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30/09/2025

Artigo do mês #69 – setembro 2025 | Influência da presença do treinador e da estimulação verbal na intensidade do exercício e na performance tático-técnica no treino de futebol de formação

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.


- 69 -

Autores: Jiménez, P. P., García-Aliaga, A., Vivar, G. M., & Sillero-Quintana, M.

País: Espanha

Data de publicação: 29-agosto-2025

Título: Influence of coach presence and verbal stimulation on exercise intensity and technical-tactical performance during soccer-specific training in youth players

Referência: Jiménez, P. P., García-Aliaga, A., Vivar, G. M., & Sillero-Quintana, M. (2025). Influence of coach presence and verbal stimulation on exercise intensity and technical-tactical performance during soccer-specific training in youth players. International Journal of Sports Science & Coaching, 1–11. Advance online publication. https://doi.org/10.1177/17479541251366278

  

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 69 – setembro de 2025.

 

Apresentação do problema

O futebol é um desporto sociomotor, dinâmico e imprevisível, com ações tático-técnicas acíclicas e intermitentes (Castellano, 2000; Oyón et al., 2016). As exigências variam conforme o nível competitivo, o modelo de jogo e a posição dos jogadores (Varley et al., 2018). Fisiologicamente, predomina o metabolismo aeróbio, embora os momentos decisivos dependam de esforços anaeróbios (Bangsbo, 2014; Mohr et al., 2003). Durante os jogos, os jogadores percorrem entre 10 e 13 km, com diferentes intensidades consoante a posição em campo. Os médios cobrem maior distância total, enquanto avançados e extremos acumulam mais ações em alta velocidade (Vigne et al., 2010; Andrzejewski et al., 2013). 

Para treinar estas exigências, os treinadores recorrem a jogos reduzidos (JRs), que recriam situações de jogo em espaços menores e com regras ajustadas. Estas tarefas promovem decisões rápidas, competências técnicas e adaptação a estímulos físicos e cognitivos variados (Fernández-Espínola et al., 2020; Alcalá et al., 2020; Ferreira-Ruiz et al., 2022). Os JRs são modelados por constrangimentos que influenciam a resposta dos jogadores e a eficácia do treino (Newell, 1986). Os principais fatores incluem:

 

·  Número de jogadores: menos jogadores aumentam a carga interna e favorecem ações individuais; mais jogadores promovem interações coletivas (Fernández-Espínola et al., 2020).

·    Dimensões do campo: espaços reduzidos geram maior densidade e transições rápidas; campos maiores permitem posses mais longas e corridas em alta velocidade (Ometto et al., 2018).

· Balizas e guarda-redes: a ausência de guarda-redes ou a utilização de balizas pequenas intensifica a resposta fisiológica e aumenta as ações ofensivas. Várias balizas em campo modificam o comportamento tático (Ferreira-Ruiz et al., 2022).

·  Regras do jogo: restrições como limite de toques ou número mínimo de passes elevam a carga cognitiva e induzem adaptações tático-técnicas específicas (Sarmento et al., 2018).

·  Regime de treino: a manipulação da duração, da recuperação e do tipo de esforço modula a carga fisiológica. A alternância entre métodos contínuos e intermitentes pode favorecer a adaptação ao esforço competitivo (Hill-Haas et al., 2009).

 

No seu conjunto, os JRs geram uma carga composta por exigências externas (locomotoras, mecânicas e metabólicas) e internas (psicofisiológicas) (Bourdon et al., 2017). A carga externa refere-se às exigências mecânicas e locomotoras do treino, como distância percorrida, sprints, acelerações e velocidade máxima, sendo atualmente monitorizada com fiabilidade através de sistemas GPS (Swinnen, 2016; Akenhead et al., 2016). A carga interna corresponde à resposta fisiológica e psicológica à carga externa, podendo variar mesmo perante estímulos idênticos, influenciada por fatores como o estado emocional (Impellizzeri et al., 2005; Bourdon et al., 2017). Para a medir, usam-se indicadores como a frequência cardíaca, a perceção subjetiva de esforço (PSE) e a concentração de lactato (Rampinini et al., 2007).

A intervenção verbal do treinador, ainda pouco estudada, pode influenciar a carga interna e externa no decurso de JRs (Falces-Prieto et al., 2015). Essa comunicação pode assumir várias formas, como instruções técnicas, reforço positivo sem correção ou orientações organizacionais (Díaz-García et al., 2021). A estimulação verbal, enquanto reforço positivo, revela-se especialmente eficaz para potenciar a aprendizagem tática e o envolvimento dos jogadores, sobretudo em contextos de alta intensidade (Hill-Haas et al., 2009; Sahli et al., 2022). 

O encorajamento verbal do treinador pode melhorar a motivação, a confiança e a atenção dos jogadores, promovendo uma maior ativação fisiológica associada ao desempenho motor (Khayati et al., 2024; Krahenbuhl, 1975). Também se associa a maior prazer e bem-estar durante a tarefa, possivelmente mediado pela libertação de oxitocina, hormona ligada ao compromisso e à motivação (Selmi et al., 2017; Pepping & Timmermans, 2012). A estimulação verbal revela-se, por isso, uma ferramenta eficaz para potenciar a carga interna, com efeitos positivos na execução técnica e na precisão das ações (Batista et al., 2019; Hammami et al., 2023). Contudo, não há estudos que tenham avaliado o impacto da presença do treinador e dos diferentes tipos de reforço verbal na intensidade e na performance tático-técnica durante JRs.

