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04/12/2021

Gralhas (2021), de Eduardo Jorge Duarte

 Apresentação do novo livro de poesia do autor

Junta de Freguesa de Monchique (4 de dezembro de 2021)

 

Foi com muito prazer e honra que aceitei o «desafio» proposto pelo Eduardo Jorge Duarte – o meu amigo Edu –, para apadrinhar a apresentação do seu novo livro de poesia Gralhas (figura 1), publicado pela editora On y va.

 

Figura 1. Capa do livro Gralhas, de Eduardo Jorge Duarte (Ed. On y va).

 

Salvaguardo, contudo, alguns pontos prévios que dão corpo ao facto de classificar esta minha intervenção como um autêntico «desafio»: 

 

1)  Sou suspeito para falar/escrever sobre as obras ou textos do Eduardo, uma vez que sou um amigo de longa data e, também, sou um admirador daquilo que tem produzido. Portanto, à partida, as minhas opiniões surgem enviesadas por estas circunstâncias.

 

2)  Não sou um especialista em literatura, muito menos no que se refere à poesia. Aliás, mantenho uma relação complicada com este género literário desde os tempos do Ensino Secundário, quando as minhas interpretações de poemas de Fernando Pessoa ou Cesário Verde não correspondiam, com alguma frequência, ao que era pretendido pelas professoras de Português.


3)  Apesar de alguma frustração, com essa lacuna aprendi uma lição que só após a publicação de O Intervalo entre o Raio e o Trovão, do Eduardo, em 2019, coloquei em prática: não se pode ler poesia com os olhos que dão para o cérebro racional, isto é, de modo estritamente analítico e literal, mas com os olhos que iluminam a alma e suscitam o sentimento (cérebro emocional). O Eduardo fala-nos disso mesmo no poema intitulado «Poema» (p. 86): «Poema é a arte do sensível/ Que nos resta./ A última coisa que se presta/ Ao impossível».


4)  Longe de procurar realizar uma crítica literária da obra, julgo que facilmente encontrarão pessoas mais competentes para o fazer nesta sala, tentarei falar-vos francamente sobre algumas particularidades de Gralhas, na perspetiva de um mero leitor. Este intento faz jus à visão do autor que, reiteradamente, tem referido que «quando uma obra é lançada, deixa de ser propriedade do autor para se tornar algo do leitor».

 

No que se refere à capa, o título Gralhas, acompanhado por três aves de rebordo escuro, alude aos pequenos corvídeos que habitam a maior parte do território nacional. Porém, no primeiro poema, que de resto dá título à obra, compreendemos que, afinal, se trata de uma palavra polissémica, ou seja, que «possui vários significados contidos numa mesma forma gráfica e fonológica». «Gralhas» enquanto aves passeriformes e «gralhas» enquanto erros numa redação. Do outro lado, a contracapa é um deleite de três parágrafos sobre esta composição de poemas do Eduardo: um «conjunto de todos os estados que a sua atmosfera humana pode conhecer em dias distintos, enquanto procura situar-se no mundo e situar o outro em si mesmo». Por aqui, percebemos logo que a monotonia da palavra, pelo verso, não nos irá importunar ao longo das cerca de 132 páginas que albergam os 116 poemas. 

Uma composição que, na verdade, é um exercício de altruísmo, de empatia e de inteleção. Altruísmo, porque o autor escancara-nos as portas da sua mente, sem nos solicitar nada em retorno: os seus amores e paixões, os seus conflitos internos, os seus momentos de solidão e a força do elo que existe com a sua terra natal – Monchique. Empatia, porque encontra no outro uma projeção de si mesmo, como no poema «Sina» (p. 106): «O velho sou eu,/ Sou eu, sim,/ Com toda a confiança,/ Enrolado no cachecol/ A queixar-me à Polícia de mim./ Quero voltar à criança/ Que me atirava bolas de futebol/ Para dentro do jardim». Inteleção ou inteligência, pelo modo como «brinca» com palavras, conceitos e ideias nos versos de poemas como «Gralhas», «Mecânica lamechas», «Assassinatura», «Um rapaz» ou «Abstracção». 

A fim de aguçar o apetite para o conteúdo da obra, e para não tornar esta exposição demasiado enfadonha, propus-me analisar os 6 poemas que mais impacto tiveram nas vertentes racional e emocional do meu cérebro. No fundo, trago-vos os textos que mais sentido fizeram do ponto de vista lógico, mas que, concomitantemente, mais sentimentos despertaram. Ressalvo que, pelo carácter subjetivo da interpretação, não implica que sejam necessariamente as melhores construções poéticas do livro. E foi aqui que começaram os meus problemas: fui tirando as minhas notas e, no final da primeira leitura, tinha 28 poemas selecionados. Após nova triagem, fiquei com um «Top-10», portanto, ainda aquém do meu propósito. Com algumas reticências pelo meio, cheguei aos meus 6 preferidos: «Gralhas», «Pergunta à Alice», «Minotauro», «Memória», «Assassinatura» e «Aposta».

 

Figura 2. Painel da apresentação do livro Gralhas, na Junta de Freguesia de Monchique: José Gonçalo (presidente da Junta de Freguesia de Monchique), eu, Eduardo Jorge Duarte (autor) e António Manuel Venda (escritor e editor da On y va). Foto de Ana Paula Almeida.

