28/04/2023

Artigo do mês #40 – abril 2023 | Como é que as variáveis situacionais afetam a perceção subjetiva de esforço de jovens futebolistas de elite?

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto. 

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Autores: Marqués-Jiménez, D., Sampaio, J., Calleja-González, J., & Echeazarra, I.

País: Espanha

Data de publicação: 21-março-2023

Título: A random forest approach to explore how situational variables affect perceived exertion of elite youth soccer players

Referência: Marqués-Jiménez, D., Sampaio, J., Calleja-González, J., & Echeazarra, I. (2023). A random forest approach to explore how situational variables affect perceived exertion of elite youth soccer players. Psychology of Sport & Exercise, 67, 102429. https://doi.org/10.1016/j.psychsport.2023.102429

 

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 40 – abril de 2023.

 

Apresentação do problema

As cargas interna e externa têm sido extensivamente analisadas em contextos de treino e de competição (Impellizzeri et al., 2019). Designadamente no futebol, medir e avaliar a carga interna suscitada pelo jogo, em particular a Perceção Subjetiva de Esforço (PSE), ajuda a associar, de forma precisa, as atividades realizadas em competição com a capacidade física individual, o que permite compreender a dose-resposta normalmente induzida pelos jogos competitivos (Weston, 2013). Apesar de se basear numa avaliação subjetiva, os métodos relativos à PSE têm sido amplamente adotados para quantificar a carga interna no futebol (Rago et al., 2020). 

O esforço percebido é a sensação de quão pesada e extenuante é uma tarefa física (Borg, 1998). A PSE é gerada centralmente por sinais cerebrais de descarga do corolário que, entre outras particularidades, permitem que os seres vivos distingam os sinais autoproduzidos dos sinais externos e podem ser uma causa de influência indireta para que o organismo permaneça ativo numa determinada tarefa (de Morree et al., 2012). Além disso, a PSE integra ainda sinais neurais aferentes de diferentes entradas no sistema nervoso central (e.g., músculos esqueléticos, coração, pulmões). Contudo, estas determinantes fisiológicas e neurais não explicam totalmente a variação da PSE (Morgan, 1973), uma vez que há fatores sociológicos, ambientais e individuais (e.g., género, idade, nível de condição física e experiência) que também podem influir (Haddad et al., 2017). 

Até à data, a investigação tem sugerido que os jogadores altamente treinados apenas utilizam uma porção do seu potencial físico devido a variantes contextuais (e.g., plano estratégico-tático, clima, expectativas próprias) (Waldron & Highton, 2014). Este aspeto pode explicar o porquê de a PSE pós-jogo poder ser afetada por variáveis situacionais (Barrett et al., 2018; Brito et al., 2016). Por exemplo, em jogos oficiais, Barrett et al. (2018) encontraram diferenças posicionais em diferentes valências da PSE (esforço respiratório, esforço muscular do membro inferior e esforço técnico) e um esforço técnico percebido mais elevado contra adversários mais fortes. Ainda assim, o conhecimento existente sobre como as variáveis situacionais interagem e influenciam a PSE em jogos de futebol é limitado. Adicionalmente, também vale a pena aprofundar o conhecimento acerca de como o esforço percebido pelos jogadores varia de um jogo para o outro. 

Na atualidade, as abordagens que utilizaram algoritmos de “machine learning” [aprendizagem de máquina] no futebol têm-se focado na relação entre a PSE e diferentes métricas das cargas interna e externa, produzidas por jogadores seniores em sessões de treino ou em jogos (Geurkink et al., 2019; Jaspers et al., 2018; Rossi et al., 2019); apesar disso, as variáveis situacionais não foram equacionadas nesses trabalhos. O objetivo do presente estudo foi explorar o modo como as variáveis situacionais afetam a PSE de jovens jogadores de futebol após jogos oficiais (figura 2). Trata-se do primeiro estudo exploratório a examinar a importância de variáveis situacionais na variação da PSE de jovens futebolistas após jogos competitivos, utilizando para o efeito algoritmos de “machine learning”.

 

Figura 2. Jogo do escalão de “Cadetes” (Sub-15) em Espanha (imagem não publicada pelos autores; fonte: www.granadaenjuego.com).

 

Métodos

Design: o estudo foi realizado em condições não experimentais. O staff técnico e os participantes não receberam qualquer instrução dos investigadores. Antes da recolha dos dados, os encarregados de educação dos jovens jogadores preencheram por escrito o consentimento informado para a participação no estudo. O anonimato dos participantes foi assegurado em todas as etapas da investigação. 

Participantes: 35 jovens jogadores de futebol (idade: 14.33 ± 0.86 anos; estatura: 173.49 ± 6.16 cm; massa corporal: 63.44 ± 5.98 kg) pertencentes a duas equipas diferentes de um clube profissional. Os jogadores treinavam 4 vezes por semana e tinham 1 jogo por semana. Os jogadores foram agrupados em 5 posições distintas: defesa central (CD – central defender; n = 190); defesa lateral (FB – full-back; n = 72); médio-centro (CM – central midfielder; n = 180); médios-ala (WM – wide midfielder; n = 133); avançado (AT – attacker; n = 212). Os guarda-redes não foram incluídos no estudo. 

