Mostrar mensagens com a etiqueta Decadência do Social. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Decadência do Social. Mostrar todas as mensagens

31/12/2020

Dois mil e vinte

Desde que a memória me assiste, dois e mil e vinte (figura 1) foi, sem margem para dúvidas, o ano mais estranho que vivenciei. Não me parece que seja um sentimento estritamente pessoal, na medida em que diversas cabeças, por este mundo fora, têm prestado a mesma sentença. Pode ter havido conquistas, mas as perdas ultrapassam substancialmente o que, avulso, possamos ter conseguido ou adquirido. 

 

Figura 1. Um 2020 que ficará para a posterioridade pelos piores motivos (fonte: depositphotos.com).

 

Dois mil e vinte foi o ano pandémico, o ano da COVID-19, o ano das palavras “confinamento”, “isolamento”, “máscara” ou “desinfetante”. Singelas palavras que tiveram o condão de alterar por completo as nossas rotinas do quotidiano e, se me permitem o atrevimento, as relações humanas. As repercussões da (potencial) infeção pelo novo Coronavírus vão muito além das consequências fisiológicas e epidemiológicas. Longe de ser uma mera “gripe”, como muitos incautos nos quiseram fazer crer nos meios mais frequentados (porém, menos fidedignos) que utilizamos para nos conectar – as redes sociais –, a pandemia nunca se cingirá às largas dezenas de milhões de casos detetados no mundo e aos quase dois milhões de mortes que causou, ou ajudou a causar. 

Por um lado, será que a humanidade manterá a sua relação despótica com a natureza? Chegamos a um ponto da nossa evolução em que almejamos ditar as leis da natureza. Voluntária ou involuntariamente, de modo mais ou menos consciente, não é isso que importa agora esmiuçar, foi o ser humano que dispôs as condições para que este vírus proliferasse. Numa cambalhota quase “cármica”, a natureza logrou colocar-nos no devido lugar, acautelando-nos que as nossas ações, enquanto espécie, têm limites e produzem consequências. Talvez a pandemia deva ser interpretada como uma lição para o futuro. 

Por outro lado, se é verdade que vida que se perde jamais se recupera, ninguém deveria ser prescindível ou entrar em sistemas de prioridades, o que aconteceu por falta de capacidade de resposta de uma civilização que, em pleno séc. XXI, tomávamos como evoluída. As limitações dos sistemas sociais contemporâneos chegaram ao cúmulo de termos de escolher quem vive e quem morre numa era marcada pela (alta) tecnologia e pela abrangência das redes comunicação. Questionemos o que sentem, por exemplo, as pessoas que perderam familiares (pais, avós, irmãos, tios, etc.) por não haver ventiladores suficientes. Mais, nesta era também governada pelas vicissitudes das economias, quantas vidas estão ou ficarão comprometidas pela pandemia? E os efeitos colaterais do isolamento social? Foram ou são contabilizadas as pessoas que, não falecendo de COVID-19, partiram de outras maleitas potenciadas pela ausência de afeto e de carinho? Infelizmente, não. Na minha família, isso aconteceu duas vezes no período de uma semana, em julho. 

Não sou, de modo algum, contra as medidas que foram implementadas pelas autoridades competentes, nem tampouco invejo os representantes que têm de tomar decisões dificílimas nesta fase crítica, ou os profissionais de saúde que estão na linha da frente a fazer o que podem, e o que não podem, para dar a melhor resposta possível à população, salvando vidas. Tiro-lhes o chapéu! Sinceramente, não sei o que poderia ter sido feito de diferente para atenuar os efeitos adversos do dito isolamento social, reduzindo, em simultâneo, o risco de contágio. Há variáveis que, simplesmente, não conseguimos controlar. 

Ignoro o que futuro nos reserva, se anos mais felizes ou mais experiências do género, contudo, acredito que cada um de nós, individualmente, pode fazer algo pelo todo. Se o “algo” individual for positivo, então o todo (humanidade) viverá, seguramente, anos menos conturbados e mais felizes. Ao menos, que a esperança nos guie para que o planeta e os nossos descendentes possam coexistir em harmonia. Porque enquanto houver vida, perdura a esperança (figura 2). 

 

Figura 2. Vidas que redobram a esperança num próspero 2021.

 

Que dois mil e vinte e um nos faça virar a página para melhor. Sem exceções: votos de saúde!

05/12/2020

Conduta antidesportiva: Beneficiar o prevaricador?

Na passada terça-feira, o Lokomotiv Moskva recebeu o Salzburg e saiu derrotado, por 1-3. À passagem do minuto 79, o médio russo Anton Miranchuk reduziu a desvantagem no marcador da equipa visitada, através da conversão de um pontapé de grande penalidade (1-2). O guarda-redes da equipa austríaca, Cican Stanković, decidiu então assumir o protagonismo, pelos piores motivos (figura 1). 

 

Figura 1. O guarda-redes Stanković a retardar o reinício do jogo.

 

Estando a partida perto do final, agarrou-se à bola para, deliberadamente, atrasar o recomeço do jogo. Além de constituir uma óbvia conduta antidesportiva, persistiu no comportamento durante mais de um minuto, dando origem a desacatos entre os jogadores das duas equipas e a três cartões amarelos (dois para o Lokomotiv e um para o Salzburg). Confira as imagens:

 


A sua “inocência” valeu-lhe apenas o cartão amarelo, quando, a meu ver, por se tratar de uma atitude deliberada, constante e passível de estimular comportamentos violentos por parte dos elementos de ambas as equipas, deveria de ser punida com o cartão vermelho direto. 

