01/05/2019

Iker Casillas e a vulnerabilidade humana

O futebolista Iker Casillas (na fotografia), profissional do FC Porto, sofreu esta tarde um enfarte agudo do miocárdio na sessão de treino da sua equipa, segundo veiculam os meios de comunicação social portugueses.

Fotografia. Iker Casillas em ação no FC Porto (fonte: bbc.co.uk).

O guarda-redes espanhol, campeão mundial e europeu pela sua seleção, entre inúmeros títulos conquistados pelo Real Madrid CF e pelo FC Porto, não aparenta exibir um dos quaisquer famigerados fatores de risco cardiovascular. Ao nível que compete – elite –, os jogadores são monitorizados diariamente nas unidades de treino e muitas vezes fora dos horários de trabalho, incluindo os períodos de sono. Além disso, são submetidos a exames medico desportivos regularmente e decerto com uma minúcia pouco acessível à população em geral.

Então, indago: como é que raio isto aconteceu? Stress competitivo, sobressolicitação, sobretreino? Esqueçamos clubismos, competitividades exacerbadas e despropositadas. A linha que separa a vida da morte é muito mais ténue do que se imagina; foquemo-nos no que realmente importa na vida.

Votos de rápidas melhoras, campeão!

24/04/2019

Ventos de abril: "Accepted today"

Vinte e quatro de abril de dois mil e dezanove.

Figura 1. Tweet na página oficial da revista "Science and Medicine in Football".

Absolutamente honrado por publicar na prestigiada revista “Science and Medicine in Football”. Também, orgulhoso por concluir um desafio que me propus a mim mesmo: serias capaz de o fazer sozinho?

Sim, sou!

15/04/2019

A importância dos fundamentos do jogo no futebol de alto rendimento: um exemplo do SL Benfica x Vitória FC (Liga NOS 2018/2019)

Bruno Lage tem todo o mérito na nova vida que concedeu à equipa principal do SL Benfica, fruto da sua enorme competência. Contudo, a equipa sofreu 6 golos nos últimos 5 jogos oficiais. Se o tempo para fechar espaço é essencial para a eficácia de comportamentos defensivos individuais e coletivos, pergunto se a cobertura defensiva do Grimaldo ao Ferro não deveria estar mais próxima (figura 1). E o equilíbrio (3.º defensor)? No decurso da jogada, a contenção foi bem abordada pelos centrais? E a recuperação defensiva do Rafa Silva? Desleixo ou relaxamento perante o 2-0?

Figura 1. Enorme distância entre Grimaldo e Ferro na jogada do primeiro golo do Vitória FC (2-1).
(fonte: vsports.pt)

Conforme nos elucida o documento “Etapas de formação do jogador de futebol: níveis de desempenho”, publicado pela FPF Portugal Football School (2018), os princípios culturais do jogo – os fundamentos – fazem toda a diferença quando bem executados (ou não), em particular quando falamos de alto rendimento. Contra o Eintracht Frankfurt, o cumprimento destes fundamentos irá determinar o desfecho da eliminatória dos quartos-de-final da UEFA Europa League que, apesar da vitória do SL Benfica na 1.ª mão (4-2), não me parece de todo resolvida.

Nota final: de forma alguma desdenho o mérito do Vitória FC neste golo de Nuno Valente, pelo contrário. 👏

Referência
FPF Portugal Football School (2018, 20 de junho). Etapas de desenvolvimento do jogador de futebol: níveis de desempenho. Retirado de https://www.fpf.pt/Portals/0/Etapas%20de%20Desenvolvimento%20do%20Jogador%20no%20Futebol%20ETNF-%20S15-20%20Junho%202018.pdf

06/04/2019

Futebol “heavy metal” por Jürgen Klopp

A equipa principal do Liverpool FC é, ao cabo de 34 jornadas da FA Premier League 2018/2019, um dos principais favoritos a conquistar o troféu, seguindo com dois pontos a mais em relação ao atual campeão Manchester City FC que, no entanto, tem menos um jogo realizado. Apesar das inúmeras críticas por ainda não ter vencido qualquer troféu ao serviço dos “Reds” em três épocas e meia, Jürgen Klopp devolveu ao clube a capacidade competitiva de outrora. Por exemplo, perdeu a final da UEFA Champions League 2017/2018 para o Real Madrid CF e, em 2015/2016, perdeu as finais da UEFA Europa League para o Sevilla FC e da Taça da Liga inglesa para o Manchester City FC.

