30/12/2023

Artigo do mês #48 – dezembro 2023 | Práticas contemporâneas de treinadores de futebol portugueses e brasileiros na conceção e aplicação de jogos reduzidos

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.

 

- 48 -

Autores: Clemente, F. H., Afonso, J., Silva, R. M., Aquino, R., Vieira, L. P., Santos, F., Teoldo, I., Oliveira, R., Praça, G., & Sarmento, H.

País: Portugal

Data de publicação: 20-novembro-2023

Título: Contemporary practices of Portuguese and Brazilian soccer coaches in designing and applying small-sided games

Referência: Clemente, F. H., Afonso, J., Silva, R. M., Aquino, R., Vieira, L. P., Santos, F., Teoldo, I., Oliveira, R., Praça, G., & Sarmento, H. (2024). Contemporary practices of Portuguese and Brazilian soccer coaches in designing and applying small-sided games. Biology of Sport, 41(2), 185–199. https://doi.org/10.5114/biolsport.2024.132985

 

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 48 – dezembro de 2023.

 

Apresentação do problema

Os jogos reduzidos são exercícios que simplificam a complexidade do jogo formal e, por meio do recurso a constrangimento da tarefa, visam aprimorar comportamentos específicos dos jogadores (Davids et al., 2013). A popularidade destas atividades jogadas tem vindo a aumentar devido à sua capacidade para, por um lado, exacerbar os comportamentos desejados e, por outro lado, proporcionar esforços intensos (Clemente et al., 2021). Na perspetiva do treinador, as configurações destas tarefas podem ser manipuladas para fomentar a concretização de determinados objetivos, incluindo o número, a forma e a disposição das balizas, o tamanho e a forma do campo, limitações na coordenação intra e interpessoal (e.g., restrição do número de toques), constrangimentos temporais e diversas relações numéricas. Consequentemente, os jogos reduzidos oferecem uma integração abrangente das várias dimensões de desempenho, abrangendo aspetos tático-técnicos (Clemente et al., 2020; Clemente & Sarmento, 2020; Ometto et al., 2018), físico/fisiológicos (Clemente et al., 2021; Moran et al., 2019) e psicológicos/sociológicos (Arcos et al., 2015). 

Nas últimas duas décadas, os investigadores têm-se focado cada vez mais em examinar os efeitos da modificação dos constrangimentos neste tipo de exercícios, uma vez que os jogos reduzidos proporcionam um ambiente de treino enriquecedor que fornece múltiplas oportunidades de ação e que garante que os jogadores permaneçam envolvidos em dinâmicas específicas da modalidade (Dellal et al., 2012; Owen et al., 2012). Por exemplo, formatos de jogo mais reduzidos (i.e., com menos jogadores envolvidos) tipicamente suscitam cargas internas mais elevadas (Lacome et al., 2018) e aumentam a frequência de ações tático-técnicas individuais (Clemente & Sarmento., 2020; Silva et al., 2014). Ao invés, jogos com dimensões >100 m2/jogador aumentam as exigências de carga externa, como a distância percorrida a alta velocidade (Casamichana & Castellano, 2010), e a ocorrência de comportamentos coletivos, tais como a mobilidade e a exploração dos corredores laterais (Castelão et al., 2014). 

Apesar da extensa investigação e do estabelecimento dos jogos reduzidos na literatura científica, há uma escassez de estudos especificamente direcionados à análise (1) da frequência com que os treinadores desportivos incorporam estas tarefas práticas nos seus processos de treino e (2) dos fatores que influenciam a sua aplicação (Clemente et al., 2015). Parece ser fundamental transmitir perceções sobre as práticas reais de treino relacionados com os jogos reduzidos, respondendo à questão: como é que os treinadores têm integrado os jogos reduzidos na sua atividade diária? Previamente, Gonçalves et al. (2021) monitorizaram os tipos de exercícios empregues por um treinador profissional ao longo de 5 meses. Os autores mostraram que, em média, foram dedicados 19.8 ± 13.4 minutos das sessões de treino a jogos de dimensões reduzidas (de 1v1 a 5v5), e mais 19.2 ± 7.4 minutos a formatos de maiores dimensões (de 6v6 a 11v11). 

Em 2017, Alves e colaboradores realizaram um estudo qualitativo com 2 treinadores de futebol experientes acerca da implementação de jogos reduzidos no treino. Os resultados indicaram que os treinadores reconhecem a importância destas tarefas, devido ao seu potencial em combinar princípios táticos e componentes da condição física, o que concorre para um transfer positivo da performance para os jogos competitivos. Um outro estudo qualitativo explorou como os treinadores concebem os jogos reduzidos e articulam a respetiva elaboração com os seus objetivos em contextos reais de prática (Clemente et al., 2015). Este trabalho revelou que treinadores experientes foram mais efetivos a implementar constrangimentos da tarefa para obter o estímulo fisiológico desejado, com uma correlação forte (r = 0.827) entre a frequência cardíaca (FC) estimada pelo treinador e a FC registada pelos jogadores. Apesar destes estudos explanarem a utilização e a importância dos jogos reduzidos no processo de treino no futebol, é evidente que são necessárias mais pesquisas para alcançar uma compreensão mais abrangente dos vários fatores que influenciam a conceção e a aplicação destas atividades pelos treinadores, em particular em contextos desportivos com nuances (e.g., culturas, métodos e abordagens de treino) próprias, como sucede em diferentes países. 

Os casos de Portugal e Brasil são paradigmáticos no concerne com a utilização de jogos reduzidos (figura 2). Em Portugal, o desenvolvimento da Periodização Tática (Delgado-Bordonau & Mendez-Villanueva, 2012) e a emergência de figuras influentes, como José Mourinho, fomentou a adoção de exercícios ecológicos, incluindo os jogos reduzidos, nas práticas de treino. Por inerência, tem havido uma expansão concomitante de literatura relacionada com os jogos reduzidos. O Brasil seguiu de perto esta tendência, com os jogos reduzidos a adquirir popularidade como uma abordagem de treino fundamental, quer para jovens futebolistas, quer para seniores (Aquino et al., 2016; Greboggy & Silva, 2018). Dada a implementação dos jogos reduzidos em ambos os países, torna-se especialmente premente explorar e comparar as suas aplicações práticas no quotidiano de treino diário.

