organização estratégico-tática e a tomada de decisão. Para além disso, o aumento da velocidade do jogo e da densidade de jogadores em zonas-chave do campo exige novas soluções estratégicas para lidar com a pressão, reduzir o tempo de reação e aumentar a eficácia das ações tático-técnicas. 

Com base nos resultados deste estudo, propõem-se 5 aplicações práticas que poderão ser equacionadas pelas equipas técnicas na preparação e gestão dos/as jogadores/as, de modo a promover uma adaptação mais eficaz às novas exigências do futebol moderno:

 

1. Ajustar a gestão do tempo de paragem para incrementar a recuperação e a organização estratégico-tática: o tempo total de paragem nos jogos tem aumentado, permitindo maior recuperação fisiológica, mas também maior organização defensiva e ofensiva. Os treinadores devem utilizar estas pausas de forma estratégica para reforçar instruções táticas, implementar jogadas de bola parada e evitar que o adversário beneficie de períodos de recuperação prolongados. Dito isto, reproduzir contextos de paragem prolongada nos treinos pode ajudar os/as jogadores/as a manter a intensidade após estas pausas, atenuando uma eventual quebra de rendimento. 

2. Desenvolver a velocidade de execução técnica e a tomada de decisão sob pressão: o aumento da velocidade da bola e da taxa de passes destaca a importância da rapidez na receção e na distribuição da bola. As sessões de treino devem conter exercícios que exijam receções de bola rápidas, controladas e orientadas, uma perceção célere do envolvimento que favoreça uma tomada de decisão mais prospetiva e a execução de passes curtos e precisos, não descurando o passe ao primeiro toque. Estas competências são fulcrais para o sucesso num jogo cada vez mais rápido, intenso e com espaços mais congestionados de jogadores. 

3. Aperfeiçoar a performance em cenários de alta densidade de jogadores: a maior intensidade de jogo e a redução do tempo para ler o jogo e tomar decisões aumentam a relevância de habilidades como dribles curtos, mudanças de direção rápidas e fintas eficazes. A integração de jogos reduzidos/condicionados no treino contribui para que os/as jogadores/as fiquem mais preparados para atuar com eficiência em áreas restritas, o que é benéfico para (1) encontrar companheiros em posições mais vantajosas, (2) executar combinações táticas progressivas, (3) aumentar a fluidez do jogo e (4) manter a posse de bola.

4. Inovar na preparação física para acompanhar a evolução do jogo e reduzir o risco de lesões: jogos com mais intensidade e velocidade são suscetíveis de aumentar a incidência de lesões com ou sem contacto. O planeamento do treino deve incluir tarefas específicas para aprimorar a resistência em contexto de alta intensidade, envolvendo aspetos como a aceleração, a desaceleração e as mudanças de direção sob pressão. A preparação física deve também focar-se na eficiência dos movimentos e na manutenção da capacidade cognitiva e técnica sob fadiga, para que os jogadores preservem um ritmo elevado ao longo dos 90 minutos.

5. Valorizar o progresso metodológico no treino face à evolução abrupta do futebol feminino: o futebol feminino tem-se desenvolvido a um ritmo acelerado, aproximando-se das exigências do jogo masculino em termos de intensidade, velocidade e dinâmica coletiva. As equipas técnicas devem adotar metodologias de treino que preparem as jogadoras para um jogo mais rápido e exigente, não somente do ponto de vista físico, mas, sobretudo, do ponto de vista percetivo, decisional e técnico. As tarefas de treino específico devem expor as jogadoras a contextos desafiantes, com menos tempo e espaço para executar as ações de jogo.

 

Conclusão

De forma geral, este estudo demonstrou que a evolução do futebol de elite tem-se mantido constante tanto no género masculino como no feminino: os movimentos e os estilos de jogo estão cada vez mais intensos. Contudo, é evidente que estes progressos não poderão continuar indefinidamente. O presente estudo, assim como investigações anteriores sobre o incremento das ações de alta intensidade e das competências táticas (Barnes et al., 2014; Bradley, 2025), sustentam a hipótese de que os elementos do jogo e as métricas associadas à intensidade continuarão a evoluir no futuro próximo, à medida que novas gerações de jogadores talentosos forem identificadas e desenvolvidas (Nassis et al., 2020).