Em termos genéricos, o estilo de futebol “heavy metal”, assim designado pelo treinador alemão Jürgen Klopp aquando da passagem bem-sucedida pelo Borussia Dortmund, engloba três predicados fundamentais: velocidade, paixão e excitação. No fundo, estas qualidades encaixam perfeitamente naquilo que o futebol inglês é pródigo – entusiasmo – e as contratações realizadas por Klopp têm contribuído, de sobremaneira, para que a sua ideia de jogo seja implementada, independentemente da competição em disputa (figura 1).

Figura 1. Klopp e o seu futebol "heavy metal" (fonte: pinterest.com).

A filosofia do técnico faz jus à escola alemã, na qual o pragmatismo é um aspeto basilar. A interpretação dos objetivos fundamentais do jogo é literal: com bola, é para atacar a baliza e marcar golo; sem bola, a equipa tenta recuperá-la o mais rápido possível ou, em última instância, protege a própria baliza para evitar o golo. Neste âmbito, esta visão “heavy metal” corrobora a linha de pensamento do professor Castelo (2004), a qual postulava a tendência de as duas fases clássicas do jogo (ataque e defesa) se fundirem numa só, o ataque: atacar a baliza para marcar golo ou atacar a bola de forma a recuperá-la.

Assim, em processo ofensivo, os métodos de ataque rápido e contra-ataque predominam na mente de Klopp, consubstanciados no pretexto de aproveitar, célere e efetivamente, a maior desorganização e desorientação das equipas adversárias nos instantes que medeiam a perda da posse de bola. Não é por acaso que Pep Guardiola considera o Liverpool como a melhor equipa do mundo a jogar em… ataque rápido. No setor ofensivo conta com três jogadores dotados de elevada mobilidade, velocidade e criatividade (Mané, Firmino e Salah). Jogam sem referenciais posicionais estanques, sendo as permutas posicionais e as combinações táticas ofensivas uma constante, agudizando os problemas de marcação e de controlo do espaço por parte dos adversários. Os setores defensivo e intermédio são, regra geral, práticos e dinâmicos nas suas ações, não apresentando dificuldades em mover rapidamente a bola para os seus “desequilibradores” na frente de ataque. O ritmo frenético das equipas de Klopp faziam lembrar o tema “Battery” dos Metallica, embora recentemente este Liverpool seja mais proficiente a determinar os momentos e as zonas para acelerar para a baliza adversária. A isto, certamente, não estarão alheias as observações e as análises elaboradas a outras equipas e que resultaram numa evolução qualitativa dos processos de Klopp em organização ofensiva. A música é outra (talvez uma “One” da mesma banda), pressupondo a alternância de períodos frenéticos de progressão para a baliza adversária e outros mais calmos (melódicos) de procura de condições mais propícias para romper a organização defensiva dos oponentes (conforme demonstra o vídeo seguinte).