 

Figura 2. Exemplo de um jogo reduzido aplicado na aprendizagem do jogo em idades infantojuvenis, em Portugal (imagem não publicada pelos autores).

 

Os principais objetivos deste estudo consistiram em realizar um inquérito sobre a utilização dos jogos reduzidos no treino de futebol. A abordagem quantitativa envolveu a distribuição de questionários a treinadores em Portugal e no Brasil, com o intuito de proporcionar perceções valiosas, esclarecer práticas atuais e formular recomendações para aprimorar a eficácia da implementação destas tarefas no processo de treino. Além disso, procurou-se oferecer uma visão direta de como os treinadores estão a aplicar os jogos reduzidos, verificando se esse uso está alinhado com a literatura científica mais recente, a fim de identificar lacunas que possam contribuir para melhorar a formação contemporânea dos treinadores.

 

Métodos

Desenho do estudo: de natureza transversal, o trabalho visou examinar e descrever as práticas atuais de treinadores de futebol portugueses e brasileiros no que respeita à conceção e à implementação de jogos reduzidos no treino. O tamanho da amostra foi calculado a priori no software G*power (versão 3.1), atendendo aos seguintes parâmetros: dimensão de efeito pequena (0.3), valor de p de 0.05, potência de 0.95 e 2 graus de liberdade (duas nacionalidades). O tamanho da amostra recomendado foi de 172. Um grupo diversificado de treinadores, incluindo treinadores principais, treinadores-adjuntos e preparadores físicos, foi convidado a participar no inquérito e partilhar as suas práticas e perspetivas sobre a utilização de jogos reduzidos no treino de futebol. Antes de responder ao questionário, foi obtido o consentimento informado de todos os participantes, cuja participação foi totalmente voluntária. 

Participantes: foram recolhidas 187 respostas válidas, por parte de indivíduos de Portugal e do Brasil, sendo 82 homens portugueses e 105 homens brasileiros. Estes treinadores desempenhavam diversos papeis no seio da equipa técnica, com 63 a atuarem como treinadores principais, 38 como treinadores-adjuntos, 38 como preparadores físicos e 48 noutras funções, como analistas de jogo e fisiologistas. Além disso, os participantes treinavam escalões competitivos jovens (n = 102) e seniores (n = 59), embora alguns não estivessem à data a trabalhar num clube ou a desempenhar funções de treinador. 

Procedimentos: o inquérito online foi realizado através do Google Forms e esteve disponível para preenchimento entre 9 e 18 de julho de 2022. O recrutamento dos participantes ocorreu durante um webinar concretizado no dia 9 de julho de 2022. Aos interessados foram apresentados, de modo abrangente, os conceitos fundamentais e a importância dos jogos reduzidos no futebol. O desenvolvimento do inquérito sobre os jogos reduzidos envolveu os “quandos”, os “comos” e os “porquês” da sua utilização, sendo primariamente elaborado por 3 investigadores com base na literatura existente. De modo a assegurar a qualidade do instrumento, 3 académicos especialistas em jogos reduzidos foram convidados a rever o esboço, determinando uma série de melhorias. O inquérito foi, então, enviado a 4 treinadores de futebol, 2 com formação académica em Ciências do Desporto e 2 sem. Após incorporar os feedbacks destes, a versão final foi enviada aos especialistas iniciais para avaliação final. Após aprovação, o inquérito foi lançado online, com os participantes a receber explicações claras sobre o propósito do instrumento e as devidas garantias de anonimato. O questionário abordou aspetos demográficos e questões sobre a implementação dos jogos reduzidos, incluindo 18, 14, e 43 perguntas nos domínios “quando”, “como” e “porquê”, respetivamente. 

Recolha dos dados e procedimentos estatísticos: os dados recolhidos do inquérito foram exportados e compilados num ficheiro Excel. Para questões de resposta fixa, foi realizada uma análise de frequência, que permitiu uma avaliação quantitativa das escolhas e das preferências dos participantes dentro das categorias de resposta predefinidas. O teste do Qui-quadrado foi aplicado para investigar potenciais relações entre duas variáveis categóricas, como a nacionalidade e a questão em causa. O teste de Mann-Whitney U foi utilizado para escalas ordinais, também para detetar diferenças entre as nacionalidades. Os testes estatísticos foram realizados através do software SPSS (versão 28.0), com significância estatística definida em p ≤ 0.05.

 

Principais resultados

 

·     Perspetiva global

Independentemente do país, a maioria dos treinadores propõe jogos reduzidos duas a três vezes por semana, quer na pré-época, como no período competitivo. Para o grosso dos participantes, a duração dos jogos reduzidos varia entre os 16 e os 30 minutos, situando-os nas partes inicial (aquecimento) e fundamental. Os treinadores concebem jogos reduzidos para melhorar a aptidão aeróbia e as mudanças de direção e fazem-no menos frequentemente para desenvolver a performance em sprint. O treino técnico e tático é, para a grande maioria, o principal objetivo que decorre da aplicação de jogos reduzidos. Os treinadores preferem formatos mais pequenos (1v1 a 4v4) para estimular a aptidão aeróbia, as mudanças de direção e as habilidades técnicas. Ao invés, os formatos médios (5v5 a 8v8) são mais idealizados para desenvolver comportamentos táticos e ações de sprint.

 

·     “Quando?”

Os treinadores tendem a integrar frequentemente os jogos reduzidos nos seus planos de treino, embora não o façam em todas as sessões de treino. Houve associações significativas entre a nacionalidade e a frequência de jogos reduzidos na pré-época e no período competitivo. Na pré-época e no período competitivo, os treinadores brasileiros tendem a propor duas sessões de treino semanais com jogos reduzidos, enquanto os portugueses privilegiam 3 sessões práticas por semana. Na parte do retorno à calma, 33% dos brasileiros refere não utilizar jogos reduzidos, porém, 43% dos portugueses confessaram implementar abaixo de metade do número de sessões de treino definidas. As diferenças nas outras distribuições – duração das sessões de treino, o tempo despendido em jogos reduzidos e as frequências de jogos reduzidos no aquecimento e na parte fundamental – não foram significativas.

