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20/04/2020

Artigo do mês #4 – abril 2020 | Efeitos de manipular o tipo de bola em jogos reduzidos no futebol juvenil

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.

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Autores: Sara Santos, Diogo Coutinho, Bruno Gonçalves, Eduardo Abade, Bruno Pasquarelli, & Jaime Sampaio
Título: Effects of manipulating ball type on youth footballers’ performance during small-sided games
Revista: International Journal of Sports Science & Coaching
País: Portugal
Referência:
Santos, S., Coutinho, D., Gonçalves, B., Abade, E., Pasquarelli, B., & Sampaio, J. (2020). Effects of manipulating ball type on youth footballers’ performance during small-sided games. International Journal of Sports Science & Coaching. doi: 10.1177/1747954120908003 (link)

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês #4 - abril 2020.

Apresentação do problema
Os treinadores têm vindo a utilizar os jogos reduzidos como meio integrante do processo de treino, uma vez que permitem desenvolver, em simultâneo, comportamentos físicos, técnicos e táticos dos jogadores. No futebol infantojuvenil, em particular, os jogos reduzidos permitem que os praticantes aprendam e aperfeiçoem habilidades próprias da modalidade, sendo que os treinadores, ao manipularem certas regras da tarefa proposta, direcionam os praticantes para a deteção de informações relevantes do envolvimento e para a execução de ações pretendidas.

Neste sentido, são amplamente conhecidos os efeitos que derivam da manipulação do número de jogadores e/ou das dimensões espaciais. Por exemplo, se os jogadores parecem beneficiar da prática de jogos reduzidos com menor número de elementos, porquanto executam um maior número de ações ofensivas e defensivas (Owen et al., 2014; Vilar et al., 2014), formatos de jogo de maiores dimensões são mais apropriados para aumentar a distância percorrida e para promover esforços de alta intensidade (Owen et al., 2014). Contudo, enquanto a investigação associada à manipulação do número de jogadores e/ou dimensões do espaço encontra-se bastante fundamentada, a aplicação de outros tipos de constrangimentos, ao invés, deve ser mais explorada, de forma a melhor elucidar aqueles que trabalham no terreno em relação à criação de contextos profícuos para a aprendizagem.

Uma das estratégias de ensino adotadas consiste na manipulação do tamanho e do peso da bola. Estudos prévios demonstraram que jogadores que treinaram com diferentes tipos de bola exibiram melhorias na competência motora, em comparação com outros que somente treinaram com bolas regulares de futebol (Burcak et al., 2015; Button et al., 1999). Porém, estes resultados foram obtidos na repetição de tarefas isoladas de passe, condução e drible, que não refletem a natureza dinâmica e imprevisível do jogo. O estudo de Pasquarelli e colaboradores (2014) foi o único que analisou os efeitos da modificação das características da bola no desempenho físico de jogadores em jogos reduzidos. Apesar de não se terem verificado diferenças significativas, é provável que bolas com propriedades distintas (e.g., o maior ressalto de uma bola de andebol ou a forma oval da bola de râguebi) possam induzir diferentes comportamentos técnicos e táticos, mas, até à data, nenhum estudo averiguou essa hipótese.

Por outro lado, embora estejam evidenciados os benefícios de expor os jogadores a contextos de variabilidade, como os jogos reduzidos, há uma carência generalizada de conhecimento acerca de como as capacidades dos praticantes podem ser afetadas pela realização de tarefas com variabilidade adicional. Desta maneira, o propósito do estudo foi identificar os efeitos de manipular o tipo de bola (futebol, andebol e râguebi) nos desempenhos físico, técnico, tático e criativo de jovens jogadores, em duas situações de jogo reduzido (Gr+4v4+Gr e Gr+6v6+Gr).

Métodos
Amostra: 12 jogadores de futebol (idade = 13.7 ± 0.5 anos; com 6.1 ± 0.9 anos de experiência na prática da modalidade) pertencentes ao mesmo clube, com 4 treinos semanais e um jogo competitivo ao fim-de-semana, no nível regional. Dois guarda-redes cumpriram o protocolo experimental, mas não foram incluídos na análise dos dados devido à especificidade da sua posição.

Procedimentos e protocolo experimental: Os jogadores cumpriram um total de 4 sessões, duas por semana separadas por dois dias, durante o período competitivo. Duas sessões foram destinadas à situação de 4v4 e outras duas para o 6v6, ambas com guarda-redes. Os jogos reduzidos foram organizados em 4 séries de 6-min (bola de futebol, bola de andebol, bola de râguebi e situação mista, com troca de tipo de bola a cada 2-min), com pausas de 3-min entre séries/condições, o que determinou um tempo total de 33-min por sessão. A ordem de cada condição de jogo (i.e., tipo de bola) foi aleatória nas 4 sessões (figura 2). Os participantes foram divididos em duas equipas equilibradas, tendo em consideração a avaliação subjetiva da habilidade dos jogadores pelo treinador principal.

