08/05/2019

Science and Medicine in Football (Vol. 3/2019) | Comparação das sequências ofensivas bem-sucedidas na fase de grupos do Campeonato do Mundo de 2018: equipas eliminadas vs. qualificadas

Cá na terra, o sobejamente conhecido Ti Toino Jorge contornou habilmente as escassas probabilidades de longevidade que, face às vicissitudes da sua vida, sempre lhe foram atribuídas. Na minha humilde perspetiva é, aos 91 anos de idade, um ancião dos tempos modernos, um catedrático da universidade da vida. Certo dia teve a subtileza de admitir que o segredo, se assim se pode designar, para a sua longevidade foi o desafio constante. Dizia que “temos de nos desafiar” porque “parar é morrer”. Serviu de mote para esta nova publicação: o resultado de um desafio a mim mesmo.

O desafio consubstanciou três vertentes fundamentais: (1) envolver uma amostra da principal competição desportiva do mundo, excetuando os Jogos Olímpicos: o Campeonato Mundial de Futebol da FIFA; (2) publicar numa revista internacional com revisão de pares; (3) efetuar sozinho todos os procedimentos desde o projeto de investigação até à revisão das provas, caso fosse aceite para publicação. Tudo isto resumiu-se numa simples questão: “serei capaz?”. No passado dia 6 de maio de 2019, a publicação online na revista britânica Science and Medicine in Football confirmou que sim (figura 1).

Figura 1. Capa oficial da revista "Science and Medicine in Football".
(fonte: Routledge - Taylor & Francis Group)

Nem tudo foi um mar de rosas. Por exemplo, na primeira opção de submissão não passou do editor, por considerar que a amostra de sequências ofensivas não permitia a generalização dos dados. Depois de 6 ou 7 meses de trabalho termos um produto final que, à partida, é barrado pelo editor de uma revista, sem sequer ser alvo de revisão por pares, é inglório e demasiado frustrante. Perseverança, resiliência e determinação. O próximo passo foi ainda mais desafiante, pois subi a fasquia. Felizmente, foi bem acolhido por ambos os revisores, a quem devo uma palavra de agradecimento pela pertinência das correções/sugestões propostas. Os agradecimentos são extensíveis ao amigo Tiago Salvador, sempre disponível para recolher dados e/ou aferir as fiabilidades intra e interoperador. Fiz questão de deixar esta gratidão patente no artigo final, tal como uma dedicatória a um (pequeno) ser humano que mudou a minha visão do mundo para melhor: o meu filho Carlos Jorge de Almeida.

A investigação em si permitiu identificar algumas tendências ofensivas do futebol moderno, em particular de equipas de elite bem-sucedidas. A capacidade de impor ritmos mais elevados de circulação de bola e de envolvimento coletivo parece ser determinante para romper organizações defensivas cada vez mais sofisticadas. A mera percentagem de posse de bola, carente de objetividade ou propósito, não aparenta estar relacionada com o sucesso numa competição como o Mundial da FIFA. A posse de qualidade, cujo objetivo é criar condições mais propícias para finalizar em golo, sobressaiu como uma tendência relevante das equipas que seguiram para os oitavos-de-final da prova. A variabilidade de soluções táticas ofensivas e a importância dos esquemas táticos, ainda que estes últimos não tenham diferenciado equipas eliminadas de equipa apuradas para a fase seguinte da competição (figura 2), foram também alvo de discussão.

Figura 2. Inferência Baseada na Magnitude para os indicadores de performance estudados (nota: para valores mais afastados da origem - 0 - maiores as diferenças entre equipas eliminadas e qualificadas).

De seguida, apresento-vos o “abstract” (resumo) do artigo que foi produzido sob a chancela do Centro de Investigação em Desporto e Educação Física (CIDEF) do Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes (ISMAT), em Portimão.

Abstract
This study aimed to compare the offensive sequences that resulted in goals in the group stage of the 2018 FIFA World Cup according to teams’ status: eliminated versus qualified for the knockout phase. Successful offensive sequences performed in the group stage by eliminated (n = 39) and qualified teams (n = 83) were notated post-event using an adapted version of the Offensive Sequences Characterisation System, which includes simple and composite performance indicators. Magnitude-based inferences revealed that performances indicators Passes/Duration, Passes/Ball touches, Players/Duration and Passes/Players were key to differentiate eliminated and qualified teams. Performance profiles emerging from qualified teams suggest the ability to impose a faster game pace (of ball passing and collective involvement) is more relevant to offensive effectiveness in elite football than the mere amount of sport-specific actions performed. Although offensive sequences with more passes, ball touches and duration had a possible positive effect on reaching the knockout phase, the offensive behaviours of qualified teams highlighted the importance of ‘quality possession’. Indeed, offensive sequences involving more players (teamwork) and favouring ball passing instead of individual ball retention seem to facilitate the emergence of goal-scoring events. Considering these findings, professional coaches are encouraged to design playing-form activities aiming to promote team-based offensive strategies, including task constraints to increase the game pace and the frequency of ‘penetrating passes’ into vital playing areas.

Keywords: football, notational analysis, team performance, technical component, contextual variables

Reference
Almeida, C. H. (2019). Comparison of successful offensive sequences in the group stage of 2018 FIFA World Cup: eliminated vs. qualified teams. Science and Medicine in Football. doi: 10.1080/24733938.2019.1613557 (free eprint here)

Como tudo encerra uma lição de vida, estes cerca de 11 meses mostraram-me que, embora seja crucial desafiarmos e superarmos as nossas dúvidas ou barreiras pessoais, o trabalho de equipa é altamente recomendado. Se é verdade que sozinhos podemos chegar mais depressa, acompanhados chegaremos provavelmente mais longe.

Torço para que seja uma leitura aprazível para o leitor ou, para todos os que fazem do futebol e/ou do desporto um modo de vida, que inclua informação útil para a sua atividade profissional.

Até breve!

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