Há ainda a agravante de se tratar de um evento da Liga dos Campeões, com todo o impacto mediático que lhe está associado, designadamente junto da população mais jovem. A este nível não me parece admissível que o jogo tenha contornos de uma pelada entre malta conhecida num qualquer largo ou rua deste mundo. Se o exemplo vem de cima, ser condescendente com o infrator não o dissuadirá de reincidir em atitudes antidesportivas noutras ocasiões. Por isso, que se corte o mal pela raiz, penalizando efetivamente o prevaricador.

25/04/2020

Ensaio sobre a cegueira (1995), de José Saramago


Em palavras ao alcance de toda a gente, do que se tratava era de pôr de quarentena todas aquelas pessoas, segundo a antiga prática, herdada dos tempos da cólera e da febre-amarela, quando os barcos contaminados ou só suspeitos de infeção tinham de permanecer ao largo durante quarenta dias, até ver. Estas mesmas palavras, Até ver, intencionais pelo tom, mas sibilinas por lhe faltarem outras, foram pronunciadas pelo ministro, que mais tarde precisou o seu pensamento, Queria dizer que tanto poderão ser quarenta dias como quarenta semanas, ou quarenta meses ou quarenta anos, o que é preciso é que não saiam de lá.
(p. 47-48)

A obra Ensaio sobre a cegueira, do “nosso” nobel José Saramago (figura 1), é uma narrativa que vem a propósito dos tempos pandémicos que vivemos. Não é que a enfermidade seja a mesma, pois 99,9% das pessoas ficar cega sem explicação aparente é um cenário bem mais gravoso, se a desfaçatez de comparar ficção (“mal-branco”) e realidade (COVID-19) me é permitida.

Figura 1. Capa de “Ensaio sobre a cegueira”, de José Saramago (24.ª edição, Porto Editora, 2019).

Após as habituais dedicatórias, Saramago expôs no início do livro uma citação, tão curta como eloquente, do Livro dos Conselhos: “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.” Estava dado o mote para um ensaio verdadeiramente brilhante sobre um fenómeno bastante improvável, ainda que possível. E se de repente a cegueira nos apanhasse a todos desprevenidos? Não escrevo sobre a cegueira que nos remete para a escuridão das trevas, mas para uma brancura permanente, o designado “mal-branco”. Como seria o mundo dos humanos? Caótico e, em certa conta, desprezível.

Se não formos capazes de viver inteiramente como pessoas, ao menos façamos tudo para não viver inteiramente como animais (…).
(p. 129)

Porém, a personagem principal é imune e vivencia a catástrofe com uma visão inversa ao ditado “em terra de cegos, quem tem olho é rei”. Fosse ela outra e, seguramente, teria aproveitado a deixa. Optou pela conduta menos convencional, mais difícil e digna no auxílio ao seu semelhante.

(…) E as pessoas, como vão, perguntou a rapariga dos óculos escuros, Vão como fantasmas, ser fantasma deve ser isto, ter a certeza que a vida existe, porque quatro sentidos o dizem, e não a poder ver (…).
(p. 257)

Este excerto estabelece uma relação implícita entre grau de humanidade e perceção, não estritamente sensorial, do envolvimento. À medida que aumentamos a perceção do nosso ambiente, maior será a humanização do nosso comportamento. Isto porque a cegueira tem algo (ou tudo) de irracional. Mesmo aqueles que fazem uso da visão, por vezes, olham, mas não veem; outros veem, mas não reparam. E passeamo-nos como espectros.

E como poderá uma sociedade de cegos organizar-se para que viva, Organizando-se, organizar-se já é, de uma certa maneira, começar a ter olhos (…).
(p. 312)

Certamente um dos melhores livros, se não mesmo o melhor, que li nos últimos anos. Recomendo fortemente! Obrigado, mestre Saramago.

10/04/2020

A relíquia (1887), de Eça de Queirós

“A relíquia” foi a terceira obra que li do nosso José Maria Eça de Queirós (figura 1), depois de ler lido “Os Maias” (1888) e “A cidade e as serras” (1901)”. Há muito que não constatava o brilhantismo deste escritor: literalmente, ensina-nos a escrever. Com mestria, faz uma crítica da sociedade vigente na época – já tempos de Capitalismo, conforme assinala logo no prólogo –, na qual a devoção à igreja é um imperativo para um estatuto social mais refinado.

Figura 1. Capa da recente edição de “A relíquia”, do escritor Eça de Queirós.
(obra escolhida para o 13.º Encontro do Clube de Leitura de Monchique, 9-abr-2020)

Depois, é todo um enredo de farsa, de hipocrisia e de ganância em que Teodorico – o devoto –, ou Raposão – o boémio – coabitam. Ora vivendo numa clausura eclesiástica imposta pela tia D. Maria Patrocínio das Neves, rodeada de outros tantos abutres dissimilados; ora liberto nos seus veementes impulsos mundanos, repletos de “relaxações”, como a D. Adélia, a luveira Mary e o imaginado romance com o suposto amor da sua vida: uma monja de negro em terras do Médio Oriente.