Procedimentos: a recolha de dados ocorreu quando ambas as equipas competiam na divisão mais alta da respetiva categoria (Sub-15), no decurso de duas épocas consecutivas (2016/2017 e 2017/2018), incluindo um total de 60 jogos oficiais (30 por equipa). Os dados foram fornecidos pelas equipas técnicas, que adotaram procedimentos similares ao longo das duas épocas: os jogadores classificaram a sua perceção de esforço (PSE) 10 minutos após o jogo, recorrendo à escala modificada de Borg (CR-10; Borg, 1998). A escala varia entre 0 (repouso) e 10 (esforço máximo), estando associada a descritores verbais (figura 3). Os jogadores responderam, individualmente, à questão “Quão extenuante foi o jogo?” e já se encontravam familiarizados com o modo de utilização da escala. Os valores de PSE foram incluídos na análise estatística somente se os participantes tivessem atuado na mesma posição em todo o jogo. A análise final englobou um total de 787 observações individuais.

 

Figura 3. Escala de Borg modificada CR-10 (Borg, 1998; imagem não publicada pelos autores).

 

Variáveis situacionais: as variáveis situacionais que atuaram como fatores preditivos da PSE foram: estatuto do jogador (titular; substituto), posição de jogo (defesa central, defesa lateral, médio-centro, médio-ala e avançado), localização do jogo (casa; fora), resultado do jogo (vitória; empate; derrota), marcador final (vantagem de 2 ou mais golos; vantagem de 1 golo; empatado; desvantagem de 1 golo; desvantagem de 2 ou mais golos) e qualidade da oposição. A qualidade da oposição foi calculada com base na classificação final de cada liga, através do método de clusters k-means, pressupondo a definição de 3 grupos distintos. Tendo em consideração que foram analisadas duas épocas, este procedimento resultou na identificação de 9 equipas de alto nível (classificadas nas 4 ou 5 primeiras posições), 10 equipas de nível médio (classificadas entre o 5.º e 9.º lugar, ou entre o 6.º e o 10.º lugar) e 13 equipas de nível baixo (classificadas nas 7 ou 6 últimas posições). Ambas as equipas venceram um total de 34 jogos, empatando 14 e perdendo 12. A análise de cluster revelou tratar-se de equipas de alto nível (3.º e 5.º lugares). Em cada partida, o tempo de jogo dos jogadores também foi registado como variável independente. 

Análise estatística: a importância das variáveis situacionais sobre a PSE foi averiguada através de Regressão de Floresta Aleatória. O modelo mais ajustado incluiu a identidade do jogador, o seu estatuto, o seu tempo de jogo, a sua posição, a localização da partida, o resultado do jogo, o marcador final e a qualidade da oposição como variáveis preditivas. Após apurada a importância de cada variável no modelo, foram criados 2 modelos em função do estatuto do jogador (titular e substituto), englobando as seguintes variáveis: posição, localização da partida, resultado do jogo, marcador final e qualidade da oposição. A variabilidade da PSE em cada variável situacional, em função do estatuto do jogador, foi identificada através de modelos lineares mistos, incorporando as variáveis situacionais como fatores fixos e a identidade do jogador como fator aleatório. Perante a obtenção de efeitos principais significativos, foram ainda corridas comparações de pares com o ajustamento de Bonferroni. O nível de significância definido foi de 5% (p < 0.05).

 

Principais resultados

O modelo de floresta aleatória explicou 52% da variância da PSE dos jovens jogadores após os jogos oficiais. Na globalidade, as variáveis que mais afetaram a PSE dos participantes foram o tempo de jogo, o estatuto e a identidade do jogador. Ao diferenciar jogadores titulares e substitutos, a precisão do modelo baixou. Para os titulares, as variáveis que mais influenciaram a PSE foram a qualidade da oposição, o resultado do jogo e o marcador final; contudo, para os substitutos, o modelo revelou um único preditor forte: marcador final (figura 4).

 

Figura 4. Variáveis passíveis de influenciar a Perceção Subjetiva de Esforço (PSE) de jovens jogadores após jogos oficiais, ordenadas segundo o Decréscimo Médio de Precisão experienciado no modelo com todas as métricas permutadas. Painel superior: todos os jogadores. Painel intermédio: titulares. Painel inferior: substitutos (Marqués-Jiménez et al., 2023).

  

Os modelos lineares mistos revelaram que o resultado do jogo e o marcador final manifestaram efeitos principais significativos tanto para titulares, como para substitutos, no entanto, o efeito da qualidade da oposição foi apenas significativo nos jogadores titulares. As comparações de pares de Bonferroni especificaram as diferenças dos valores médios da PSE para os titulares e para os substitutos. Os titulares manifestaram uma PSE mais alta contra equipas mais fortes e depois de uma derrota por 2 ou mais golos de diferença. Por sua vez, os suplentes utilizados (substitutos) reportaram sensações de esforço mais elevadas na sequência de uma derrota comparativamente a uma vitória, e após uma derrota por 2 ou mais golos de diferença em comparação com uma vitória por 2 ou mais golos.

 

Aplicações práticas

Os resultados desta investigação permitem que os profissionais do treino saibam como é que as variáveis situacionais interagem e afetam a PSE de jovens futebolistas após jogos oficiais, contribuindo para que a prescrição e a adaptação do conteúdo e da carga de treino sejam mais ajustadas após eventos competitivos. 

O tempo de jogo e o estatuto do jogador foram os fatores que mais influenciaram a PSE dos jovens jogadores. Estes dados confirmam que o volume é a componente mais relevante na perceção que os jogadores reportam do esforço realizado. Por norma, os titulares acumulam mais tempo de jogo e mais carga física que os suplentes utilizados. Tendo em atenção que valores elevados de algumas métricas de carga externa predizem os valores de PSE, é fundamental que, no decurso do microciclo semanal, os jogadores, independentemente do seu estatuto em competição, sejam sujeitos a tarefas que exijam ações repetidas de alta intensidade. Contudo, a identidade do jogador também constituiu um forte preditor da PSE, pelo que é essencial equacionar a variabilidade individual na interpretação das escalas do esforço percebido. 