P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista International Journal of Performance Analysis in Sport.

13/04/2024

Sports Engineering (Vol. 27, 2024) | O “Video Assistant Referee” (VAR) no futebol: Uma revisão

No final de agosto do ano passado fui apanhado de surpresa com uma proposta para colaborar num projeto de investigação internacional. Na ocasião, explicou-me o autor principal do estudo – Dr. Jaime A. Teixeira da Silva –, a revisão narrativa sobre o impacto do vídeo-árbitro (VAR) no futebol já se encontrava numa fase adiantada de produção, mas a equipa necessitava de inputs para reforçar conceitos, verificar a respetiva precisão, expandir a base de literatura analisada e restruturar o conteúdo, se necessário. 

Sem compromissos, aceitei o desafio e tentei dar o melhor de mim para auxiliar uma equipa multidisciplinar e oriunda de diversas partes do mundo: Japão, Ucrânia, Chéquia, Alemanha e Reino Unido. Após alguns meses de um esforço colaborativo notável, exemplarmente liderado pelo Dr. Jaime, o estudo viu ontem a “luz do dia” na revista Sports Engineering (figura 1).

 

Figura 1. Informações editoriais da revisão narrativa sobre o VAR no futebol, publicada na revista Sports Engineering.

 

A revisão incluiu 117 títulos sobre o tema e, utilizando literatura em inglês indexada de 2018 a 2024, foram propostos quatro pontos focais para análise e discussão: (1) o impacto do VAR na arbitragem; (2) os resultados práticos da implementação do VAR em diversas competições; (3) a influência do VAR nos adeptos e na pressão mediática; (4) as limitações técnicas e os problemas na implementação do VAR à escala global.

 

1. Impacto do VAR na arbitragem

Este tópico explora a influência do VAR nas decisões dos árbitros e dos árbitros assistentes, abordando os desafios enfrentados pela equipa de arbitragem em ambientes de alta pressão. A adaptação dos árbitros ao VAR também foi discutida. Apesar dos benefícios percebidos do VAR no aumento da precisão das decisões, existem preocupações sobre a inconsistência e controvérsia nas revisões, especialmente em situações de fora de jogo, destacando a necessidade de mais estudos para entender melhor a experiência dos árbitros assistentes após a implementação desta inovação tecnológica.

 

2. Experiências e resultados práticos da implementação do VAR em diversas competições

A revisão também analisou o impacto da introdução do VAR em várias competições de futebol, revelando alguns resultados diversos, consoante a competição em causa. De facto, o VAR pode ter impacto nos resultados dos jogos e, por vezes, reverter as decisões iniciais dos árbitros. A este nível, convém salientar que a precisão da tomada de decisão dos árbitros aumentou 6% com o VAR. Verificou-se, ainda, uma tendência geral para o aumento do tempo total de jogo pós-VAR, acompanhada por uma diminuição do número de faltas e foras de jogo. No entanto, a posição da literatura existente sobre o número de golos, cartões (amarelos e vermelhos) e distância percorrida pelos jogadores, por exemplo, não é consensual. No geral, o VAR parece ter tido um impacto positivo em termos de experiências práticas e resultados em diferentes competições nacionais e internacionais.