 

·     “Como”? (para melhorar a condição física)

As associações significativas ocorreram entre a nacionalidade e (1) o desenvolvimento do sprint, (2) de mudanças de direção, (3) o tempo despendido para o treino aeróbio e (4) a frequência de jogos reduzidos para aprimorar as ações de sprint. Em concreto, 56% dos treinadores brasileiros usam os jogos reduzidos como método de treino para treinar a velocidade máxima, mas 52% dos participantes portugueses referiram não o fazer. Também, 76% dos treinadores brasileiros utilizam jogos reduzidos para desenvolver as mudanças de direção, valor que baixa para os 66% no caso dos treinadores portugueses. Os treinadores brasileiros dedicam mais tempo de treino para desenvolver a aptidão aeróbia (21–30 min; 39%), comparativamente aos portugueses (11–20 min; 41%). Os treinadores brasileiros também mencionaram recorrer a mais sessões para potenciar a performance em sprint: 1–2 sessões (38% vs. 37% portugueses); 3–4 sessões (16% vs. 2% portugueses).

 

·     “Como”? (para melhorar habilidades técnicas e comportamentos táticos)

O estudo revelou associações significativas entre a nacionalidade e o uso de jogos reduzidos para desenvolver habilidades técnicas e comportamentos táticos. Contudo, as associações entre nacionalidade e (1) escolha do tipo de jogos reduzidos, (2) relações numéricas propostas, (3) o tempo alocado para os jogos reduzidos e (4) frequência semanal de jogos reduzidos apenas foram significativas para o treino técnico, o que não aconteceu para o aperfeiçoamento tático. Comparativamente aos treinadores portugueses, os técnicos brasileiros afirmaram utilizar mais os jogos reduzidos para o desenvolvimento técnico (86% vs. 71%) e tático (84% vs. 70%). Enquanto os treinadores portugueses preferem utilizar jogos de dimensões mais reduzidas (49%) para aprimorar a técnica, os brasileiros referem combinar mais do que um grupo de formatos (40%). Na dimensão técnica, os portugueses preferem situações de igualdade numérica (41%), mas os técnicos do Brasil optam mais por jogos com superioridade/inferioridade numéricas (48%), concedendo mais tempo aos jogos reduzidos (11–30 min vs. 11–20 min).

 

·     “Como”? (caracterização dos objetivos das tarefas)

Não houve associações significativas entre a nacionalidade e as dimensões do espaço para o treino fisiológico, acelerações/desacelerações e o desenvolvimento de habilidades técnicas. No entanto, houve associações significativas entre a nacionalidade e as dimensões do espaço para potenciar o sprint e as ações táticas. Para promover a velocidade de corrida e os comportamentos táticos, os técnicos portugueses propõem espaços amplos (> 1/8 do campo formal) mais frequentemente (85% vs. 71% e 93% vs. 76%, respetivamente). Para o desenvolvimento de habilidades técnicas, houve ainda uma associação significativa entre a nacionalidade e o objetivo dos jogos reduzidos, com os treinadores brasileiros a proporem mais situações de posse de bola (52%) e os portugueses a utilizar jogos com alvos, i.e., com direcionalidade (56%).

 

·     “Porquê”? (importância de desenvolver diferentes capacidades)

Os resultados mostraram associações significativas entre a nacionalidade e a importância dos jogos reduzidos para potenciar (1) a condição física de base (aeróbia), (2) mudanças de direção, (3) agilidade, (4) habilidades técnicas ofensivas, (5) habilidades técnicas defensivas, (6) comportamentos táticos ofensivos, (7) comportamentos táticos defensivos e (8) o modelo jogo. Não houve nenhuma associação entre a nacionalidade e a importância dos jogos reduzidos para estimular a força máxima. Enquanto os treinadores brasileiros consideram os jogos reduzidos muito importantes para desenvolver princípios táticos ofensivos e defensivos, a maioria dos treinadores portugueses considera-os apenas importantes. Analogamente, a maioria dos treinadores brasileiros vê os jogos reduzidos como muito importantes para melhorar a aptidão aeróbica e a agilidade, enquanto os portugueses não enfatizam tanto essa relevância.

 

Aplicações práticas

Os resultados e a discussão do estudo levaram-me a formular 5 sugestões práticas que julgo poderem ser úteis para melhorar o planeamento e a aplicação de jogos reduzidos no processo de treino no futebol, a saber:

 

1. Personalizar os planos de treino: para otimizar a eficácia dos jogos reduzidos nas sessões de treino, os constrangimentos da tarefa propostos devem atender às preferências e aos objetivos específicos da equipa técnica. Uma abordagem personalizada permitir direcionar o desenvolvimento tático, técnico, físico e psicossocial no sentido pretendido, tendo em consideração as necessidades individuais e coletivas do plantel. 

2. Ajustar a periodização do treino: ao equacionar variações na frequência e na duração dos jogos reduzidos ao longo da temporada, os treinadores podem ajustar estrategicamente a periodização, equilibrando a relação entre carga de treino e recuperação. Adaptar o planeamento com base na cultura, na filosofia e nas nuances metodológicas locais permite rentabilizar o desempenho dos jogadores. 

3. Promover a variedade nos formatos de jogo reduzido propostos: os treinadores devem incorporar diversos formatos de jogo reduzido no seu processo de treino para trabalhar as dimensões do rendimento de forma holística. Formatos diferentes de jogo permitem usualmente atingir objetivos específicos, do ponto de vista tático, técnico, físico e fisiológico. Os formatos mais reduzidos (1v1 a 4v4) são mais propícios para o desenvolvimento técnico, da aptidão aeróbia e da componente neuromuscular (i.e., acelerações, desacelerações e mudanças de direção). Já os formatos médios (5v5 a 8v8) ou grandes (9v9 a 11v11) aparentam ser mais efetivos para o aperfeiçoamento de comportamentos táticos e para estimular ações contextualizadas de corrida em velocidade (sprint). 