Figura 2. Representação esquemática das variantes de jogo reduzido propostas.
(imagem não publicada pelos autores) 

Recolha dos dados: Os jogos reduzidos foram gravados com uma câmara digital fixa. Os comportamentos técnicos individuais foram registados através de um sistema de análise notacional, incluindo variáveis de passe, drible e de remate, classificadas em função do resultado (sucesso vs. insucesso) e considerando componentes de criatividade (tentativas, fluência e versatilidade). As variáveis físicas (distância percorrida e velocidade do deslocamento) e táticas (índice de exploração espacial, distância entre companheiros de equipa, distância entre os centroides das equipas e espaço de jogo efetivo) foram obtidas através de GPS e computadas com o software Matlab®.

Análise estatística: (1) as variáveis técnicas e de criatividade foram apresentadas em medianas e amplitudes interquartis, enquanto as variáveis físicas e táticas descritas mediante médias e desvios-padrão; (2) foram utilizadas duas folhas de Excel próprias para inferências baseadas na magnitude; (3) a interpretação da análise estatística foi efetuada com base numa escala de probabilidades e em valores de corte associados às dimensões de efeito.

Principais resultados
No cômputo geral, ficou demonstrado que comportamentos distintos de jogo emergiram em função do tipo de bola utilizado e da manipulação do número de jogadores. As maiores diferenças, relativamente à situação de controlo (jogo com bola de futebol), foram verificadas com a bola de râguebi e em contexto misto (várias bolas). As diferenças foram mais acentuadas em jogos disputados com mais jogadores.

· Gr+4v4+Gr
Bola de andebol vs. bola de futebol: foi desvendada maior irregularidade na distância entre equipas e um aumento do número de remates à baliza, o que pode estar associado às menores dimensões da bola de andebol. Como esta bola pode ser passada com velocidade mais elevada, esse fator pode ter afetado não apenas a distância verificada entre as equipas, como também aumentou as exigências físicas do jogo, sobretudo da equipa em processo defensivo.

Bola de râguebi vs. bola de futebol: as equipas atuaram mais próximas no terreno de jogo, o que pode ser consequência da trajetória imprevisível da bola de râguebi. Como controlar a bola é mais difícil, é natural que a equipa contrária exerça mais pressão sobre o portador da bola para tirar proveito de erros técnicos. O espaço efetivo de jogo foi mais reduzido e regular, sendo ainda mais regular a distância entre companheiros de equipa, factos que ajudam a explicar as menores exigências físicas apuradas nesta condição.

Situação mista vs. bola de futebol: o tipo de bola foi alterado a cada dois minutos de jogo, mas os resultados foram similares aos obtidos para jogos com a bola de râguebi. Concretamente, houve decréscimos no espaço de exploração individual, no espaço efetivo de jogo e na distância entre centroides das equipas. A presença da bola de râguebi pode ter influenciado o posicionamento dos jovens jogadores e, por inerência, o seu desempenho físico, traduzindo-se em menores distâncias total e percorrida em jogging.

·  Gr+6v6+Gr
Bola de andebol vs. bola de futebol: jogar com a bola de andebol originou um decréscimo no espaço de exploração individual. Talvez a menor dimensão da bola permita aos jogadores encontrar soluções de passe e remate mais simples e imediatas. Por isso, houve um decréscimo substancial na carga externa, sendo evidente nas menores distâncias percorridas em jogging, em corrida, em sprint e em termos totais.

Bola de râguebi vs. bola de futebol: o número de ações técnicas bem-sucedidas decresceram, ao invés do observado para o número de erros técnicos, o que também justifica os menores valores obtidos para a fluência e versatilidade dos jogadores (figura 3). O elevado foco no controlo da bola condicionou a perceção da informação relevante do envolvimento, registando-se valores mais baixos na exploração individual do espaço, na distância entre companheiros de equipa e no espaço efetivo de jogo.

Figura 3. Introdução da bola de râguebi em contexto de prática no futebol.
(imagem não publicada pelos autores)

Situação mista vs. bola de futebol: ao modificar o tipo de bola durante os jogos, observou-se uma redução do número de passes e dribles executados com sucesso e da fluência das ações dos jogadores. Constataram-se menores distâncias percorridas nas diversas zonas de velocidade e maior irregularidade na distância interpessoal, podendo dever-se à menor familiaridade dos jovens com este tipo de contextos dinâmicos, nos quais as regras do jogo são periodicamente manipuladas.