 

Em primeiro lugar, seria impossível não referenciar o poema inaugural: «Gralhas» (p. 9-10). Conta a história de um miúdo que desafiou a liberdade concedida pela professora para redigir um texto sobre o que lhe aprouvesse: «As palavras estavam/ Desenhadas a preto,/ Reunidas em bando,/ Tinham sombras nos bicos,/ Asas nas sílabas,/ Faziam muito barulho,/ Num canto rouco/ Que quase não se deixava perceber./ (…)». A criatividade, transcendendo a liberdade, resultou num desenho de «gralhas» (pássaros), erros assinalados a vermelho pela professora. Este é um poema muito bem elaborado, que joga habilmente com a polissemia e que, no meu ponto de vista, aborda um tema bastante contemporâneo: o facto de o sistema educativo vigente ser considerado por muitos professores e educadores como obsoleto, na medida em que a rigidez de muitos currículos ou tarefas (não todos, obviamente) desvaloriza a diversidade de aptidões, expectativas e ritmos de aprendizagem dos alunos. 

«Pergunta à Alice» (p. 24) é o meu poema preferido da obra. Na ocasião em que o Eduardo publicou o poema numa rede social, eu havia comentado com ele – não sei se está recordado –, que se um dia eu e a Patrícia tivéssemos uma filha, daríamos o nome Alice. Se isso acontecesse, iria imprimir o poema e emoldurá-lo no quadro dela. Permitam-me recitá-lo:

 

Pergunta à Alice

 Alice,

Quem te disse

Que a realidade é coisa oca?

Que sem imagens

Todas as paisagens

São rostos sem palavras na boca?

Foi o relógio ou um coelho atrasado

Quem te encolheu o mundo

E respondeu, apressado,

Que a eternidade dura apenas um segundo?

 

Neste poema, com 10 versos e 44 palavras, o Eduardo consegue evocar a famosa obra infantil As Aventuras de Alice no País das Maravilhas, de Charles Lutwidge Dodgson, publicada em 1865 sob o pseudónimo de Lewis Carroll e, simultaneamente, a Teoria da Relatividade Geral, de Albert Einstein (1915). Einstein revelou que seria possível tratar, matematicamente, o tempo como a quarta dimensão, formando o tecido espaço-tempo. A presença de objetos com massa curva esse espaço-tempo, sendo tanto maior a distorção quanto maior for a massa do objeto. Por isso, no sol o tempo passa mais devagar que no planeta Terra. Reparem, então, nos últimos 4 versos: «Foi o relógio ou um coelho atrasado/ Quem te encolheu o mundo/ E respondeu, apressado,/ Que a eternidade dura apenas um segundo?»: ao se encolher o mundo de Alice, o tempo flui muito mais rápido: «a eternidade dura apenas um segundo». Na minha opinião, aliarmos todo este racional à simplicidade e à sonoridade do poema, torna-o absolutamente genial. 

Em «Minotauro» (p. 31), o autor socorre-se da metodologia grega para fazer uma crítica implícita ao homem (género masculino). A história que dá origem aos versos reza que Teseu, um aclamado herói grego, foi a Creta para enfrentar o Minotauro que habitava o labirinto construído por Dédalo: quem nele entrasse, nunca mais sairia e seria devorado pelo Minotauro. Antes de partir, foi ao Oráculo de Delfos para saber se triunfaria. A resposta do oráculo foi que deveria ser ajudado pelo amor para vencer o monstro. É aqui que entra Ariadne, filha do rei Minos. Ela prontificou-se a ajudar se, posteriormente, o herói se casasse com ela em Atenas. Teseu viu em Ariadne a hipótese de ser bem-sucedido na sua missão. Ariadne deu-lhe uma espada e um fio de lã para que Teseu pudesse matar o Minotauro e encontrar o caminho para sair do labirinto. Foi a própria Ariadne que segurou na outra ponta do fio. Teseu venceu o bicho e conseguiu sair do labirinto. Regressou a Atenas com Ariadne: «Quantos de nós enfrentam o touro escondido/ Num palácio de cobardia?/ Que herói desconhecido/ Em nós arriscaria/ Matar por amor a Ariadne o animal/ E encontrar um caminho vicinal/ Para tornar à luz do dia?». Um poema estupendo e que coloca em causa as atitudes e os comportamentos animalescos dos homens, tantas vezes perdidos num labirinto de confusão intrínseca. A mensagem que retiramos do poema é que no amor, na genuinidade e na sinceridade, os homens poderão sair da escuridão e tornar à luz do dia. Como último comentário a «Minotauro», é importante enfatizar que a apreciação crítica aos homens não se esgota no poema. No âmbito da mitologia grega, há quem defenda a premissa que o amor que Teseu sentia por Ariadne tinha o seu quê de conveniente, não se equiparando ao amor dela por ele. 