4. Potenciar a integração dos jogos reduzidos nas sessões de treino: a integração de jogos reduzidos nas sessões de treino deve ocupar até, aproximadamente, 40 minutos da sessão. Não é de todo descabido propor jogos reduzidos ao longo de todo o microciclo semanal, mas nunca descurando o binómio “esforço – recuperação”. Além disso, os jogos reduzidos podem ser implementados na parte inicial da sessão (vulgo aquecimento), pois fomentam respostas agudas nos indivíduos relacionadas com as exigências subsequentes da sessão ou do jogo. A parte final (retorno à calma) também pode conter situações jogadas, desde que concebidas de modo a fazer jus às particularidades desta fase da sessão (e.g., inclusão de jogadores neutros ou jokers, ou utilização de restrições espaciais, em períodos de esforço curtos). 

5. Facilitar a diversidade de movimentos e multiplicidade de oportunidades de ação: os treinadores devem explorar a diversidade de movimentos e multiplicidade de oportunidades de ação (affordances) por meio da manipulação das características estruturais da tarefa. Alterações simples do jogo em termos espaciais, numéricos, temporais, materiais ou regulamentares podem ter um impacto considerável nos esforços físicos produzidos e nas habilidades tático-técnicas executadas.

 

Conclusão

O inquérito realizado permitiu caracterizar a aplicação de jogos reduzidos por treinadores portugueses e brasileiros, procurando compreender os “quandos”, os “comos” e os “porquês” da utilização destas atividades de treino. Os treinadores preferem realizar jogos reduzidos duas a 3 vezes por semana, com uma duração média de 16 a 30 minutos por sessão. Os jogos são principalmente utilizados para estimular a aptidão aeróbica, mudanças de direção, habilidades técnicas e comportamentos táticos. Os formatos mais reduzidos (1v1 a 4v4) são mais selecionados para potenciar a aptidão aeróbia e as capacidades neuromusculares e técnicas, embora os treinadores ajustem os constrangimentos da tarefa conforme necessário. No geral, os treinadores consideram os jogos reduzidos altamente importantes para aprimorar a aptidão aeróbica, as habilidades técnicas e os comportamentos táticos. As evidências contribuem para uma compreensão mais profunda de como os treinadores incorporam os jogos reduzidos no processo de treino, fornecendo inúmeras perspetivas sobre como otimizar o planeamento e diversificar as práticas no contexto do futebol.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Biology of Sport.

27/11/2023

Artigo do mês #47 – novembro 2023 | Efeitos de diferentes durações de recuperação nas medidas de carga externa e interna em jogos reduzidos de futebol

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto. 

- 47 -

Autores: de Dios-Álvarez, V., Padrón-Cabo, A., Lorenzo-Martínez, M., & Rey, E.

País: Espanha

Data de publicação: 11-outubro-2023

Título: Effects of different recovery duration on external and internal load measures during bouts of small-sided games

Referência: de Dios-Álvarez, V., Padrón-Cabo, A., Lorenzo-Martínez, M., & Rey, E. (2024). Effects of different recovery duration on external and internal load measures during bouts of small-sided games. Journal of Human Kinetics, 90, 1–8. Advance online publication. https://doi.org/10.5114/jhk/169520

  

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 47 – novembro de 2023.

 

Apresentação do problema

Os jogos reduzidos constituem uma forma de exercício de treino comum, que tem ganho popularidade entre equipas de futebol amadoras e profissionais (Hill-Haas et al., 2011). Estes jogos representam uma solução útil para melhorar a eficácia do treino (Clemente et al., 2019), uma vez que estimulam a tomada de decisão e aspetos fisiológicos, físicos e técnicos (Sarmento et al., 2018). Além disso, este tipo de tarefa permite analisar como os jogadores gerem as suas relações espaciotemporais com os colegas de equipa e os oponentes, aquando da emergência de padrões de jogo em diferentes níveis de rendimento (Travassos et al., 2013). 

A manipulação de variáveis como o número de jogadores (Aguiar & Botelho, 2013), a dimensão do campo (Casamichana & Castellano, 2010), a presença de guarda-redes (Hulka et al., 2016), a inclusão de “jokers” (Sanchez-Sanchez et al., 2017), o número de contactos permitidos por jogador (Dellal et al., 2011), o resultado do jogo (Lorenzo-Martínez et al., 2020) e a duração da recuperação entre repetições (Köklü et al., 2015) pode influenciar as respostas fisiológicas (i.e., frequência cardíaca, FC; consumo de oxigénio; níveis de lactato sanguíneo; perceção subjetiva de esforço, PSE) durante os jogos reduzidos (Branquinho et al., 2021a). Por exemplo, a redução da dimensão do campo, ou o aumento do número de jogadores, podem conduzir a uma maior intensidade da tarefa e aumentar a exigência fisiológicas sobre os jogadores (Aguiar & Botelho, 2013; Casamichana & Castellano, 2010). 

Mais concretamente, a manipulação do tempo de recuperação também pode afetar as respostas fisiológicas dos jogadores, com períodos de recuperação mais curtos a induzir um aumento da fadiga e a diminuição do desempenho (Branquinho et al., 2020a). Aliás, a modificação deste fator pode ser globalmente caracterizada como contínua, onde o exercício é realizado sem pausas ou intervalos, ou fracionada, onde o exercício é repetido com períodos de descanso entre cada jogo (Branquinho et al., 2020b). No entanto, apesar da importância da duração da recuperação entre jogos reduzidos, pouca atenção tem sido dada ao impacto de diferentes períodos de recuperação nas cargas externa e interna ocasionadas nos futebolistas no decurso de jogos reduzidos (Branquinho et al., 2021b; Köklü et al., 2015). 