Implicações práticas
Os treinadores podem (e devem) planear tarefas com variabilidade adicional, nas quais as regras do jogo sejam sistematicamente manipuladas, de maneira a que os jogadores se adaptem continuamente a novas exigências do foro percetivo e comportamental. Os efeitos da manipulação do tipo de bola são enfatizados em formatos de jogo com maior número de jogadores (e possibilidades de ação). Por isso, o tipo de bola utilizado em situações mais complexas deve ser cuidadosamente ponderado. De acordo com as evidências apresentadas, seguem-se algumas especificações decorrentes do tipo de bola proposto na prática:

Bola de futebol
· Requer que os jogadores explorem mais o envolvimento para criar espaços, aumentando as exigências de movimento e físicas associadas.

Bola de andebol
· Aumenta a exigência física sem comprometer a eficácia das ações técnicas e dos comportamentos táticos em formatos de jogo mais reduzidos;
· Permite refinar ações técnicas e promove a emergência de novas ações técnicas e criativas em formatos de jogo com mais jogadores, aumentando a amplitude atencional.

Bola de râguebi
· Fomenta comportamentos de aproximação dos defensores ao portador da bola, com o intuito de efetuar contenção ou pressão;
· Induz maior regularidade no comportamento defensivo coletivo e reduz as exigências físicas do jogo.

Situação mista (várias bolas)
·  Suscita adaptabilidade tática sem afetar comportamentos técnicos e criativos em formatos de menor dimensão;
· Proporciona a adaptação percetivo-motora e comportamentos exploratórios constantes para superar as sucessivas modificações da tarefa em formatos de jogo mais complexos.

Conclusão
Em comparação com a bola regular de futebol, os efeitos de jogar com outros tipos de bola foram mais evidentes em formatos com maior número de jogadores. Propor bolas com características distintas (i.e., tamanho, forma e propriedades do ressalto) parece amplificar as exigências percetivas, uma vez que os jogadores necessitam de mais tempo para compreender a trajetória da bola. Este aspeto, combinado com o aumento do volume informacional associado à adição de jogadores, pode afetar a capacidade para interagir com o envolvimento e executar ações motoras apropriadas. Este estudo demonstrou que modificar a informação disponível, em relação ao tipo de bola e número de jogadores, amplifica ou limita a perceção de jogadores Sub-14, condicionando o seu desempenho técnico, tático e físico.


P.S.:
1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a Língua Portuguesa;
2-  A leitura deste texto não dispensa a leitura integral do artigo em questão;
3-  As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada no International Journal of Sports Science & Coaching.

21/08/2016

Os jogos olímpicos do Rio de Janeiro 2016: O absurdismo e a realidade portuguesa

Meus caros, compatriotas portugueses ou não, mais críticos ou menos críticos, mais absurdos ou menos absurdos, permitam-me que quebre a norma vigente e saúde os nossos atletas pela prestação nos jogos olímpicos do Rio de Janeiro 2016, cujos resultados mais relevantes podem ser encontrados na tabela 1. Muitos, senão mesmo a maioria, não concordarão, mas eu saúdo, felicito e incentivo aqueles que foram para o Brasil não para «passar férias», como alguns ainda fazem ressoar nos nossos tímpanos, mas para representar uma nação que não faz a mínima ideia do que é ser um atleta de alta competição num país sem cultura de alto rendimento. Não é difícil, é horrível.

Tabela 1. Resultados mais relevantes (medalhas e diplomas olímpicos) dos atletas portugueses nos jogos olímpicos do Rio de Janeiro de 2016 (clique para ampliar).