No poema «Memória» (p. 46), o Eduardo parece dirigir-se a alguém cujo esquecimento tomou o lugar da recordação: «– O que é a memória? –/ Perguntas tu, no ar espesso/ Do pátio, com a trémula incerteza/ Que existe nas miragens». Com a paciência com que se cuida de alguém muito querido, relembra todas as circunstâncias em que respondeu à questão «O que é a memória?». São versos de afeto, dedicação e altruísmo, exacerbados pela invenção das respostas dadas nas ocasiões anteriores: «Enumero os dias, as semanas, os meses,/ Se era Outono, Primavera, Inverno, Verão,/ E o que te conto já não é recordação,/ Mas sim uma invenção do que te disse nessas vezes». Esta aparente contradição tem uma justificação psicofisiológica: o esquecimento não é um antónimo da memória, mas um auxiliar da mesma, uma vez que a nossa capacidade de armazenamento de informação é limitada. A aprendizagem e a invenção implicam o esquecimento de alguns factos antigos ou menos relevantes. 

«Assassinatura» (p. 81) mostra-nos toda a habilidade do Eduardo com as palavras. Como um malabarista mantém 3, 4 ou 5 bolas no ar enquanto rodopia, salta ou se equilibra, o meu amigo pegou nos verbos «Assassinar» e «Assinar» e, em tons de crítica, apontou contra a poesia escrita às três pancadas: «Violência ortográfica, maus-tratos à sintaxe,/ Torturas à semântica, métrica/ Sem ética e sem estética,/ Orações divididas/ Pelas mãos ilegíveis e fingidas/ Do diabo». O horror e a frieza dos atos de um assassino psicopata, na pele de um mau poeta, captados em versos. O clímax do texto surge com a poesia subvertida a uma nova literatura, assinada a sangue: «Assassinava a língua e assinava:/ E assim gatafunhava/ Uma nova literatura,/ Uma espécie de assassinatura». Cá está, a enorme criatividade do autor imiscuída numa crítica acérrima a quem não respeita a língua portuguesa, a poesia e, ainda assim, crava o seu cunho de autor. 

O último poema que abordarei tem como título «Aposta» (p. 114). É um poema de amor, de sorte ou azar e até de dor. No tema «Anel de Rubi», Rui Veloso tenta, ingloriamente, conquistar a amada por via da música: «Mas esse teu mundo era mais forte do que eu/ E nem com a força da música ele se moveu». Em «Aposta», o Eduardo Duarte fá-lo por via da poesia: «Aposto/ Que mesmo que eu tos escrevesse,/ Não ligarias nenhuma./ “As palavras são vento que se esquece”,/ Dirias, e que a poesia te aborrece,/ Por poder ser muita coisa e tu só uma». O remate do poema ocorre, mais uma vez, em grande estilo, expondo a cru as dores que decorrem de um amor sujeito às vicissitudes da sorte (ou do azar): «Aposto/ O tudo e o nada, a sorte e o azar,/ Que na roleta do coração sempre a girar,/ Os poemas viciados no teu ser/ São dores ainda mais fundas a calcar/ A dor de te ganhar e te perder». Brilhante! 

Em suma, e para não corromper mais a subjetividade da vossa interpretação, congratulo o meu amigo Edu com um valente abraço e destaco o papel da editora On y va, na pessoa do nosso escritor e conterrâneo António Manuel Venda. Aceito as críticas de ser suspeito e um leigo na matéria, mas Gralhas é um livro que nos toca a alma e a razão das mais variadas maneiras. É, sem margem para dúvida, uma ótima sugestão de leitura para este Natal e para um futuro que se encontra por escrever. Caros presentes, senhores e senhoras: recomendo vivamente!


Gravação da sessão: https://fb.watch/9HB3pWNvbU/


06/05/2021

28-abril-2021: O dia dos gémeos

O tempo já não anda, nem corre, voa! Há oito dias que me leva num rodopio até à letargia. A Patrícia diz, com o seu jeito assertivo, que estou em modo “barata tonta” e é verdade: na minha cabeça figura um milhão de peças para encaixar no puzzle que é a nossa existência. 

No dia 28 de abril de 2021, na passada quarta-feira, nasceram os nossos gémeos, Alexandre e Guilherme, às 11h38 e 11h39, respetivamente (figura 1). A velocidade do parto foi inversamente proporcional ao tempo necessário para processar as mudanças familiares. Não tem mal, o mais importante é que os pequenos e a mãe continuem bem de saúde. Tudo o resto se compõe, como este débil conjunto de palavras que jamais fará jus à relevância do acontecimento. Em suma, um dos dias mais felizes da minha vida, no qual se criaram duas linhas de passe que teremos, como equipa, de manter “abertas” para a vida.

 

Figura 1. Os nossos recém-nascidos Guilherme e Alexandre.

Entretanto, houve o dia da mãe (2 de maio de 2021). Os meus três filhos, ainda à cata da noção dos dias, seguiram o meu (mau) exemplo de não o assinalar a preceito. E porque a desenvoltura da escrita não me permite redigir algo condizente com o que realmente sinto, sirvo-me das palavras de um dos melhores escritores portugueses contemporâneos para homenagear as três mulheres, todas elas mães, da minha vida – Patrícia, Ana Paula e Ana Catarina –, deixando um primeiro conselho que valha a pena para o Alexandre e para o Guilherme.