A qualidade da oposição, o resultado do jogo, o marcador final e a interação qualidade da oposição x marcador final foram preditores significativos da PSE dos titulares. Contra equipas mais fortes, as equipas tendem a ter menos posse de bola e a percorrer maiores distâncias em alta intensidade, além de que os técnicos tendem a fazer substituições mais tarde (Gómez et al., 2016). Por outro lado, o resultado no marcador altera as exigências competitivas, pois as equipas em desvantagem, na tentativa de reduzir/atenuar a diferença de golos, tendem a realizar mais atividades sem bola de alta intensidade, de forma a pressionar a equipa oponente, a recuperar a bola mais cedo, aumentando ainda o tempo em posse e o número de situações de ataque. Estas particularidades devem ser acauteladas no processo de treino, já que só assim é possível rentabilizar a performance individual e coletiva face a cenários competitivos distintos. Por exemplo, se a equipa técnica antecipar uma entrada muito forte da equipa adversária, dotada de mais qualidade, pode manipular as circunstâncias situacionais nas sessões de treino para que a equipa fique mais bem preparada para (re)agir em contexto de jogo. 

No caso dos jogadores substitutos, a PSE apenas foi influenciada pelo resultado do jogo e pelo marcador final. Regra geral, as substituições processam-se na segunda parte dos jogos, designadamente no período entre os 60 minutos e o apito final, o que significa que estes jogadores usufruem de pouco tempo para poderem alterar o rumo dos acontecimentos. Os jogadores entram numa fase de pré-fadiga dos titulares, ou quando são adotadas diferentes estratégias no que ao ritmo de jogo diz respeito, pelo que têm de ser capazes de dar uma resposta pronta às elevadas exigências tático-técnicas, físicas e psicossociais da partida. De qualquer maneira, o principal fator que motiva um treinador para efetuar uma ou mais substituições é o resultado corrente do jogo. Comparativamente a situações de vantagem ou igualdade no marcador, os treinadores realizam substituições mais cedo em contextos de desvantagem e, adicionalmente, os jogadores atingem mais frequentemente a sua capacidade física máxima quando estão a perder (Algroy et al., 2021; Castellano et al., 2011; Lago et al., 2010). Deste modo, em contexto de treino, as atividades jogadas podem ser manipuladas de forma que os presumíveis substitutos possam ser mais eficazes quando entram nos jogos oficiais. Supondo que temos um plantel de Iniciados (Sub-15) com 20 elementos (2 guarda-redes + 18 jogadores de campo) e que iremos defrontar uma equipa mais forte na próxima jornada, é possível propor um jogo reduzido/condicionado Gr+7v8+Gr, em meio-campo de Futebol de 11 (50x60m; 176,5 m2/jogador), em que a equipa em superioridade numérica começa o exercício a perder por 2-0 (Figura 5).

 

Figura 5. Jogo reduzido/condicionado Gr+7v8+Gr (50x60m), manipulando o marcador do jogo e permitindo substituições para a equipa em superioridade numérica (imagem não publicada pelos autores).

 

Considerando que esta tarefa tem a duração de 20 minutos, se, aos 10 minutos, a equipa em superioridade numérica permanecer em desvantagem no marcador, entram os 3 jogadores suplentes (entretanto, em tarefas de desenvolvimento técnico-físico), com o objetivo de reverter o marcador. Se, porventura, nos primeiros 10 minutos, a equipa empatar ou alcançar a reviravolta, permite-se duas substituições na equipa em inferioridade numérica e iguala-se a relação numérica (Gr+8v8+Gr). 

Convém entender que a perceção de esforço não é apenas ditada pela discrepância ou pelo equilíbrio entre o feedback sensorial previsto e o real, mas também por outros fatores psicofisiológicos complexos (e.g., concentração hormonal, nível de substrato energético, personalidade, estados psicológicos, motivação, consciência, memória ou experiências prévias, condições climáticas, espetadores, etc.). A PSE também é influenciada pela sensação psicofisiológica dominante, não traduzindo, por vezes, os stresses bioquímico e mecânico provocados pelo esforço. Por este motivo, conhecer a perceção de bem-estar antes do jogo é muito útil para atenuar o “ruído” induzido por variáveis de confusão, como a sensação psicofisiológica dominante.

 

Conclusão

O tempo de jogo, o estatuto e a identidade do jogador foram os preditores mais fortes da PSE dos jovens futebolistas. Além disso, o resultado do jogo e o marcador final tiveram um efeito significativo na PSE dos titulares e dos substitutos, ainda que o efeito principal da qualidade da oposição somente se tenha feito sentir nos titulares. Estes resultados permitem que os treinadores e os outros profissionais do treino compreendam como é que as variáveis situacionais interagem e afetam a PSE após jogos oficiais. Com este tipo de conhecimento, é possível neutralizar alguns efeitos negativos do treino por via de uma conceção e de uma adaptação mais cuidadas dos conteúdos propostos e da carga induzida nos jogadores. A monitorização da carga de treino é essencial no futebol juvenil, não apenas para permitir que os jogadores alcancem altos níveis de desempenho, mas também para preservar a sua saúde a longo prazo e prevenir o abandono precoce.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Psychology of Sport & Exercise.