Este estudo visou analisar essa influência em jovens jogadores de futebol, considerando estímulos verbais centrados no encorajamento e em instruções táticas. Partiu-se da hipótese de que a presença do treinador e o seu apoio verbal aumentam a intensidade do exercício e o desempenho, através de maior motivação e compromisso com a tarefa (Hill-Haas et al., 2009; Sahli et al., 2022).

 

Métodos

 

·     Participantes

O cálculo amostral (G*Power v.3.0.10) indicou 20 participantes. Foram recrutados 20 jogadores Sub-16 da Primeira Divisão Regional de Madrid, excluindo 2 guarda-redes. Por lesão, a amostra final integrou 16 jogadores de campo (15,28 ± 0,48 anos; 175,13 ± 5,02 cm; 61,5 ± 5,93 kg), com 2 treinos semanais de 90 minutos e um jogo oficial. Os critérios de inclusão exigiram ≥4 anos de prática federada e ausência de lesões recentes. Todos entregaram consentimento informado dos encarregados de educação. O estudo foi aprovado pelo Comité de Ética da Universidade Politécnica de Madrid, conforme a Declaração de Helsínquia (2013).

 

·     Materiais

Foram utilizados dispositivos GPS Catapult Vector S7 (10 Hz; acelerómetro a 400 Hz) para medir as exigências físicas, validados para desportos coletivos (Johnston et al., 2014). Os dados foram extraídos via Openfield Field Console 3.9 e Openfield Cloud 4.7 (Catapult Sports, Austrália). As sessões foram filmadas com uma câmara digital COOAU SPC 06 (4K/30FPS; Guangdong, China) para análise técnico-tática.

 

·     Procedimentos

O estudo decorreu durante 4 sessões de treino (terças e quintas às 18h00), em ambiente controlado, para evitar variações circadianas (Drust et al., 2005). Nas duas primeiras sessões, além de informações sobre objetivos e procedimentos metodológicos, promoveu-se a familiarização com os materiais e as tarefas 4v4. 

No terceiro momento de treino, os 16 jogadores foram distribuídos aleatoriamente em 4 equipas, realizando 2 jogos sob 3 condições: ausência de treinador (Absence of a Coach – AC), presença do treinador (Presence of a Coach – PC) e estimulação verbal (verbal stimulation of the coach – VS). A ordem e composição das equipas foram aleatórias para evitar efeitos de aprendizagem. Todos os jogos duraram 3 minutos, com 3 minutos de pausa entre eles. 

Na quarta sessão, os jogadores foram divididos aleatoriamente em grupo controlo e grupo experimental. Testaram-se duas novas condições: estimulação verbal ofensiva (verbal stimulation with tactical-technical offensive instructions – VS_OF) e estimulação verbal defensiva (verbal stimulation with tactical-technical defensive instructions – VS_DF), com contrabalanço da ordem de aplicação (ver figura 2).

 

Figura 2. Desenho do protocolo. Notas: ausência de treinador (Absence of a Coach – AC), presença de treinador (Presence of a Coach – PC), estimulação verbal (Verbal Stimulation – VS), estimulação verbal ofensiva (Verbal Stimulation with tactical-technical offensive instructions – VS_OF), estimulação verbal com instruções técnico-táticas defensivas (Verbal Stimulation with tactical-technical defensive instructions – VS_DF) (Jiménez et al., 2025).

 

Todos os jogos foram filmados e analisados com notação manual (Kelly & Drust, 2009). As ações foram classificadas em 4 categorias (passes, remates, duelos defensivos, interceções) e avaliadas quanto à eficácia (sucesso/insucesso). As fiabilidades intra e interobservador foram verificadas por nova análise independente realizada após 3 meses.

 

·     Protocolo da prática

Os JRs seguiram o formato 4v4 sem guarda-redes, com duas balizas centrais e campo de 36x23 m (103,5 m2/jogador). Aplicaram-se todas as regras do futebol, exceto o fora de jogo. Dez bolas foram distribuídas ao redor do campo para maximizar o tempo útil (Casamichana & Castellano, 2015). A câmara foi colocada na metade oposta para captar todas as ações. Os GPS foram colocados 15 minutos antes da recolha, inseridos em coletes com bolso dorsal. Os dados foram exportados via software Catapult.

 

·     Variáveis

As variáveis independentes corresponderam às diferentes condições sob as quais decorreram os JRs, centradas na presença do treinador e no tipo de estimulação verbal. As variáveis dependentes incluíram indicadores de desempenho físico e tático-técnico. As Tabelas 1 e 2 apresentam as definições operacionais utilizadas neste estudo, de acordo com a literatura de referência.

 

Tabela 1. Variáveis independentes (condições experimentais) do estudo (adaptado de Jiménez et al., 2025).


Tabela 2. Variáveis dependentes (indicadores de desempenho) do estudo (adaptado de Jiménez et al., 2025).