 

3. A influência do VAR nos adeptos e na pressão dos média

Os adeptos de futebol desempenham um papel crucial na dinâmica do jogo e as suas opiniões sobre o VAR devem ser consideradas. A investigação aponta para uma maioria favorável à introdução do VAR, independentemente da afiliação a um clube. Contudo, a perceção do VAR pode variar, com alguns adeptos a manifestar insatisfação sobre a aplicação da tecnologia e o impacto negativo na atmosfera dos jogos. Além disso, enquanto alguns estudos sugerem um acolhimento positivo por parte dos fãs que assistem em casa, outros estudos apontam para uma tendência geral de descrédito em relação ao VAR. Apesar de ser uma ferramenta controversa, o VAR é percebido como benéfico para a transparência e objetividade das decisões, embora uma precisão absoluta nunca possa ser garantida devido à intervenção humana. Em suma, os trabalhos examinados fornecem uma perspetiva interessante sobre as experiências dos adeptos com a aplicação do VAR, enfatizando a importância de equilibrar a eficácia das decisões com a satisfação da experiência dos fãs enquanto consumidores da modalidade.

 

4. Limitações técnicas e problemas na implementação do VAR à escala global

As limitações técnicas e outras questões relacionadas com o uso do VAR em todo o mundo são exploradas nesta secção. A operacionalização eficaz do VAR depende da colocação estratégica de câmaras para garantir uma cobertura adequada do jogo. As ferramentas de rastreamento em tempo real ainda apresentam margens de erro que não as tornam totalmente fiáveis. Enquanto o VAR é visto como uma ferramenta para melhorar a tomada de decisão dos árbitros, não constitui uma solução universal rápida para os vieses da condição humana. A implementação do VAR também se encontra limitada por questões orçamentais, especialmente em ligas economicamente menos viáveis. Ademais, a distância entre as salas de operação do VAR pode resultar em viagens extensas para os operadores. Estas limitações podem comprometer a integridade do processo de tomada de decisão do VAR e a sua capacidade de melhorar a eficácia decisional dos árbitros em competição. 

O resumo original do estudo consta a seguir (figura 2).

 

Figura 2. Abstract da revisão narrativa publicada na revista Sports Engineering (p. f., clique para ampliar).

 

Agradeço imenso o convite que me foi endereçado e manifesto o enorme prazer que tive em colaborar com uma equipa repleta de competência, organização, espírito crítico e colaborativo. Que possa ser útil para a comunidade futebolística.

 

Reference

Teixeira da Silva, J. A., Nazarovets, S., Carboch, J., Deutscher, C., Almeida, C. H., Webb, T., & Scelles, N. (2024). The video assistant referee in football. Sports Engineering, 27, 14. https://doi.org/10.1007/s12283-024-00459-3

26/02/2024

Artigo do mês #50 – fevereiro 2024 | Proposta ecológica para o desenvolvimento da habilidade e da performance no treino de guarda-redes de futebol: Evidências empíricas e aplicações para o treino

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto. 

- 50 -

Autores: Bastias, E., Otte, F. W., Vaughan, J., Swainston, S., & O'Sullivan, M. 

Data de publicação: 31-janeiro-2024

Título: An ecological approach for skill development and performance in soccer goalkeeper training: Empirical evidence and coaching applications

Referência: Bastias, E., Otte, F. W., Vaughan, J., Swainston, S., & O’ Sullivan, M. (2024). An ecological approach for skill development and performance in soccer goalkeeper training: Empirical evidence and coaching applications. Journal of Sports Sciences, 1–12. Advance online publication. https://doi.org/10.1080/02640414.2024.2306449

  

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 50 – fevereiro de 2024.

 

Apresentação do problema

A dinâmica ecológica tem surgido como uma estrutura teórica de referência para o desenvolvimento de habilidades e para a melhoria do desempenho desportivo (Araújo & Davids, 2016; O’Sullivan et al., 2021; Vaughan et al., 2019). O respetivo racional pressupõe que o desenvolvimento das habilidades é um processo dinâmico, no qual os praticantes e o ambiente estão intrinsecamente ligados. Esta teoria sublinha que a performance é o resultado de uma interação contínua que requer uma constante autorregulação e adaptação do sistema percetivo-motor (Araújo & Davids, 2016; Davids et al., 2017). Mais especificamente, os sistemas percetivo-motores adaptam-se às capacidades do indivíduo, à tarefa e às propriedades do ambiente (Gibson, 1979; Newell, 1986). No desporto, os constrangimentos da tarefa visam moldar a intenção da atividade, incluindo as dimensões do campo, o número de jogadores, número e tipo de balizas, sinalizadores e modificação das regras. Os constrangimentos ambientais geralmente vão além da manipulação do treinador, como o clima, a temperatura e a iluminação (Newell, 1986). Embora haja evidências que sustentam que os constrangimentos da tarefa e do ambiente influenciam a aprendizagem e o desempenho desportivo (Edelman & Gally, 2001; Ribeiro et al., 2019a, 2019b), ainda há a necessidade de confirmar empiricamente este raciocínio, especialmente relevante em contextos específicos como o treino específico de guarda-redes (GR) no futebol. 