16/04/2023

O Brighton de De Zerbi, segundo Pep Guardiola: a melhor equipa em ataque posicional do futebol mundial

Há dois dias, Josep (Pep) Guardiola, treinador do Manchester City FC, foi taxativo ao referir que a melhor equipa do futebol mundial a jogar em ataque posicional é o Brighton & Hove Albion FC, de Roberto De Zerbi (figura 1).

 

Figura 1. Roberto De Zerbi, atual treinador do Brighton & Hove Albion FC, 7.º classificado da FA Premier League (fonte: football365.com).

 

O catalão esclareceu que, no presente, não há melhor equipa a levar a bola controlada do setor mais recuado até ao quarto mais ofensivo do campo. Quem acompanha a Premier League e, em particular, o Brighton, sabe que é um conjunto perfeitamente identificado com as ideias do seu treinador: o portador da bola tem de ser capaz de provocar o adversário direto; no centro de jogo, dois ou três jogadores têm de conseguir atrair a pressão defensiva oponente, de modo a libertar espaço para que um jogador mais bem posicionado dê sequência à progressão da bola no terreno de jogo. De facto, na linha de raciocínio de De Zerbi, um posicionamento coletivo criterioso e mobilidade ao nível do centro de jogo, através da dinâmica do terceiro homem, são aspetos indispensáveis para desconstruir ou perturbar a organização defensiva adversária. Atrair, criar (espaço) e explorar. 

Este jogo de provocação ou de atração, por assim dizer, não se esgota, porém, na opção de jogar curto em permanência. Coloquemo-nos no papel de treinador adversário: como é que podemos condicionar uma construção de jogo curta a partir do setor defensivo? Se formos presunçosos, achando que temos jogadores mais fortes que o Brighton, provavelmente encontraremos motivos para recorrer defensivamente a referências individuais, abandonando o método zonal. Foi precisamente o que aconteceu no início do último jogo em Stamford Bridge, entre o Chelsea e o Brighton, com vitória por 2-1 para os visitantes. O clip seguinte mostra os instantes iniciais da partida mais interessantes do ponto de vista estratégico-tático.



 

O Brighton manifestou cedo a intenção de sair curto a partir do guarda-redes e dos centrais, chamando até si a pressão do Chelsea. O Chelsea optou por condicionar individualmente as saídas curtas do Brighton, sendo que um dos atacantes – no caso, Conor Gallagher – procurava apertar o guarda-redes forasteiro e, simultaneamente, fechar a linha de passe para o central do seu lado. Ao fazê-lo, permitiu que o Brighton buscasse, como terceiro homem, esse mesmo central (Veltman), já solto para progredir (figura 2).

 

Figura 2. Saída curta do Brighton face à pressão alta do Chelsea, organizada segundo referências individuais. Com dois passes, o central Veltman ficou de frente para a baliza adversária e com espaço para progressão.

 

Apesar de a bola se ter perdido pela linha lateral, os Seagulls compreenderam as intenções defensivas dos Blue e na jogada seguinte abordaram, deliberadamente, o processo ofensivo de outra maneira: se nos vão pressionar alto com referências individuais, podemos explorar o espaço existente no setor mais recuado do adversário. A figura 3 mostra o guardião espanhol Robert Sánchez a temporizar, pisando a bola.

 

Figura 3. A ação de pisar a bola de Sánchez surge como convite para que a pressão defensiva do Chelsea seja ativada.

 

Na realidade, ele não estava apenas a convidar a pressão adversária, mas também a ler o espaço disponível no setor ofensivo da sua equipa (figura 4). Assim que Gallagher aproxima para pressionar, o guarda-redes já sabe a quem deve endossar a bola (Kaoru Mitoma).

 

Figura 4. Sánchez descobre o espaço disponível e o companheiro de equipa mais bem posicionado para receber a bola (Mitoma). O passe longo permitiu ultrapassar as linhas ofensiva e intermédia do Chelsea.

 

O japonês recebeu a bola e progrediu pelo corredor esquerdo, aparecendo em apoio, vindo de trás, o lateral equatoriano Pervis Estupiñán. Na figura 5, repare-se no potencial ofensivo da jogada do Brighton na chegada à zona de criação de situações de finalização. A superioridade numérica no corredor lateral iria concretizar-se por meio de uma combinação tática direta (overlap).

 

Figura 5. Superioridade numérica no corredor lateral esquerdo e possível situação de 4v4+Gr na chegada à área de penálti do Chelsea.

 

Não havendo vantagem numérica na área de penálti, havia, no entanto, uma situação de vantagem espacial que foi percebida e aproveitada. O passe saiu e Mac Allister não inaugurou o marcador por centímetros (figura 6).

 

Figura 6. Vantagem espacial explorada pelo Brighton e a finalização de Mac Allister saiu à malha lateral exterior da baliza.

 

O que importa extrair desta análise é que os jogadores do Brighton, embora sigam um estilo de jogo claro e com processos muito bem definidos, sabem interpretar o contexto e adaptar os seus comportamentos às oportunidades de ação que são mais vantajosas para a equipa. Dominar e aplicar princípios de jogo flexíveis fomenta a variabilidade e a eficácia coletiva e é isso que torna esta equipa de De Zerbi um exemplo do que é atacar com inteligência e astúcia no futebol moderno. A adoção de um estilo de jogo não implica que se siga apenas uma via (i.e., os mesmos comportamentos) para chegar ao sucesso, pelo contrário. 

