29/10/2023

Artigo do mês #46 – outubro 2023 | Evolução técnica e tática das sequências ofensivas na LaLiga (2008–2021). É o futebol espanhol agora mais associativo?

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto. 

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Autores: González-Rodenas, J., Moreno-Pérez, V., López-Del Campo, R., Resta, R., & Del Coso, J.

País: Espanha

Data de publicação: 6-outubro-2023

Título: Technical and tactical evolution of the offensive team sequences in LaLiga between 2008 and 2021. Is Spanish football now a more associative game?

Referência: González-Rodenas, J., Moreno-Pérez, V., López-Del Campo, R., Resta, R., & Del Coso, J. (2023). Technical and tactical evolution of the offensive team sequences in LaLiga between 2008 and 2021. Is Spanish football now a more associative game? Biology of Sport, 40(2), 105–113. https://doi.org/10.5114/biolsport.2024.131818

  

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 46 – outubro de 2023.

 

Apresentação do problema

Nos últimos anos, a análise da performance no futebol evoluiu imenso, sobretudo devido ao uso de dispositivos GPS e de sistemas de rastreamento com múltiplas câmaras, o que possibilita uma recolha extensa de dados praticamente em tempo real (Link et al., 2016; Sarmento et al., 2018). Os desenvolvimentos tecnológicos têm permitido a análise cada vez mais precisa de aspetos técnicos, táticos, físicos e psicológicos do desempenho dos jogadores (Rein & Memmert, 2016). Algumas das análises efetuadas têm-se focado na evolução de competições profissionais de futebol em toda a Europa, incluindo a LaLiga espanhola (Lago-Peñas et al., 2022; Errekagorri et al., 2022), a Premier League inglesa (Barnes et al., 2014; Bradley et al., 2016), a Bundesliga alemã (Konefal et al., 2019) e a UEFA Champions League (Yi et al., 2020). Independentemente de diferenças entre os estudos, mostrou-se que indicadores de desempenho, como a distância percorrida em alta velocidade, o número de sprints e o número de passes têm aumentado, enquanto a distância total percorrida, o número de remates, cruzamentos, desarmes e alívios diminuíram progressivamente ao longo das temporadas. Em síntese, estas evidências sugerem que as equipas das ligas de futebol europeias estão atualmente a exibir um estilo de jogo mais orientado para a posse de bola, com esforços físicos mais intensos. 

Apesar das contribuições significativas dos estudos supramencionados, o foco recaiu predominantemente em parâmetros técnicos e físicos individuais, negligenciando os indicadores de performance coletivos, que são cruciais para entender a performance competitiva. Dada a necessidade de explorar parâmetros mais dinâmicos, interativos e representativos do futebol (Mackenzie & Cushion, 2013), a análise das sequências ofensivas das equipas fornece uma perspetiva global sobre o modo como os jogadores se ligam coletivamente para elaborar um ataque. Isso inclui o número de passes por sequência, a velocidade de progressão e o resultado da sequência, possibilitando captar o comportamento técnico e tático da equipa em posse de bola (Aranda et al., 2019). Embora ainda persista a discussão entre investigadores sobre o tipo de sequências de passe (curtas ou longas) que gera maior eficácia ofensiva (Reep & Benjamin, 1968; Hughes & Franks, 2005), esta análise tem vindo a expandir-se, incluindo técnicas como a análise de rede (Clemente et al., 2020) e dados posicionais (Malqui et al., 2019), para que se possa obter uma compreensão mais profunda acerca das interações coletivas no futebol. 

Contudo, apesar da constante evolução na última década dos métodos de treino (Sarmento et al., 2018b, 2018c), dos dispositivos táticos (González-Rodenas et al., 2023) e dos métodos de análise de jogo (Sarmento et al., 2018a, Forcher et al., 2022), que resultaram numa literatura científica mais abrangente e mais orientada para o que se faz no terreno, as evidências em torno da forma como o jogo de futebol tem evoluído ao longo dos anos ainda são limitadas. Portanto, parece necessário e interessante explorar como é que as sequências ofensivas das equipas estão a evoluir em termos técnicos e táticos, a fim de investigar os efeitos dos métodos de treino e de jogo. Neste âmbito, a avaliação da fase ofensiva pode detetar as variáveis técnicas e táticas chave, relacionadas com a velocidade de circulação da bola, a duração e o número de ações técnicas (e.g., passes), bem como a localização da posse de bola e os movimentos dos jogadores, e que são essenciais para avaliar os estilos de jogo (Hewitt et al., 2016) e alcançar o sucesso no futebol (Oliva-Lozano et al., 2023). 