·     Análise estatística

A análise foi realizada no SPSS 19.0. As fiabilidades intra e interobservador foram avaliadas com o coeficiente Kappa de Cohen (1988), enquadrado de acordo com os critérios de Landis e Koch (1977). Como os dados não apresentaram distribuição normal (teste de Shapiro-Wilk) nem esfericidade (teste de Mauchly), recorreu-se a testes não paramétricos. No primeiro caso experimental (AC, PC, VS), aplicaram-se os testes de Friedman e de Wilcoxon para comparações entre condições. No segundo caso (VS_OF vs. controlo; VS_DF vs. controlo), usou-se o teste de Mann-Whitney U. O tamanho do efeito foi calculado com o Hedges’ g (Hedges, 1981), interpretado como pequeno (0,2), médio (0,5) ou grande (≥ 0,8) (Cohen, 1988).

 

Principais resultados

Esta secção apresenta os principais efeitos das diferentes condições experimentais sobre o desempenho físico e tático-técnico dos jogadores durante os JRs. Os resultados estão organizados em 3 subsecções: desempenho físico, desempenho tático-tático e comparações entre as condições com estimulação verbal e o grupo de controlo.

 

·     Desempenho físico

A presença do treinador, sobretudo com encorajamento verbal (VS), influenciou de forma positiva a PSE, que foi significativamente mais elevada face à condição sem treinador (AC). Nas restantes variáveis físicas, observaram-se tendências favoráveis nas condições com estimulação verbal (VS_OF e VS_DF), com destaque para o aumento da distância total percorrida e das ações em alta velocidade na condição defensiva (VS_DF), ainda que nem todos os efeitos tenham sido estatisticamente significativos.

 

·     Desempenho tático-técnico

A estimulação verbal demonstrou efeitos positivos na qualidade e frequência das ações tático-técnicas. A condição defensiva (VS_DF) originou melhorias no número total de passes e de passes bem-sucedidos, sem comprometer o equilíbrio defensivo. Por sua vez, a condição ofensiva (VS_OF) gerou ligeiras melhorias na eficácia dos passes, embora com menor impacto global nas restantes variáveis táticas.

 

·     Comparações com o grupo de controlo

Tanto a estimulação verbal ofensiva como a defensiva mostraram efeitos superiores ao grupo de controlo em diversas variáveis técnicas, com a condição defensiva (VS_DF) a apresentar ganhos mais robustos e consistentes. Os efeitos positivos da condição ofensiva (VS_OF) foram mais moderados e, em alguns indicadores físicos, inferiores aos do grupo de controlo.

 

Aplicações práticas

A análise dos efeitos da presença e da estimulação verbal do treinador em contextos de treino com JRs permite retirar 4 implicações práticas com relevância direta para o planeamento, gestão da carga e otimização do desempenho de jovens futebolistas:

 

1. Valorizar a presença do treinador como fator de mobilização do empenho: a simples perceção de que o treinador observa pode aumentar o esforço percebido pelos jogadores, mesmo sem alterações objetivas na carga externa. Este efeito sugere que a localização e visibilidade do treinador devem ser ponderadas no desenho das tarefas, sobretudo quando se pretende reforçar a implicação cognitiva e emocional das crianças e dos jovens. 

2. Aplicar instruções defensivas para intensificar a carga física: a estimulação verbal com foco defensivo gerou aumentos significativos na distância percorrida e nas exigências externas, constituindo uma estratégia eficaz quando o objetivo passa pelo desenvolvimento da condição física. Indicações como “pressionar alto” ou “fechar linhas de passe” promovem deslocamentos amplos e uma maior ocupação do espaço de jogo – comportamentos associados a tarefas de elevada intensidade. 

3. Reconhecer os efeitos colaterais positivos das instruções tático-técnicas: embora a estimulação verbal ofensiva vise a eficácia atacante, o foco defensivo proporcionou melhorias mais evidentes no número e na eficácia dos passes. Este efeito pode resultar de um estado de alerta superior, induzido pelas exigências defensivas. Assim, as instruções táticas não afetam apenas os comportamentos diretamente visados, mas também influenciam ações ofensivas decorrentes da resposta à pressão adversária. 

4. Equilibrar a estimulação verbal com a autonomia decisional dos jogadores: ainda que as instruções tático-técnicas produzam ganhos físicos e tático-técnicos, uma verbalização excessiva pode comprometer a tomada de decisão em idades críticas para o desenvolvimento tático. Deve existir espaço para a leitura do contexto, para a iniciativa e para o erro. Caso contrário, o treino corre o risco de restringir competências decisórias que urge estimular.

 

Conclusão

A presença do treinador, mesmo sem intervenção verbal, aumenta significativamente o esforço percebido pelos jogadores em JRs 4v4. Já a estimulação verbal focada no desempenho defensivo melhora não só a carga externa, mas também a eficácia ofensiva na ação de passe. Por fim, instruções ofensivas promovem ligeiras melhorias na fluidez ofensiva, sobretudo no número total de passes realizados.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista International Journal of Sports Science & Coaching.

30/06/2025

Artigo do mês #66 – junho 2025 | Impacto da limitação de toques em jogos reduzidos nas ações técnicas com bola no futebol

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto. 

- 66 -

Autores: Rosten, M., Aune, T. K., & Dalen, T.

País: Noruega

Data de publicação: 29-maio-2025

Título: The impact of touch restrictions in small-sided games on soccer players’ passing, receiving, and ball-touch temporal intervals

Referência: Rosten, M., Aune, T. K., & Dalen, T.  (2025). The impact of touch restrictions in small-sided games on soccer players’ passing, receiving, and ball-touch temporal intervals. Journal of Human Kinetics, 98, 1–10. Advance online publication. https://doi.org/10.5114/jhk/196142

 

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 66 – junho de 2025.