Roberto De Zerbi já tinha as suas equipas a praticar um futebol ofensivo distinto no Sassuolo e no Shakhtar Donetsk. Independentemente do que possa vir a fazer no Brighton, ou do rumo que a sua carreira possa vir a tomar, parece-me inequívoco que o italiano é um dos técnicos do futebol de elite com ideias mais criativas e arrojadas. Estou curioso sobre o que poderá fazer quando tiver ao seu dispor outros argumentos em matéria de qualidade individual. O futuro o dirá…

31/03/2023

Artigo do mês #39 – março 2023 | Em que contextos táticos é que os futebolistas sprintam? Evidências de uma equipa da Premier League inglesa

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.

 

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Autores: Caldbeck, P., & Dos’Santos, T.

País: Inglaterra

Data de publicação: 27-fevereiro-2023

Título: How do soccer players sprint from a tactical context? Observations of an English Premier League soccer team

Referência: Caldbeck, P., & Dos’Santos, T. (2023). How do soccer players sprint from a tactical context? Observations of an English Premier League soccer team. Journal of Sports Sciences, 1–12. Advanced online publication. https://doi.org/10.1080/02640414.2023.2183605

  

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 39 – março de 2023.

 

Apresentação do problema

As ações de sprint (≥7.0 m/s ou ≥25.2 km/h) detêm especial importância no futebol (Sweeting et al., 2017), estando associadas a momentos decisivos do jogo, como, por exemplo, à marcação de golo, à assistência para golo e a comportamentos defensivos de risco (Faude et al., 2012; Martínez Hernández et al., 2022). Para além do seu papel ao nível da performance, o sprint também surge frequentemente associado a lesões musculares nos isquiotibiais (hamstrings), acarretando inúmeras implicações negativas para a equipa e para o clube (i.e., prejuízo financeiro, período de reabilitação e risco de recidiva) (Schuermans et al., 2017). A verdade é que as distâncias percorridas em sprint têm vindo a aumentar em jogos da Premier League inglesa (Barnes et al., 2014; Bush et al., 2015) e é expectável que assim continue na próxima década (Nassis et al., 2020). Por estes motivos, é fundamental que a condição física dos jogadores seja monitorizada e convenientemente preparada, de forma a poderem tolerar as crescentes exigências mecânicas do sprint. 

A monitorização da frequência e da distância percorrida em sprint constitui uma tarefa crucial para a otimização do processo de treino de futebol, sobretudo no que se refere à prescrição da carga e do volume (Kalkhoven et al., 2021); apesar disso, ainda não há muita informação relacionada com as exigências situacionais e com o contexto tático em que ocorrem as ações de sprint em jogo. Por outras palavras, o conhecimento sobre o “porquê” de se realizarem sprints no jogo de futebol é limitado. Uma compreensão mais detalhada da frequência de sprints, em função dos múltiplos contextos táticos, providenciará uma representação mais válida e credível das demandas físicas provocadas pelo jogo competitivo. Este intento permite que os profissionais do treino sejam capazes de aumentar a especificidade da prática, criando métodos de treino da agilidade, exercícios físico-táticos (i.e., atividades físicas com propósitos táticos; Bradley et al., 2018) ou situações de jogo mais bem contextualizados no que ao sprint e à velocidade em jogo diz respeito.

 

Figura 2. Erling Haaland numa ação de sprint, ainda no Borussia Dortmund (imagem não publicada pelos autores; fonte: ntv.de).

 

O acoplamento perceção-ação é o resultado de uma interação entre o jogador e o seu envolvimento (Dos’Santos et al., 2022; Seifert et al., 2016). Para que a agilidade e a velocidade possam ser melhoradas, como parte de um programa de treino a longo prazo, os jogadores devem realizar exercícios e tarefas inseridos num contexto específico e representativo do jogo e, designadamente, num determinado cenário tático. A prática deve facilitar a “repetição sem repetição”, sendo a aprendizagem alcançada por meio da exploração e da resolução de problemas num envolvimento propício para a manifestação de ações específicas que requeiram agilidade e velocidade (Dos'Santos et al., 2022; Jeffreys et al., 2018). O transfer de comportamentos e capacidades do treino para a competição apenas pode ser potenciado se, por um lado, compreendermos os contextos físico-táticos em que ocorrem em competição e, por outro lado, conseguirmos recriá-los nas sessões de treino. 

Recentemente, os investigadores têm procurado caracterizar os contextos físico-táticos nos quais ocorrem as corridas de alta intensidade (i.e., ≥5.5 m/s) no futebol (Ju et al., 2021; Ju, Doran, et al., 2022). Embora nem todas as ações sejam necessariamente um sprint, estes investigadores facultaram uma boa perspetiva do “porquê” de ocorrerem corridas de alta velocidade no decurso de um jogo de futebol. Por exemplo, quando em posse de bola, sabe-se que o contexto tático em que ocorrem os esforços de corrida varia em função da posição de jogo (Ade et al., 2016; Ju et al., 2021; Ju, Doran, et al., 2022): (1) os defesas centrais procuram, predominantemente, progredir rapidamente no terreno de jogo (i.e., subir a linha defensiva); (2) os defesas laterais e os médios-ala executam mais ações de alta velocidade ao longo do corredor lateral; (3) os médios-centro e os avançados realizam, tipicamente, ações de condução ou de rotura no corredor central (Ade et al., 2016). 