 

Sabes quem se lembra desses anos e os guarda no peito como um coração mais importante do que o próprio coração? É a tua mãe. (…) Era a tua mãe que gravava dentro da alma tudo o que testemunhava, e ela vai continuar a guardar essas memórias até morrer. As mães são as fiéis depositárias da nossa infância, dos primeiros anos. As tuas memórias mais importantes, mais formadoras, não são tuas, são dela. E quando a tua mãe morrer, levará consigo a tua infância, perderás os primeiros anos da tua vida. Por isso, trata-a bem.

(Afonso Cruz, in Flores, p. 80)

25/11/2020

O ícone Maradona (30/10/1960 – 25/11/2020)

Maradona é sinónimo de genialidade (figura 1). O talento personificado num homem com propensão para escolher os caminhos mais difíceis para singrar. Ainda assim, criou um legado. Para a história.  

Figura 1. Diego Armando Maradona ao serviço da seleção Argentina (fonte: veja.abril.com.br).

 

Que a sua alma descanse em paz.

25/12/2018

Uma Coruja nas Ruínas (2018)

“Uma coruja nas ruínas” é a segunda obra do meu amigo de infância – digo-o de boca cheia – Eduardo Jorge Duarte, publicada sob a chancela da editora On y va (figura 1). Trata-se de uma coletânea de contos do autor, nem todos inéditos, cujas diferentes personagens se interligam entre si pela “memória” e pela “solidão”. Os onze contos estão sujeitos a interpretações diversas, nem sempre análogas, que se modelam à subjetividade de cada leitor. É exatamente na perspetiva atenta de leitor que tomei nota de algumas das palavras eloquentes do Eduardo sob a forma de narrador ou personagem. Longe de pretender desvendar o que quer que seja dos múltiplos enredos do livro, tento chamar a atenção para uma série de reflexões que, se cuidadas ou devidamente respeitadas, nos conduzem inapelavelmente a um mundo melhor. O Edu é pródigo nisso: identifica as lacunas existenciais da nossa espécie e educa-nos com a mestria das entrelinhas para sermos uma sociedade mais justa, mais solidária e feliz.

Figura 1. Capa de "Uma coruja nas ruínas" (2018), de Eduardo J. Duarte.

Velho continente
Um conto que associo sempre ao single “Run” dos Foo Fighters: “wake up… run for your life with me”. A solidão dos mais velhos é abordada de forma clara, remetendo-nos para “uma maratona de sentimentos”. Enquanto para uma minoria a vida consome o tempo, para o grosso dos nossos idosos o tempo consome a vida.

Aqui, ou aguardamos tranquilos a nossa vez de morrer sem pensar em nada, ou reza-se para matar o tempo, antes que o resto do tempo que nos sobra nos mate a nós. (p. 26)

A realidade dos lares é mesmo assim. Os resistentes, no entanto, engendram planos para que a vida lhes dê mais liberdade e/ou amor. É uma questão de escolhas assentes em possibilidades de ação.

Acromegalia
A questão da consanguinidade e dos problemas complexos que tal acarreta estão bem expressos neste conto. A diferença é a sede da discriminação, do desrespeito e da exclusão. O interessante é que a diferença funde-se na dimensão temporal da trama.

Os horários são armários de prateleiras abertas onde guardamos o tempo. (p. 26)

Por vezes, as rotinas a que muitos aludem tão bem fazer ao organismo humano traem-nos os sentidos, as emoções e culminam em tragédia, em tristeza ou o que lhe queiram chamar.

Senhor Nicolau

Os tempos eram selvagens. De descontentamento generalizado, de fraturas expostas nos ossos da ética e da moral. Tinha desaparecido por completo a capacidade de discernimento entre o bem e o mal. (p. 51)

O vilão do enredo, um tal “dono disto tudo”, “exibia-se pelas redes sociais como um pavão em pose num jardim público”. (p. 52). O autor acredita que há nas crianças uma força libertadora das garras da opressão, desde que o respetivo mentor seja alguém que incuta os valores certos nas mentes (ainda) não corrompidas dos mais jovens.

A cegueira maior é não saber olhar para dentro. (p. 60)

Neandertal

O tempo livre é um salto sem fundo para o ócio. (…) Ando à cavalgadura das tentações. (…) Eu preciso de livros. (p. 69)

O aspeto do homem por detrás de um vício remete-nos para uma existência primitiva do ser humano. Como se um vício, ou outro que o substitui, de sequelas menos nefastas e mais cultas, pudesse conceder uma resposta cabal ao cumprimento de funções básicas de sobrevivência. No julgamento íntimo de cada um, o vício é sempre um bem de caráter irrevogável.

Estricnina
Este conto explora de modo retrospetivo e sublime a intimidade familiar do autor. Nele, o Eduardo pretendeu “dar voz a um homem simples que apenas a teve no silêncio”, o seu tio. Quiçá revoltado com um comportamento mais atrevido, típico da infância e fortemente reprimido pelo seu irmão, deixa-nos um par de constatações que poderiam perfeitamente figurar num dos diversos portais de citações de gente ilustre:

Porque somos sempre muito rápidos a julgar e a catalogar e tão demorados a trocar de pele com os outros. (p. 76)

É engraçado, de alguma forma o passado acaba sempre por vir ter connosco e fazer um acerto de contas, seja por uma janela, por um carro que passa ou pela rajada de memórias disparadas no instante em que premimos o gatilho a uma canção. (p. 87)

Um medo sem nome
Ainda jovens gabávamo-nos de ouvir “música interventiva”. Sucintamente, tratava-se de canções através das quais as bandas (geralmente de rock ou metal) denunciavam e criticavam problemas graves de âmbito social. Este será, porventura, um texto de carga interventiva sobre um dos grandes flagelos na sociedade moderna. A minha mãe sempre me disse que, quando as coisas mudam na vida de um casal, raramente é para melhor; o conto do Edu corrobora-o na íntegra, aludindo a “um segredo guardado num cofre de vergonha”.