Não sou nem nunca fui atleta de alto rendimento, mas desde jovem que estou ligado ao desporto nacional, como praticante de uma modalidade coletiva e outra de combate, como treinador desportivo e como professor de Educação Física (EF). De entre algumas coisas que entendo sobre este fenómeno do desporto, é que ele reflete o estado do país e o nosso – convenhamos – não está propriamente em grande forma. Neste último ciclo olímpico, relembremo-nos dos cortes na saúde, na educação, nos salários e, como é óbvio, nos parcos apoios concedidos aos nossos olímpicos. O adjetivo «parcos» não é ingénuo, pois os absurdos que exigem medalhas aos nossos atletas decerto que desconhecerão os apoios facultados em países como EUA, Inglaterra, Alemanha, Canadá, China, Japão, Austrália, etc. Decerto que, também, não conhecem a forma como está organizado o desporto nesses países e a importância que é atribuída à escola, ao desporto escolar e, em particular, à EF na formação de um atleta de elite. O problema, longe de ser a atitude ou a competência dos nossos atletas, é muito mais sério: é estrutural. Uma ou duas horas de expressão físico-motora no ensino pré-escolar; a EF continua a ser o parente pobre da nossa escola pública (ensinos básico e secundário); o desporto escolar pouco ou nada serve as necessidades de movimento/competição de crianças/jovens não federados e a diversidade desportiva em Portugal; a ponte entre o desporto escolar e o desporto federado depende da boa vontade e/ou interesse dos professores responsáveis pelos grupos-equipa; o desporto universitário é pobre e, na generalidade, sustentado pela carolice dos estudantes do ensino superior; apesar de inúmeras e boas investigações produzidas e publicadas na área das Ciências do Desporto, os meios ao dispor dos nossos investigadores são precários comparativamente aos existentes nos países supracitados; os nossos media não «vendem» modalidades que não seja o futebol.

Portanto, às 8h e muito da manhã, quando os senhores de camisa e gravata se preparam para chegar aos seus escritórios para escreverem barbaridades sobre os atletas olímpicos portugueses, recordem-se que muitos deles já realizaram o primeiro treino do dia e já se encontram a estudar ou a trabalhar. Às 19h, quando os senhores estiverem a apreciar o conforto do sofá e da lareira nos seus lares, estão tipos num kayak ou numa bicicleta a treinar debaixo de chuva ou com temperaturas gélidas, por vezes com material adquirido com dinheiro do seu próprio bolso. Parece-me, por isso, razoável antever que quando todos os portugueses, bons ou maus, mais ou menos críticos, mais ou menos absurdos, apresentarem a mesma motivação, resiliência e determinação para se superarem e representarem Portugal, então talvez tenhamos um país ainda melhor, mais competitivo internacionalmente, mais feliz e sem a necessidade mesquinha e absurda de medalhas em jogos olímpicos.

Figura 1. As lágrimas de Emanuel Silva na final de K2 1000m (fonte: www.lux.iol.pt).

De resto, a avaliar pelo número de medalhas e diplomas (11 no total), esta até foi uma das participações mais bem conseguidas do desporto português em olimpíadas. Aos nossos atletas, as vossas conquistas são a minha alegria, as vossas lágrimas a minha tristeza. Um obrigado muito especial a todos vós!

22/07/2013

Combinações táticas diretas no futebol: A base da progressão coletiva no espaço de jogo

No futebol, a relação individual com a bola é importante e deve ser estimulada desde tenra idade. Contudo, as ações técnicas só adquirem expressão quando integradas no contexto de cooperação e oposição que o jogo oferece.
 
A criança/jovem deve, por isso, desenvolver competências táticas simples que lhe permitam resolver, em conjunto com os elementos da sua equipa, problemas contextuais do jogo. Neste particular, as combinações ofensivas a dois jogadores, habitualmente designadas de combinações táticas diretas, constituem a base da progressão coletiva no espaço de jogo e devem ser especialmente ponderadas, propiciadas e reforçadas no treino desta modalidade, sobretudo a partir do momento em que os miúdos começam a competir.
  
Apesar de cada vez se começar a competir mais cedo, não é um aspeto que devamos impingir nos exercícios ou nos jogos. Na minha perspetiva, deve ocorrer espontaneamente, traduzindo o conhecimento do jogador relativo às vantagens que decorrem da cooperação com os companheiros de equipa. Há crianças/jovens que começam a executar intuitivamente e outras que incorrem no erro de tentar solucionar, sistematicamente, problemas situacionais do jogo de forma individual e muitas das vezes com taxas de sucesso reduzidas. Tal como os processos de crescimento e maturação, a aprendizagem também se realiza a ritmos muito diversos, variando de sujeito para sujeito. Portanto, a paciência é um predicado essencial para o treinador.
 
Os casos de combinações táticas diretas mais vulgarmente observados são a “tabelinha” ou “um, dois” (i.e., passar a bola ao companheiro e recebê-la mais à frente, ultrapassando o adversário direto; fig. 1a) e o “overlap” ou “dá-e-passa-nas-costas” (i.e., passar a bola ao companheiro e efetuar uma desmarcação semicircular, contornando-o pela sua retaguarda, para receber a bola em zona mais avançada; fig. 1b). A aprendizagem pode ser efetivada através de formas jogadas e jogos reduzidos e/ou condicionados, inicialmente com superioridade numérica atacante (2v1, Gr+3v2+Gr ou Gr+5v3+Gr) e, posteriormente, progredindo para situações mais complexas em igualdade numérica (2v2, 3v3 ou Gr+5v5+Gr).
 