Os planos de Teodorico Raposo, contudo, deram para o torto, porque a “mentira tem perna curta”. Foi, precisamente, num momento de angústia e de penúria, que Teodorico tomou consciência dos seus atos e, quase que por ordem divina, optou por levar uma vida recatada, honesta e que o reconduziu à prosperidade. Um romance que, sobretudo, nos educa sobre a honestidade, a genuinidade e como nunca se deve deixar os nossos créditos em mãos alheias.

27/12/2019

"O teu umbigo é menor do que o meu"

Estamos a fechar a década de 2010. Uma década marcada pelo egocentrismo escarpado, crescendo numa proporcionalidade inversa ao esgotar do período temporal em questão. Julgo poder afirmar, com maior ou menor direito a generalização, que “o teu umbigo é menor do que o meu” (figura 1).

Figura 1. Umbigos (fonte: DeviantArt.com).

Olho primeiro para o teu, porque para o meu já olhei diversas vezes, ou talvez até nem me lembre de qual foi a última vez. Aliás, será que já perdi algum tempo a olhá-lo como deve de ser? Nem sei… mesmo assim, “o teu umbigo é menor do que o meu”.

Vivemos na era da superioridade moral, intelectual, racial e, porque não, ideológica. A diferença na perspetiva de quem ajuíza é sinónimo de inferioridade, de menosprezo. As teorias, os factos, as evidências ou as meras suposições alheias são, à partida, refutadas pelo grau (subjetivo) de aversão à diferença ou, se preferirem, pelo estatuto inato de superioridade, seja ela de que tipo for. Há uns de primeira e outros de terceira categoria/classe, como os lugares nos aviões. “O teu umbigo até pode ter o seu quê de interessante, mas é menor do que o meu”.

E isto é tão, mas tão notório que, para a próxima década, peço apenas que disseminem a cura para a cegueira, a pior doença do século XXI. Não é aquela que nos apaga a luz do mundo para sempre, essa também é horrenda e não se deseja a ninguém. É aquela que, ainda que tenhamos toda a perceção sensorial, nos tolda intrinsecamente a razão e, por inerência, as virtudes da natureza humana. Uma praga com um poder de contágio sem paralelo.

Que 2020 nos traga a lucidez para uma mudança comportamental pois, como escreveu o meu amigo Eduardo Jorge Duarte, em Uma Coruja nas Ruínas (2018), “a cegueira maior é não saber olhar para dentro”.

Afinal, parece que o meu umbigo é um pouco disforme.

Boas saídas e melhores entradas!

21/08/2019

Amazónia em chamas

Sobre os incêndios que lavram há 17 dias na densa floresta da Amazónia – o designado “pulmão da Terra”, alegadamente responsável pela produção de 20% do oxigénio que respiramos e que não passa de um mero mito. Há espécies a desaparecer todos os anos. O declínio da sustentabilidade do nosso habitat natural é progressivo. O mais importante de tudo continua a ser a economia, o crescimento, o deficit, a greve, o ter mais do que o vizinho.

Figura 1. Amazónia fustigada por incêndios dantescos (fonte: visao.sapo.pt).

Apregoamos a plenos pulmões que somos a espécie mais inteligente, mas temos as prioridades totalmente invertidas. Pelos erros de uma espécie, pagam todas as outras e sem direito a segundas oportunidades. Não há descontos, só liquidação total.

18/01/2019

Futebol profissional em Portugal: a antítese da competitividade

Um relatório elaborado pelo CIES Football Observatory (Poli, Besson, & Ravenel, 2018) revelou que, de entre 35 ligas domésticas europeias, a Primeira Liga portuguesa (Liga NOS) foi a que apresentou menor tempo útil de jogo (51.5%) na época 2017/2018, um valor abaixo da média (55.6%), num conjunto liderado pela principal liga sueca (59.6%) (tabela 1).

Tabela 1. Percentagem do tempo útil de jogo por liga europeia (fonte: CIES Football Observatory).

Por si só, estes são dados bastante preocupantes, não abonando nada a favor do entusiasmo e da atratividade do nosso futebol. Desde logo, sugerem que os jogos estão sujeitos a muitas (e longas) paragens (faltas, antijogo, etc.), sem a fluidez desejada pelos amantes da modalidade enquanto fenómeno desportivo. Em bom português, evidencia uma liga aborrecida, conducente a afastar não apenas os adeptos dos estádios do país – o que já acontece –, mas também potenciais “consumidores” do futebol português à distância, via televisão ou internet.

Mais graves, porém, parecem ser as evidências apresentadas pelo estudo de da Silva, Abad, Macedo, Fortes e do Nascimento (2018). Estes investigadores brasileiros compararam o equilíbrio competitivo da principal liga brasileira com as ligas da Alemanha, Espanha, França, Inglaterra, Itália e Portugal, analisando um período temporal de 13 épocas consecutivas (2003/2004 – 2015/2016). Com base na equação subjacente ao “Índice C4 de Equilíbrio Competitivo” (C4 Index of Competitive Balance), que mede a desigualdade entre os 4 primeiros classificados da tabela final de cada época e as restantes equipas, mostraram que a liga portuguesa foi a que obteve um índice superior (mediana = 155), ou seja, cuja desigualdade foi a mais elevada da amostra (valores mais baixos, a tender para os 100, refletem maior equilíbrio competitivo). As diferenças obtiveram significado estatístico quando comparada com as ligas do Brasil, França e Alemanha (figura 1).

Figura 1. Equilíbrio competitivo nas principais ligas dos 7 países analisados (da Silva et al., 2018).
Nota: valores mais elevados refletem maior desequilíbrio competitivo.