O amor comprado avulso traz consigo uma certa maquia de tragédia:

A partir de então, o tempo parado. O avançar da velhice apenas trouxe à pele as marcas usadas da dor e do desgosto. (p. 91)

Osvaldo Se
 O “se”. Hipotético. O jogo de identidade do personagem principal intitulado “auto-ficção do eu”. Maradona e a mão de Deus no Mundial de 1986 são parte integrante do conto. Pelo meio, esbocei um sorriso completamente cúmplice:

Virei-me. Reparei nas riscas azuis apertadas entre camadas brancas que desfilavam pela parede: a bandeira da Argentina. Do outro lado, surgia desenhada pelo dedos do Sol a figura escanzelada do Feliciano, um poeta desempregado que procura manter-se vivo entre os despojos do esqueleto. (p. 95)

Não tenho o prazer de (re)conhecer o cientista Osvaldo Se, mas tenho a honra de privar com o homem que projeta a sua existência no poeta Feliciano. Estocadas como a seguinte, por vezes de nos deixar boquiabertos, acontecem diversas vezes no mês, com exceção dos dias 21, 22 e 23 que são ocupados a diluir o único subsídio que recebe em vinho num dos estabelecimentos comerciais mais antigos da vila:

A sombra de Deus é diferente. É a sombra de uma árvore, é a sombra desse mural à sua frente, está lá quando a alma precisa de um lugar fresco para descansar. (p. 96)

Uma coruja nas ruínas
O conto que dá o título ao livro tinha de ser especial, e é! Segundo confessou o editor do livro, o também escritor monchiquense António Manuel Venda, na primeira sessão do recém-criado Clube de Leitura de Monchique, este texto assume quase contornos de novela.

Como todos os seres humanos começam a existir desde a infância, todas as melodias emergem do silêncio. Não há Homem sem silêncio. Não há música sem uma criança a cantar nos sentimentos. (p. 100)

Como devem calcular, não irei dar grandes pistas sobre o enredo. Há um “eu” principal que vive a história; há um “eu” que acompanha de perto a história e escreve sem, contudo, estar por dentro do “eu” principal; e, por fim, há um “eu” (eu mesmo) que a leio e interpreto – à minha maneira – o “xeque-mate” final.

Uma folha em branco ninguém vê, é como os pensamentos, são invisíveis, mas se a gente os derrama para o papel, então, sim, aí temos as fundações de uma escola. (p. 122)

O Lisboa gosta de xadrez, sofre de stress pós traumático ou, pelo menos, é o que dizem na vila, é a coruja nas ruínas. Como qualquer (boa) personagem do Eduardo, real ou fictícia, dos seus pensamentos germinam lições de vida como esta:

Um dia, afirmei que os sonhos são jardins que florescem na cabeça, e comecei a rir, o que de certa forma não deixa de ser por si mesmo uma definição de sonho, uma gargalhada contra a morte. (p. 134)

Extraordinário!

Wall Street
A vida de Diamantino Serpa, antigo bancário, é devolvida pelo milagre do conto. A reforma trouxe consigo o sentido de liberdade.

Sem saber bem o que fazer às gravatas usadas, mas sem querer esquecer completamente a asfixia do tempo que as recordações dos dias nublados de bancário lhe traziam, pendurou as inúmeras tiras de pano que durante anos enlaçara ao pescoço, junto à ruína terraplanada de um antigo colégio, no outro lado da rua. (p. 139)

É engraçado como identifico logo a localização da efabulação, é praticamente no quintal da minha casa. Além disso, a forma como o autor parte de cenários reais (p. ex., o estendal de gravatas) para criar a história que lemos deve ser enaltecida por qualquer leitor, inclusive por aqueles que, como eu, são menos dados à crítica literária. Mas enfim, sou suspeito para escrever sobre isso.

Diamantino adquirira o gosto de contemplar a linha do horizonte na praia, “porque num horizonte cabe tudo, o futuro, o infinito e a eternidade juntos e a Humanidade toda lá dentro, em liberdade” (p. 140). Nenhuma vida deveria ficar inacabada e, por isso, a mudança de rumo, de rotinas, de Diamantino consubstancia-se num intento nobre:

Que é nesse ponto específico em que duas pessoas se cruzam, nesse abraço perfazendo um X, que se encontra o amor, o mapa que diz o caminho para um tesouro capaz de erradicar o flagelo que afeta aquele um por cento da população mundial detentora das maiores fortunas: a pobreza de espírito. (p. 140)

O todo, o sentido, o melhor do texto, terão de ler. Lamento!

O amor no vidrão
Quinze anos passaram.