Posto isto, ao examinar os aspetos físico-táticos dos esforços de sprint em jogo, é razoável assumir que existam diferenças entre posições específicas. Esta possibilidade pode ter implicações consideráveis, já que o sprint, pela sua natureza, está a ser cada vez mais ligado ao resultado do jogo no futebol profissional (Faude et al., 2012; Martínez Hernández et al., 2022). O estudo destas ações pode ajudar a contextualizar, física e taticamente, a prática em treino, contribuindo para o aumento da performance em momentos importantes do jogo, como pode ajudar no desenvolvimento de planos de retorno à prática no processo de reabilitação de lesões (Buckthorpe, 2021; Taberner et al., 2019). O objetivo do estudo passou por quantificar e contextualizar, em termos táticos e situacionais, as ações de sprint de uma equipa da Premier League inglesa em situação de jogo, no intuito de se reunir informação mais específica sobre o “porquê” de se efetuarem sprints em jogo no futebol profissional.

 

Métodos

Amostra: 10 jogos analisados de uma equipa da Premier League inglesa, na época 2017/2018. Metade dos jogos foram disputados em casa (5) e a outra metade na condição de visitante (5), englobando um total de 9 equipas adversárias e 21 jogadores analisados. Os resultados dos jogos foram 3 vitórias, 4 empates e 3 derrotas. Nestas partidas, a equipa observada utilizou o dispositivo tático 4-5-1 em 5 ocasiões, o 4-4-2 em 3 e o 5-3-2 em duas. Foram registados 901 episódios de sprint, sendo avaliados, em média, 12.8 ± 0.4 jogadores por jogo. Apenas os jogadores de campo cumpriram esforços de sprint e os elementos que não cumpriram a totalidade dos jogos também foram incluídos na análise, i.e., substitutos e substituídos, pelo que foram analisados todos os esforços de sprint executados nos 10 jogos da amostra. 

Procedimentos: o sprint foi classificado com uma atividade de corrida que atinja um valor igual ou superior (≥) a 7.0 m/s (Barnes et al., 2014). Para classificar os episódios de sprint, o vídeo oficial da partida foi obtido a partir do sistema online da Premier League inglesa (DVMS; Premier League, UK), um portal com todas as filmagens dos jogos desenvolvido pela Hudl (Hudl; USA). Baseando-se nas imagens em bruto de jogos, foram obtidas as coordenadas das atividades locomotoras dos jogadores através das fontes oficiais da Premier League, Tracab (Chyron Hego, USA). Posteriormente, os dados brutos foram processados e filtrados através de um sistema de gestão de carga para gerar dados velocidade-tempo (OpenField, Catapult Sports, Aus.). A partir deste ponto, foram anotados os instantes de início e final de cada esforço classificado como sprint, tendo como referência o cronómetro do jogo. Os investigadores recorreram a múltiplos ângulos para avaliar as ações de sprint: (1) perspetiva tática (visão alta, com uma perspetiva aberta do campo); (2) perspetiva alta à retaguarda (ângulo alto, atrás de uma das balizas); (3) transmissão televisiva. O ângulo principal de análise do estudo foi a perspetiva tática. A análise primária focou-se em todos os jogadores, mas foi ainda conduzida uma análise adicional considerando as diversas posições de jogo através de dois métodos: (1) categorização de 5 posições (defesas centrais; CB; defesas laterais, FB; médios-centro, CM; médios-ala, WM; avançados-centro, CF); (2) agrupamento de posições de acordo com a localização do campo: central (CB, CM e CF) e lateral (FB e WM). 

Classificação do contexto tático do sprint: para classificar as ações de sprint foi utilizado um sistema previamente validado – o sistema de classificação do contexto tático do sprint no futebol [Football Sprint Tactical Context Classification System (STC)] (Caldbeck, 2020). Este sistema permite que os registos de vídeo sejam, sistemática e qualitativamente, analisados, de modo a classificar o contexto tático do sprint em função da fase/momento do jogo (i.e., fases de organização ofensiva e organização defensiva e momentos de transição ofensiva e transição defensiva) e da consequência tática (i.e., o contexto exato de cada ação de sprint, quer em posse de bola, quer sem a posse da bola) (ver tabela 1).


Tabela 1. Especificação das categorias e da descrição das respetivas ações do sistema de classificação do contexto tático do sprint no futebol (adaptado de Caldbeck & Dos’Santos, 2023).

Fiabilidade: foram apuradas as fiabilidades intra e interobservador na utilização do sistema. O primeiro autor foi o principal responsável pela análise dos sprints, contando com alguns anos de experiência no âmbito das Ciências do Desporto. A fiabilidade intraobservador foi excelente (k = 0.97), após reavaliados 97 sprints com 7 dias de diferença entre a primeira e a segunda observação. A fiabilidade interobservador foi verificada após a avaliação de 66 sprints por um outro observador, também ele um investigador experiente nesta área de intervenção, sendo obtido um valor excelente (k = 0.97). 

Análise estatística: os dados recolhidos de cada sprint foram registados numa folha Excel (Microsoft Corporation, USA) e, depois, processados no software SPSS, v. 26.0 (SPSS, Chicago, USA). O processamento incluiu o cálculo das médias de cada ação, por jogo, estando os sprints agrupados por posições de jogo e grupos posicionais. Após a verificação da normalidade dos dados, mediante o teste Shapiro-Wilk, correram-se análises de variância de uma via (one-way ANOVA) para determinar as diferenças estatísticas entre médias dos sprints para cada “fase/momento do jogo” e para cada “consequência tática”. As comparações entre pares de categorias foram executadas através do teste post hoc Tukey HSD. O nível de significância foi estabelecido em p ≤ 0.05 e a dimensão de efeito foi observada através do d de Cohen, de acordo com as seguintes magnitudes: trivial (<0.20), pequena (0.20–0.59), moderada (0.6–1.19), grande (1.20–1.99) e muito grande (>2.0) (Hopkins, 2002). Por fim, a proporção de sprints classificados segundo o sistema utilizado foi calculada para os grupos posicionais e agrupada entre as diversas posições.