 

Apresentação do problema

No futebol, os jogos reduzidos (JRs) são amplamente reconhecidos como um pilar da metodologia de treino, valorizados pela sua capacidade de replicar as exigências específicas dos jogos competitivos (Aguiar et al., 2012; Clemente et al., 2012). Com menos jogadores e menores dimensões do campo face ao formato convencional, os JRs são uma forma eficiente de desenvolver competências em múltiplas vertentes (Michailidis, 2013). 

Neste contexto, os JRs com diferentes restrições de toque revelam-se meios de treino valiosos, ao combinar estímulo físico acrescido com elevado realismo competitivo (figura 2). Contudo, os estudos mostram que a limitação a um único toque pode comprometer a execução de ações técnicas essenciais, como a receção seguida de passe, o que reduz a representatividade da tarefa e pode violar o princípio da especificidade (Dellal et al., 2012a; Casamichana et al., 2014).

 

Figura 2. A limitação de toques no treino de futebol (fonte: soccercoachingpro.com; imagem não publicada pelos autores).

 

Ser capaz de executar ações técnicas em alta velocidade é de grande importância no futebol; quando os jogadores conseguem passar a bola de forma rápida e eficaz, a equipa tende a dominar o jogo, mesmo sob forte pressão adversária. A capacidade de realizar ações técnicas no menor tempo possível é considerada uma das qualidades mais determinantes para a competitividade de um jogador (Wang, 2013). Embora investigações anteriores tenham clarificado o papel do posicionamento dos jogadores na dinâmica do jogo – especialmente no que diz respeito às distâncias percorridas e à frequência das ações técnicas (Dellal et al., 2010, 2012b) –, continua a existir uma lacuna no conhecimento sobre os efeitos da posição na intensidade e ritmo das ações com bola. Assim, o objetivo geral deste estudo foi analisar de que forma as ações técnicas dos jogadores são influenciadas por diferentes limitações no contacto com a bola em JRs de futebol (Gr+4v4+Gr).

 

Métodos

 

·     Participantes

O estudo incluiu 12 jogadores de futebol masculinos da categoria júnior (Sub-19), com idade média de 17,9 anos (± 0,8). Em termos físicos, apresentavam uma estatura média de 180,2 cm (± 4,9) e uma massa corporal média de 72,8 kg (± 8,9). Todos integravam a mesma equipa júnior da primeira divisão, atuando em diferentes posições, e tinham uma média de 9,7 anos (± 1,7) de experiência em treino organizado de futebol.

 

·     Desenho e procedimentos

A experiência foi conduzida na pré-época e teve como objetivo analisar os efeitos de diferentes limitações de toque em JRs Gr+4v4+Gr na proficiência do passe (quantidade, direção e sucesso), eficácia da receção (frequência e direção) e intervalo temporal entre o primeiro e segundo toque, indicador da velocidade de controlo da bola. O campo foi dividido em 3 zonas – defensiva, central e ofensiva –, o que permite uma análise mais detalhada das dinâmicas posicionais (figura 3).

Figura 3. Organização da relação numérica e das características espaciais da tarefa proposta (imagem não publicada pelos autores).

 

Testaram-se 3 condições: (1) máximo de 2 toques; (2) máximo de 3 toques; (3) jogo livre (sem restrições). Realizaram-se 30 jogos (10 por condição), distribuídos por 8 sessões. Cada jogo teve 4 minutos, com pausas equivalentes, e foi precedido por 20 minutos de aquecimento técnico. As equipas foram formadas aleatoriamente, as regras comunicadas antes de cada jogo, e nenhuma instrução foi dada durante a ação. 

O campo manteve dimensões constantes (30 x 20 m), com zonas de 10 m assinaladas por cones (Rampinini et al., 2007). Todos os jogos ocorreram num espaço interior, de forma a garantir condições ambientais estandardizadas. As ações dos guarda-redes (Gr) foram excluídas da análise. Para evitar viés de ordem ou fadiga, a sequência das condições foi contrabalançada entre sessões. As partidas foram gravadas por duas câmaras: uma fixa (Canon LEGRIA HF R36), colocada a 5,2 m de altura atrás de uma baliza, e uma câmara móvel (Sony HDR-XR155E) que possibilitou a análise detalhada das ações técnicas registadas.

 

·     Análise e variáveis

A análise foi efetuada com o software Kinovea (v.0.8.15), respeitando critérios predefinidos para o passe, a receção e o intervalo entre toques. De acordo com Owen et al. (2004): (1) o passe correspondeu à transmissão intencional da bola entre companheiros de equipa, por ações técnicas como passes rasteiros, altos, em balão, de calcanhar, em vólei ou de diferentes distâncias, realizados com o pé, coxa ou peito; (2) a receção foi considerada quando o jogador controlou e manteve a posse da bola. Situações em que o jogador não executou toque subsequente não foram classificadas como receção. 

Para analisar a direção dos passes e das receções, adotou-se o sistema de Thomas et al. (2009): ações frontais, diagonais e recuadas. O tempo entre o primeiro e o segundo toque foi medido com uma precisão de 0,04 segundos, que serviu como indicador da velocidade de controlo da bola. Foram analisadas tanto a duração média por jogada como o tempo mínimo registado. O campo foi dividido em 3 zonas (defensiva, central e ofensiva), por forma a investigar variações temporais consoante a localização do jogador no momento da receção.

