Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.
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Autores: Daly,
L., Caulfield, P., & Martínez-Hernández, D.
País: República da Irlanda
Data de publicação: 23-novembro-2025
Título: Sprints, decelerations and turns most commonly precede
goals in soccer: Analysis of 6 FIFA World Cups
Referência: Daly, L., Caulfield, P., & Martínez-Hernández, D.
(2025). Sprints, decelerations and turns most commonly precede goals in soccer:
Analysis of 6 FIFA World Cups. European Journal of Sport Science, 25(12), e70085. https://doi.org/10.1002/ejsc.70085
Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 72 – dezembro de
2025.
Apresentação do problema
O futebol de alto rendimento é uma modalidade multifatorial, onde o desempenho coletivo e individual resulta de uma interação complexa entre competências técnicas, organização tática, contexto de jogo, capacidades físicas e processos cognitivos. Entre os fatores que mais contribuem para a eficácia ofensiva destacam-se as ações explosivas – como sprints, desacelerações e mudanças bruscas de direção – frequentemente associadas à criação de oportunidades de golo (Martínez-Hernández et al., 2024).
Apesar da importância inegável da proficiência tático-técnica, o caráter dinâmico e imprevisível do jogo contemporâneo valoriza atributos físicos específicos que sustentam a execução eficaz sob pressão (Aquino et al., 2020; Daly et al., 2023). Ainda que os dados obtidos por GPS e outras tecnologias de rastreamento permitam monitorizar a carga de trabalho dos jogadores, estes indicadores quantitativos tendem a negligenciar o enquadramento contextual das ações decisivas, como transições ofensivas, recuperações em zonas altas ou finalizações com sucesso (Paul et al., 2015; Ponce-Bordón et al., 2022).
A evidência atual aponta para a influência de múltiplos fatores táticos e situacionais na concretização de golos. Entre os mais relevantes destacam-se o grau de organização defensiva do adversário, a proximidade da recuperação da posse em relação à baliza contrária (González-Ródenas et al., 2020) e a ocupação ofensiva do espaço entre a bola e a baliza (Schulze et al., 2018; 2022). Nestes contextos, as ações intensas, particularmente durante contra-ataques ou movimentos de rutura, desempenham um papel decisivo na desestabilização das estruturas defensivas e na criação de espaços livres para finalizar (Schulze et al., 2022).
A eficácia destas ações depende, em larga medida, da
preparação física dos jogadores. Indivíduos com elevada capacidade para
acelerar, mudar de direção e sustentar esforços repetidos estão mais aptos a
romper linhas adversárias e a capitalizar momentos-chave do jogo
(Martínez-Hernández et al., 2023). Estas competências assentam em
características fisiológicas multifacetadas, que incluem componentes
neuromusculares, metabólicos, cardiovasculares e mecânicos (Daly et al., 2023;
Vigh-Larsen et al., 2024). Como tal, a performance ofensiva parece estar
intrinsecamente ligada a atributos físicos específicos que sustentam as ações
de maior intensidade (Martínez-Hernández & Jones, 2024).
Figura 2. Ações intensas antecedem, com frequência, situações de
golo (fonte: www.liverpoolfc.com; imagem não publicada pelos autores).
Contudo, a investigação sobre o papel concreto das ações físicas imediatamente anteriores aos golos permanece escassa. As poucas evidências disponíveis apontam para a prevalência de esforços intensos nos momentos que antecedem a finalização, mas baseiam-se em amostras reduzidas, restritas a ligas europeias numa só época (Faude et al., 2012; Martínez-Hernández et al., 2023, 2024), como a Premier League, a Women’s Super League ou a Bundesliga. Estas limitações metodológicas impedem generalizações quanto a variações internacionais ou à evolução temporal dos padrões ofensivos. Com o aumento da intensidade do futebol moderno (Harper et al., 2021), torna-se imperativo questionar se os determinantes físicos do sucesso ofensivo acompanham essa transformação.
Para além das limitações referidas, subsiste uma preocupação mais alargada sobre a replicabilidade das conclusões nas ciências do desporto (Mesquida et al., 2022), o que sustenta a necessidade de validar os dados atuais. A análise comparativa e longitudinal das ações que antecedem os golos, em contextos internacionais masculinos e femininos, pode contribuir para uma compreensão mais sólida, realista e aplicável dos requisitos físicos associados à eficácia ofensiva. Tal conhecimento poderá informar a conceção de programas de treino mais ajustados às exigências competitivas, identificar tendências evolutivas e esclarecer eventuais diferenças associadas ao sexo biológico.
Neste enquadramento, o presente estudo procurou colmatar
essas lacunas através da análise de todas as ações imediatamente anteriores aos
golos em jogo corrido, registados nos Campeonatos do Mundo FIFA masculinos
(2014, 2018, 2022) e femininos (2015, 2019, 2023).
