08/11/2014

A qualidade da posse de bola na construção do golo

Na sequência do texto anterior «A gestão dos ritmos de jogo no futebol», tive a felicidade de ver, em direto, o primeiro golo do jogo Liverpool x Chelsea, da 11ª jornada da FA Premier League 2014/2015.

Imagem: Liverpool x Chelsea: um clássico em Inglaterra.
(fonte: http://www.onlinevision-bd.com)

Não há melhor forma de gerir os ritmos de jogo que não passe pelo controlo da posse de bola. Isso implica que, individualmente, os jogadores sejam competentes na relação com a bola (ação) e com o envolvimento (perceção) e que, coletivamente, os processos ofensivos estejam afinados entre os diversos elementos da equipa. Nesta situação em particular, ao recuar no espaço de jogo, o Liverpool induziu o Chelsea a aumentar o espaço entre linhas e o índice de dispersão dos seus jogadores (reparem que a pressão dos avançados não é acompanhada pelo controlo da profundidade pelo setor defensivo). Perante a ausência de coberturas defensivas e de equilíbrios efetivos por parte dos visitantes, os jogadores do Liverpool progrediram no terreno de jogo, gerando uma situação de superioridade numérica no seu meio-campo ofensivo. Ainda que com alguma fortuna, valeu um golo. Vejamos o lance:


Para a história, ficam as características desta magnífica sequência ofensiva:

  • Duração (s): 65
  • Número de jogadores envolvidos: 10 (apenas Balotelli não intervém sobre a bola)
  • Número de toques sobre a bola: 55
  • Número de passes: 24
  • Número de remates: 1
  • Eficácia do remate: 100%.

Isto é jogar bom futebol.

24/10/2014

A gestão dos ritmos de jogo no futebol

Hoje em dia, a expressão «ritmo de jogo» é amplamente utilizada no futebol. Ainda que frequentemente não seja empregue com critério, surge associada à velocidade de circulação da bola, à velocidade de deslocamento dos jogadores, à velocidade de progressão/recuperação posicional da equipa no terreno de jogo e, claro está, à sobejamente conhecida intensidade de jogo.

O ritmo de jogo em si, por ser mais complexo, não é sinónimo de nenhum dos parâmetros supramencionados. Uma equipa pode circular rápido a bola e a velocidade de deslocamento dos seus jogadores ser baixa, por exemplo, numa situação de superioridade numérica. Nesta mesma lógica, uma equipa pode circular rápido a bola no meio-campo defensivo, no intuito de manter a posse de bola, e praticamente não haver progressão do coletivo no espaço de jogo. Portanto, o ritmo de jogo é um estado temporário de um sistema (jogo) que congrega duas equipas e que reúne a interação de variáveis de índole tática, técnica, fisiológica e, até mesmo, psicológica.

Imagem: Luka Modric, um jogador exemplar na gestão dos ritmos de jogo.
(fonte: bleacherreport.com).

Para efeitos práticos, o treinador deve preparar a sua equipa para gerir da melhor maneira os ritmos de jogo: «Quando, como e por quê acelerar? Diminuir o ritmo com que objetivo?». Para que isto suceda, os jogadores devem exercitar relações de cooperação e oposição no treino, através de jogos reduzidos/condicionados e formas jogadas, com a particularidade de serem estimulados a agir/decidir com inteligência. Na minha perspetiva, agir/decidir inteligentemente pressupõe: (i) nunca esquecer os objetivos primordiais do jogo (marcar golo na baliza adversária e evitar que o adversário introduza a bola na nossa baliza); (ii) perceber com celeridade o que o envolvimento oferece/possibilita (ler o jogo); (iii) dar qualidade às relações estruturais e funcionais pretendidas pelo treinador; (iv) compreender a natureza e as circunstâncias inerentes à competição em curso (campeonato, taça, eliminatória a duas mãos, etc.); e, (v) respeitar sempre a equipa adversária e o público presente no campo/estádio.

Finalizo com a demonstração prática daquilo que, para mim, é uma gestão inteligente dos ritmos de jogo:


Aos 71 minutos (a 9 do final do tempo regulamentar), a equipa branca vencia por uma diferença de golos confortável, num jogo de campeonato distrital de juvenis. Após a recuperação da posse no meio-campo defensivo, a bola é colocada no guarda-redes no sentido de abrandar o ritmo de jogo. O guarda-redes opta por variar o centro de jogo e coloca a bola no lateral esquerdo; este último é forçado a atuar de imediato, perante a pressão defensiva do adversário e fá-lo com um passe correto ao primeiro toque. Gera-se uma potencial situação de combinação tática direta e dá-se uma aceleração considerável do ritmo de jogo pelo corredor esquerdo. O processo ofensivo termina em golo.