 

·     Análise estatística

Com n = 12, α = 0,05 e 1 - β = 0,80, a análise de potência efetuada no G*Power 3.1.9.7 indicou um efeito mínimo detetável de d = 0,54 para medidas repetidas intraindivíduos (Faul et al., 2007). A normalidade foi verificada pelo teste de Shapiro-Wilk. Seguiu-se uma ANOVA de medidas repetidas unifatorial, com correções de Bonferroni. Quando a esfericidade foi violada, reportaram-se os valores ajustados segundo Greenhouse-Geisser. 

Para analisar a interação entre o tempo entre toques e a zona do campo, aplicou-se uma ANOVA de medidas repetidas bifatorial com correções de Bonferroni. O tamanho do efeito (d de Cohen) foi calculado a partir da diferença entre médias marginais estimadas, dividida pelo desvio padrão, sendo interpretado segundo Cohen (1988): trivial < 0,2; pequeno ≥ 0,2; moderado ≥ 0,5; elevado ≥ 0,8. Os dados foram apresentados em média ± desvio padrão. O nível de significância foi definido em p < 0,05, e a análise estatística foi realizada no SPSS 29.0.2.0 para Windows.

 

Principais resultados

A análise focou-se no número de toques por posse, na velocidade de controlo da bola e nas ações de passe e receção, em função de 3 condições experimentais (2 toques, 3 toques e jogo livre) de JRs (Gr+4v4+Gr). Os dados evidenciaram variações relevantes no tempo de decisão e execução dos jogadores, assim como diferenças consoante a zona do campo em que as ações ocorreram.

 

·     Toques

O número médio de toques por posse de bola por jogador foi significativamente inferior nos JRs com limite de 2 toques, em comparação com os de 3 toques e com o jogo livre (1,54 ± 0,07 vs. 1,74 ± 0,13 e 2,39 ± 0,47, respetivamente).

 

·     Velocidade de controlo da bola

O intervalo médio entre o primeiro e o segundo toque foi mais curto nas zonas próximas da baliza adversária. A menor duração entre toques foi observada, de forma consistente, no terço ofensivo, seguida pela zona intermediária e, por fim, pela zona defensiva. Esta tendência manteve-se estável em todas as condições de jogo (2 toques, 3 toques e livre).

 

·     Passes e receções

Nos jogos com limite de 2 toques, registou-se um número superior de passes face ao jogo livre. Ainda assim, o jogo livre apresentou mais receções totais e mais receções orientadas para a frente. Adicionalmente, os jogadores realizaram significativamente mais passes ao primeiro toque nos jogos com 2 toques do que nos jogos livres e nos de 3 toques. Também nos jogos com 3 toques se verificaram mais passes ao primeiro toque do que no jogo livre. As taxas de sucesso dos passes foram semelhantes entre as 3 condições (75,42%, 75,46% e 74,61%, respetivamente).

 

Aplicações práticas

Criar contextos de treino que aproximem os jogadores das exigências do jogo formal é um desafio constante. Este estudo mostra que as restrições ao número de toques nos JRs aumentam a frequência de passes e favorecem a tomada de decisão sob pressão. Com base nos principais resultados, apresentam-se 5 recomendações práticas que podem ser facilmente integradas na organização das tarefas de treino.

 

1. Promover a eficiência temporal em zonas ofensivas: a menor duração entre toques registada nas zonas ofensivas realça a importância de treinar a tomada de decisão e a execução rápida em setores avançados do campo. Os treinadores devem privilegiar tarefas que envolvam receções e ações rápidas próximas da baliza adversária e encorajar os jogadores a acelerar os seus processos táticos-técnicos sob elevada pressão defensiva adversária. 

2. Propor diferentes posições de jogo para desenvolver competências técnicas transversais: como verificado, a zona do campo influencia o tempo entre toques, o que reforça a utilidade da alternância posicional em treino. Ao vivenciar diversos contextos espaciais e funcionais, os jogadores desenvolvem um leque mais abrangente de soluções, com ganhos em adaptabilidade e leitura do jogo. 

3. Evitar confiar exclusivamente na limitação de toques para estimular o controlo de bola: a ausência de diferenças no tempo entre toques nas 3 condições testadas (2 toques, 3 toques e livre) sugere que a velocidade de controlo não depende diretamente do limite de toques. Assim, os treinadores devem criar contextos de pressão realista nos JRs e não esperar que a simples limitação do número de toques modifique, por si só, o ritmo técnico dos jogadores. 

4. Utilizar a limitação de toques para aumentar a frequência de passes: a limitação do número de toques (2 ou 3) obriga os jogadores a recorrer mais ao passe como forma de progressão, o que potencia um estilo de jogo mais apoiado e dinâmico. Quando o objetivo passa por aumentar o número de passes e fomentar a circulação rápida da bola, estas restrições revelam-se eficazes. 

5. Recorrer ao jogo livre para estimular a proficiência na receção: o jogo sem restrições fomenta um número mais elevado de receções, em particular receções orientadas para a frente. Para melhorar esta competência, recomenda-se o uso do jogo livre, que proporciona mais oportunidades de contacto com a bola e favorece a adaptação ao ritmo do jogo.