Métodos
· Abordagem experimental ao problema
O estudo analisou 649
golos marcados em situações de jogo corrido nos Campeonatos do Mundo da FIFA
(masculinos e femininos), com foco nos 3 últimos movimentos do marcador e do
assistente. As ações foram classificadas com base numa versão modificada da Bloomfield
Movement Classification (mBMC) (Bloomfield et al., 2004), à qual se
acrescentaram categorias para intensidade, direção e envolvimento com a bola. A
investigação teve como objetivo identificar as exigências físicas e táticas
associadas à eficácia ofensiva, bem como avaliar variações temporais e
diferenças entre sexos biológicos.
· Procedimentos
A análise centrou-se
exclusivamente em golos obtidos em jogo corrido, excluindo bolas paradas,
autogolos e situações de ressalto. A delimitação metodológica procurou
assegurar maior homogeneidade no tipo de contexto ofensivo em estudo. Só um
investigador realizou a codificação dos lances, sem limite de tempo por ação,
com o apoio de uma grelha informatizada desenvolvida em Excel. Foram
considerados os 3 últimos movimentos do marcador e do assistente, tendo como
ponto de partida a receção da bola (assistente) ou o passe recebido (marcador).
Esta janela de análise procurou captar as ações mais próximas e potencialmente
decisivas para a construção do golo (Faude et al., 2012; Martínez-Hernández et
al., 2023, 2024). A codificação incluiu categorias relativas à intensidade,
direção e envolvimento com a bola. Os dados utilizados encontram-se disponíveis
em acesso aberto (https://shorturl.at/OWk2X), o que permite a sua reutilização
em futuros trabalhos científicos.
· Análise estatística
A análise estatística
combinou testes do qui-quadrado e análise bayesiana de tabelas de contingência
para examinar diferenças na prevalência e na intensidade dos movimentos que
antecederam os golos nos 6 Mundiais masculinos e femininos. Foram consideradas
possíveis variações em função do ciclo competitivo, do sexo biológico e do
papel do jogador (assistente vs. marcador). A fiabilidade da codificação foi
aferida através dos coeficientes Kappa de Cohen, registando níveis de
concordância entre substancial e quase perfeita. Para além dos testes de
significância tradicionais (p < 0.05), os autores utilizaram fatores
de Bayes (BF10) para quantificar a força da evidência a favor ou contra as
hipóteses formuladas. A conjugação destas abordagens torna as conclusões mais
robustas e assegura coerência com trabalhos anteriores (Martínez-Hernández et
al., 2023, 2024).
Principais resultados
Os resultados foram
organizados por sexo biológico, ciclo competitivo e papel do jogador (marcador
ou assistente), com destaque para a prevalência, intensidade e tipo de
movimento que antecederam os golos.
·
Frequência total e
percentagens dos movimentos
Foram analisados 2995
movimentos associados a 649 golos marcados nos 6 Campeonatos do Mundo mais
recentes, masculinos e femininos. No futebol masculino, foram incluídos: 579
movimentos e 120 golos no Mundial de 2014; 463 movimentos e 108 golos em 2018; 559
movimentos e 124 golos em 2022. No futebol feminino, foram analisados: 480
movimentos e 107 golos no Mundial de 2015; 421 movimentos e 88 golos em 2019; 493
movimentos e 102 golos em 2023. Houve uma distribuição equilibrada entre
géneros e edições do certame.
·
Classificação dos
movimentos e prevalência da intensidade
As ações de progressão
linear foram as mais frequentes, surgindo predominantemente em alta
intensidade, com efeito elevado. As desacelerações ocorreram maioritariamente
em intensidade moderada, e as mudanças de direção em alta intensidade, ambas
com efeito moderado (figura 3). Não se verificaram diferenças significativas
entre sexos nem entre ciclos competitivos. Contudo, os assistentes apresentaram
maior proporção de desacelerações de intensidade moderada do que os marcadores,
com efeito moderado.
Figura 3. Classificação dos movimentos e prevalência da
intensidade para (A) total, (B) Mundiais femininos e (C) Mundiais masculinos. Linear:
movimento linear de progressão (Daly et al., 2025).
·
Intensidade das ações
agregadas
As ações de alta
intensidade dominaram o conjunto dos movimentos analisados (figura 4). As
jogadoras apresentaram uma proporção superior de ações de alta intensidade face
aos jogadores masculinos, com efeito moderado. Registou-se uma redução da
proporção de ações de alta intensidade no ciclo mais recente (2022/2023), com
efeito pequeno. Não surgiram diferenças relevantes entre assistentes e
marcadores. A análise bayesiana enalteceu a consistência dos padrões de
intensidade entre ciclos, com exceção para o sexo biológico, onde se observou
evidência sólida de variação.