O controlo do jogo passa por isto: saber alterar os ritmos de jogo, em função dos constrangimentos impostos pela equipa adversária, mas tendo sempre como referência o objetivo da modalidade: o golo.

09/10/2014

Porque estão os esquerdinos sobrerrepresentados em certos desportos?

Há uns dias, numa busca casual, deparei-me com um artigo apelativo de dois investigadores turcos. Akpinar e Bicer (2014) fizeram uma extensa revisão da literatura acerca da lateralidade no desporto e procuraram identificar os motivos pelos quais os indivíduos esquerdinos (ou canhotos) estão sobrerrepresentados em certas modalidades.

Em primeira instância, os autores constataram que a incidência de indivíduos canhotos nas modalidades desportivas de interação (i.e., jogos desportivos coletivos) tende a ser frequentemente superior à incidência de canhotos na população geral. Por exemplo, 13% dos jogadores da NBA, na época 2013/2014, eram canhotos; em média, 28.5% dos jogadores de equipas de andebol são canhotos; o Arsenal, na época 2013/2014, tinha 36% de jogadores esquerdinos na sua equipa principal de futebol. Todos estes valores são superiores aos valores relativos de 8-10% de canhotos, observados em diversos estudos transculturais para a população em geral.

Esta evidência é interessantíssima e suscitou a necessidade de obter uma resposta plausível para o facto. Porque é que tal sucede? Pois bem, de acordo com a pesquisa efetuada por Akpinar e Bicer (2014), foram colocadas duas hipóteses explicativas:

a) Hipótese da superioridade inata: baseada em vantagens decorrentes de predisposições percetivas e neuropsicológicas dos canhotos (e.g., tempos de reação mais curtos, melhor capacidade de antecipação) e de adaptações anatómicas (cérebros mais simétricos, com conexões mais amplas e eficientes entre os dois hemisférios);

b) Hipótese da frequência negativa: vantagem dos esquerdinos derivada da menor experiência dos adversários em lidar com estruturas de movimentos menos frequentes, ou seja, determina uma menor afinação dos oponentes destros às ações produzidas pelos indivíduos canhotos (desvantagem no desenvolvimento de abordagens estratégico-táticas).

Por outro lado, nos desportos coletivos, a presença de sujeitos esquerdinos pode oferecer uma panóplia de soluções ao treinador que não devem ser descuradas. O ponta direito no andebol, por exemplo, ao ser canhoto aumenta substancialmente o ângulo de abordagem à baliza (remate) e, consequentemente, as possibilidades de marcar golo. No futebol, a presença de um extremo canhoto, permite que o treinador opte por jogar ou com extremos invertidos (procura de zonas interiores do espaço de jogo), ou de uma forma mais clássica, com os extremos a procurar a profundidade pelos corredores laterais para cruzar. Portanto, possuir canhotos num plantel/equipa aumenta o leque de opções estratégico-táticas do treinador. Claro que isto depende da especificidade de cada modalidade.

Imagem: O canhoto Diego Maradona no Nápoles (fonte: Getty Images).

Depois, é a beleza e a «magia» que um jogador canhoto oferece ao jogo/modalidade. Quem não conhece os nomes Di Stefano, Maradona, Maldini, Roberto Carlos, Rivaldo, Giggs, Messi, Robben, Özil, Van Persie, Di Maria, David Silva, Gareth Bale, James Rodríguez, entre muitos outros? E o mais curioso é que, no que respeita a modalidades desportivas individuais (e.g., ginástica), não se verificou qualquer sobrerrepresentação de sujeitos esquerdinos. Então, serão estes indivíduos mais talhados para contextos de interação (cooperação e oposição)? Talvez a ciência, um dia, nos esclareça a dúvida.

Referência
Akpinar, S., & Bicer, B. (2014). Why left-handers/footers are overrepresented in some sports? Montenegrin Journal of Sports Science and Medicine, 3(2), 33-38.

26/09/2014

O escolhido é Fernando Santos. E agora: que opções?

Depois de nos depararmos com o pior cenário possível no arranque da fase de qualificação para o Euro 2016, com a derrota caseira diante da pior equipa do grupo (Albânia), Paulo Bento foi demitido. Não estavam reunidas as melhores condições de trabalho e a Federação Portuguesa de Futebol tomou uma decisão. Dizem que o timing não foi o melhor, porém «mais vale tarde que nunca».