Branquinho et al. (2021b) avaliaram o impacto de diferentes tempos de recuperação durante jogos reduzidos 5v5 com guarda-redes (Gr). Os autores verificaram que tempos de recuperação curtos (30s) resultaram numa carga externa significativamente mais elevada em jogadores semiprofissionais, comparativamente a tempos de recuperação mais longos. Foram observados resultados semelhantes para a carga interna, com valores mais elevados em jogos reduzidos com tempos de recuperação mais curtos entre repetições. No entanto, McLean et al. (2016) não encontraram diferenças nas medidas de carga externa entre tempos de recuperação de 30s e 120s em futebolistas profissionais. Estes autores mostraram, sim, diferenças significativas na FC, com valores mais elevados nos intervalos de 30s, em relação aos de 120s. Estas evidências sugerem que períodos curtos de recuperação podem resultar numa carga interna mais pronunciada. 

Até à data, os autores sustentam que os efeitos da duração da recuperação entre jogos reduzidos com Gr apenas foram investigados numa ocasião (Branquinho et al., 2021b). Em virtude desta escassez de pesquisas, é necessária mais produção científica para determinar a duração de recuperação ideal no desempenho subsequente em jogos reduzidos. Assim, o objetivo do estudo passou por analisar o impacto de diferentes períodos de recuperação entre repetições de jogos reduzidos 4v4 com Gr em variáveis de carga externa e interna (Branquinho et al., 2021b; McLean et al., 2016).

 

Métodos

Participantes: 16 jogadores semiprofissionais do género masculino (idade: 24.8 ± 6.8 anos; estatura: 179.1 ± 6.1 cm; massa corporal: 74.6 ± 7.5 kg), de duas equipas militantes na 3.ª divisão espanhola. No global, os participantes tinham 19.4 ± 4.0 anos de treino sistemático no futebol e cumpriam um regime de treino com 4 sessões semanais, de 90 minutos e 1 jogo oficial ao fim de semana. 

Procedimentos: os jogadores participaram em 3 sessões de treino de jogos reduzidos com diferentes períodos de recuperação entre eles: sessão 1 (recuperação longa, 4-min), sessão 2 (recuperação média, 2-min) e sessão 3 (recuperação curta, 1-min). Cada sessão consistiu em jogos reduzidos Gr+4v4+Gr, com 4 repetições de 4 minutos cada, após um aquecimento estandardizado de 20-min. O protocolo experimental foi realizado no decurso do período competitivo, com mais de 72 horas antes ou depois do último jogo e com um intervalo mínimo de 48 horas entre as sessões. Todas as sessões decorreram às 21:00 em relvado artificial, num campo de 30x25m (94 m2/jogador, excluindo os Gr; figura 2) e sem chuva. Os jogadores foram distribuídos em equipas equilibradas, compostas por defesas, médios e avançados, não se alterando ao longo da experiência. Os participantes estavam a par das regras dos jogos, que incluíam o recomeço a partir do Gr e a ausência da regra do fora de jogo. Os jogos reduzidos foram realizados com encorajamento do treinador e do preparador físico.

 

Figura 2. Formato de jogo reduzido proposto no estudo: Gr+4v4+Gr (30x25m) (imagem não publicada pelos autores).

 

Recolha dos dados: os dados inerentes à carga externa dos jogadores durante os jogos reduzidos foram recolhidos mediante um dispositivo portátil de GPS de 10 Hz (Playertek, Catapult Innovations, Melbourne, Austrália). As variáveis de corrida obtidas do GPS foram a distância total percorrida (m) e a distância percorrida (m) em 4 níveis diferentes de velocidade (Lorenzo-Martínez et al., 2020): corrida de baixa intensidade (0–6.9 km/h), corrida de média intensidade (7.0–12.9 km/h), corrida de alta intensidade (13.0–17.9 km/h) e sprint (≥18.0 km/h). Foram ainda obtidos o número total de acelerações e desacelerações (Akenhead et al., 2013) e outras medidas globais de carga, como o power score (w/kg; baseado nos níveis de velocidade alcançados e nas taxas de aceleração ao longo da sessão), a carga individual (baseada na taxa instantânea de mudança das medidas triaxiais do acelerómetro; Bredt et al., 2020), rácio esforço:repouso (representa a percentagem do tempo que um jogador corre acima de 5.4 km/h) e a potência metabólica elevada (traduz o número de esforços que excedem os 20 w/kg). A carga interna dos jogadores foi quantificada através da escala de Foster de 0 a 10, de forma a registar o esforço percebido imediatamente após cada repetição de jogo reduzido (Foster et al., 2001). Cada jogador avaliou o seu esforço individualmente. Todos os participantes estavam familiarizados com a escala de PSE, pois já a haviam utilizado em treino. 

Análise estatística: todas as análises estatísticas foram realizadas através do software estatístico R, versão 4.2.1 (R Core Team, 2020).  Os resultados foram apresentados como médias e desvios-padrão. Os efeitos dos diferentes tempos de recuperação entre jogos reduzidos nas variáveis de carga externa foram comparados através de um modelo linear misto, utilizando o pacote R “lme4” (Bates et al., 2015). A identidade do jogador foi modelada como efeito aleatório. O quadrado eta parcial foi calculado como uma medida de dimensão do efeito, de acordo com os seguintes valores de corte: pequeno (≥ 0.01), médio (≥ 0.059) e grande (≥ 0.138) (Cohen, 1988). Além disso, após a verificação das assunções de homogeneidade e normalidade, foi realizada uma comparação de pares através do teste de Bonferroni. Para comparações de pares significativas, foram calculadas as dimensões de efeito, utilizando os critérios de Cohen (1988): trivial (d < 0.2), pequeno (0.2 ≤ d < 0.5), médio (0.5 ≤ d < 0.8) e grande (d > 0.8). A homogeneidade das variâncias foi examinada usando o teste de Levene. Para todas as análises, o nível de significância foi estabelecido em p < 0.05.

 

Principais resultados

A tabela 1 exibe a estatística descritiva das variáveis de carga externa e interna consideradas no estudo, enfatizando, também, as diferenças significativas entre os jogos reduzidos com diferentes períodos de recuperação. 

 

Tabela 1. Diferenças nas variáveis de carga externa e de carga interna dos jogadores, em função da duração dos períodos de recuperação entre os jogos reduzidos (média ± desvio-padrão) (adaptado de de Dios-Álvarez et al., 2023).