Posto isto, o objetivo desta investigação foi estudar a evolução técnica e tática das sequências ofensivas das equipas de futebol da LaLiga espanhola numa perspetiva longitudinal, desde as temporadas 2008/09 até 2020/21.

 

Métodos

Amostra: consistiu em 4940 observações de jogos de 38 equipas profissionais de futebol da LaLiga, abrangendo um período de 13 temporadas, de 2008/09 a 2020/21. Resultou, no total, em 9880 conjuntos de dados de sequências ofensivas (2 conjuntos por jogo), executados pelas equipas em competição. Todos os dados foram recolhidos com a autorização da LaLiga, em conformidade com as respetivas diretrizes éticas e garantindo o anonimato dos jogadores. 

Procedimentos: as características técnicas e táticas de cada sequência ofensiva foram recolhidas através do sistema Mediacoach, que utiliza informação proveniente da OPTA Sportsdata. Todas as sequências coletivas produzidas em cada jogo da LaLiga foram automaticamente gravadas e analisadas pelo sistema. Em termos operacionais, uma sequência ofensiva é definida por uma passagem de jogo em que a posse de bola pertence a uma equipa, finalizando com ações defensivas adversárias, paragens naturais do jogo (e.g., bolas fora ou faltas) ou um remate. Para cada sequência ofensiva, foi analisado um total de 12 variáveis técnicas e táticas passíveis de descrever as características gerais da sequência coletiva, a performance na ação de passe e a performance ofensiva (ver Tabela 1).


Tabela 1. Descrição e definição das variáveis técnicas e táticas avaliadas no presente estudo (adaptado de González-Rodenas et al., 2023).


Análise estatística: os dados foram transferidos do Mediacoach para uma folha de dados de Microsoft Excel. Todas as análises estatísticas foram realizadas no software IBM SPSS Statistics, v. 27.0. Devido à estrutura hierárquica do desempenho das equipas no futebol (cada equipa tem o seu próprio estilo de jogo), um modelo misto multinível foi usado para agrupar o desempenho coletivo (nível 2) em equipas (nível 1). Com esta organização dos dados, foi calculado um modelo linear generalizado para explorar o efeito longitudinal da época (efeito fixo) nas variáveis técnicas e táticas, considerando o efeito de cada equipa (efeito aleatório). Foram ainda incluídas variáveis contextuais, como o local do jogo (casa vs. fora), resultado do jogo (vitória vs. empate vs. derrota), ranking do adversário em quartis (primeiro, segundo, terceiro e quarto) e ranking da equipa em quartis. A dimensão de efeito foi avaliada com base na estatística de Cohen F2, com os seguintes valores de corte: < 0.02, trivial; > 0.02, pequena; > 0.15, média; > 0.35, grande (Cohen, 1992). As comparações entre médias estimadas foram realizadas com o teste de Fisher para diferenças mínimas significativas. O nível de significância foi estabelecido em p < 0,05.


Principais resultados

 ·     Características gerais das sequências ofensivas

A Figura 2 mostra a evolução longitudinal do número, largura, comprimento e duração das sequências ofensivas por jogo. 

Figura 2. Médias preditas e intervalos de confiança a 95% para as variáveis “número de sequências” (sequences), “largura da sequência” (sequence width), “comprimento da sequência” (sequence length) e “duração da sequência” (sequence time) na LaLiga de 2008/09 a 2020/21, de acordo com o modelo linear generalizado misto. *Significativamente diferente da temporada 2008/2009 (teste de Fisher para diferenças mínimas significativas; p < 0,05) (adaptado de González-Rodenas et al., 2023).

 

Em comparação com a época 2008/09, o número de sequências ofensivas começou a decrescer na época 2016/17 e obteve os valores mais baixos nas últimas 5 temporadas investigadas. A largura das sequências ofensivas permaneceu estável ao longo das épocas, com valores médios a rondar os 34 metros. O comprimento das sequências exibiu uma tendência decrescente a partir da época 2014/15. Por sua vez, a duração média das sequências ofensivas demonstrou uma tendência crescente, particularmente, de 2014/15 em diante, quando o tempo médio das sequências ofensivas aumentou de 6,4 segundos para 8,3 (+33,3%).

 

·     Performance relativa à ação de passe

A Figura 3 mostra que o número total de passes (+18,7%), a precisão do passe (+6,8%) e o número de passes por sequência ofensiva (+34,4%) registaram uma tendência constante de incremento ao longo das épocas examinadas. Por seu turno, a velocidade de progressão direta evidenciou uma tendência decrescente, especialmente da época 2013/14 em diante.