O impacto dos constrangimentos da tarefa e do ambiente na performance desportiva tem sido estudado em diversas modalidades (Aguiar et al., 2012; Sarmento et al., 2018). Por exemplo, no futebol, ajustar o tamanho da área de treino pode afetar a frequência de ações básicas, como interceções, remates à baliza ou desarmes (Casamichana & Castellano, 2010; Fleay et al., 2018). Introduzir um desequilíbrio numérico nas equipas (e.g., 6v5) pode aumentar o número de passes bem-sucedidos em jogos reduzidos (Bonney et al., 2020). Embora estudos anteriores confirmem que a aquisição de habilidades motoras melhora com a prática acumulada (Dayan & Cohen, 2011; Doyon & Ungerleider, 2002; Pascual-Leone et al., 1994), os efeitos do treino no desempenho podem variar consideravelmente dependendo da tarefa (Ashby et al., 2010; Doyon & Benali, 2005). Os constrangimentos ambientais também podem influenciar significativamente o desempenho técnico dos jogadores. Aliás, tem sido produzida investigação em torno do impacto do clima nas capacidades fisiológicas dos atletas (Carling et al., 2011; Mohr et al., 2012) e nas oportunidades de golo durante um jogo (Brocherie et al., 2015). 

Contudo, examinar a influência dos constrangimentos da tarefa e do ambiente no desempenho desportivo pode ser condicionado por fatores de confusão específicos, ou seja, que podem mascarar os efeitos das variáveis do estudo na performance dos jogadores (Bernards et al., 2017; Teune et al., 2022a). Por exemplo, a estrutura da sessão de treino (i.e., a ordem das tarefas após o aquecimento) pode deturpar o efeito dos constrangimentos (Araújo & Davids, 2016), ao regular o estado físico e/ou coordenativo crítico dos participantes no decurso da sessão de treino. Deste modo, a análise dos resultados da aplicação de constrangimentos no desempenho, em vários contextos desportivos tão específicos como o treino de GR (figura 2), merece mais atenção académica.

 

Figura 2. Guarda-redes da equipa feminina do Liverpool FC em situação de treino específica (imagem não publicada pelos autores; fonte: https://theathletic.com).

 

Constrangimentos da tarefa e ambientais no treino de GR

No futebol, o GR enfrenta uma variedade de desafios que exigem adaptação constante às dinâmicas do jogo (Otte et al., 2022; Quinn et al., 2023; West, 2018). Este ajuste abrange aspetos tático-técnicos, físicos, psicológicos e sociais. A perceção das respetivas oportunidades de ação varia substancialmente consoante a informação ambiental disponível (O’Sullivan et al., 2021; Ribeiro et al., 2019b). É neste âmbito que pesquisas delineadas segundo a abordagem ecológica enriquecem a nossa compreensão acerca da aquisição de habilidades por parte dos GR. Recentemente, foi proposta uma estrutura teórica precisamente para contextualizar o treino de GR do ponto de vista ecológico (figura 3): Periodization of Skill Training (PoST), em português “Periodização da Aquisição de Habilidades” (Otte et al., 2019; Otte et al., 2021).

 

Figura 3. Representação da estrutura teórica “Periodização da Aquisição de Habilidades” para contextos específicos de treino (adaptado de Otte et al., 2019).