A tendência temporal verificada pelos investigadores para a liga portuguesa demonstra que o desequilíbrio competitivo (ou a desigualdade entre os 4 primeiros classificados e as restantes equipas) tem vindo a aumentar significativamente ao longo do tempo, como podemos comprovar pela reta de regressão que consta na figura 2.

Figura 2. Modelo de regressão subjacente à evolução do equilíbrio competitivo na liga portuguesa (da Silva et al., 2018).

Na minha perspetiva, creio que o problema resume questões do foro cultural e organizacional. Cultural, porque a “clubite aguda” existente em Portugal, que retrata uma clara preferência exacerbada por um dos ditos “três grandes” em detrimento do clube da terra ou da região, como acontece em países como Espanha ou Inglaterra, centraliza o interesse da maioria dos adeptos nos clubes já fortes, tornando-os ainda mais dominadores. No âmbito organizacional, assiste-se a uma evidente monopolização das decisões tomadas pelos “clubes grandes” em prol das suas próprias agendas. Benefício traz benefício, lucro gera lucro e a bola de neve continua a rolar.

Ao cabo da primeira volta da liga portuguesa na presente época de 2018/2019, o 4.º classificado – Sporting CP – leva 7 pontos de vantagem para o 5.º classificado (Belenenses SAD). Mais, os pontos conquistados por FC Porto, SL Benfica, SC Braga e Sporting CP representam 36% do total de pontos acumulados pelas 16 equipas. Estas mesmas 4 equipas vão disputar a final four da Taça de Liga e as meias-finais da Taça de Portugal, o que nos elucida acerca da (fraca) competitividade do nosso futebol profissional.

Por isso, são urgentes medidas para equilibrar a balança da competitividade e dotar os “clubes pequenos” de mais e melhores condições e recursos para fazer crescer o produto “futebol made in Portugal”. Talvez não seja demais relembrar o modo como foram redistribuídos os direitos televisivos do futebol em Inglaterra que, conjuntamente com outras medidas estruturais de fundo, determinaram um decréscimo ligeiro (e progressivo) do desequilíbrio competitivo na FA Premier League, conforme consta na figura 3.

Figura 3. Modelo de regressão subjacente à evolução do equilíbrio competitivo na liga inglesa (da Silva et al., 2018).

A realidade está à vista de todos e dispensa os dados acima referidos para ser minimamente compreendida. A consequência mais óbvia é o reduzido número de espetadores na maioria dos jogos da Liga NOS. O paradigma vigente impõe a necessidade de reformular procedimentos, afinar estratégias e repensar a estrutura do futebol português para que a competitividade, o jogo e os seus principais intervenientes saiam valorizados. A dúvida que subsiste é se necessidade de tal ordem não coloca em causa as pretensões e a visão dos detentores da hegemonia que perdura há largas décadas.

Referências
Poli, R., Besson, R., & Ravenel, L. (2018). Football analytics: the CIES Football Observatory 2017/18 season. Retrieved from http://www.football-observatory.com/IMG/pdf/cies_football_analytics_2018.pdf
Da Silva, C. D., Abad, C. C. C., Macedo, P. A. P., Fortes, G. O. I., & do Nascimento, W. W. G. (2018). Equilíbrio competitivo no futebol: um estudo comparativo entre Brasil e as principais ligas europeias. Journal of Physical Education, 29, e2945. doi: 0.4025/jphyseduc.v29i1.2945

24/12/2016

Jürgen Klopp de olhos em bico com o mercado futebolístico chinês

No futebol, como em outras áreas de atividade humana, há personalidades e personalidades. O alemão Jürgen Klopp, treinador do Liverpool FC, é daquelas personalidades que não é difícil admirar, não somente pelo que as suas equipas fazem em campo, mas pela postura que mantém perante o fenómeno complexo que é o futebol (Figura 1).

Figura 1. Klopp e o mercado chinês (fonte: A Bola online, 23-dez-2016). 

Face ao mercado emergente chinês, eis as recentes declarações de Klopp reproduzidas pelo jornal A Bola:

Para mim, nem sequer penso nessa opção de ir para a China. Está fora de questão. (…) Tenho a certeza de que o Óscar e família estão contentes. Não vão ter mais preocupações de dinheiro no resto da vida! Estamos num mundo livre e cada um decide o que achar melhor. (…) Neste momento, os jogadores não querem jogar na liga chinesa, por isso, a única forma de os convencer é com muito dinheiro. Mas, nas principais ligas europeias, pode ganhar-se muito dinheiro também.

Sublinho e subscrevo! Jürgen Kloop é um apaixonado pelo jogo, pela competição. A maioria dos jogadores de elite, felizmente, ainda é assim. Os melhores buscam sempre a evolução e a superação. Para isso, precisam de desafios, de jogar contra os melhores e sentir na pele o quão ténue é a linha que separa o sucesso do fracasso. Naturalmente, não será na China que encontrarão o melhor contexto para se superar, no fundo, para sentir prazer pelo jogo e lidar com o inesperado. Ainda que devam equacionar o seu bem-estar financeiro e o futuro da sua família, não creio que Óscar, aos 26 anos, não possua já recursos suficientes para levar uma vida descontraída após a sua aposentação. É totalmente legítimo, sim, mas há algo mais que isso! Será a pressão competitiva constante que leva à saturação dos jogadores de elite, em particular nas principais ligas europeias? Serão apenas os milhões chineses, e vazios de conteúdo futebolístico, que estão na base da mudança?