Legenda: JR 1-min: jogos reduzidos com períodos de recuperação de 1 minuto; JR 2-min: jogos reduzidos com períodos de recuperação de 2 minutos; JR 4-min: jogos reduzidos com períodos de recuperação de 4 minutos. ^ Diferença significativa entre JR 1-min e JR 2-min. # Diferença significativa entre JR 1-min e JR 4-min.

 

·     Carga externa

Os resultados mostraram um decréscimo significativo do número total de acelerações nos jogos reduzidos com 1-min de pausa, comparativamente aos jogos reduzidos com 2-min de pausa (dimensão de efeito média) e com 4-min de pausa (dimensão de efeito grande). De modo idêntico, também houve um decréscimo significativo do número total de desacelerações nos jogos reduzidos com períodos de recuperação mais curtos (1-min), em relação aos períodos de recuperação de 2-min (dimensão de efeito média) e de 4-min (dimensão de efeito grande). Contudo, entre os diversos períodos de recuperação, não foram identificadas diferenças significativas para a distância total percorrida, para as distâncias percorridas em diferentes níveis de intensidade, para as medidas de potência metabólica e para o rácio esforço-repouso. 

No caso dos jogos reduzidos com 1-min de recuperação, os valores médios foram ligeiramente mais elevados nas distâncias percorridas a andar e em alta intensidade. Nas situações jogadas com períodos de recuperação de 2-min, as médias foram ligeiramente mais elevadas nas seguintes variáveis: distância total, distâncias percorridas em intensidades baixa e moderada, carga individual e rácio esforço-repouso. A velocidade máxima atingida e o power score foram, no cômputo geral, similares.

 

·     Carga interna

Os jogos reduzidos com períodos de recuperação de 2-min demonstraram valores médios significativamente mais elevados que os jogos com 1-min de recuperação (dimensão de efeito grande).

 

Aplicações práticas

Os resultados obtidos permitiram formular 4 sugestões práticas passíveis de serem implementadas por treinadores de futebol em contexto de treino:

 

1. Jogos reduzidos para treinar em regime de força específica: indiretamente, os resultados comprovam que jogos reduzidos com um número de jogadores (≤ 5 elementos) e áreas de jogo individuais mais reduzidos (< 100 m2/jogador) são indicados para trabalhar em regime de força específica, já que exigem, predominantemente, mais esforços explosivos.

 

2. Intervalo ótimo de recuperação para ações explosivas: os treinadores devem propor períodos de recuperação mais longos (i.e., em torno dos 4-min) entre repetições de jogos reduzidos para aumentar a capacidade dos jogadores em executar ações explosivas de alta intensidade, como acelerações e desacelerações. Períodos mais longos favorecem a ressíntese de fosfocreatina, um fator crucial para a produção de energia em atividades intermitentes e, especialmente, para ações de alta intensidade.

 

3. Intervalos curtos de recuperação em jogos reduzidos: a redução do período de recuperação para intervalos curtos (1-min) tem um efeito negativo na performance física. Em termos gerais, períodos de pausa muito curtos resultam em menores distâncias percorridas em intensidades moderadas e numa performance neuromuscular menos conseguida.

 

4. Tomar em consideração os objetivos específicos para a sessão de treino: quando a performance física objetivada nos jogos reduzidos implica mais atividades curtas de alta intensidade, os treinadores devem optar por períodos de recuperação mais longos (3 ou 4-min); contudo, quando a intenção passa por alcançar distâncias totais e de alta intensidade mais elevadas, um período de recuperação mais curto (2-min) parece ser apropriado. A escolha da duração da recuperação deve estar alinhada com os objetivos específicos da sessão de treino.

 

Conclusão

Este estudo destaca a importância da gestão do tempo de recuperação durante jogos reduzidos para melhorar as cargas externa e interna de jogadores de futebol. Os resultados indicam que futebolistas semiprofissionais tendem a executar mais acelerações e desacelerações quando os períodos de recuperação entre jogos reduzidos são mais longos (4-min). Para além disso, e quiçá paradoxalmente, a redução do tempo de recuperação entre repetições induziu valores mais baixos no esforço percebido pelos jogadores, em particular nas pausas de 1-min.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Journal of Human Kinetics.

29/10/2023

Artigo do mês #46 – outubro 2023 | Evolução técnica e tática das sequências ofensivas na LaLiga (2008–2021). É o futebol espanhol agora mais associativo?

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto. 

- 46 -

Autores: González-Rodenas, J., Moreno-Pérez, V., López-Del Campo, R., Resta, R., & Del Coso, J.

País: Espanha

Data de publicação: 6-outubro-2023

Título: Technical and tactical evolution of the offensive team sequences in LaLiga between 2008 and 2021. Is Spanish football now a more associative game?

Referência: González-Rodenas, J., Moreno-Pérez, V., López-Del Campo, R., Resta, R., & Del Coso, J. (2023). Technical and tactical evolution of the offensive team sequences in LaLiga between 2008 and 2021. Is Spanish football now a more associative game? Biology of Sport, 40(2), 105–113. https://doi.org/10.5114/biolsport.2024.131818

  

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 46 – outubro de 2023.

 

Apresentação do problema

Nos últimos anos, a análise da performance no futebol evoluiu imenso, sobretudo devido ao uso de dispositivos GPS e de sistemas de rastreamento com múltiplas câmaras, o que possibilita uma recolha extensa de dados praticamente em tempo real (Link et al., 2016; Sarmento et al., 2018). Os desenvolvimentos tecnológicos têm permitido a análise cada vez mais precisa de aspetos técnicos, táticos, físicos e psicológicos do desempenho dos jogadores (Rein & Memmert, 2016). Algumas das análises efetuadas têm-se focado na evolução de competições profissionais de futebol em toda a Europa, incluindo a LaLiga espanhola (Lago-Peñas et al., 2022; Errekagorri et al., 2022), a Premier League inglesa (Barnes et al., 2014; Bradley et al., 2016), a Bundesliga alemã (Konefal et al., 2019) e a UEFA Champions League (Yi et al., 2020). Independentemente de diferenças entre os estudos, mostrou-se que indicadores de desempenho, como a distância percorrida em alta velocidade, o número de sprints e o número de passes têm aumentado, enquanto a distância total percorrida, o número de remates, cruzamentos, desarmes e alívios diminuíram progressivamente ao longo das temporadas. Em síntese, estas evidências sugerem que as equipas das ligas de futebol europeias estão atualmente a exibir um estilo de jogo mais orientado para a posse de bola, com esforços físicos mais intensos. 