 

Esta proposta providencia uma clara distinção entre a aprendizagem de habilidades e a preparação para o rendimento, introduzindo princípios de treino e etapas de desenvolvimento das habilidades. Estas etapas centram-se em 2 constrangimentos da tarefa fundamentais: 1) o nível de “representatividade do jogo” no treino e 2) a complexidade percebida das tarefas (Teune et al., 2022a, 2022b). Não obstante o desenvolvimento desta estrutura teórica, a influência da representatividade do jogo e da complexidade no desempenho dos GRs ainda não foi testada empiricamente. O objetivo deste estudo foi analisar como constrangimentos da tarefa e ambientais, juntamente com potenciais fatores de confusão relacionados com a amostra, influenciaram o desempenho de duas GRs profissionais de futebol feminino, num conjunto de 13 tarefas de treino.

 

Métodos

  

·     Participantes

Foram recrutadas duas GRs (doravante designadas por GR1 e GR2) com experiência de 2 anos na primeira divisão feminina sueca e passado em seleções nacionais. Para assegurar complexidade e representatividade semelhantes ao jogo real, envolveram-se outras duas GRs da equipa Sub-19, além dos treinadores de GR e jogadores de campo, quando necessário. Todos os participantes deram consentimento informado para a experiência.

  

·     Desenho do estudo e análise de dados

Tarefas de treino: a recolha de dados ocorreu ao longo de 57 dias de pré-época numa equipa feminina da primeira divisão sueca. As GRs do estudo foram expostas a 13 tarefas de treino representativas do ponto de vista ecológico, concebidas segundo o racional teórico proposto por O’Sullivan et al. (2021). As tarefas incluíram jogos em espaços reduzidos e formas jogadas, ajustáveis em complexidade e representatividade. Não foram dados feedbacks explícitos pelos treinadores durante as sessões, seguindo as diretrizes de Otte et al. (2019). O aquecimento antes das tarefas seguiu o protocolo FIFA11+S para prevenção de lesões, visando a ativação muscular dos membros superiores e inferiores. 

Variáveis preditivas: as tarefas de treino foram concebidas com base nos seguintes elementos: i) 8 constrangimentos da tarefa, ou seja, complexidade numérica, continuidade, função do jogador, equilíbrio da equipa, dimensões do campo, graus de liberdade espacial, representatividade paisagística e recorrência do treino; ii) 1 constrangimento ambiental, ou seja, o clima; e iii) ordem de atividade após o aquecimento, como uma variável referente à ordem das tarefas de estudo após o aquecimento, de modo a testar potenciais efeitos de confusão no desempenho das GRs. Uma síntese das definições destas variáveis consta na tabela 1.


Tabela 1. Variáveis independentes do estudo, em função do tipo de constrangimento, e respetivas definições operacionais (adaptado de Bastias et al., 2024).


Coeficientes de desempenho dos GRs: cada guarda-redes recebeu pontos por diferentes ações durante o treino, como defesas ou passes. Os coeficientes de desempenho foram calculados dividindo os pontos pelo número de tentativas, resultando numa média para cada tarefa e GR. Este cálculo não levou em conta a quantidade de tentativas, como confirmado pela correlação entre pontos e tentativas. 

Análise estatística: seguindo o Modelo de Pesquisa Aplicada para Ciências do Desporto (ARMSS; Bishop, 2008), foram realizadas análises de variância univariadas (ANOVA) para testar as relações entre o coeficiente de desempenho, usado como variável dependente, e os 10 preditores (ou variáveis independentes). As variáveis foram transformadas em logaritmo antes da análise para atender às assunções de normalidade e homogeneidade de variância. Além disso, foram realizadas ANOVAs múltiplas para explorar a variação do coeficiente de desempenho em relação aos preditores do estudo, utilizando um processo de eliminação progressiva para obter o modelo mais adequado. Foram utilizadas regressões lineares para investigar as relações entre o coeficiente de desempenho e os preditores mais significativos. Por fim, foram calculados coeficientes de correlação de Pearson para testar a associação entre os preditores mais significativos e o coeficiente de desempenho. Foram ainda utilizados modelos lineares mistos para testar o efeito das variáveis independentes sobre o coeficiente de desempenho, com a ordem de atividade após o aquecimento como fator aleatório. As análises foram executadas no software R versão 3.5.2 (R Core Team, 2018), com significância estatística definida em α = 0.05.