Seja o que for, os efeitos do «futebol-indústria» atingiram o seu auge. Para bem da modalidade desportiva, é bom que individualidades como Klopp, que amam o jogo na sua essência, nunca se deixem seduzir pelo lado negro do futebol contemporâneo: a febre do dinheiro. O jogo é para ser jogado, vivido, pensado e sentido pelo próprio jogo e não por um outro qualquer bem material.

21/08/2016

Os jogos olímpicos do Rio de Janeiro 2016: O absurdismo e a realidade portuguesa

Meus caros, compatriotas portugueses ou não, mais críticos ou menos críticos, mais absurdos ou menos absurdos, permitam-me que quebre a norma vigente e saúde os nossos atletas pela prestação nos jogos olímpicos do Rio de Janeiro 2016, cujos resultados mais relevantes podem ser encontrados na tabela 1. Muitos, senão mesmo a maioria, não concordarão, mas eu saúdo, felicito e incentivo aqueles que foram para o Brasil não para «passar férias», como alguns ainda fazem ressoar nos nossos tímpanos, mas para representar uma nação que não faz a mínima ideia do que é ser um atleta de alta competição num país sem cultura de alto rendimento. Não é difícil, é horrível.

Tabela 1. Resultados mais relevantes (medalhas e diplomas olímpicos) dos atletas portugueses nos jogos olímpicos do Rio de Janeiro de 2016 (clique para ampliar).

Não sou nem nunca fui atleta de alto rendimento, mas desde jovem que estou ligado ao desporto nacional, como praticante de uma modalidade coletiva e outra de combate, como treinador desportivo e como professor de Educação Física (EF). De entre algumas coisas que entendo sobre este fenómeno do desporto, é que ele reflete o estado do país e o nosso – convenhamos – não está propriamente em grande forma. Neste último ciclo olímpico, relembremo-nos dos cortes na saúde, na educação, nos salários e, como é óbvio, nos parcos apoios concedidos aos nossos olímpicos. O adjetivo «parcos» não é ingénuo, pois os absurdos que exigem medalhas aos nossos atletas decerto que desconhecerão os apoios facultados em países como EUA, Inglaterra, Alemanha, Canadá, China, Japão, Austrália, etc. Decerto que, também, não conhecem a forma como está organizado o desporto nesses países e a importância que é atribuída à escola, ao desporto escolar e, em particular, à EF na formação de um atleta de elite. O problema, longe de ser a atitude ou a competência dos nossos atletas, é muito mais sério: é estrutural. Uma ou duas horas de expressão físico-motora no ensino pré-escolar; a EF continua a ser o parente pobre da nossa escola pública (ensinos básico e secundário); o desporto escolar pouco ou nada serve as necessidades de movimento/competição de crianças/jovens não federados e a diversidade desportiva em Portugal; a ponte entre o desporto escolar e o desporto federado depende da boa vontade e/ou interesse dos professores responsáveis pelos grupos-equipa; o desporto universitário é pobre e, na generalidade, sustentado pela carolice dos estudantes do ensino superior; apesar de inúmeras e boas investigações produzidas e publicadas na área das Ciências do Desporto, os meios ao dispor dos nossos investigadores são precários comparativamente aos existentes nos países supracitados; os nossos media não «vendem» modalidades que não seja o futebol.

Portanto, às 8h e muito da manhã, quando os senhores de camisa e gravata se preparam para chegar aos seus escritórios para escreverem barbaridades sobre os atletas olímpicos portugueses, recordem-se que muitos deles já realizaram o primeiro treino do dia e já se encontram a estudar ou a trabalhar. Às 19h, quando os senhores estiverem a apreciar o conforto do sofá e da lareira nos seus lares, estão tipos num kayak ou numa bicicleta a treinar debaixo de chuva ou com temperaturas gélidas, por vezes com material adquirido com dinheiro do seu próprio bolso. Parece-me, por isso, razoável antever que quando todos os portugueses, bons ou maus, mais ou menos críticos, mais ou menos absurdos, apresentarem a mesma motivação, resiliência e determinação para se superarem e representarem Portugal, então talvez tenhamos um país ainda melhor, mais competitivo internacionalmente, mais feliz e sem a necessidade mesquinha e absurda de medalhas em jogos olímpicos.

Figura 1. As lágrimas de Emanuel Silva na final de K2 1000m (fonte: www.lux.iol.pt).

De resto, a avaliar pelo número de medalhas e diplomas (11 no total), esta até foi uma das participações mais bem conseguidas do desporto português em olimpíadas. Aos nossos atletas, as vossas conquistas são a minha alegria, as vossas lágrimas a minha tristeza. Um obrigado muito especial a todos vós!

07/08/2014

Economia e Alimentação: duas faces da mesma moeda

O povo diz que «Deus distribui o mal pelas aldeias». Talvez a nossa faceta divina ficasse mais saciada com uma distribuição mais equitativa dos recursos, porém, os factos comprovam que a economia mundial é mesmo como a alimentação: para uns serem gordos, outros têm de passar fome.

Imagem: A distribuição dos recursos pelos seres humanos.
( fonte: danieljmitchell.wordpress.com )

08/04/2014

A variação da população residente no concelho de Monchique entre 1911 e 2011. Que futuro nos espera?