Ao invés, sem bola, o momento de transição defensiva (ataque-defesa) é explorado pelo Liverpool para contrariar um eventual contra-ataque ou ataque rápido da equipa oponente, tendo-se popularizado os termos “gegenpressing” ou “counterpressing” (i.e., forte pressão para neutralizar o contra-ataque adversário; figura 2). Após perda de bola, a velocidade e a agressividade associadas às ações dos jogadores no centro de jogo visam, não apenas recuperar novamente a posse, como fechar linhas de passe imediatas no espaço envolvente que permitam desenvolver o contra-ataque por zonas menos congestionadas e perigosas para o Liverpool. É um método muito desgastante em termos físicos e que implica uma coordenação interpessoal muito aprimorada para ser eficaz. Devido ao número de lesões musculo tendinosas ocorridas em épocas anteriores, facto que levou Klopp a ser bastante criticado em Inglaterra, o manager adotou uma abordagem mais madura e inteligente: agora, a equipa é mais criteriosa nos timings selecionados para aplicar este “gegenpressing”, não o fazendo desmedidamente ao longo do jogo. Por norma, a linha defensiva posiciona-se em zonas mais próximas da linha do meio-campo para retirar profundidade ao processo ofensivo oponente e aumentar a concentração de defensores no centro de jogo e nas suas imediações. Se, porventura, os oponentes optarem por um jogo mais direto, o Liverpool possui no seu setor defensivo jogadores competentes para resolver situações de bolas altas e/ou colocadas em profundidade.

Figura 2. Exemplo do "counterpressing" do Liverpool FC em processo defensivo.

Acima de tudo, trata-se de uma proposta de jogo muito interessante e que prima por ser diferente de outros estilos mais populares entre os treinadores de futebol, aqueles que surgem habitualmente (ou, se preferirem, excessivamente) conotados com o sucesso no futebol de elite. Como é óbvio, esta abordagem possui lacunas que o treinador alemão tem tentado debelar, tal como outras nuances que tem procurado potenciar. Por força da sua aplicação em contexto competitivo, tem-nos mostrado que é possível alcançar patamares elevados de rendimento por vias alternativas que não pelo método ofensivo posicional. Ao contrário do que sucedeu na Alemanha, até poderá nunca conquistar nenhum título em Liverpool, mas duvido que Jürgen Klopp e o seu “heavy metal football” não sejam mais tarde recordados pelos exigentes adeptos “Reds”.


Referência
Castelo, J. (2004). Futebol – Organização dinâmica do jogo. Cruz Quebrada: FMH edições.

18/01/2019

Futebol profissional em Portugal: a antítese da competitividade

Um relatório elaborado pelo CIES Football Observatory (Poli, Besson, & Ravenel, 2018) revelou que, de entre 35 ligas domésticas europeias, a Primeira Liga portuguesa (Liga NOS) foi a que apresentou menor tempo útil de jogo (51.5%) na época 2017/2018, um valor abaixo da média (55.6%), num conjunto liderado pela principal liga sueca (59.6%) (tabela 1).

Tabela 1. Percentagem do tempo útil de jogo por liga europeia (fonte: CIES Football Observatory).

Por si só, estes são dados bastante preocupantes, não abonando nada a favor do entusiasmo e da atratividade do nosso futebol. Desde logo, sugerem que os jogos estão sujeitos a muitas (e longas) paragens (faltas, antijogo, etc.), sem a fluidez desejada pelos amantes da modalidade enquanto fenómeno desportivo. Em bom português, evidencia uma liga aborrecida, conducente a afastar não apenas os adeptos dos estádios do país – o que já acontece –, mas também potenciais “consumidores” do futebol português à distância, via televisão ou internet.

Mais graves, porém, parecem ser as evidências apresentadas pelo estudo de da Silva, Abad, Macedo, Fortes e do Nascimento (2018). Estes investigadores brasileiros compararam o equilíbrio competitivo da principal liga brasileira com as ligas da Alemanha, Espanha, França, Inglaterra, Itália e Portugal, analisando um período temporal de 13 épocas consecutivas (2003/2004 – 2015/2016). Com base na equação subjacente ao “Índice C4 de Equilíbrio Competitivo” (C4 Index of Competitive Balance), que mede a desigualdade entre os 4 primeiros classificados da tabela final de cada época e as restantes equipas, mostraram que a liga portuguesa foi a que obteve um índice superior (mediana = 155), ou seja, cuja desigualdade foi a mais elevada da amostra (valores mais baixos, a tender para os 100, refletem maior equilíbrio competitivo). As diferenças obtiveram significado estatístico quando comparada com as ligas do Brasil, França e Alemanha (figura 1).

