08/04/2014

A variação da população residente no concelho de Monchique entre 1911 e 2011. Que futuro nos espera?

É noite na vila. Deserto. O ar circula livre entre canais formados por paredes que, outrora, albergaram movimento, som e alegria. O dia traz-nos estabelecimentos comerciais encerrados, agora abandonados pelo tempo e vivos apenas na memória de alguns resistentes. Os que ainda por cá andam fazem-no cabisbaixos, conscientes da gravidade da doença de que o concelho padece. Os novos fogem, em busca de esperança, sustento, “ganha-pão”. Os mais velhos ficam porque têm na terra as suas raízes, as suas rotinas e a sua energia. E é nesta mesma terra que depositarão o seu bem mais precioso: a vida. Curioso: enquanto uns saem em busca de melhor sorte, outros ficam para contrariar a fatalidade do destino. Nenhum dos cenários é bom, se pensarmos a médio ou a longo prazo.

Sou de Monchique, sempre tive orgulho em sê-lo e, como qualquer cidadão comum, tenho as minhas preocupações, os meus desejos e as minhas utopias. No que diz respeito à minha terra, desejava que a realidade fosse outra: mais população jovem, dinâmicas sociais, comerciais e culturais mais cativantes, e perspetivas otimistas para o futuro. Mas factos são factos e não são propriamente motivo de regozijo. Atualmente, o Agrupamento de Escolas de Monchique conta, pela primeira vez na história, com menos de 500 alunos no concelho (i.e., contabilizando os jardins de infâncias, as escolas do ensino básico e a escola básica 2,3 de Monchique). Fala-se, insistentemente, no fecho de serviços como o Tribunal e as Finanças. Dia após dia, é ouvir os sinos a tocar; a porta da igreja da misericórdia exibe, cada vez mais frequentemente, um, dois, às vezes, três retratos. Os jovens, não encontrando emprego e habitação/terreno para o seu bolso, debandam para outras paragens; como disse, «buscam melhor sorte». Quem os pode censurar?

Posto isto, o que está a acontecer à população residente no concelho de Monchique? O que foi antigamente este concelho em termos populacionais? Estas foram as questões que coloquei e decidi pesquisar um pouco. Os resultados encontram-se expressos no gráfico 1.

Gráfico 1. Evolução da população residente no concelho de Monchique em 100 anos (1911 – 2011).
(fonte: www.ine.pt; p.f., clique para ampliar)

Os dados foram obtidos dos Recenseamentos gerais/Censos da população portuguesa, cujos documentos (pdf) podem ser encontrados no site do Instituto Nacional de Estatística. Como podemos verificar, entre 1911 e 1940, houve um crescimento da população residente no concelho de Monchique até ao valor máximo de 15028. Entre 1940 e 1960, a população estabilizou em torno deste número para, a partir de 1960 até 2011, sofrer um decréscimo gradual e abrupto até às 6045 pessoas. Como explicar o fenómeno?

Estou em crer que muito terá a ver com as alterações que a própria sociedade portuguesa veio a sofrer ao longo destes 100 anos. Localmente, a partir de 1960, passámos de uma economia centrada no setor primário – agricultura, pecuária, caça e indústrias extrativas (madeira, cortiça) – para uma economia progressivamente mais centrada no setor terciário – turismo, comércio, restauração e serviços locais (finanças, administração autárquica, etc.). Por outro lado, com a melhoria da rede viária e o acesso facilitado a viaturas próprias, a população ficou dotada de maior mobilidade, deixando também de estar tão isolada. Quiçá inadvertidamente, este paradigma promoveu o êxodo rural. Além disso, o crescente ingresso de estudantes nos ensinos secundário e superior, fomentou a saída de muita população jovem do concelho para outros locais do país, nomeadamente para pólos populacionais de maior dimensão (Portimão, Faro, Lisboa, etc.). A tendência natural é para quem vai já não voltar. Estes e outros fatores contribuíram/contribuem para que no concelho de Monchique haja menos pessoas a residir, década após década.

Observemos a Taxa de Variação Populacional no concelho de Monchique no século em análise (tabela 1).

Tabela 1. Variação populacional no concelho de Monchique entre 1911 e 2011 
(valores relativos - % - na linha superior e valores absolutos na linha inferior, em relação à década anterior; p.f., clique para ampliar).

Somente em três décadas se constatou um crescimento populacional em Monchique: entre 1921 e 1930 (12,01%), entre 1930 e 1940 (6,15%) e entre 1950 e 1960 (0,76%). O período de 30 anos, entre 1960 e 1991, foi negro a nível demográfico para o concelho. Por década, o decréscimo médio de população residente foi de 20,88% (i.e., média de - 2490 indivíduos/década). Se compararmos diretamente a população de Monchique nos anos de 1960 e de 1991, verificamos que houve um decréscimo abrupto de 7470 pessoas, o que corresponde a uma perda de 50,54% da população no concelho. Entre 1991 e 2001, o decréscimo populacional abrandou substancialmente (- 4,58%), para, na década seguinte (2001-2011), voltar a ser mais pronunciado: - 13,32%.

Então, o que esperar dos próximos censos em 2021? Tendo em consideração que, em 2011, 31,7% da população residente em Monchique tinha 65 ou mais anos e que o número de óbitos tem sido assinalável (mesmo comparativamente ao número de nascimentos), as perspetivas não são nada animadoras. Talvez para o governo sejam, atendendo à importância que atribui aos números no que toca à arte de «cortar». Quem sabe se depois da fusão de freguesias, não vem a fusão de concelhos…

Por isso, é urgente que se tomem medidas para travar este flagelo associado à maioria dos concelhos do interior. O esforço não pode advir apenas da administração local; o comprometimento das instâncias governamentais centrais é fulcral neste processo. Neste sentido, a fixação de população jovem (promoção de habitação e/ou lotes de terreno a custos controlados) e a criação de postos de emprego (captação de investimento privado, apoio ao empreendedorismo empresarial, aposta no turismo rural/de natureza, incentivo à exportação de produtos locais de referência, etc.) são dois eixos de orientação essenciais para que se possa obter algum sucesso. Ignorar a realidade atual será o garante de que o que parece ser inevitável se concretize: o desaparecimento do concelho de Monchique como (ainda) o conhecemos.

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