  Figura 1. Ilustrações das combinações táticas diretas "tabelinha" e "overlap".
(p.f. clique na imagem para ampliar)
 
Para concluir, deixo-vos as imagens de um golo recente da equipa principal do SL Benfica e que demonstra todo o potencial ofensivo da combinação tática direta no futebol, inclusivamente ao nível do alto rendimento.
 
  
Três combinações táticas diretas consecutivas que implicaram a progressão no terreno de jogo, a criação da situação de finalização e, em última instância, determinaram a obtenção do golo. Elucidativo!

02/05/2013

A criança, a atividade/exercício físico e o progresso da nação: Evidências e utopias

Vivemos tempos de austeridade e, portanto, de cortes – muitas vezes indiscriminados – na saúde e na educação. No que apraz à Educação Física (EF), ao exercício físico e ao desporto, os meus principais pilares de intervenção na sociedade, há muito que o descrédito é grande, apesar de as evidências científicas indicarem precisamente o inverso. Menos aulas de EF, possibilidade de terminar com a Atividade de Enriquecimento Curricular no 1º Ciclo e menor investimento público no exercício físico e no desporto constituem uma mescla de rumores e certezas que, de quando em vez, emerge nos órgãos de comunicação social. 

O parágrafo anterior traça o cenário vigente em Portugal. A importância da atividade física, nas suas diversas manifestações, é amplamente negligenciada pelos nossos políticos. Porém, se tivessem vontade de realizar uma breve pesquisa, verificariam que existem inúmeros factos científicos cujos benefícios até lhes poderiam convir no médio ou longo prazo. Adiante, e para que a leitura não tome muito do tempo dedicado pelos nossos governantes à economia, às finanças e às “troikas” deste mundo, recomendaria apenas a leitura de um artigo de revisão. Eis a referência e o respetivo link: 

Haapala, E. A. (2013). Cardiorespiratory fitness and motor skills in relation to cognition and academic performance – A review. Journal of Human Kinetics, 36, 55-68. (pdf) 

Ainda assim, não vá o inglês servir de empecilho para alguns “ditos que não ditos” desejáveis, presto-me a efetuar um breve resumo da informação relevante: 

1)   Níveis mais elevados de condição cardiorrespiratória e de habilidades motoras estão associados a capacidades cognitivas aumentadas. 

Diversos estudos científicos demonstraram que os níveis de fitness cardiorrespiratório estão, essencialmente, associados a melhores performances (i) em tarefas que requerem a alocação da atenção e (ii) em testes de memória que envolvem processos de codificação por parte do hipocampo. Na sua revisão, Haapala (2013) cita autores que sugerem um efeito positivo da atividade física nas funções cognitivas, parcialmente causadas por modificações fisiológicas no organismo. Supostamente, tais modificações implicam o aumento de concentrações de fatores neurotróficos cerebrais que facilitam a aprendizagem e preservam as funções cognitivas, através da melhoria da plasticidade sináptica e da sua atuação enquanto agente neuroprotetor. O incremento da circulação sanguínea no cérebro e a melhoria da funcionalidade neuroelétrica também são processos inerentes ao desenvolvimento cognitivo por meio da atividade física regular. Para além disso, sabe-se, de experiências com animais, que exercícios de resistência promovem a angiogénese (i.e., aumento da densidade capilar), enquanto que exercícios de cariz motor propiciam a sinaptogénese (i.e., aumento do número de ligações sinápticas). A melhoria da condição cardiorrespiratória também foi associada a incrementos ao nível da memória relacional. 

Foto: A atividade física nunca é demais durante a infância.

2)   Crianças/jovens (até aos 13 anos) com melhores índices de condição física e de habilidade motora obtêm melhor aproveitamento em testes académicos do que crianças que apresentam índices inferiores.  

Aparecem documentados resultados relativos a tarefas para avaliar o quociente de inteligência (QI), a atenção, o controlo inibitório, a memória de curto prazo e o desempenho académico. O controlo inibitório é o núcleo das mais altas funções cognitivas, designadas de controlo executivo. Entre as crianças, está demonstrado que o controlo inibitório é um preditor relevante do desempenho académico, embora também esteja relacionado com a saúde física e mental em adultos, sendo, por isso, uma componente vital do desenvolvimento cognitivo durante a infância. Sinteticamente, crianças com melhor condição física têm melhor controlo inibitório comparativamente a outras crianças com níveis mais reduzidos. Através de imagens de ressonância magnética, alguns estudos evidenciaram que crianças com níveis de fitness superiores exibem padrões de ativação neural (córtices pré frontal e parietal) e de adaptação cognitiva mais eficientes que crianças com menor condição física. Em termos percetivo-motores, é evidenciado que crianças com habilidades mais refinadas tendem a ter classificações médias mais elevadas. Estudos de intervenção confirmaram uma conexão positiva, embora fraca, entre o treino de habilidades motoras e o incremento da performance académica e da capacidade de leitura em crianças em idade escolar.  