Apesar das contribuições significativas dos estudos supramencionados, o foco recaiu predominantemente em parâmetros técnicos e físicos individuais, negligenciando os indicadores de performance coletivos, que são cruciais para entender a performance competitiva. Dada a necessidade de explorar parâmetros mais dinâmicos, interativos e representativos do futebol (Mackenzie & Cushion, 2013), a análise das sequências ofensivas das equipas fornece uma perspetiva global sobre o modo como os jogadores se ligam coletivamente para elaborar um ataque. Isso inclui o número de passes por sequência, a velocidade de progressão e o resultado da sequência, possibilitando captar o comportamento técnico e tático da equipa em posse de bola (Aranda et al., 2019). Embora ainda persista a discussão entre investigadores sobre o tipo de sequências de passe (curtas ou longas) que gera maior eficácia ofensiva (Reep & Benjamin, 1968; Hughes & Franks, 2005), esta análise tem vindo a expandir-se, incluindo técnicas como a análise de rede (Clemente et al., 2020) e dados posicionais (Malqui et al., 2019), para que se possa obter uma compreensão mais profunda acerca das interações coletivas no futebol. 

Contudo, apesar da constante evolução na última década dos métodos de treino (Sarmento et al., 2018b, 2018c), dos dispositivos táticos (González-Rodenas et al., 2023) e dos métodos de análise de jogo (Sarmento et al., 2018a, Forcher et al., 2022), que resultaram numa literatura científica mais abrangente e mais orientada para o que se faz no terreno, as evidências em torno da forma como o jogo de futebol tem evoluído ao longo dos anos ainda são limitadas. Portanto, parece necessário e interessante explorar como é que as sequências ofensivas das equipas estão a evoluir em termos técnicos e táticos, a fim de investigar os efeitos dos métodos de treino e de jogo. Neste âmbito, a avaliação da fase ofensiva pode detetar as variáveis técnicas e táticas chave, relacionadas com a velocidade de circulação da bola, a duração e o número de ações técnicas (e.g., passes), bem como a localização da posse de bola e os movimentos dos jogadores, e que são essenciais para avaliar os estilos de jogo (Hewitt et al., 2016) e alcançar o sucesso no futebol (Oliva-Lozano et al., 2023). 

Posto isto, o objetivo desta investigação foi estudar a evolução técnica e tática das sequências ofensivas das equipas de futebol da LaLiga espanhola numa perspetiva longitudinal, desde as temporadas 2008/09 até 2020/21.

 

Métodos

Amostra: consistiu em 4940 observações de jogos de 38 equipas profissionais de futebol da LaLiga, abrangendo um período de 13 temporadas, de 2008/09 a 2020/21. Resultou, no total, em 9880 conjuntos de dados de sequências ofensivas (2 conjuntos por jogo), executados pelas equipas em competição. Todos os dados foram recolhidos com a autorização da LaLiga, em conformidade com as respetivas diretrizes éticas e garantindo o anonimato dos jogadores. 

Procedimentos: as características técnicas e táticas de cada sequência ofensiva foram recolhidas através do sistema Mediacoach, que utiliza informação proveniente da OPTA Sportsdata. Todas as sequências coletivas produzidas em cada jogo da LaLiga foram automaticamente gravadas e analisadas pelo sistema. Em termos operacionais, uma sequência ofensiva é definida por uma passagem de jogo em que a posse de bola pertence a uma equipa, finalizando com ações defensivas adversárias, paragens naturais do jogo (e.g., bolas fora ou faltas) ou um remate. Para cada sequência ofensiva, foi analisado um total de 12 variáveis técnicas e táticas passíveis de descrever as características gerais da sequência coletiva, a performance na ação de passe e a performance ofensiva (ver Tabela 1).


Tabela 1. Descrição e definição das variáveis técnicas e táticas avaliadas no presente estudo (adaptado de González-Rodenas et al., 2023).


Análise estatística: os dados foram transferidos do Mediacoach para uma folha de dados de Microsoft Excel. Todas as análises estatísticas foram realizadas no software IBM SPSS Statistics, v. 27.0. Devido à estrutura hierárquica do desempenho das equipas no futebol (cada equipa tem o seu próprio estilo de jogo), um modelo misto multinível foi usado para agrupar o desempenho coletivo (nível 2) em equipas (nível 1). Com esta organização dos dados, foi calculado um modelo linear generalizado para explorar o efeito longitudinal da época (efeito fixo) nas variáveis técnicas e táticas, considerando o efeito de cada equipa (efeito aleatório). Foram ainda incluídas variáveis contextuais, como o local do jogo (casa vs. fora), resultado do jogo (vitória vs. empate vs. derrota), ranking do adversário em quartis (primeiro, segundo, terceiro e quarto) e ranking da equipa em quartis. A dimensão de efeito foi avaliada com base na estatística de Cohen F2, com os seguintes valores de corte: < 0.02, trivial; > 0.02, pequena; > 0.15, média; > 0.35, grande (Cohen, 1992). As comparações entre médias estimadas foram realizadas com o teste de Fisher para diferenças mínimas significativas. O nível de significância foi estabelecido em p < 0,05.


Principais resultados

 ·     Características gerais das sequências ofensivas

A Figura 2 mostra a evolução longitudinal do número, largura, comprimento e duração das sequências ofensivas por jogo. 