 

Conclusão

​​O presente estudo demonstra que a limitação do número de toques em JRs 4v4 aumenta a frequência de passes sem afetar negativamente a sua eficácia. Por outro lado, o jogo livre promove um maior número de receções por sequência ofensiva. Embora o limite de toque não influencie diretamente o tempo entre toques consecutivos, a zona do campo condiciona esse intervalo, mais curto no setor ofensivo. Estes resultados reforçam a importância de ajustar os constrangimentos e as posições no treino, com vista a melhorar a proficiência no passe e a tomada de decisão sob elevada pressão defensiva dos oponentes.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Journal of Human Kinetics.

30/05/2025

Artigo do mês #65 – maio 2025 | Efeitos combinados da idade, dimensão do campo, posição de jogo e dispositivo tático na carga de treino de jovens futebolistas durante jogos reduzidos

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.

- 65 -

Autores: Ferrandis, J., Carril-Valdó, J. J., Gil-Arias, A., Claver-Rabaz, F., Sánchez-Sánchez, J., & González-Rodenas, G.

País: Espanha

Data de publicação: 23-abril-2025

Título: Combined effects of age, pitch size, playing position and tactical formation on training load in youth soccer players during small sided games

Referência: Ferrandis, J., Carril-Valdó, J. J., Gil-Arias, A., Claver-Rabaz, F., Sánchez-Sánchez, J., & González-Rodenas, G.  (2025). Combined effects of age, pitch size, playing position and tactical formation on training load in youth soccer players during small sided games. International Journal of Sports Science & Coaching, 1–15. Advance online publication. https://doi.org/10.1177/17479541251333896

 

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 65 – maio de 2025.

 

Apresentação do problema

Uma metodologia de treino representativa das exigências competitivas é essencial para potenciar o rendimento dos jogadores. Para isso, os jogos reduzidos (JRs), que simulam interações e incertezas do jogo real, tornaram-se um dos métodos de treino mais utilizados no futebol (Clemente et al., 2021; Olthof et al., 2019; Nunes et al., 2020; Sarmento et al., 2018). 

Os JRs são tarefas de treino realizadas em espaços mais pequenos, que procuram reproduzir as exigências físicas e tático-técnicas da competição, através da manipulação de variáveis como o número de jogadores, as regras e a dimensão do campo (Olthof et al., 2019). Apesar de não reproduzirem plenamente as exigências de alta velocidade observadas em contexto competitivo (Casamichana et al., 2012; Asían-Clemente et al., 2021), ao integrarem estímulos motores, táticos e técnicos, potenciam o aproveitamento do tempo de treino (Davids et al., 2013; Clemente et al., 2020). Suportados por correntes teóricas como o Desenho Representativo da Aprendizagem (Representative Learning Design) e a Abordagem Baseada nos Constrangimentos (Constraints-led Approach), constituem contextos de treino realistas que favorecem a aprendizagem tática e a tomada de decisão, ao promoverem adaptações comportamentais resultantes da interação entre a tarefa, o contexto e o jogador (Renshaw & Chow, 2019; Borges et al., 2022). 

A literatura tem investigado amplamente o impacto de variáveis como número de jogadores, espaço, tipo de balizas, regras, uso de neutros (jokers) e regimes de treino no desempenho físico, fisiológico e tático-técnico no futebol (Castellano et al., 2013; Clemente et al., 2020; González-Rodenas et al., 2019). A área por jogador influencia especialmente as exigências locomotoras, sendo que maiores áreas relativas aumentam a distância total percorrida e os valores de variáveis relacionadas com a velocidade (Clemente et al., 2023; Guard et al., 2022; Praça et al., 2022). Contudo, o efeito na carga mecânica é inconsistente (Riboli et al., 2020, 2021). Estudos apontam efeitos opostos consoante a idade e o tipo de jogo (com ou sem balizas), não havendo consenso quanto à relação entre a área por jogador e acelerações/desacelerações, o que reforça a necessidade de mais investigação (Clemente et al., 2023). 

Embora, em competição, os estudos sugiram um desempenho físico superior em jogadores de faixas etárias mais avançadas (Al Haddad et al., 2015; Buchheit et al., 2010), a análise de JRs mostra resultados incongruentes (Castillo et al., 2020; Rábano-Muñoz et al., 2019; Olthof et al., 2018). Por exemplo, Rábano-Muñoz et al. (2019) e Santos et al. (2021, 2024) observaram maiores exigências físicas em jogadores Sub-19 e Sub-23, respetivamente, em comparação com Sub-17, Sub-15 e Sub-12. No entanto, outros estudos não identificaram quaisquer diferenças entre Sub-16 e Sub-18 (Castillo et al., 2020; Hauer et al., 2021). Como a maioria das investigações se baseia em formatos reduzidos (4v4, 4v4+2, 5v5), recomenda-se a análise de jogos de média dimensão, mais próximos da realidade competitiva, para melhor entender o impacto da progressão etária no treino. 

As diferenças entre posições em contexto competitivo estão bem documentadas (Buchheit et al., 2010; Bradley, 2023; Ju et al., 2023); ainda assim, a variável “posição” tem sido frequentemente negligenciada nos estudos sobre JRs. Esta torna-se particularmente relevante em formatos com mais jogadores (6v6 a 8v8), onde posições distintas registam diferentes cargas internas e externas (Owen et al., 2016; Martín-García et al., 2019; Sydney et al., 2021). A literatura científica indica que os JRs podem sobrecarregar ou subcarregar jogadores consoante a posição de jogo (Dellal et al., 2012; Lacome et al., 2018). Além disso, o dispositivo tático influencia o comportamento tático e as exigências físicas em JRs e em competição (Baptista et al., 2020; Low et al., 2022). Esta variável demonstrou afetar as exigências físicas dos jogadores (Forcher et al., 2023; Modric et al., 2020), o que releva a importância de ser investigada nos JRs, sobretudo dada a escassez de trabalhos existentes. 