3)   A relação negativa entre a adiposidade e as funções cognitivas podem ser parcialmente explicadas pelo fraco desenvolvimento da condição cardiorrespiratória e da habilidade motora, devido à falta de atividades físicas e mentais desafiantes. 

Nos dias que hoje correm, o flagelo da obesidade infantil tem-se alastrado um pouco por todo o mundo. As crianças estão progressivamente a tornar-se mais sedentárias e mais obesas, uma vez que não atingem os níveis mínimos de condição físico-motora inerentes ao desenvolvimento cognitivo e à preservação da saúde cerebral. Posto isto, é crível que a atividade física, incluindo exercícios aeróbios moderados a vigorosos e tarefas motoras exigentes, constitua um estímulo de treino efetivo para melhorar o funcionamento cognitivo, a performance académica e a saúde cerebral em crianças com excesso de peso. Assim, para além dos benefícios cardiovasculares e metabólicos sobejamente conhecidos, a prescrição adequada de atividade física pode incrementar a saúde e as funções cerebrais. 

Em suma, o caminho a adotar deve privilegiar a promoção da atividade física, do exercício físico e do desporto. Faz todo o sentido aumentar a carga horária de EF e não extinguir a Atividade de Enriquecimento Curricular no 1º Ciclo que, não sendo obrigatória, ainda vai equilibrando a balança no que ao dispêndio energético das nossas crianças diz respeito. No longo prazo, a lógica parece assumir contornos simples. A mais e melhor atividade física, exercício físico e desporto corresponderá uma população mais saudável e cognitivamente mais capaz. A produtividade e a competitividade da nossa indústria e dos nossos serviços aumentarão, o que concorrerá para o tão ambicionado crescimento económico. Talvez tudo se resuma a um pensamento utópico da minha parte. Contudo, ignorarmos todo o corpo de evidências que se vão acumulando, não nos trará quaisquer dividendos no futuro. Antes pelo contrário! 

PS – Grande parte das considerações acima referidas têm por base o artigo de revisão do Haapala (2013). Caso queiram aprofundar o vosso conhecimento sobre o tema e estar a par das referências mais importantes, sugiro que leiam atentamente o artigo.

13/08/2012

De Londres 2012 para o Desporto em Portugal

A festa dos Jogos Olímpicos terminou ontem em Londres e somente voltaremos a presenciar, direta ou indiretamente, o certame em 2016, a ocorrer na cidade brasileira do Rio de Janeiro.


No rescaldo da participação portuguesa, Vicente Moura (presidente do Comité Olímpico Português) e Mário Santos (Chefe da Missão Olímpica portuguesa) classificaram os resultados obtidos como positivos, estabelecendo uma relação inequívoca com a precariedade que é o desporto em Portugal. Uma medalha de prata e nove diplomas olímpicos não é mau, porém, arrisco-me a afirmar, poderia ser muito melhor.

O investimento no desporto é escasso, a educação física (EF) e o desporto escolar são permanentemente marginalizados comparativamente a outras disciplinas escolares, depois o povo quer medalhas? Exige-se à Telma Monteiro o ouro, quando a judoca americana que a derrotou na 1ª ronda, não possuindo o mesmo talento, dispôs certamente de melhores condições para alcançar êxito na competição. Na maior parte das vezes, o talento por si só não chega; é fundamental oferecer as condições devidas de preparação para que o nível de excelência possa ser alcançado. Neste particular, comparar um atleta português a outro americano é, no mínimo, perverso. Ainda assim, às vezes lá os enganamos.