Figura 2. Médias preditas e intervalos de confiança a 95% para as variáveis “número de sequências” (sequences), “largura da sequência” (sequence width), “comprimento da sequência” (sequence length) e “duração da sequência” (sequence time) na LaLiga de 2008/09 a 2020/21, de acordo com o modelo linear generalizado misto. *Significativamente diferente da temporada 2008/2009 (teste de Fisher para diferenças mínimas significativas; p < 0,05) (adaptado de González-Rodenas et al., 2023).

 

Em comparação com a época 2008/09, o número de sequências ofensivas começou a decrescer na época 2016/17 e obteve os valores mais baixos nas últimas 5 temporadas investigadas. A largura das sequências ofensivas permaneceu estável ao longo das épocas, com valores médios a rondar os 34 metros. O comprimento das sequências exibiu uma tendência decrescente a partir da época 2014/15. Por sua vez, a duração média das sequências ofensivas demonstrou uma tendência crescente, particularmente, de 2014/15 em diante, quando o tempo médio das sequências ofensivas aumentou de 6,4 segundos para 8,3 (+33,3%).

 

·     Performance relativa à ação de passe

A Figura 3 mostra que o número total de passes (+18,7%), a precisão do passe (+6,8%) e o número de passes por sequência ofensiva (+34,4%) registaram uma tendência constante de incremento ao longo das épocas examinadas. Por seu turno, a velocidade de progressão direta evidenciou uma tendência decrescente, especialmente da época 2013/14 em diante.

 

Figura 3. Médias preditas e intervalos de confiança a 95% para as variáveis “número de passes” (passes), “precisão do passe” (passing accuracy), “passes por sequência” (passes per sequence) e “velocidade de progressão direta da sequência” (direct speed) na LaLiga de 2008/09 a 2020/21, de acordo com o modelo linear generalizado misto. *Significativamente diferente da temporada 2008/2009 (teste de Fisher para diferenças mínimas significativas; p < 0,05) (adaptado de González-Rodenas et al., 2023).

 

·     Performance ofensiva

O número de passes chave diminuiu significativamente a partir de 2014/15, enquanto o número de bolas (passes) penetrantes começou a decrescer significativamente a partir da época 2011/12. O número de sequências finalizadas no terço ofensivo apresentou um decréscimo gradual. Além disso, o número de sequências finalizadas com um remate também manifestou uma tendência decrescente, com diferenças significativas entre a época de referência (2008/09) e todas as épocas após 2011/12.

 

Figura 4. Médias preditas e intervalos de confiança a 95% para as variáveis “passes chave” (key passes), “bolas penetrantes” (through balls), “sequências finalizadas no terço ofensivo” (sequences that end in the attacking third) e “sequências finalizadas com um remate” (sequences that end in a shot) na LaLiga de 2008/09 a 2020/21, de acordo com o modelo linear generalizado misto. *Significativamente diferente da temporada 2008/2009 (teste de Fisher para diferenças mínimas significativas; p < 0,05) (adaptado de González-Rodenas et al., 2023).

 

Aplicações práticas

Com base nos resultados apresentados, foram extraídas 3 sugestões fundamentais para os treinadores implementarem nas suas abordagens práticas ao treino e ao jogo:

 

1. Adaptação estratégico-tática: os treinadores devem fomentar um estilo de jogo mais associativo nas suas equipas. Esse intento envolve a criação de sequências de passes mais longas, permitindo controlar o jogo de forma mais eficaz por meio do aumento da frequência e da precisão dos passes. Do ponto de vista tático-técnico, implica a realização de mais passes à largura do campo e, inclusivamente, passes para trás, levando a um controlo mais refinado da posse de bola e do ritmo de jogo. A ausência de “vertigem ofensiva” (i.e., chegar muito rapidamente à baliza adversária) possibilita que as equipas explorem os momentos mais oportunos do processo ofensivo para desequilibrar a organização defensiva adversária e finalizar o ataque, sem comprometer a organização defensiva da própria equipa.

 

2.  Organização defensiva: um maior jogo associativo terá certamente a ver com o modo como as equipas se organizam em processo defensivo. Assim, os treinadores devem considerar fortalecer a organização defensiva das suas equipas, aumentando a pressão sobre a bola e linhas de passe envolventes. Esta opção estratégico-tática, quando bem executada, tende a reduzir as chances que as equipas adversárias têm de penetrar nos diversos setores, forçando-os a depender de combinações de passe mais elaboradas para ultrapassar o bloco defensivo. Em suma, com um bloco compacto e pressionante, as equipas são capazes de limitar as ocasiões de transição defesa-ataque em profundidade dos adversários, reduzindo as oportunidades que criam para rematar à baliza.

 

3. Otimização do desempenho físico: uma organização ofensiva mais efetiva pode potencialmente rentabilizar os esforços físicos dos jogadores e atenuar o gasto energético durante os jogos. A construção de processos ofensivos mais organizados salvaguarda a condição física dos jogadores, proporcionando que conservem energia para a execução de ações mais intensas quando é necessário, aspeto que reflete uma nova característica do futebol moderno – integrar a gestão física na preparação das nuances estratégico-táticas a implementar.

 

Conclusão

As evidências do estudo demonstram que as equipas de futebol da LaLiga evoluíram técnica e taticamente para um estilo de jogo mais associativo e combinativo, incluindo sequências de passe mais longas, tanto em duração, como em quantidade. Esta evolução também acarretou a diminuição da velocidade de progressão direta no sentido da baliza oponente e a redução do número de bolas penetrantes, passes chave e remates. 

Numa perspetiva estratégico-tática, parece que as equipas profissionais estão a evoluir para um estilo de jogo mais associativo, com menos verticalidade e penetração ofensiva. Ainda assim, os técnicos não devem apenas treinar os jogadores para serem precisos nas ações de passe inerentes à manutenção da posse de bola, já que é essencial que estes adquiram competências específicas de drible, finta ou passe para desorganizar a defesa contrária. Além disso, uma vez que o número de passes penetrantes, passes chave e remates tem decrescido nos últimos anos, possuir jogadores com estes atributos pode ser vital para formar planteis bem-sucedidos. O conhecimento providenciado por este estudo desafia treinadores e analistas a refletir sobre o atual desenvolvimento técnico, tático e estratégico do jogo de futebol.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Biology of Sport.