E tu, dobrado sobre as tuas memórias, levemente encostado ao vidrão, concluis, enquanto atas os atacadores: estás parado exatamente no mesmo ponto em que estavas naquela adolescência. (p. 144)

Com um jeito próprio de descrição, o narrador faz uma retrospetiva de paixões passadas, como “vulcões” diz, em que a seguir à erupção há uma implosão interior que origina uma “cratera desoladora” de desespero. Desdramatiza, procura ser sensato: são meros cacos do coração depositados no vidrão mais próximo de si.

Pedras queimadas
Foi com este texto que o Eduardo venceu o concurso nacional Conte Connosco do banco Santander Totta, em 2011. A introdução é mítica:

Na fundura do Barranco do Demo não há mal que dure sempre nem bem que não se acabe A crueza de um e outro funde os anos em duas estações só. (p. 151)
O final, assombroso de tão bem escrito, relembra-nos como nós – seres humanos – somos frágeis face à crença no regresso de alguém querido e, simultaneamente, robustos a encarar a declaração do prolongamento de um quotidiano repleto de solidão e saudade.

E, ao fim de uma semana, o filho do Zé Galo voltava a casa depois de ter entregado a alma ao Criador, de cima de um andaime, nos hediondos subúrbios de Paris. (p. 154)


A todos, sem exceções, boas festas! Ao Eduardo Jorge Duarte, comparsa de infância, adolescência e quiçá quantos mais estágios de vida, duas palavras: parabéns e obrigado!

06/06/2018

4-junho-2018: Olá mundo!

Quatro de junho de dois mil e dezoito. Cacimbava em Monchique, um dia pouco convidativo e radiante para viajar até ao hospital de Portimão. Apesar de tudo, não deixou de ter a sua luz e 24 horas. No bloco operatório o parto foi ao estilo Vietnam e o que mais impressiona é como um ser humano de 3.230 kg e 46 cm consegue resistir com tanto afinco a um batalhão de especialistas meticulosamente preparados e equipados. O nosso maior tesouro, o incondicional ou o imortal, segundo Jorge de Sena em a “Visão Perpétua” (obrigado Edu!), nasceu às 12h58.

Quatro de junho de dois mil e dezoito, o dia em que o amor de duas pessoas gerou vida ou, nas palavras da professora de Biologia do 12.º Ano, o momento em que completámos o nosso ciclo biológico ao produzirmos descendência.

Quatro de junho de dois mil e dezoito, o dia em que a nossa família cresceu e o bebé Carlos disse “Olá!” ao mundo. Que se mantenha sempre saudável, resiliente e firme nas batalhas que travar pela vida fora.



PS. Ainda me custa a acreditar que já sou pai.

21/08/2016

Os jogos olímpicos do Rio de Janeiro 2016: O absurdismo e a realidade portuguesa

Meus caros, compatriotas portugueses ou não, mais críticos ou menos críticos, mais absurdos ou menos absurdos, permitam-me que quebre a norma vigente e saúde os nossos atletas pela prestação nos jogos olímpicos do Rio de Janeiro 2016, cujos resultados mais relevantes podem ser encontrados na tabela 1. Muitos, senão mesmo a maioria, não concordarão, mas eu saúdo, felicito e incentivo aqueles que foram para o Brasil não para «passar férias», como alguns ainda fazem ressoar nos nossos tímpanos, mas para representar uma nação que não faz a mínima ideia do que é ser um atleta de alta competição num país sem cultura de alto rendimento. Não é difícil, é horrível.

Tabela 1. Resultados mais relevantes (medalhas e diplomas olímpicos) dos atletas portugueses nos jogos olímpicos do Rio de Janeiro de 2016 (clique para ampliar).

Não sou nem nunca fui atleta de alto rendimento, mas desde jovem que estou ligado ao desporto nacional, como praticante de uma modalidade coletiva e outra de combate, como treinador desportivo e como professor de Educação Física (EF). De entre algumas coisas que entendo sobre este fenómeno do desporto, é que ele reflete o estado do país e o nosso – convenhamos – não está propriamente em grande forma. Neste último ciclo olímpico, relembremo-nos dos cortes na saúde, na educação, nos salários e, como é óbvio, nos parcos apoios concedidos aos nossos olímpicos. O adjetivo «parcos» não é ingénuo, pois os absurdos que exigem medalhas aos nossos atletas decerto que desconhecerão os apoios facultados em países como EUA, Inglaterra, Alemanha, Canadá, China, Japão, Austrália, etc. Decerto que, também, não conhecem a forma como está organizado o desporto nesses países e a importância que é atribuída à escola, ao desporto escolar e, em particular, à EF na formação de um atleta de elite. O problema, longe de ser a atitude ou a competência dos nossos atletas, é muito mais sério: é estrutural. Uma ou duas horas de expressão físico-motora no ensino pré-escolar; a EF continua a ser o parente pobre da nossa escola pública (ensinos básico e secundário); o desporto escolar pouco ou nada serve as necessidades de movimento/competição de crianças/jovens não federados e a diversidade desportiva em Portugal; a ponte entre o desporto escolar e o desporto federado depende da boa vontade e/ou interesse dos professores responsáveis pelos grupos-equipa; o desporto universitário é pobre e, na generalidade, sustentado pela carolice dos estudantes do ensino superior; apesar de inúmeras e boas investigações produzidas e publicadas na área das Ciências do Desporto, os meios ao dispor dos nossos investigadores são precários comparativamente aos existentes nos países supracitados; os nossos media não «vendem» modalidades que não seja o futebol.