 

Principais resultados

 

·     Fase/momento de jogo

A maioria dos sprints ocorreu na fase de organização defensiva, seguindo-se nos momentos de transição ofensiva e transição defensiva (ver figura 3). A frequência de sprints na fase de organização ofensiva foi significativamente mais baixa relativamente à fase de organização defensiva e aos dois momentos de transição (dimensão de efeito pequena).

 

Figura 3. Ações de sprint, por fase/momento de jogo, observadas nos jogos de uma equipa da Premier League. Painel A: Percentagem média de sprints realizados por fase/momento de jogo. Painel B: Média e desvio-padrão de sprints completados por fase/momento de jogo (Caldbeck & Dos’Santos, 2023).

 

·     Consequência tática

De todas as categorias, o maior número de sprints ocorreu no contexto tático de “encurtar/pressionar”. Esta ação ocorreu significativamente mais vezes que todas as demais consequências táticas, à exceção da segunda ação mais frequente: “cobertura” (figura 4). O contexto tático menos frequente foi a “interceção” e cerca de 60% dos esforços de sprint foram executados quando a equipa não estava em posse da bola. As categorias mais observadas em processo defensivo (i.e., sem a posse de bola) foram: “encurtar/pressionar”, “cobertura”, “corrida de recuperação”, “bola no corredor” e “acompanhar o adversário” (cada uma entre os 14 e os 28%). Em processo ofensivo (i.e., em posse de bola), as categorias mais frequentes foram: “penetração na área de penálti”, “progressão no terreno de jogo”, “corrida no corredor”, “corrida para o espaço atrás da linha defensiva” e “corrida com bola” (cada uma entre os 11 e os 25%).

 

Figura 4. Média e desvio-padrão do número de sprints executados em jogo, em função da consequência tática, quer em posse de bola, quer sem a posse de bola. Categorias em posse de bola: Penetração na área de penálti; “Overlap”; Progressão no terreno de jogo; Corrida no corredor; Corrida para o espaço atrás da linha defensiva/penetração; Movimento interior; Movimento no corredor central; Corrida com bola; Outros. Categorias sem a posse da bola: Encurtar/pressionar; Interceção; Cobertura; Corrida de recuperação; Bola por cima; Bola no corredor; Acompanhar o adversário; Outros (Caldbeck & Dos’Santos, 2023).

 

·     Comparando o contexto tático do sprint entre posições

 Comparação entre posições por fase/momento de jogo

As maiores proporções de sprints para os médios-ala (37%) e para os avançados-centro (52%) foram registadas durante o momento de transição ofensiva. No caso dos defesas laterais e centrais, a maioria dos sprints foi observada na fase de organização defensiva (34% e 54%, respetivamente). Os médios-centro completaram a maioria dos sprints no momento de transição defensiva (45%). À exceção dos defesas centrais, os jogadores das outras posições executaram mais sprints nos momentos de transição. No que respeita ao agrupamento posicional por localização do campo, o grosso dos esforços de sprint foi observado na fase de organização defensiva (central: 39%; lateral: 33%).

 

Comparação entre posições por consequência tática

Sem a posse de bola, os principais contextos táticos dos sprints dos defesas centrais foram “bola no corredor” e “cobertura”, totalizando 61% do total de sprints efetuados. Os defesas laterais realizaram sprints de uma forma bastante diversificada, com proporções semelhantes entre as diferentes ações de sprints (3–14%). Os médios-ala realizaram mais sprints a “encurtar/pressionar” (21%), 3 vezes mais que em “cobertura” ou a “acompanhar o adversário” (7% cada). A ação de sprint mais comum dos médios-centro e dos avançados-centro foi em “cobertura” (31%) e a “encurtar/pressionar” (23%), respetivamente.

Em posse de bola, os defesas centrais e os médios-centro pouco sprintaram. Apenas 19% dos sprints dos médios-centro ocorreram em processo ofensivo. Os médios-ala e os avançados-centro foram os que mais sprintaram em posse de bola: 58% e 70% do total de ações de sprint, respetivamente. Os médios-ala sprintaram predominantemente para “correr no corredor” (16%) e “correr com a bola” (11%), enquanto os avançados-centro sprintaram essencialmente para “correr no corredor (23%), “correr para o espaço atrás da linha defensiva” (18%) e “mover-se no corredor central” (10%). 

Os jogadores do corredor central sprintaram quase o dobro das vezes em “cobertura”, comparativamente aos alas (20% vs. 9%). Outra diferença evidente foi que os jogadores do corredor central sprintaram mais frequentemente em contexto de “bola no corredor” (11% vs. 7%). Em posse de bola, os jogadores do corredor central sprintaram menos vezes que os jogadores do corredor lateral. Os jogadores mais periféricos realizaram mais sprints que os jogadores interiores em “overlap” (+8%), “corrida com bola” (+6%) e “corrida no corredor lateral” (+4%). As únicas duas ações em que as posições centrais suplantaram as posições laterais no que refere a sprints foram “correr para o espaço atrás da linha defensiva” (+3%) e “movimento no corredor central” (+3%).