Figura 1. Equilíbrio competitivo nas principais ligas dos 7 países analisados (da Silva et al., 2018).
Nota: valores mais elevados refletem maior desequilíbrio competitivo.

A tendência temporal verificada pelos investigadores para a liga portuguesa demonstra que o desequilíbrio competitivo (ou a desigualdade entre os 4 primeiros classificados e as restantes equipas) tem vindo a aumentar significativamente ao longo do tempo, como podemos comprovar pela reta de regressão que consta na figura 2.

Figura 2. Modelo de regressão subjacente à evolução do equilíbrio competitivo na liga portuguesa (da Silva et al., 2018).

Na minha perspetiva, creio que o problema resume questões do foro cultural e organizacional. Cultural, porque a “clubite aguda” existente em Portugal, que retrata uma clara preferência exacerbada por um dos ditos “três grandes” em detrimento do clube da terra ou da região, como acontece em países como Espanha ou Inglaterra, centraliza o interesse da maioria dos adeptos nos clubes já fortes, tornando-os ainda mais dominadores. No âmbito organizacional, assiste-se a uma evidente monopolização das decisões tomadas pelos “clubes grandes” em prol das suas próprias agendas. Benefício traz benefício, lucro gera lucro e a bola de neve continua a rolar.

Ao cabo da primeira volta da liga portuguesa na presente época de 2018/2019, o 4.º classificado – Sporting CP – leva 7 pontos de vantagem para o 5.º classificado (Belenenses SAD). Mais, os pontos conquistados por FC Porto, SL Benfica, SC Braga e Sporting CP representam 36% do total de pontos acumulados pelas 16 equipas. Estas mesmas 4 equipas vão disputar a final four da Taça de Liga e as meias-finais da Taça de Portugal, o que nos elucida acerca da (fraca) competitividade do nosso futebol profissional.

Por isso, são urgentes medidas para equilibrar a balança da competitividade e dotar os “clubes pequenos” de mais e melhores condições e recursos para fazer crescer o produto “futebol made in Portugal”. Talvez não seja demais relembrar o modo como foram redistribuídos os direitos televisivos do futebol em Inglaterra que, conjuntamente com outras medidas estruturais de fundo, determinaram um decréscimo ligeiro (e progressivo) do desequilíbrio competitivo na FA Premier League, conforme consta na figura 3.

Figura 3. Modelo de regressão subjacente à evolução do equilíbrio competitivo na liga inglesa (da Silva et al., 2018).

A realidade está à vista de todos e dispensa os dados acima referidos para ser minimamente compreendida. A consequência mais óbvia é o reduzido número de espetadores na maioria dos jogos da Liga NOS. O paradigma vigente impõe a necessidade de reformular procedimentos, afinar estratégias e repensar a estrutura do futebol português para que a competitividade, o jogo e os seus principais intervenientes saiam valorizados. A dúvida que subsiste é se necessidade de tal ordem não coloca em causa as pretensões e a visão dos detentores da hegemonia que perdura há largas décadas.

Referências
Poli, R., Besson, R., & Ravenel, L. (2018). Football analytics: the CIES Football Observatory 2017/18 season. Retrieved from http://www.football-observatory.com/IMG/pdf/cies_football_analytics_2018.pdf
Da Silva, C. D., Abad, C. C. C., Macedo, P. A. P., Fortes, G. O. I., & do Nascimento, W. W. G. (2018). Equilíbrio competitivo no futebol: um estudo comparativo entre Brasil e as principais ligas europeias. Journal of Physical Education, 29, e2945. doi: 0.4025/jphyseduc.v29i1.2945