Parece ser consensual que a formação desportiva de base deve ser repensada e, acima de tudo, incentivada pelo Estado. A EF e o desporto escolar deveriam desempenhar um papel fulcral neste processo, ao invés é melhor reduzir o tempo destinado à prática de atividade física e desportiva nas escolas; é mais correto que o aproveitamento na EF não conte para a média no ensino secundário, como quem diz: “vão lá às aulas, mas não se esforcem muito para não desgastar o raciocínio para a matemática”. Aqui, apraz-me ridicularizar a situação: se um jovem apresenta um aproveitamento insuficiente na matemática, os pais não se importam de colocar o educando na explicação, muitas vezes paga a peso de ouro. De modo análogo, se um jovem não cumpre os objetivos definidos nas diversas matérias da EF, os pais, conscientemente, deveriam incentivar à prática de um qualquer desporto (natação, ginástica, andebol, karaté, dança, etc.), diminuindo o “analfabetismo motor” do seu rebento. Mas não! O melhor mesmo é não contar para a média do secundário.

Por sinal, ainda recentemente saiu uma notícia no jornal O Público (ver aqui), em que dá para perceber, através de uma pesquisa longitudinal efetuada por uma equipa de investigadores da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa (FMH-UTL), que a) os jovens com aptidão cardiorrespiratória saudável tiveram um maior somatório das classificações de português, matemática, ciências e inglês, b) os alunos insuficientemente ativos, ou seja, que não cumprem as recomendações de atividade física diária (pelo menos 60 minutos por dia de atividade física moderada e vigorosa), têm maior probabilidade de serem pré-obesos ou obesos, c) o exercício promove a formação de novos neurónios e uma maior interação entre estas células nervosas, que, por sua vez, promovem maior sensibilidade e desenvolvimento cognitivo.

Estas, entre muitas outras, seriam razões mais que suficientes para incentivar à prática desportiva regular desde as idades mais tenras. Como reforça Luís Sardinha (diretor do Laboratório de Exercício e Saúde da FMH), o ideal seria que, por altura do término do 12º ano, os alunos fossem “consumidores educados de exercício físico”, muitos deles, acrescento eu, talvez desportistas nas mais distintas modalidades, porém é algo que se encontra muito longe da realidade em que vivemos.

Portugal só teria a ganhar com mais e melhor desporto: saúde, autoestima, felicidade, produtividade e, lá está, as tão proclamadas medalhas olímpicas. Porque o olimpismo consagra os principais vetores para uma vida sã em sociedade: equilíbrio das qualidades do corpo, da vontade e do espírito; desenvolvimento harmonioso do Homem; ação concertada, organizada, universal e permanente de todos os indivíduos e entidades participantes; entendimento mútuo, amizade, solidariedade e fair play; repúdio pela discriminação independentemente de raça, religião, política ou género sexual.

Urge repensar estratégias; urge valorizar o desporto no nosso país. Todos nós!

28/12/2011

II Jornadas Jovens de Monchique

Ontem decorreram as II Jornadas Jovens de Monchique e o XI Encontro de Estudantes Monchiquenses no Ensino Superior, organizados pela Junta de Freguesia de Monchique. Fui um dos oradores convidados, num conjunto de preleções subordinadas ao tema "Saber e Identidade". Apresentei uma investigação realizada no âmbito das minhas funções como técnico superior no setor de desporto e juventude do Município de Monchique, com o título: "Tempos livres, prática desportiva e atividade física de jovens estudantes no concelho de Monchique".

Para assinalar este evento no Linha de Passe, deixo-vos o repetivo resumo:

Os objetivos desta investigação foram (1) conhecer o modo como os jovens estudantes no concelho de Monchique ocupam os seus tempos livres, (2) caracterizar a incidência de prática desportiva e de atividade física na amostra e (3) averiguar relações causais entre a prática de atividades físicas/desportivas e o índice de massa corporal (IMC), fator associado à saúde e bem-estar dos seres humanos. Participaram no estudo 243 jovens, 123 do género masculino e 120 do género feminino, pertencentes a escolas do ensino básico (1º, 2º e 3º ciclos) do Agrupamento de Escolas de Monchique e com idades compreendidas entre os 7.84 e os 17.33 anos. Os dados foram recolhidos mediante a aplicação do questionário “Ocupação dos Tempos Livres e Prática Desportiva”. Para o tratamento dos dados foram utilizados procedimentos de estatística descritiva (frequências absolutas e relativas, médias e desvios padrão) e inferência estatística (testes do qui-quadrado, testes t e coeficientes de correlação linear de Pearson), mantendo o nível de significância em 5%. Os resultados indicaram que, entre as atividades mais realizadas nos tempos livres, se encontram práticas de atividade física ou desportiva. O envolvimento físico de Monchique parece constituir um fator propiciador da adoção de estilos de vida ativos e saudáveis. A incidência de prática desportiva foi de 51%, registando-se valores significativamente superiores no género masculino. A incidência de atividade física rondou os 75%, no entanto, o tipo de atividades realizadas são distintas entre os dois géneros. Analogamente ao que sucede no âmbito desportivo, os rapazes despendem mais tempo semanal em atividade física, relativamente às raparigas. Apurou-se ainda que 32.5% dos participantes apresenta excesso de peso ou obesidade. Neste âmbito, o exercício físico e o desporto orientado por professores ou treinadores parece ser mais determinante para a prevenção do excesso de peso e da obesidade do que a atividade física espontânea.