Figura 4. Proporção da intensidade (A) e distribuição dos
movimentos (B) para cada grupo amostra (Daly et al., 2025).
·
Proporções dos tipos
de movimento
A progressão linear foi o tipo de movimento mais comum
antes dos golos, seguida por desacelerações e mudança de direção. As
progressões lineares foram mais frequentes em jogadores masculinos e nos
marcadores, com efeitos pequenos. As desacelerações ocorreram com maior
prevalência em jogadoras e nos assistentes, também com efeitos pequenos. As mudanças
de direção não apresentaram diferenças relevantes entre sexos ou papéis, mas
diminuíram no ciclo mais recente, com efeito pequeno. As restantes ações – por
exemplo, mudança brusca de direção (cut), corrida em arco (arc run),
deslocamento lateral (shuffle) e cruzamento de pernas em deslocamento
lateral (crossover) – apresentaram padrões semelhantes entre sexos e
posições, com variações pontuais ao longo dos ciclos competitivos. A análise
bayesiana indicou elevada estabilidade dos padrões de movimento,
independentemente do sexo, papel ou ciclo competitivo.
Aplicações práticas
A identificação de padrões
locomotores consistentes que antecedem os golos em Campeonatos do Mundo
masculinos e femininos fornece orientações concretas para a preparação tático-física
dos jogadores. As semelhanças observadas entre sexos, papéis (assistente e
marcador) e ciclos competitivos suportam a estabilidade das exigências físicas
na etapa prévia à finalização. Em seguida, deixamos 5 aplicações práticas para
serem consideradas pelas equipas técnicas:
1. Desenvolver ações lineares de alta intensidade: a prevalência de movimentos de progressão linear em sprint antes do golo sublinha a importância de melhorar a aceleração e a velocidade máxima. Sessões regulares de sprints, integradas num programa de treino bem estruturado, potenciam o desempenho ofensivo e reduzem o risco de lesão.
2. Aprimorar a capacidade de desaceleração: as desacelerações intensas surgem como o segundo movimento mais frequente antes do golo. A sua eficácia relaciona-se com a rutura de ritmo e criação de separação face ao defensor direto. Treinar a sequência de fases da corrida – aceleração, transição, velocidade máxima e desaceleração – permite responder de forma mais eficaz às exigências do jogo atual.
3. Potenciar a eficiência das viragens: as viragens implicam controlo do tronco, centro de gravidade e força neuromuscular. Melhorias nesta ação física requerem treino específico de mudança de direção, complementado por exercícios de força, pliometria e velocidade com variação de ritmo.
4. Integrar padrões de movimento variados: apesar de menos frequentes, ações como corrida em arco, mudança brusca de direção, deslocamentos laterais com ou sem cruzamento das pernas, representam cerca de 20% das ações imediatamente anteriores ao golo. A sua inclusão em jogos reduzidos e exercícios situacionais pode ampliar a variabilidade tática e física dos jogadores.
5. Treinar para fomentar a consistência e a adaptabilidade: a estabilidade dos padrões de movimento encontrados realça
a importância de os trabalhar com regularidade, sem descurar a capacidade de
adaptação rápida a contextos dinâmicos e imprevisíveis.
Conclusão
O presente estudo concede um novo contributo para a
compreensão das ações físicas que antecedem a marcação de golos em contexto de
jogo corrido, com base na análise de 6 Campeonatos do Mundo da FIFA, masculinos
e femininos. Os resultados indicam que os sprints, as desacelerações e as
viragens constituem as ações mais frequentes antes da finalização. Verificaram‑se poucas variações em função do ciclo competitivo, do
sexo biológico ou do papel do jogador, com exceção de uma redução das ações de
alta intensidade no ciclo competitivo mais recente. Esta estabilidade sugere
que o tipo e a intensidade relativa das ações que precedem os golos são
consistentes entre contextos competitivos, o que legitima a sua aplicabilidade
a outras populações do futebol. Em termos práticos, os resultados ajudam
analistas e treinadores a identificar comportamentos ofensivos e defensivos
críticos e a estruturar exercícios que integrem sprints, viragens e
desacelerações em tarefas de finalização. A dimensão amostral e a replicação
dos resultados enaltecem a relevância destas ações na criação de oportunidades
de golo e justificam investigação futura de cariz inferencial.
P.S.:
1- As ideias que constam neste texto foram originalmente
escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua
portuguesa;
2- Para melhor compreender as ideias acima referidas,
recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;
3- As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos
autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão
original publicada na revista European Journal of Sport Science.
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