É noite na vila. Deserto. O ar circula livre entre canais formados por paredes que, outrora, albergaram movimento, som e alegria. O dia traz-nos estabelecimentos comerciais encerrados, agora abandonados pelo tempo e vivos apenas na memória de alguns resistentes. Os que ainda por cá andam fazem-no cabisbaixos, conscientes da gravidade da doença de que o concelho padece. Os novos fogem, em busca de esperança, sustento, “ganha-pão”. Os mais velhos ficam porque têm na terra as suas raízes, as suas rotinas e a sua energia. E é nesta mesma terra que depositarão o seu bem mais precioso: a vida. Curioso: enquanto uns saem em busca de melhor sorte, outros ficam para contrariar a fatalidade do destino. Nenhum dos cenários é bom, se pensarmos a médio ou a longo prazo.

Sou de Monchique, sempre tive orgulho em sê-lo e, como qualquer cidadão comum, tenho as minhas preocupações, os meus desejos e as minhas utopias. No que diz respeito à minha terra, desejava que a realidade fosse outra: mais população jovem, dinâmicas sociais, comerciais e culturais mais cativantes, e perspetivas otimistas para o futuro. Mas factos são factos e não são propriamente motivo de regozijo. Atualmente, o Agrupamento de Escolas de Monchique conta, pela primeira vez na história, com menos de 500 alunos no concelho (i.e., contabilizando os jardins de infâncias, as escolas do ensino básico e a escola básica 2,3 de Monchique). Fala-se, insistentemente, no fecho de serviços como o Tribunal e as Finanças. Dia após dia, é ouvir os sinos a tocar; a porta da igreja da misericórdia exibe, cada vez mais frequentemente, um, dois, às vezes, três retratos. Os jovens, não encontrando emprego e habitação/terreno para o seu bolso, debandam para outras paragens; como disse, «buscam melhor sorte». Quem os pode censurar?

Posto isto, o que está a acontecer à população residente no concelho de Monchique? O que foi antigamente este concelho em termos populacionais? Estas foram as questões que coloquei e decidi pesquisar um pouco. Os resultados encontram-se expressos no gráfico 1.

Gráfico 1. Evolução da população residente no concelho de Monchique em 100 anos (1911 – 2011).
(fonte: www.ine.pt; p.f., clique para ampliar)

Os dados foram obtidos dos Recenseamentos gerais/Censos da população portuguesa, cujos documentos (pdf) podem ser encontrados no site do Instituto Nacional de Estatística. Como podemos verificar, entre 1911 e 1940, houve um crescimento da população residente no concelho de Monchique até ao valor máximo de 15028. Entre 1940 e 1960, a população estabilizou em torno deste número para, a partir de 1960 até 2011, sofrer um decréscimo gradual e abrupto até às 6045 pessoas. Como explicar o fenómeno?

Estou em crer que muito terá a ver com as alterações que a própria sociedade portuguesa veio a sofrer ao longo destes 100 anos. Localmente, a partir de 1960, passámos de uma economia centrada no setor primário – agricultura, pecuária, caça e indústrias extrativas (madeira, cortiça) – para uma economia progressivamente mais centrada no setor terciário – turismo, comércio, restauração e serviços locais (finanças, administração autárquica, etc.). Por outro lado, com a melhoria da rede viária e o acesso facilitado a viaturas próprias, a população ficou dotada de maior mobilidade, deixando também de estar tão isolada. Quiçá inadvertidamente, este paradigma promoveu o êxodo rural. Além disso, o crescente ingresso de estudantes nos ensinos secundário e superior, fomentou a saída de muita população jovem do concelho para outros locais do país, nomeadamente para pólos populacionais de maior dimensão (Portimão, Faro, Lisboa, etc.). A tendência natural é para quem vai já não voltar. Estes e outros fatores contribuíram/contribuem para que no concelho de Monchique haja menos pessoas a residir, década após década.

Observemos a Taxa de Variação Populacional no concelho de Monchique no século em análise (tabela 1).

Tabela 1. Variação populacional no concelho de Monchique entre 1911 e 2011 
(valores relativos - % - na linha superior e valores absolutos na linha inferior, em relação à década anterior; p.f., clique para ampliar).

Somente em três décadas se constatou um crescimento populacional em Monchique: entre 1921 e 1930 (12,01%), entre 1930 e 1940 (6,15%) e entre 1950 e 1960 (0,76%). O período de 30 anos, entre 1960 e 1991, foi negro a nível demográfico para o concelho. Por década, o decréscimo médio de população residente foi de 20,88% (i.e., média de - 2490 indivíduos/década). Se compararmos diretamente a população de Monchique nos anos de 1960 e de 1991, verificamos que houve um decréscimo abrupto de 7470 pessoas, o que corresponde a uma perda de 50,54% da população no concelho. Entre 1991 e 2001, o decréscimo populacional abrandou substancialmente (- 4,58%), para, na década seguinte (2001-2011), voltar a ser mais pronunciado: - 13,32%.

