25/02/2020

Artigo do mês #2 – fevereiro 2020 | Variáveis táticas associadas à recuperação da posse de bola em zonas avançadas do campo (futebol profissional)

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.

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Autores: Javier Fernandez-Navarro, Carlos Ruiz-Ruiz, Asier Zubillaga, & Luis Fradua
Título: Tactical variables related to gaining the ball in advanced zones of the soccer pitch: Analysis of differences among elite teams and the effect of contextual variables
Revista: Frontiers in Psychology
País: Espanha
Referência:
Fernandez-Navarro, J., Ruiz-Ruiz, C., Zubillaga, A., & Fradua, L. (2020). Tactical variables related to gaining the ball in advanced zones of the soccer pitch: Analysis of differences among elite teams and the effect of contextual variables. Frontiers in Psychology, 10, 3040. doi: 10.3389/fpsyg.2019.03040 (link)

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês #2 - fevereiro 2020.

Apresentação do problema
No âmbito da análise da performance do futebol não é novidade que a maioria dos estudos tem centrado a investigação em torno do processo ofensivo, designadamente, incidindo nos comportamentos individuais e/ou coletivos conducentes à concretização do golo. Nos últimos anos, porém, a fase defensiva começou a ser alvo de análise, sobretudo, no que à caracterização dos métodos empregues por equipas de elite diz respeito. Sabe-se, por exemplo, que equipas mais bem-sucedidas tendem a recuperar a posse de bola em menos tempo após a perderem para a equipa adversária (Vogelbein et al., 2014) e que equipas visitadas (i.e., jogar em casa), equipas em desvantagem no marcador e equipas qualitativamente mais fortes tendem a recuperar a bola em zonas mais adiantadas do terreno de jogo (Almeida et al., 2014).

De facto, a caracterização dos estilos de jogo defensivo adotados pelas equipas é bastante útil para descrever e compreender as diferentes abordagens táticas em competição, bem como os seus efeitos práticos. Contudo, para que esse intento seja alcançado na plenitude, é necessário integrar diversas variáveis contextuais e de performance na mesma análise. Deste modo, tendo como referência para a avaliação tática das equipas os processos defensivos iniciados no meio-campo defensivo adversário, este estudo visou: (1) examinar os comportamentos defensivos de equipas de futebol quando recuperam a posse de bola em zonas adiantadas do campo, analisando eventuais diferenças entre elas; e, (2) avaliar o efeito de variáveis contextuais nos comportamentos defensivos.

Métodos
Amostra: consistiu em 1095 sequências de jogo defensivas iniciadas no meio-campo adversário, recolhidas de 10 jogos da La Liga espanhola, na época 2010/2011. As duas equipas participantes nos jogos foram analisadas, resultando na inclusão de 13 equipas na amostra. A unidade de análise foi a sequência de jogo defensiva, começando quando a equipa atacante (re)conquista a posse de bola no seu próprio meio-campo e finalizando quando a equipa defensora recupera a posse de bola, de acordo com os critérios estipulados pelos autores.

Procedimentos de recolha de dados: os eventos de jogo foram registados através do sistema de rastreio semiautomático Amisco Pro®. Basicamente, este sistema rastreia os movimentos da bola e de todos os jogadores ao longo do jogo, permitindo a reconstrução bidimensional desses movimentos e, posteriormente, a análise das equipas e dos jogadores. Os investigadores tiveram permissão da Amisco para recolher os dados e o estudo foi previamente aprovado pelo Comité de Ética da Universidade de Granada. A fiabilidade intra e inter-observador foi assegurada por dois operadores, obtendo bons valores de acordo para a variável categórica “resultado da sequência de jogo defensiva” (outcome of defensive pieces of play: jogada perigosa concedida; bola recuperada na zona transversal 1; bola recuperada na zona 2; bola recuperada na zona 3; bola recuperada na zona 4; bola recuperada na zona 5; bola recuperada na zona 6; ver figura 2) e para as variáveis contínuas “distância do defensor menos adiantado para a sua linha de golo” (distance from least advanced outfield defender to his goal line), “distância entre o jogador em posse de bola para o defensor mais próximo” (distance between the player in possession of the ball to the nearest defender), “comprimento do passe” (pass length), “número de passes” (pass number) e “duração” (duration). As variáveis contextuais utilizadas foram as seguintes: “localização do jogo” (match location: casa ou fora); “resultado corrente do jogo” (match status: a vencer, empatado ou a perder); “qualidade da oposição” (quality of opposition: aferido em função da classificação final: 1.º - 6.º lugar, 7.º - 13.º lugar ou 14.º - 20.º lugar); “período do jogo” (match period: 1-15 minutos, 16-30 minutos, 30-45 minutos mais tempo adicional, 46-60 minutos, 61-75 minutos ou 75-90 minutos mais tempo adicional).

Figura 2. Modo de animação do sistema Amisco Pro, com as 6 zonas transversais representadas (adaptado de Fernandez-Navarro et al., 2020).

Análise estatística: (1) tabelas de contingência considerando as variáveis de performance e contextuais definidas e as diversas equipas incluídas na amostra, com verificação dos valores de p e as respetivas dimensões de efeito consoante o tipo de teste utilizado (variáveis contínuas ou categóricas); (2) análise de cluster para agrupar as variáveis defensivas em grupos passíveis de descrever diferentes estilos de jogo defensivo. Em todas as análises foi adotado um nível de significância de 5% (p ≤ 0.05).