 

Aplicações práticas

Os resultados do estudo sugerem que cerca de 33% dos esforços de sprint ocorrem na fase de organização defensiva. Não deixa de ser curioso que as consequências táticas mais predominantes na ação de sprint sejam o encurtamento/pressão e a cobertura. Mesmo com um bloco compacto e equilibrado, pode-se esperar que os jogadores realizem sprints para fechar espaços de progressão para a equipa adversária ou linhas de passe que comprometam a integridade do método defensivo adotado para proteger a baliza de ameaças. 

Do ponto de vista ofensivo, o momento de transição ofensiva sobressaiu em termos de frequência de sprints. É precisamente nestes instantes que as equipas que recuperam a posse de bola podem explorar eventuais desequilíbrios defensivos existentes na equipa oponente. Posto isto, não é admirar que a “corrida no corredor”, a “corrida para o espaço atrás da linha defensiva”, a “corrida com bola” e a “penetração na área de penálti” tenham sido as categorias mais comuns em posse. Na conceção de exercícios ou de situações mais representativas, estes resultados podem servir para promover uma espécie de “engenharia reversa”, de modo que as ações suprarreferidas sejam de facto contextualmente trabalhadas (i.e., conhecimento situacional, perceção visual, estratégia de movimento, ritmo, etc.) e passíveis de promover a transferência para a situação competitiva. 

No que se refere ao contexto tático em que os sprints ocorrem, houve diferenças inequívocas entre as diversas posições de jogo. Assim, no desenvolvimento da velocidade geral ou específica, é fundamental atender às necessidades particulares de cada posição, tendo em consideração as características dos jogadores e os princípios subjacentes ao modelo de jogo da equipa. De maneira a incrementar a validade ecológica e o ritmo de jogo em situações contextualizadas, ou a fomentar o transfer de exercícios analíticos de sprint, os treinadores devem ponderar aos seguintes pontos:

·  Os defesas laterais tendem a cumprir mais sprints na fase de organização defensiva, mas também o fazem para atacar (34%), o que evidencia a importância da progressão dos laterais pelos respetivos corredores no futebol moderno;

· Os defesas centrais raramente sprintaram no momento de transição ofensiva e na fase de organização ofensiva; contudo, pela especificidade das posições mais recuadas e pela natureza dos esforços de sprint efetuados, recomenda-se que os laterais e os centrais formem grupos de trabalho separados e cumpram programas de treino de velocidade distintos;

· Os médios-ala e os avançados-centro apresentaram características contextuais semelhantes na ação de sprint, com a maioria dos esforços a ocorrem nos momentos de transição ofensiva, seguindo-se a fase de organização defensiva. Este tipo de ações justifica-se, por um lado, pela possibilidade de apanhar os adversários desposicionados, o que permite romper a respetiva organização defensiva de forma mais eficaz; por outo lado, os esforços de pressão de alta intensidade dos jogadores mais adiantados têm-se relevado essenciais para que as equipas sejam bem-sucedidas na fase defensiva ao nível da elite;

· Encurtar espaço/pressionar são ações fulcrais dos jogadores do corredor central e dos jogadores mais avançados na fase de organização defensiva (ver figura 5), enquanto a “corrida no corredor” e a “corrida para o espaço atrás da linha defensiva” são os esforços que produzem mais impacto ofensivo no resultado do jogo.

  

Figura 5. Possível exercício para trabalhar ações contextualizadas de sprint para o(s) avançado(s)-centro: (1) durante uma circulação de bola pelo setor defensivo adversário, o avançado-centro sprinta para encurtar/pressionar o defesa central e, depois, o defesa lateral; (2) na recuperação da posse de bola, o médio interior n.º 8 coloca a bola em profundidade para que o avançado explore o espaço atrás da linha defensiva e encare o guarda-redes para marcar golo (imagem não publicada pelos autores).

 

Um melhor entendimento dos contextos táticos em que os sprints surgem faz com que os profissionais do clube possam aumentar a especificidade de programas de reabilitação e da avaliação da performance em sprint. Por consequência, será possível cumprir com mais rigor o propósito de expor progressivamente o jogador a reabilitar aos estímulos e aos padrões de movimento com que se depara no treino quotidiano e no jogo competitivo. Falamos, por exemplo, de passar de exercícios gerais e lineares de sprint para situações mais específicas e associadas a determinados contextos táticos, com ou sem bola, mas nas quais a carga cognitiva e a solicitação fisiológica vão gradualmente aumentando.

 

Conclusão

Em primeira instância, este estudo evidenciou que os sprints realizados por jogadores de uma equipa da Premier League ocorreram em função de múltiplas circunstâncias táticas e durante as duas fases e os dois momentos de jogo, havendo diferenças notórias entre as posições de jogo. O trabalho consistiu numa primeira tentativa para contextualizar taticamente a emergência do sprint em situação de jogo competitivo no futebol profissional de elite, sendo que os (novos) resultados apurados podem ter implicações relevantes para a preparação física dos jogadores no futuro. Uma compreensão mais detalhada das exigências do jogo contemporâneo dá azo a que a periodização e o design de tarefas de treino sejam mais específicos e ecologicamente válidos para cada uma das posições de jogo. Em última instância, os treinadores e os outros profissionais (e.g., fisioterapeutas, médicos, preparadores físicos, etc.) podem não apenas potenciar o transfer de ações de alta intensidade do treino para o contexto de desempenho, como também preparar o retorno à prática após lesão com mais eficácia e minúcia.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rúbrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Journal of Sports Sciences.