Uma conceção eficaz de JRs exige que constrangimentos da tarefa (e.g., dimensão do campo, dispositivo tático, posição) se adequem às características individuais dos jogadores, como a idade e as capacidades tático-técnicas, pois influenciam de forma interdependente a carga física do treino. No entanto, apesar da atenção dada à idade e à dimensão do campo, os efeitos do dispositivo tático e das posições específicas ainda permanecem pouco estudados. Este estudo aborda este défice ao analisar a interação entre múltiplos constrangimentos em JRs, com vista à produção de evidência aplicável ao treino (Clemente et al., 2023; Rábano-Muñoz et al., 2019; Santos et al., 2024). Assim, o objetivo do estudo foi analisar a carga locomotora e fisiológica combinada em jovens futebolistas durante JRs. Os autores colocaram as hipóteses de que jogadores mais velhos e JRs em espaços mais amplos apresentem maiores exigências em corrida de alta intensidade e sprint, com os alas e os avançados a registar maiores cargas do que defesas centrais e médios.

 

Métodos

 

·     Participantes

O estudo incluiu 28 jogadores subelite (Sub-16 e Sub-19) de um clube da região de Madrid, excluindo guarda-redes (Gr) e praticantes não aptos fisicamente. Foram recolhidas 422 observações em 6 sessões e 18 JRs, num desenho fatorial com 2 escalões etários (Sub-16; Sub-19), 4 posições de jogo (DC: defesas centrais; W: alas; M: médios; FW: avançados centro), 2 dispositivos táticos (1-2-3-1; 1-3-1-2) e duas dimensões de campo (232 m2/jogador; 132 m2/jogador; figura 2). A análise post hoc revelou alto poder estatístico (>95%) para o escalão etário, espaço e dispositivo tático, mas baixo para a posição de jogo (~40%). Os jogadores tinham 9–14 anos de experiência e treinavam 3 vezes/semana.


Figura 2. Dimensão do campo de ambos os jogos reduzidos utilizados no estudo, em relação ao campo inteiro (Ferrandis et al., 2025).

 

·     Procedimentos

O estudo decorreu durante 6 semanas e analisou os efeitos combinados do escalão etário, posição de jogo, dispositivo tático e espaço de jogo na carga locomotora e fisiológica de jovens futebolistas subelite, em contexto de JR. As sessões realizaram-se em relvado sintético, sempre às 20h00, sob condições controladas. Foi realizada uma sessão de familiarização com os JRs, os dispositivos táticos e os equipamentos de monitorização (GPS WIMU PRO™ e bandas de frequência cardíaca GARMIN®). 

Os JRs foram disputados em duas dimensões de campo (132 m2 e 232 m2/jogador, incluindo Gr), representando o espaço habitualmente disponível em treino (meio-campo), com base em evidência prévia sobre as exigências competitivas (Riboli et al., 2021). Foram testados os dispositivos táticos 1-2-3-1 e 1-3-1-2 (ver Figura 3), com equipas equilibradas em função da posição e do nível tático-técnico (avaliado pelos treinadores). Independente do dispositivo utilizado, cada equipa enfrentou um adversário fixo em 3-3. Realizaram-se 6 repetições por sessão (5 minutos de jogo + 2 minutos de pausa), com alternância semanal das condições espaciais e estratégico-táticas.

 

Figura 3. Características dos JRs realizados neste estudo. Gr = guarda-redes; DC = defesa central; W = ala; M = médio; FW = avançado centro. Dispositivo 1-3-1-2: 1 Gr, 1 DC, 2 A, 1 M e 2 FW; Dispositivo 1-2-3-1: 1 Gr, 2 DC, 2 A, 1 M e 1 FW (Ferrandis et al., 2025).

 

Foram recolhidas variáveis de desempenho físico e fisiológico relativas a: 

a)  Distância percorrida, expressa em metros por minuto: total (TD), caminhada (0–6 km/h), jogging (6–12 km/h), corrida moderada (12–18 km/h) e corrida de alta intensidade (HIRD; >18 km/h);

b)  Carga metabólica elevada (HMLD): distância percorrida por minuto quando a potência metabólica excede os 25,5 W/kg;

c)   Velocidade: média (SpeedAVG) e máxima (SpeedMAX) alcançadas em cada repetição;

d) Carga mecânica: distância percorrida por minuto em acelerações (>2 m/s2) e desacelerações de alta intensidade (<–2 m/s2), e número de impactos intensos por minuto (ações que envolvem forças G relevantes durante o jogo);

e)  Carga fisiológica: percentagem da frequência cardíaca máxima (%HRmax) atingida por cada jogador, em relação ao seu valor máximo registado em competição.

 

A recolha foi realizada com recurso ao sistema GPS WIMU PRO™ e bandas de frequência cardíaca GARMIN®, com visualização e exportação de dados no software WIMU SPRO™. Todas as variáveis de distância e carga mecânica foram expressas de forma relativa (m/min ou ações/min), tendo em conta o tempo efetivo de jogo. O protocolo foi delineado para assegurar validade ecológica e refletir a prática real de treino, com supervisão contínua por treinadores e investigadores.