Portanto, às 8h e muito da manhã, quando os senhores de camisa e gravata se preparam para chegar aos seus escritórios para escreverem barbaridades sobre os atletas olímpicos portugueses, recordem-se que muitos deles já realizaram o primeiro treino do dia e já se encontram a estudar ou a trabalhar. Às 19h, quando os senhores estiverem a apreciar o conforto do sofá e da lareira nos seus lares, estão tipos num kayak ou numa bicicleta a treinar debaixo de chuva ou com temperaturas gélidas, por vezes com material adquirido com dinheiro do seu próprio bolso. Parece-me, por isso, razoável antever que quando todos os portugueses, bons ou maus, mais ou menos críticos, mais ou menos absurdos, apresentarem a mesma motivação, resiliência e determinação para se superarem e representarem Portugal, então talvez tenhamos um país ainda melhor, mais competitivo internacionalmente, mais feliz e sem a necessidade mesquinha e absurda de medalhas em jogos olímpicos.

Figura 1. As lágrimas de Emanuel Silva na final de K2 1000m (fonte: www.lux.iol.pt).

De resto, a avaliar pelo número de medalhas e diplomas (11 no total), esta até foi uma das participações mais bem conseguidas do desporto português em olimpíadas. Aos nossos atletas, as vossas conquistas são a minha alegria, as vossas lágrimas a minha tristeza. Um obrigado muito especial a todos vós!

09/06/2016

All-Time Euro 11 (by UEFA)

Figura 1. O melhor 11 de sempre a atuar em campeonatos europeus (fonte: uefa.com).

Goste-se ou não, os 11 jogadores da Figura 1 foram eleitos para a melhor equipa de sempre a atuar em campeonatos europeus de seleções. A votação decorreu no sítio oficial da UEFA (uefa.com) e, na minha ideia, não estaria um 11 muito diferente deste.

Que maravilhas fariam estes senhores se efetivamente tivessem jogado todos juntos na mesma equipa?

26/05/2016

Homenagem aos Infantis A do Portimonense SC, Época 2015/2016

No início desta época – 2015/2016 – foi-me proposto um novo desafio como treinador: colaborar com o Portimonense SC no escalão de Infantis (Sub-13). Algum tempo depois, viemos a saber que a Associação de Futebol do Algarve iria lançar, pela primeira vez na história do futebol na região, a modalidade Futebol 9 para o escalão etário em questão. Após nove épocas consecutivas a treinar miúdos no Futebol 7 (2005/2006 – 2013/2014) e uma época no Futebol 11 (2014/2015), este constituía um desafio suplementar, marcado pela novidade.

Figura 1. Plantel dos Infantis A (Sub-13) do Portimonense SC, 2015/2016.
(em falta 9 elementos dos Infantis C que também se sagraram campeões).

Os desafios foram ultrapassados de uma forma absolutamente gratificante, fruto do talento dos nossos jovens praticantes mas, sobretudo, da sua capacidade de trabalho e solidariedade. A atitude é essencial para vingarmos em qualquer área da sociedade e no desporto essa premissa não foge à regra. Se é óbvio que o trabalho de um treinador de formação deve assentar no aperfeiçoamento das capacidades individuais da criança/jovem, não é menos verídico que o desenvolvimento de competências sociais deve ser convenientemente ponderado. A atitude para colaborar, cooperar e ser solidário com os companheiros de equipa é mais determinante do que se pensa no desporto, em particular nos desportos coletivos, nos quais a base do sucesso individual é e será sempre o êxito coletivo. Deste modo, apresentámos a época como uma corrida («RACE») em que os vencedores se pautam por R – Respeito, A – Aprendizagem, C – Cooperação e E – Empenho. E o grupo que formámos foi forte, muito forte mesmo, o que foi bastante evidente nos poucos momentos menos bons com que nos deparámos. Não tenho dúvida que foi a chave para uma temporada memorável: 26 jogos e 26 vitórias no Campeonato Distrital de Infantis – Futebol 9 (figura 2); vencedores do torneio Albufeira EuroCopa 2016 (Futebol 11) e do Torneio Centenário – Cidade de Portimão 2016 (Futebol 9).

Figura 2. Classificação final no Campeonato Distrital de Infantis - Futebol 9 (AF Algarve).

Os números valem o que valem nestas idades e os títulos são meros incentivos para um futuro que é por demais incerto e tantas vezes cruel. A noção de que o respeito, a cooperação e o empenho em prol de objetivos comuns compensam e produzem resultados práticos foi a melhor lição de todas e serve para a vida. As estatísticas dizem que apenas uma percentagem irrisória de jovens praticantes se tornam profissionais de futebol, mas é legítimo que todos estes jovens continuem a nutrir o sonho de jogar em grandes palcos, porque «o sonho comanda a vida» e «quando o Homem sonha, a obra nasce», contudo, sem nunca descurar a formação académica.