Palavras-chave: atividade física, desporto, tempos livres, índice de massa corporal, jovens, Monchique.

22/02/2011

Um Dia de Sorte!

Um aluno do 4º Ano chegou à minha aula de natação e disparou triunfante:
 
- Professor, hoje é o meu dia da sorte!
 
- Sim? Porquê? - questionei curioso.
 
- Ainda há pouco estava a jogar Basquetebol na aula de "ginástica", marquei um "golo" de longe e roubei a bola a dois colegas. O professor disse-me que foi muito bom - acrescentou.
 
- Mas isso é tudo sorte?
 
- A sorte não é por isso, professor - baralhou-me todo.
 
- Hum? Então?
 
- Foi porque toquei no umbigo de manhã. Dizem que tocar no umbigo dá sorte.
 
Parei e fitei-o com cara de parvo, enquanto partia sorridente no seu esparguete para 64 metros em batimento de pernas "Costas".

09/03/2010

Da Ginástica à Culinária em meio-tempo

A ginástica é uma matéria não muito apreciada pela maioria dos alunos de Educação Física, especialmente quando não apresentam determinadas competências básicas adquiridas. Nas turmas do 1º Ciclo que lecciono esse facto não se verifica. Os miúdos gostam mesmo de ginástica.

Numa aula recente de Actividade Física e Desportiva do 3º ano constavam as matérias de basquetebol e ginástica. Na instrução do circuito questionei os alunos sobre os elementos gímnicos que o compunham. Os alunos rapidamente identificaram os rolamentos à frente e à retaguarda, a roda, a ponte e o salto ao eixo, contudo instalou-se a dúvida sobre qual seria o último elemento abordado na aula anterior. Após um brevíssimo período de silêncio, uma aluna ergueu subitamente a voz:

- "Ahh, já me lembro!"

- "Ok, então qual é o elemento?"

Com o dedo indicador em riste, a aluna disparou triunfalmente: - "É a cambalhota salteada!"

Da ginástica havíamos passado para um restício de memória de um qualquer "salteado" perdido nos confins dos lobos temporais do seu cerébro. As crianças são mesmo assim: evocam aquilo que está "à mão de semear". Aos colegas passou-lhes completamente ao lado; nem uma ténue reacção. Provavelmente ainda não experienciaram nem ouviram falar de legumes salteados.

E assim continuámos num rol de cambalhotas para a frente, para a retaguarda e saltadas, "salteadas" num mundo ingénuo, onde só as crianças conseguem ser genuinamente engraçadas.

27/06/2009

Assim se fecha mais um ciclo...

No término de cada ano lectivo, muitos são os professores que fecham ciclos de longa data com algumas turmas. Não são momentos fáceis, afinal de contas foram anos de uma relação, por vezes, estudada ao pormenor. As estratégias para ensinar a matéria X ou para compatibilizar o aluno A com o aluno Z, entre outras, tornam-nos conhecedores natos das virtudes e dos defeitos dos miúdos. Arrisco-me a dizer que, frequentemente, acabamos por conhecer melhor o aluno que os próprios pais.

Mas, que mais podemos dizer no momento do "adeus" ou do "até breve"? Resumir uma série de emoções, informações, diálogos, monólogos, elogios ou reprimendas num par de parágrafos não se afigura como uma tarefa simples. Colocaram-me esse desafio e eu fi-lo da seguinte forma:

"Caros alunos,

Foi um enorme privilégio acompanhar o vosso desenvolvimento pessoal e escolar ao longo dos últimos três anos da vossa infância. Fico muito feliz por observar que todos vós, uns com mais e outros com menos dificuldades, conseguiram terminar com sucesso o vosso percurso na Actividade Física e Desportiva (actividade de enriquecimento curricular), estando, por isso, preparados para superar os desafios na disciplina de Educação Física, no 5º ano de escolaridade.

Espero que tenham gostado de trabalhar comigo, tanto quanto eu gostei de o fazer convosco. Quando precisarem, podem sempre contar com este vosso professor. Decerto que nos voltaremos a encontrar. :)

Desejo-vos as maiores felicidades para o futuro,

Carlos Almeida"

Mesmo que não entendam tudo por agora, fica para mais tarde recordar. E assim se fecha mais um...