Então, o que esperar dos próximos censos em 2021? Tendo em consideração que, em 2011, 31,7% da população residente em Monchique tinha 65 ou mais anos e que o número de óbitos tem sido assinalável (mesmo comparativamente ao número de nascimentos), as perspetivas não são nada animadoras. Talvez para o governo sejam, atendendo à importância que atribui aos números no que toca à arte de «cortar». Quem sabe se depois da fusão de freguesias, não vem a fusão de concelhos…

Por isso, é urgente que se tomem medidas para travar este flagelo associado à maioria dos concelhos do interior. O esforço não pode advir apenas da administração local; o comprometimento das instâncias governamentais centrais é fulcral neste processo. Neste sentido, a fixação de população jovem (promoção de habitação e/ou lotes de terreno a custos controlados) e a criação de postos de emprego (captação de investimento privado, apoio ao empreendedorismo empresarial, aposta no turismo rural/de natureza, incentivo à exportação de produtos locais de referência, etc.) são dois eixos de orientação essenciais para que se possa obter algum sucesso. Ignorar a realidade atual será o garante de que o que parece ser inevitável se concretize: o desaparecimento do concelho de Monchique como (ainda) o conhecemos.

23/03/2014

O futebol e o fator humano

«A grande revolução do futebol está no fator humano.»

A frase pertence ao professor catedrático Manuel Sérgio e fez eco no debate «A importância da ética na sociedade moderna», que decorreu, no passado mês de fevereiro, no Ginásio Clube Português, em Lisboa.

Não deixa de ser estranha a coincidência de se discutir a ética no desporto e vermos, poucos dias depois, Jorge Jesus a mostrar 3 dedos a Tim Sherwood (treinador do Tottenham), na sequência do terceiro golo do SL Benfica, na primeira mão dos oitavos-de-final da UEFA Europa League, em White Hart Lane. O respeito, o bom senso e a humildade deveriam ser predicados obrigatórios para um treinador de elite e o treinador, em si, deve estar à altura da grandeza do clube que representa.

Imagem: Jorge Jesus e os três dedos mostrados a Tim Sherwood.
(fonte: www.thesun.co.uk)

O gesto do atual treinador do Benfica foi de uma baixeza deplorável e, pior, foi reincidente. Relembremos os 4 dedos mostrados a Manuel Machado (treinador do Nacional), em pleno Estádio da Luz, em outubro de 2009. Nessa ocasião, Jorge Jesus desculpou-se com «a linha de 4 homens no meio-campo», desta vez, o tiro saiu-lhe pela culatra, tornando o enredo ainda mais hilariante: «O n.º 3 é o Luisão, 1, 2, 3… Luisão.», quando, na realidade, o capitão do Benfica é o n.º 4. Portanto, parece-me óbvio que a revolução do fator humano ainda não atingiu o futebol de Jorge Jesus.

Contudo, dou a mão à palmatória, nem só de defeitos vive este treinador: trabalha bem as suas equipas, ofensiva e defensivamente; sabe aproveitar e potenciar as qualidades individuais de alguns jogadores; transmite disciplina, rigor e exigência. No que se refere ao lado humano, e no qual deverá residir boa parte das competências de um treinador de excelência, não me coíbo de subscrever a célebre afirmação de Manuel Machado:

«Na vida, um vintém é sempre um vintém e um cretino é sempre um cretino.»

10/12/2013

Afinal, qual é o “grupo da morte” do Mundial 2014?

Sempre que ocorre uma competição internacional de futebol, tanto quanto sei, tem sido vaticinada a existência de um grupo peculiar de equipas designado “grupo da morte”. Usualmente, é o grupo mais equilibrado em termos de desempenho competitivo e, por inerência, aquele que, em teoria, é de desfecho mais imprevisível.

No que diz respeito ao próximo Campeonato do Mundo de 2014, no Brasil, as opiniões dos selecionadores, dos jornalistas e do público em geral não são consensuais. Uns alegam que o grupo da Espanha é o mais forte, outros que é o grupo da Inglaterra e, outros ainda, que é o grupo da Alemanha e de… Portugal.

Figura: Grupos do Mundial 2014, no Brasil (fonte: www.fifa.com).

Ora, a fim de esclarecer qual é, de facto, o “grupo da morte” do próximo Mundial 2014, resolvi fazer um exercício breve e simples: somar os pontos do ranking FIFA (atualização de 28-novembro-2013) das seleções que compõem os 8 grupos do certame. Este ranking tem em consideração as performances recentes das seleções, extensíveis ao período anterior de 4 anos (ver mais especificações aqui). Eis os resultados obtidos:

- Grupo G: Alemanha (1318), PORTUGAL (1172), Gana (849) e E.U.A. (1019) = 4358
- Grupo B: Espanha (1507), Holanda (1106), Chile (1014) e Austrália (564) = 4191
3º - Grupo D: Uruguai (1132), Costa Rica (738), Inglaterra (1041) e Itália (1120) = 4031
- Grupo C: Colômbia (1200), Grécia (1055), Costa do Marfim (918) e Japão (638) = 3811
- Grupo A: Brasil (1102), Croácia (971), México (892) e Camarões (612) = 3577
- Grupo E: Suíça (1113), Equador (852), França (893) e Honduras (688) = 3546
- Grupo F: Argentina (1251), Bósnia-Herzegovina (886), Irão (650) e Nigéria (710) = 3497
- Grupo H: Bélgica (1098), Argélia (800), Rússia (870) e Coreia do Sul (577) = 3345

Portanto, o “grupo da morte” do Mundial 2014 é, de acordo com o ranking atual da FIFA, o grupo G, ou seja, o de Portugal. A meu ver, talvez até seja bom para a nossa seleção. Por sua vez, o grupo teoricamente mais acessível é o grupo H, embora o grupo E – o da França – não tenha assim tantos pontos a mais. Na sequência da subversão das regras do sorteio, com a consequente passagem da Itália para o Pote 2 por troca com a França, calculo que o presidente da UEFA – monsieur Michel Platini – deva ter ficado radiante.