 

Principais resultados

Os coeficientes de desempenho das GRs variaram consideravelmente entre as tarefas de treino. Para a GR1, oscilou entre 0,12 e 0,75, com uma média de 0,49 ± 0,06, enquanto para a GR2 variou entre 0,10 e 0,92, com média de 0,59 ± 0,07 (tabela 2). O coeficiente de variação do desempenho entre as tarefas de treino foi de 40% para a GR1 e 37,7% para a GR2.

 

Tabela 2. Coeficientes de desempenho das duas GR do estudo ao longo das 13 tarefas de treino (adaptado de Bastias et al., 2024).

Nota 1: O coeficiente de desempenho foi calculado através da divisão do número de pontos alcançados (pa) por cada GR pelo número de pontos potenciais (pp) que poderiam alcançar.

Nota 2: Para a GR1, os dados da tarefa 5 não foram apresentados (na) devido à participação da atleta num encontro da equipa nacional.


Os resultados da ANOVA revelaram relações significativas entre o desempenho e alguns constrangimentos. Para a GR1, o desempenho esteve positivamente relacionado com a complexidade numérica e mostrou uma tendência de relação positiva com as dimensões do campo. No caso da GR2, o desempenho correlacionou-se positivamente com a complexidade numérica, representatividade paisagística e dimensões do campo. Além disso, a ordem de atividade após o aquecimento também teve influência no seu desempenho. A relação significativa entre o coeficiente de desempenho e a ordem de atividade após o aquecimento para a GR2 sugere que fatores de confusão podem ter influenciado as relações observadas entre as variáveis preditoras e o coeficiente de desempenho e, portanto, validam o uso de efeitos aleatórios na modelagem. 

As análises de regressão indicaram que, para as duas GRs, a relação entre o coeficiente de desempenho e a complexidade numérica é mais bem explicada por um modelo de regressão assintótica. A complexidade numérica esteve correlacionada com as dimensões do campo e tende a estar correlacionada com a representatividade paisagística. As dimensões do campo estiveram correlacionadas com a representatividade paisagística. Por fim, modelos de regressão linear múltipla mostraram que uma combinação linear de alguns destes fatores elucida melhor o desempenho do que modelos simples isoladamente, explicando 49% da variância observada para a GR1 e 46% para a GR2.

 

Aplicações práticas

Os resultados deste estudo têm uma grande transferibilidade para o contexto prático. Foi possível redigir 5 sugestões para serem aplicadas em situações de treino específicas para GR:


1.  Equacionar os diversos constrangimentos da tarefa: as tarefas de treino que mantêm maior proximidade com o jogo – nomeadamente, o número de jogadores, as dimensões do campo e os elementos dentro do espaço de treino –, parecem beneficiar a eficácia dos GRs em competição. A complexidade numérica teve um efeito mais significativo sobre o coeficiente de desempenho, pelo que constitui um constrangimento-chave na conceção de tarefas de treino/aprendizagem representativas para GRs. Cerca de 47% da variabilidade observada no desempenho das GRs foi explicada pela combinação dos constrangimentos da tarefa, o reflete a importância da correta manipulação de condicionantes estruturais no processo de treino. 

2. Impacto prático da complexidade numérica: os treinadores são encorajados a conceber tarefas de treino que envolvam um maior número de jogadores em interação, uma vez que tende a produzir melhores desempenhos nos GRs. Por exemplo, propor formas jogadas mais realistas, como o 3v2+GR, aumenta a representatividade e complexidade do cenário de treino. Pelo contrário, tarefas de baixa complexidade, como situações isoladas de 1v1, podem limitar a perceção e eficácia dos GRs na execução de ações específicas. Portanto, os treinadores devem manipular a complexidade numérica das tarefas de treino para facilitar a aquisição e o aperfeiçoamento das habilidades dos GRs, promovendo assim a melhoria do seu desempenho em contextos competitivos. 