O treinador escolhido para o cargo foi Fernando Santos. Confesso que, para mim, foi um alívio não anunciarem o brasileiro Tite ou o italiano Mancini. Se havia melhores opções (certamente escassas), piores eram às dezenas. E agora, qual é o projeto? No imediato, qualificar a seleção para o Euro 2016, em França, mas simultaneamente renovar um conjunto de elementos há muito conformado.

Aliás, penso que o pior pecado de Paulo Bento foi conceder estatuto (de selecionável) a jogadores que, nos respetivos clubes, não justificavam sequer a presença no lote de pré-selecionáveis. E é como refere Rui Vitória: um selecionador deve ter uma visão mais alargada. Quem representa a seleção deve fazê-lo com orgulho e motivação e, acima de tudo, deve justificar a convocatória com o trabalho apresentado no seu clube.

Na ordem do dia está também a renovação da seleção portuguesa. Não acredito em cortes dramáticos com o passado. Uma renovação, para ser sustentável, deve ser progressiva e muito bem ponderada. Com esta premissa em mente, decidi propor um lote de jogadores passíveis de, por um lado, assegurar a presença no Euro 2016 (o objetivo imediato) e, por outro lado, garantir a renovação progressiva da equipa. Não estou à espera que esta proposta seja unânime, longe disso; contudo, procura responder à noção que tenho de «coletivo» e à dinâmica que acredito que seria possível implementar com estas individualidades.

Figura. Seleção portuguesa num sistema de jogo 1-4-3-3, com 2 ou 3 opções por posição.
(p.f., clique para ampliar)

1 – Rui Patrício (Sporting), Beto (Sevilha) e Anthony Lopes (Lyon)
2 – Cédric Soares (Sporting), João Cancelo (Valência) e Diogo Figueiras (Sevilha)
3 – Luís Neto (Zenit) e Rúben Vezo (Valência)
4 – Pepe (Real Madrid) e José Fonte (Southampton)
5 – Fábio Coentrão (Real Madrid), Antunes (Málaga) e Eliseu (Benfica)
6 – William Carvalho (Sporting), André Almeida (Benfica) e Danilo Pereira (Marítimo)
8 – João Moutinho (Mónaco), Adrien Silva (Sporting) e André Gomes (Valência)
10 – Danny (Zenit), João Mário (Sporting) e Bernardo Silva (Mónaco)
7 – Nani (Sporting), Rafa Silva (Braga) e Ivan Cavaleiro (Deportivo)
9 – Hélder Postiga (Deportivo), Éder (Braga) e Tomané (Guimarães)
11 – Cristiano Ronaldo (Real Madrid), Vieirinha (Wolfsburg) e Ricardo Horta (Málaga)

Outros jogadores equacionados: Pedro Tiba (Braga), Rúben Neves (Porto), André Silva (Porto) e Gonçalo Paciência (Porto).

De momento, as minhas opções seriam estas. Independentemente de outras escolhas que possam vir a ser formuladas por Fernando Santos, quero, desde logo, desejar os maiores sucessos desportivos para a nova equipa técnica da seleção.


Força Portugal!

17/09/2014

Benfica 0 x 2 Zenit (Champions League): A diferença esteve em… Jardel

Quando uma equipa ganha, ganham todos; quando perde, perdem todos também. Esta velha máxima dos desportos coletivos não inviabiliza, porém, que não se responsabilize individualmente, em particular, quando nos referimos a contextos de alto rendimento.

Na primeira jornada da fase de grupos da UEFA Champions League, o Benfica recebeu e foi derrotado, por 0-2, pelo vice-campeão russo FC Zenit, do treinador português André Villas-Boas. Tendo em consideração o potencial da equipa visitante, não é um resultado que possamos estranhar, tal como outro resultado não o seria. A diferença entre os dois coletivos esteve, arrisco-me a dizer, no domínio individual, sobretudo, na figura do defesa central Jardel. Senão, vejamos:


Dois erros técnicos grosseiros na ação de passe que originaram, primeiro, o golo de Hulk (minuto 5) e, depois, a expulsão direta do guardião Artur (minuto 18). O Jardel é voluntarioso, trabalhador, não contesta as opções do treinador e tem registado uma evolução interessante; é daqueles jogadores que todos os treinadores gostam de ter no plantel, contudo, para uma Champions, as suas lacunas técnicas são, não raras vezes, letais. Como pudemos constatar, lacunas destas pagam-se muito caro com equipas de nível superior.

Imagem: Jardel (fonte: www.slbenfica.pt).

Ontem, a discrepância entre os orçamentos das equipas esteve na dimensão técnica do jogo, mais resumidamente, em dois passes falhados de Jardel.

É o determinismo aplicado ao futebol: nada acontece por acaso.