05/10/2013

Loucura (e)levada ao infinito

Deixou-se envolver pela loucura. Venera quem lhe cuspiu em cima e inferniza os que lhe tentaram arrancar um sorriso feliz da sua face amargurada.

O mundo ficou de patas para o ar; não para aqueles que vivem e subsistem da insanidade, mas para os outros, aqueles que acham que a benevolência ainda pode salvar o mundo. Pura ilusão. Mero devaneio. Quem quer mudar o mundo, pela via do otimismo, do positivismo, sofre; quem não quer nada com o mundo, vive loucamente do sofrimento dos outros, rindo, gozando, apontando o dedo. A crítica sem fundamento. Apenas e só: louca.

E quando já não houver uma gota de benevolência no mundo, o louco acordará para vida e perceberá que, assim, o mundo perdeu toda a piada. Como a loucura consome qualquer réstia de lucidez, jamais se poderá voltar a pugnar pela benevolência. Então, o louco, desorientado pela ausência de uma bússola com norte, perder-se-á nos confins do tempo, rumo ao infinito.

Imagem: "Alice: Madness Returns matte painting" (fonte: http://lukpazera.blogspot.com).

29/08/2013

O jovem no futebol de elite: talento e... oportunidade!

Não é novidade que entrar e singrar na elite do futebol nacional e/ou internacional não é um processo simples para o jovem futebolista. Após uma década (ou mais!) ultrapassando obstáculos na formação, lutando arduamente por sobreviver num contexto altamente exclusivo, possuir e manifestar talento não é suficiente. Raramente é suficiente para se afirmar na equipa principal. É preciso ter a sorte de privar com o treinador certo: a alma, quase caridosa, que arrisca o seu emprego para apostar na “prata da casa”. Aquele indivíduo que, conhecedor das qualidades e limitações do jovem, concede o indispensável: a oportunidade!

Não me interpretem mal. Oportunidade não é ser mais um no plantel e jogar 99 minutos/época; é efetivamente apostar, colocando-o a jogar regularmente, ainda que a utilização deva ser bem ponderada. Também não sou extremista e reclame 90 minutos/jogo. Agora, por exemplo, se uma equipa estiver a vencer 3-0 no seu estádio, porque não dar 20/25 minutos de jogo ao jovem talento? A equipa adversária iria dar a volta ao texto e vencer por 3-4? Acho bastante improvável. Este seria sim um bom contexto de… oportunidade.

Sobram os exemplos de jogadores talentosos que passam ao lado de carreiras promissoras, como consequência da falta da oportunidade. Dou por mim a refletir sobre isto. A pensar o porquê de o SL Benfica não ter portugueses na sua equipa inicial; o porquê de João Cancelo não ter oportunidade de jogar na equipa principal (talvez, porque o Maxi Pereira esteja a jogar muito bem); o porquê de Funes Mori ser contratado e o clube ter Nélson Oliveira, com os mesmos 22 anos, emprestado ao Rennes (a propósito, 3 golos em 3 jogos na Ligue 1 francesa); o porquê de termos equipas B na Liga 2 a “rodar” jogadores das equipas principais, ficando os jovens talentos no banco sem jogar (então, afinal, trata-se de um espaço de “rodagem” dos jogadores menos utilizados do plantel principal ou um espaço de “transição” da formação para o futebol sénior de alto rendimento?); o porquê de Josué nunca ter tido oportunidades prévias no seu clube de formação – FC Porto – e agora regressar, com evidente sucesso (i.e., titularidade e golos).

Foto: O jovem João Cancelo em ação pela equipa B do SL Benfica (fonte: www.google.pt). 

Pena é que o futebol não seja apenas isto mesmo: talento e… oportunidade. A oportunidade transforma-se frequentemente em oportunismo. Observe-se o reverso da medalha: o Sporting CP. Um clube que tenta rentabilizar desportivamente o investimento na formação e que, a atentar pelo começo da época 2013/2014, promete ser, novamente, bem sucedido. Mas há os empresários e os tutores e aquilo que move o mundo, o dinheiro. O caso Bruma é um claro exemplo de quando a oportunidade é desperdiçada em prol do oportunismo. Depois do Mundial Sub-20, na Turquia, o jovem jogador tinha tudo para vingar no clube de Alvalade. Faria parte do plantel principal e estou convicto de que seria opção regular de Leonardo Jardim. Supondo que não iria ganhar balúrdios, teria a oportunidade de continuar a ser seguido pelos colossos europeus e, não menos importante, a oportunidade (insisto!) de se afirmar no futebol sénior de alto rendimento. Os Euros por ele pretendidos (ou pelo empresário, ou pelo advogado) viriam como consequência do seu trabalho, do seu talento, mas a oportunidade estava lá. Dizem que foi “mal aconselhado”; infelizmente, parece-me óbvio que sim.

Este é o meu ponto de vista. Em Portugal escasseiam as oportunidades para os jovens portugueses passarem de “futebolistas promissores” a “verdadeiros craques”. Salvo raras exceções (algumas anteriormente mencionadas), a política dos clubes ainda não passa por rentabilizar (desportivamente) o investimento feito na formação e nas academias. Um erro de gestão que só pode ser explicado pela tentativa de rentabilização financeira dos clubes por outros meios, menos dados ao futebol.

Se há formação, se há talento… só falta a oportunidade. Quem ficará a perder?