08/11/2017

Reaquecimento no intervalo do jogo de futebol: O que nos diz a ciência?

O meu primeiro evento oficial no âmbito das Ciências do Desporto ocorreu em abril de 2003, na Faculdade de Motricidade Humana, quando alguns alunos da instituição foram convidados a fazer voluntariado no 5th World Congress on Science & Football. Tive o prazer de apoiar diversos cientistas em termos logísticos e lembro-me, em particular, da qualidade da apresentação do professor Magni Mohr, com o tema “Temperatura muscular e desempenho em sprint durante jogos de futebol – Benefícios do reaquecimento ao intervalo”. Aliás, os resultados deste estudo viriam a ser publicados, em 2004, no prestigiado Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports.

Apesar de as primeiras evidências remontarem a um período superior a uma década, só recentemente temos visto algumas equipas profissionais de futebol a reaquecer no relvado no período de intervalo. Tomemos como exemplo o FC Porto, que na época transata já cumpria breves instantes de reaquecimento organizado no relvado e continua a adotar essa estratégia com o atual treinador Sérgio Conceição (figura 1). Confesso que desconheço se outras equipas da Liga portuguesa o fazem. Para mim, também não é um dado líquido que não o façam no balneário ou noutra infraestrutura do estádio; face ao tempo disponível para o suposto «período de descanso» (15 minutos), parece-me pouco provável que assim seja. Admito que muitas equipas profissionais de futebol, inclusivamente algumas de elite, não o façam, pois a brecha entre a prática (o jogo) e a ciência (o conhecimento) ainda é larga.

Figura 1. Equipa principal do FC Porto a reaquecer ao intervalo do jogo contra o Leicester City (UEFA Champions League 2016-2017).

Faz ou não sentido realizar um reaquecimento durante o intervalo de um jogo de futebol? Vamos a factos. A temperatura muscular – por exemplo, do quadríceps – sofre variações em função da atividade exercida ao longo do tempo. Mohr, Krustrup, Nybo, Nielsen e Bangsbo (2004) propuseram um protocolo experimental, no qual 8 jogadores realizaram Exercícios de Baixa Intensidade (EBI) ao intervalo, enquanto outro grupo de 8 jogadores Recuperou de forma Passiva (RP). No início e no final da 1.ª parte, a diferença entre os grupos nas temperaturas musculares do quadríceps e do core não foram significativas. Contudo, antes do início da 2.ª parte, o grupo EBI apresentou temperaturas do quadríceps e do core significativamente superiores (+ 2.1 °C e + 0.9 °C, respetivamente). Em termos do desempenho na atividade de sprint no recomeço do jogo (i.e., primeiros minutos da 2.ª parte), houve um decréscimo de 2.4% no grupo RP, o que não ocorreu no grupo EBI. Basicamente, este estudo demonstrou que o decréscimo da temperatura muscular durante o intervalo compromete a capacidade de realizar sprints no reinício do jogo, o que pode ser evitado com um breve período de reaquecimento (2-3 minutos) durante o intervalo, que permita preservar a temperatura muscular (figura 2).

Figura 2. Reaquecimento ao intervalo do jogo (fonte: fotballviten.no).

Mais recentemente, Edholm, Krustrup e Randers (2015) investigaram os efeitos agudos da prática de reaquecimento ao intervalo na performance e nos padrões de movimento de 22 jogadores profissionais de futebol em dois jogos competitivos. O protocolo utilizado foi semelhante ao anteriormente referido: num jogo competitivo, os jogadores fizeram a tradicional Recuperação Passiva (RP); no outro jogo, efetuaram Exercícios de Baixa Intensidade (EBI) no período de intervalo. As evidências foram ainda mais contundentes. Após o intervalo, os desempenhos em atividades de sprint e de salto sofreram decréscimos significativos de 2.6% e 7.6%, respetivamente, no grupo RP; no grupo EBI, a atividade de sprint não se alterou e a deterioração da capacidade de salto quedou-se pelos 3.1%. Nos primeiros 15 minutos da 2.ª parte, o grupo que cumpriu reaquecimento (EBI) realizou uma menor distância em corrida de alta intensidade na fase defensiva do jogo, apresentando também uma maior percentagem de posse de bola.

De uma forma geral, as evidências científicas indicam que a estratégia de reaquecer/reativar no período de intervalo induz efeitos positivos em atividades musculares básicas como correr em velocidade ou saltar no reinício do jogo, quanto mais não seja pelo atenuar dos efeitos adversos decorrentes do decréscimo significativo da temperatura muscular. Para além disso, o próprio desempenho coletivo das equipas tende a melhorar, através do acréscimo do tempo passado em posse de bola (fase ofensiva) e da redução do dispêndio energético associado a atividades de alta intensidade na fase defensiva do jogo. Finalmente, o reaquecimento muscular ao intervalo é altamente recomendado como método de prevenção para o elevado risco de lesão documentado nos primeiros 20 minutos da 2.ª parte do jogo de futebol (Russell, West, Harper, Cook, e Kilduff, 2015).

Factos são factos e a ciência abona a favor das equipas técnicas que adotam a estratégia de reaquecer/reativar nos instantes prévios ao início da 2.ª parte. Ao ignorar a informação disponível, e nos mantermos fieis às práticas tradicionais de proceder a reforços e correções de natureza estratégico-tática e/ou apelar à «atitude» e à competitividade dos jogadores, estamos a negligenciar um período relevante para preparar, funcional e metabolicamente, a individualidade e o grupo para o recomeço do jogo. Afinal, dois ou três minutos podem ser muito mais determinantes para o sucesso em competição do que intuitivamente poderíamos imaginar.

Referências
Edholm, P., Krustrup, P., & Randers, M. B. (2015). Half-time re-warm up increases performance capacity in male elite soccer players. Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports, 25(1), e40–e49. doi: 10.1111/sms.12236
Mohr, M., Krustrup, P., Nybo, L., Nielsen, J. J., & Bangsbo, J. (2004). Muscle temperature and sprint performance during soccer matches – Beneficial effect of re-warm-up at half-time. Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports, 14, 156–162. doi: 10.1046/j.1600-0838.2003.00349.x

Russell, M., West, D. J., Harper, L. D., Cook, C. J., & Kilduff, L. P. (2015). Half-time strategies to enhance second-half performance in team-sports players: A review and recommendations. Sports Medicine, 45(3), 353– 364.