Pessoalmente, enfatizo a aprendizagem recíproca no seio do grupo, a amizade e, claro está, o gosto pela prática do bom futebol: o jogo de triângulos, as combinações táticas ofensivas, as coberturas, os equilíbrios e as saídas de zonas de pressão. A homenagem da equipa técnica, na qual estão incluídos João Liberal (treinador adjunto), António Sagreiro (treinador de guarda-redes), José Pio e Pedro Simões (delegados), a estes jovens surge sob a forma de imagens. Eis aqueles que foram eleitos os dez melhores golos no campeonato distrital; memórias bonitas que irão perdurar pela posterioridade, fazendo jus ao nosso lema: «se jogarmos para equipa, a equipa, mais cedo ou mais tarde, jogará para nós».


Parabéns a todos, em especial aos nossos rapazes. Força, Portimonense!

13/01/2014

Cristiano Ronaldo: O primeiro «bis» português na Bola de Ouro da FIFA

Oito dias após o falecimento de uma figura de proa do futebol português – o «pantera negra» Eusébio da Silva Ferreira – temos o primeiro craque deste país à beira-mar plantado a ser consagrado, pela segunda vez, com a distinção FIFA Ballon d’Or (Bola de Ouro da FIFA). Ele é Cristiano Ronaldo, ele é o FIFA World Player of the 2013, isto depois de já ter recebido o troféu homólogo em 2008.

Imagem: Cristiano Ronaldo, o Ballon d'Or de 2013 (fonte: showdebola.pt).

O “rei” Eusébio venceu em 1965, o “génio” Figo em 2000 e o “comandante” Cristiano Ronaldo inaugura o “bis” na bola de ouro para Portugal. Superou a concorrência do argentino Lionel Messi e do francês Franck Ribéry porque, de facto, foi o melhor jogador no ano transato. Se a campanha do Real Madrid esteve longe de satisfazer as expectativas dos adeptos, Cristiano Ronaldo mostrou que, mesmo num coletivo “frouxo”, consegue destacar-se e alcançar números impressionantes. Porém, nem só de golos vive o atacante português.

É um jogador talhado para desequilibrar o processo defensivo adversário. Quantos jogadores têm a sua velocidade (com e sem bola)? Quantos jogadores tratam a bola (dimensão técnica) como Cristiano Ronaldo? Nos tempos mais recentes, ao que não estará alheio o trabalho com José Mourinho e Carlo Ancelotti, tornou-se um jogador mais imprevisível, pois tanto pode servir o “coletivo”, como, individualmente, resolver os problemas contextuais do jogo. Os resumos mostram-nos os golos, mas Cristiano melhorou imenso a sua competência tática. Defensivamente, isso também foi e é evidente.

Esta evolução na dimensão tática aliada ao seu estrondoso potencial atlético, ao seu brilhantismo técnico e à sua enorme capacidade de finalização, faz de Cristiano Ronaldo um jogador altamente decisivo entre a elite do futebol mundial. Os contextos podem ser distintos, mas ele adapta-se, aparece e resolve. No ano de 2013 houve muito de fantástico de Cristiano Ronaldo. Mil e um vídeos poderiam ilustrar a sua qualidade; eu escolhi deixar-vos um pormenor delicioso do atual “melhor do mundo”:


No próximo mês fará 29 anos e tem francas possibilidades de ir ainda mais além. Apesar disso, não posso deixar de me questionar: daqui a quantos anos teremos outro jogador português a vencer duas vezes a Bola de Ouro da FIFA?

05/01/2014

Eusébio partiu, mas o seu legado perdurará

O primeiro texto de 2014 é uma curta homenagem a Eusébio. O dia 5 de janeiro de 2014 é marcado pelo seu falecimento, porém, o legado que deixa no futebol português perdurará por longas décadas. O seu contributo foi fundamental para que o nome do Sport Lisboa e Benfica se erguesse no panorama europeu e para que Portugal constasse no mapa do futebol mundial. No que diz respeito a esta modalidade desportiva, o que o «pantera negra» fez está apenas ao alcance de predestinados, de génios.

Imagem: A estátua de Eusébio por Vasco Duarte (fonte: olhares.sapo.pt).

Não tive oportunidade de o ver jogar (ao vivo), mas fica para a posterioridade alguns dos seus números:

· 638 golos em 614 jogos oficiais (média de 1,04 golos/jogo);
· Ganhou 11 Campeonatos Nacionais (1960-61, 1962-63, 1963-64, 1964-65, 1966-67, 1967-68, 1968-69, 1970-71, 1971-72, 1972-73 e 1974-75);
· Conquistou 5 Taças de Portugal (1961-62, 1963-64, 1968-69, 1969-70 e 1971-72);
· Venceu 1 Taça dos Campeões Europeus (1961-62);
· 3 vezes finalista vencido na Taça dos Campeões Europeus (1962-63, 1964-65 e 1967-68);
· 3 vezes melhor marcador da Taça dos Campeões Europeus (1965, 1966 e 1968);
· 7 Bolas de Prata (record nacional) em 1964, 1965, 1966, 1967, 1968, 1970 e 1973;
· 2 Botas de Ouro (1968 e 1973);
· 1 Bola de Ouro (1965).

Tão impressionante como observar algumas das suas jogadas e os seus golos:


Até sempre, Eusébio!