 

·     Análise estatística

Os dados foram analisados com modelos lineares generalizados mistos, agrupando as observações por jogador para estudar os efeitos combinados do escalão etário, posição de jogo, dimensão do campo e dispositivo tático na carga física e fisiológica. Os modelos controlaram a variabilidade individual e permitiram lidar com diferentes números de sessões por jogador. A comparação entre o modelo nulo e o modelo completo (com efeitos fixos) revelou melhor ajuste estatístico ao incluir as variáveis independentes, sobretudo para a distância percorrida, velocidade média e corrida moderada. Foram ainda gerados gráficos com médias estimadas e testes LSD para comparar as posições de jogo, considerando um nível de significância de p < 0,05.

 

Principais resultados

Os modelos estatísticos indicaram que variáveis como o escalão etário, a dimensão do espaço de jogo e a posição em campo influenciam de forma diferenciada a carga locomotora e fisiológica dos jogadores. Em contraste, o dispositivo tático utilizado não teve impacto significativo. Seguem-se os principais fatores associados às diferenças observadas.

 

·     Efeitos da idade

Jogadores Sub-19 apresentaram valores superiores de distância total percorrida, velocidade média e máxima, e número de impactos por minuto, comparativamente aos Sub-16.

 

·     Efeitos da dimensão do espaço de jogo

Jogos realizados em áreas maiores (232 m2/jogador) resultaram em maiores valores de distância total, corrida moderada e de alta intensidade, distância sob carga metabólica elevada, velocidade média e máxima, bem como impactos por minuto. Em contraste, registaram-se menores valores de caminhada comparativamente às áreas mais pequenas (132 m2/jogador).

 

·     Efeitos da posição de jogo

Os defesas centrais apresentaram menor distância total, corrida, distância sob carga metabólica elevada, velocidade média e número de acelerações/desacelerações, e maior distância em caminhada, face às restantes posições. Os médios e os avançados percorreram maiores distâncias totais e em jogging do que defesas centrais e alas. Os alas e os avançados também registaram mais distância em corrida de alta intensidade, distância sob carga metabólica elevada, acelerações e desacelerações por minuto do que os defesas. Os médios apresentaram a maior percentagem relativa de frequência cardíaca máxima.

 

·     Efeitos do dispositivo tático

Não foram observadas diferenças significativas na carga locomotora e fisiológica entre os 2 dispositivos táticos testados (1-2-3-1 e 1-3-1-2).

 

Aplicações práticas

Tendo por base os resultados do estudo sobre os efeitos da idade, dimensão do espaço, posição de jogo e dispositivo tático na carga locomotora e fisiológica em jovens futebolistas subelite, propõem-se as seguintes aplicações práticas para os profissionais do treino: 

1. Ajustar progressivamente a carga de treino na transição entre escalões​: a integração de jogadores Sub-16 em contextos Sub-19 deve ocorrer de forma faseada. O foco inicial deve incidir no desenvolvimento tático-técnico, seguido por um aumento gradual da exigência física, de forma a garantir uma adaptação segura e eficaz. 

2. Recorrer a espaços de jogo mais amplos para reforçar a intensidade e a representatividade do treino: quando o objetivo passa por desenvolver a capacidade locomotora e criar contextos próximos da competição, recomenda-se a utilização de áreas de jogo mais alargadas (>200 m2/jogador) nos JRs. 

3. Manipular os constrangimentos dos JRs para responder às exigências específicas de cada posição​: o treino deve ser estruturado com variações na configuração espacial, nas regras ou nas estruturas táticas para privilegiar estímulos diferenciados por função. Por exemplo, para médios, recomenda-se a criação de tarefas com elevada densidade de ações e cobertura de espaço central. Para extremos/alas e avançados, podem explorar-se situações de ataque rápido/contra-ataque em profundidade ou ações em superioridade numérica nas zonas de finalização.

4. Adotar estratégias de rotação posicional no treino, sobretudo em idades mais jovens:​ a influência da posição na carga interna e externa sugere que a especialização precoce pode limitar o desenvolvimento global. Ao alternar funções em campo, os jogadores vivenciam uma maior diversidade de experiências, o que favorece o desenvolvimento tático-técnico, físico e fisiológico de forma mais equilibrada e abrangente.

5. Selecionar o dispositivo tático com base em objetivos estratégicos e não na carga física esperada:​ ao planear JRs, os treinadores podem ponderar uma estrutura tática adequada aos princípios do modelo de jogo da equipa, uma vez que diferentes dispositivos não alteram de forma significativa os estímulos locomotores e fisiológicos dos jogadores.

 

Conclusão

​​O estudo mostrou que os jogadores Sub-19 enfrentaram maiores exigências locomotoras do que os Sub-16, com distâncias percorridas e velocidades superiores. Os JRs em campos de maiores dimensões impuseram maior esforço físico, mantendo cargas mecânicas e fisiológicas semelhantes às de campos mais pequenos. Os defesas centrais revelaram-se os menos solicitados fisicamente, ao passo que os médios suportaram as cargas mais elevadas, sobretudo a velocidades moderadas, refletindo-se num esforço cardiovascular superior. Os alas e os avançados destacaram-se pela maior atividade mecânica e de alta intensidade. O dispositivo tático não influenciou significativamente a carga física nem a fisiológica.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista International Journal of Sports Science & Coaching.