 

Figura 3. Médias preditas e intervalos de confiança a 95% para as variáveis “número de passes” (passes), “precisão do passe” (passing accuracy), “passes por sequência” (passes per sequence) e “velocidade de progressão direta da sequência” (direct speed) na LaLiga de 2008/09 a 2020/21, de acordo com o modelo linear generalizado misto. *Significativamente diferente da temporada 2008/2009 (teste de Fisher para diferenças mínimas significativas; p < 0,05) (adaptado de González-Rodenas et al., 2023).

 

·     Performance ofensiva

O número de passes chave diminuiu significativamente a partir de 2014/15, enquanto o número de bolas (passes) penetrantes começou a decrescer significativamente a partir da época 2011/12. O número de sequências finalizadas no terço ofensivo apresentou um decréscimo gradual. Além disso, o número de sequências finalizadas com um remate também manifestou uma tendência decrescente, com diferenças significativas entre a época de referência (2008/09) e todas as épocas após 2011/12.

 

Figura 4. Médias preditas e intervalos de confiança a 95% para as variáveis “passes chave” (key passes), “bolas penetrantes” (through balls), “sequências finalizadas no terço ofensivo” (sequences that end in the attacking third) e “sequências finalizadas com um remate” (sequences that end in a shot) na LaLiga de 2008/09 a 2020/21, de acordo com o modelo linear generalizado misto. *Significativamente diferente da temporada 2008/2009 (teste de Fisher para diferenças mínimas significativas; p < 0,05) (adaptado de González-Rodenas et al., 2023).

 

Aplicações práticas

Com base nos resultados apresentados, foram extraídas 3 sugestões fundamentais para os treinadores implementarem nas suas abordagens práticas ao treino e ao jogo:

 

1. Adaptação estratégico-tática: os treinadores devem fomentar um estilo de jogo mais associativo nas suas equipas. Esse intento envolve a criação de sequências de passes mais longas, permitindo controlar o jogo de forma mais eficaz por meio do aumento da frequência e da precisão dos passes. Do ponto de vista tático-técnico, implica a realização de mais passes à largura do campo e, inclusivamente, passes para trás, levando a um controlo mais refinado da posse de bola e do ritmo de jogo. A ausência de “vertigem ofensiva” (i.e., chegar muito rapidamente à baliza adversária) possibilita que as equipas explorem os momentos mais oportunos do processo ofensivo para desequilibrar a organização defensiva adversária e finalizar o ataque, sem comprometer a organização defensiva da própria equipa.

 

2.  Organização defensiva: um maior jogo associativo terá certamente a ver com o modo como as equipas se organizam em processo defensivo. Assim, os treinadores devem considerar fortalecer a organização defensiva das suas equipas, aumentando a pressão sobre a bola e linhas de passe envolventes. Esta opção estratégico-tática, quando bem executada, tende a reduzir as chances que as equipas adversárias têm de penetrar nos diversos setores, forçando-os a depender de combinações de passe mais elaboradas para ultrapassar o bloco defensivo. Em suma, com um bloco compacto e pressionante, as equipas são capazes de limitar as ocasiões de transição defesa-ataque em profundidade dos adversários, reduzindo as oportunidades que criam para rematar à baliza.

 

3. Otimização do desempenho físico: uma organização ofensiva mais efetiva pode potencialmente rentabilizar os esforços físicos dos jogadores e atenuar o gasto energético durante os jogos. A construção de processos ofensivos mais organizados salvaguarda a condição física dos jogadores, proporcionando que conservem energia para a execução de ações mais intensas quando é necessário, aspeto que reflete uma nova característica do futebol moderno – integrar a gestão física na preparação das nuances estratégico-táticas a implementar.

 

Conclusão

As evidências do estudo demonstram que as equipas de futebol da LaLiga evoluíram técnica e taticamente para um estilo de jogo mais associativo e combinativo, incluindo sequências de passe mais longas, tanto em duração, como em quantidade. Esta evolução também acarretou a diminuição da velocidade de progressão direta no sentido da baliza oponente e a redução do número de bolas penetrantes, passes chave e remates. 

Numa perspetiva estratégico-tática, parece que as equipas profissionais estão a evoluir para um estilo de jogo mais associativo, com menos verticalidade e penetração ofensiva. Ainda assim, os técnicos não devem apenas treinar os jogadores para serem precisos nas ações de passe inerentes à manutenção da posse de bola, já que é essencial que estes adquiram competências específicas de drible, finta ou passe para desorganizar a defesa contrária. Além disso, uma vez que o número de passes penetrantes, passes chave e remates tem decrescido nos últimos anos, possuir jogadores com estes atributos pode ser vital para formar planteis bem-sucedidos. O conhecimento providenciado por este estudo desafia treinadores e analistas a refletir sobre o atual desenvolvimento técnico, tático e estratégico do jogo de futebol.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Biology of Sport.

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