Principais resultados
Os autores mostraram a existência de diferenças significativas entre as equipas observadas nas zonas de recuperação de bola. O FC Barcelona foi a equipa que demonstrou maior probabilidade, em relação à média, de recuperar a bola em zonas mais adiantadas do campo (figura 3), o que comprova que este é um indicador de performance que discrimina as equipas mais bem-sucedidas.

Figura 3. Imagem de marca - o FC Barcelona da atualidade a impor pressão defensiva em zonas adiantadas do terreno de jogo.

As variáveis contextuais “resultado corrente do jogo” e “qualidade da oposição” estabeleceram uma relação significativa com o “resultado da sequência de jogo defensiva”, embora o mesmo não tivesse sido constatado para as variáveis “localização do jogo” e “período do jogo”. Em vantagem no marcador, as equipas recuperaram mais vezes a posse de bola na zona 1, enquanto que, com um resultado desfavorável, recuperaram menos vezes a bola nas zonas 1 e 2 e mais vezes na zona 5 (mais próxima da baliza adversária). Por outro lado, quanto maior for a qualidade da equipa oponente, menor é a probabilidade de recuperar a bola em zonas do campo mais avançadas. Verificaram-se diferenças significativas entre as equipas em todas as variáveis de performance contínuas, à exceção da variável “comprimento do passe”, que especifica o comprimento do último passe executado pela equipa adversária (em processo ofensivo) antes de perder a posse de bola para a equipa em análise (em processo defensivo).

A análise de cluster determinou a formação de 4 grupos em função das variáveis de performance e contextuais investigadas (figura 4):
·      Cluster 1 – bloco defensivo próximo da própria baliza (“duração” e “número de passes” elevados e “distância do defensor menos adiantado para a sua linha de golo” reduzida);
·      Cluster 2 – bloco intermédio recorrendo a menor pressão defensiva sobre os jogadores atacantes (“comprimento de passe” e “distância entre o jogador em posse de bola para o defensor mais próximo” elevados, e “duração”, “número de passes” e “distância do defensor menos adiantado para a sua linha de golo” intermédios);
·      Cluster 3 – bloco intermédio pressupondo pressão intensiva mais frequente sobre os jogadores atacantes (“duração”, “número de passes” e “distância do defensor menos adiantado para a sua linha de golo” intermédios, e “comprimento de passe” e “distância entre o jogador em posse de bola para o defensor mais próximo” reduzidos);
·      Cluster 4 – pressão defensiva alta exercida em zonas avançadas do terreno de jogo (“distância do defensor menos adiantado para a sua linha de golo” elevada, e “duração”, “número de passes”, “comprimento do passe” e “distância entre o jogador em posse de bola para o defensor mais próximo” reduzidos).

Figura 4. Percentagem de sequências de jogo defensivas iniciadas no meio-campo adversário pelas diferentes equipas, em função dos clusters apurados (Fernandez-Navarro et al., 2020). 

A contribuição relativa das variáveis para a formação de cada cluster permitiu identificar a importância de cada preditor (predictor importance – PI) nesta análise. Eis a importância de cada uma das variáveis preditivas, por ordem decrescente: “duração” da sequência ofensiva adversária (PI = 1.00); “número de passes” permitidos à equipa adversária (PI = 0.88); “distância do defensor menos adiantado para a sua linha de golo” (PI = 0.65); “comprimento do passe” (PI = 0.59); “distância entre o jogador em posse de bola para o defensor mais próximo” (PI = 0.25). A importância relativa das variáveis contextuais para a análise de cluster foi muito baixa (PI ≤ 0.02).

Implicações práticas
Os treinadores de equipas profissionais devem utilizar esta forma de aglutinar variáveis para a aferir o perfil da sua equipa e/ou dos adversários, no que concerne ao comportamento defensivo, para melhor preparar o coletivo para as vicissitudes da competição. Contudo, aquando da análise do desempenho em jogo competitivo, as equipas técnicas devem atentar ao facto de variáveis contextuais poderem afetar os comportamentos defensivos individuais e coletivos.

Conclusão
A análise de diversas variáveis defensivas revelou que as equipas empregam diferentes comportamentos táticos defensivos em competição, desde pressão alta a um bloco baixo próximo da sua baliza. O “resultado corrente do jogo” e a “qualidade da oposição” foram variáveis contextuais que influenciaram as sequências de jogo defensivas iniciadas no meio-campo adversário. Estes resultados contribuem para um melhor entendimento da variabilidade dos comportamentos defensivos das equipas no decurso de um jogo de futebol.


P.S.:
1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a Língua Portuguesa;
2-  A leitura deste texto não dispensa a leitura integral do artigo em questão;
3-  As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada no Frontiers in Psychology.

05/02/2020

As velas ardem até ao fim (1942)

Foi o primeiro livro que li do autor húngaro Sándor Márai (1900-1989). Primeiro, achei que a obra, no seu todo, fazia jus a um autêntico ensaio filosófico sobre a amizade. Numa instância posterior, e com uma reflexão mais cuidada, refiz a minha ideia inicial para algo menos redutor: é um autêntico ensaio filosófico sobre a vida (figura 1).

Figura 1. Capa do livro "As velas ardem até ao fim", publicado em Portugal pela editora Dom Quixote.

“Não é verdade que o destino entre cego na nossa vida, não. O destino entra pela porta que nós mesmos abrimos, convidando-o a passar.” (p. 125)

“Acontece que o momento traz consigo uma possibilidade e isso tem um tempo exacto – e se o momento passou, de repente já não podes fazer nada.” (p. 144)

Qualquer semelhança com as incidências de um jogo desportivo coletivo será pura coincidência? A vida não é mais que uma questão de linhas de passe.