3. Exemplo concreto de como aumentar a complexidade numérica num exercício de GR: os resultados dos modelos mostraram que 4 ou 5 jogadores/treinadores em interação constitui a unidade mínima de complexidade dentro da tarefa que providencia um contexto informacional mais representativo para os GRs. Este dado sugere que as sessões de treino de GR tradicionais, limitadas a um grupo de 1 ou 2 GRs em interação com o treinador de GR, podem ser insuficientes para conduzir de forma ideal a aprendizagem e a adaptação tático-técnica para os requisitos competitivos. Num contexto de 3 jogadores com 1 GR, a atividade pode ser projetada de maneiras distintas: (1) relação bivariada com o GR na baliza (cada jogador com uma bola a rematar de forma previsível; figura 4, painel à esquerda); (2) interações diversas prévias à finalização (grupo de 3 jogadores com uma bola; figura 4, painel à direita).

 

Figura 4. Ilustração de como um grupo de 4 GRs pode ser treinado durante uma atividade de remate, ou seja, um GR (a preto) na baliza e 3 a finalizar (a verde) (Bastias et al., 2024).

 

A primeira opção provavelmente gerará mais remates, mas estabelece apenas uma carga total de complexidade de 3 (i.e., 2!/2 = 1 para cada jogador com o GR). Por outro lado, a segunda opção configura uma tarefa de maior complexidade, expandindo os graus de liberdade dos GRs, ocasionando um aumento significativo de interações (i.e., 4!/2 = 12). Este tipo de atividade envolve uma progressão desproporcional em função do número de jogadores envolvidos, tornando a abordagem mais representativa no que ao desempenho específico dos GRs diz respeito. 

4. A relevância da configuração do espaço no treino de GRs: os treinadores devem priorizar atividades específicas para GR em espaços amplos, promovendo a recorrência de situações de remate e cruzamento de média a longa distância. Este tipo de formato oferece aos GRs mais tempo e espaço para reagir e executar ações controladas, facilitando também as transições defesa-ataque. Privilegiar ambientes de treino com menos jogadores e dimensões de campo mais representativas pode potenciar a aquisição e o aperfeiçoamento das habilidades próprias dos GRs. 

5. A prática acumulada de treino é relativa: a quantidade de dias de prática acumulados não influenciou diretamente o desempenho das GRs estudadas, insinuando que a performance não depende somente da quantidade de treino. Contudo, para a GR2, a interação entre o número de dias de prática acumulados e a complexidade numérica foi significativa. Assim, a quantidade de prática, por si só, não garante um desempenho eficaz, mas pode ser relevante quando combinada com fatores qualitativos, como a carga informacional suscitada pelo exercício. Em suma, a aquisição de habilidades e a melhoria do desempenho requerem mais do que horas de treino, exigindo que haja uma afinação progressiva às informações relevantes do envolvimento.

 

Conclusão

O estudo reforça a importância da manipulação de constrangimentos da tarefa, como o número de GRs envolvido e as características espaciais, em cenários de treino, como meio para regular as intenções e os comportamentos motores específicos. Além disso, a avaliação das performances dos GRs, especialmente durante o treino, requer uma perspetiva baseada em análises multivariadas. A adoção de uma tal abordagem exige uma colaboração estreita entre treinadores e investigadores/analistas, a fim de desenvolver soluções que simplifiquem as múltiplas dimensões da informação a um modelo mais interpretável, permitindo assim a melhoria da conceção das tarefas de treino. Apesar das limitações inerentes ao estudo, os resultados suportam o racional subjacente à dinâmica ecológica e à abordagem baseada nos constrangimentos, em particular no contexto do treino de GR. Estas correntes teóricas contrastam totalmente com as metodologias tradicionais que se concentram em atividades técnicas isoladas, frequentemente desvinculadas do contexto situacional do jogo.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Journal of Sports Sciences.