29/04/2025

Artigo do mês #64 – abril 2025 | Ataques mais diretos aumentaram a probabilidade de golo nas finais dos Mundiais da FIFA de 2018 e 2022

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto. 

- 64 -

Autores: Taha, T., & Orlov, I.

País: Canadá

Data de publicação: 10-março-2025

Título: More direct attacks increase likelihood of goals in 2018- and 2022-Men’s World Cup soccer finals

Referência: Taha, T., & Orlov, I. (2025). More direct attacks increase likelihood of goals in 2018- and 2022-Men’s World Cup soccer finals. PLoS One, 20(3), e0314630. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0314630

 

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 64 – abril de 2025.

 

Apresentação do problema

No futebol, a posse de bola (ou a fase ofensiva) envolve ações coordenadas da equipa atacante no intuito de marcar golos. Contudo, as posses de bola que efetivamente resultam em golos são raras (Tenga et al., 2010a). Assim, compreender os elementos que contribuem para estas situações torna-se crucial para o sucesso competitivo. 

Estudos inaugurais, como os de Reep e Benjamin (1968), indicaram que sequências curtas de passes aumentavam a probabilidade de marcar golos. Bate (1988) observou que posses iniciadas no terço ofensivo resultavam em mais golos, sugerindo que um estilo de jogo direto, com poucos passes e avanço rápido, era mais eficaz. Apesar do sucesso de equipas como o Barcelona e a seleção espanhola no início do século XXI, com um estilo de posse prolongada, estudos posteriores, como os de Tenga et al. (2010a, 2010b), demonstraram que o jogo direto era mais propenso a alcançar zonas de finalização quando a defesa adversária estava desorganizada. Collet (2013) analisou a relação entre tempo de posse e pontos médios por jogo e concluiu que, embora uma maior posse estivesse associada a mais pontos, essa relação diminuiu significativamente quando as equipas de elite foram excluídas da análise. Mais recentemente, Taha e Ali (2023) descobriram que, para posses iniciadas no terço defensivo, aumentos no tempo de posse e no número de passes reduziam a probabilidade de marcar, mesmo em equipas conhecidas pelo jogo de posse, como as seleções espanhola e alemã. Sarmento et al. (2014) argumentaram que análises notacionais simples não captam totalmente os elementos de sequências ofensivas bem-sucedidas, pelo que recomendaram a inclusão de dados qualitativos, como entrevistas com treinadores e jogadores, para uma compreensão mais aprofundada. 

​​A análise espacial no futebol evoluiu de simples contagens de ações por zonas do campo (Reep & Benjamin, 1968; Bate, 1988) para o uso de coordenadas “xy” que localizam os jogadores e a bola ao longo do tempo (Sarmento et al., 2018). Este progresso possibilitou estudar medidas de aptidão física relacionadas com o jogo (Teixeira et al., 2022a) e integrar ações físicas e táticas dos jogadores (Teixeira et al., 2022b). Os modelos mais inovadores já analisam automaticamente posições e movimentos dos jogadores, e, em última instância, evidenciam como as equipas criam espaço em competição (Fernandez & Bornn, 2018; Martens et al., 2021). Com a disponibilização de dados espaciotemporais por empresas como a StatsBomb, tornou-se possível rastrear sequências ofensivas completas, incluindo dados notacionais e contínuos, como localizações no campo e tempos associados. Estes dados permitem calcular velocidades da bola e dos jogadores, bem como as distâncias percorridas por cada um.​ 

Neste estudo, aplicou-se uma análise espacial detalhada para melhor compreender os elementos que caracterizam uma posse de bola bem-sucedida. Face a evidências contraditórias anteriores – onde equipas de elite com elevada posse de bola obtiveram mais pontos por jogo (Collet, 2013), mas posses mais curtas e com menos passes mostraram maior probabilidade de resultar em golo (Taha & Ali, 2023) –, decidiu-se analisar o trajeto da bola durante as sequências ofensivas. Os autores colocaram a hipótese que posses em que a bola seguiu trajetos mais diretos em direção à baliza adversária teriam maior probabilidade de resultar em golo.​

 

Métodos

  

·     Dados

Os dados utilizados foram recolhidos pela StatsBomb (2023) e estavam disponíveis publicamente no seu repositório no GitHub. A recolha foi realizada por 5 pessoas, complementada por um algoritmo proprietário para reduzir erros e acelerar o processo. Foram analisados 128 jogos dos Mundiais de 2018 e 2022, registando-se 461641 eventos codificados (e.g., passe, receção, condução, remate) com a respetiva localização (coordenadas xy), num campo de 120x80 unidades e o momento de ocorrência no jogo. Neste trabalho, foram consideradas apenas posses de bola compostas por mais de uma ação, excluindo pontapés de cantos e outras bolas paradas. Após filtragem, analisaram-se 370319 eventos correspondentes a 22661 posses de bola. A título ilustrativo, a figura 2 mostra alguns dados de uma posse que resultou num golo da Argentina na final do Mundial de 2022.

 

Figura 2. Posse de bola da Argentina, contra a França, que resultou num golo durante a final do Campeonato do Mundo de 2022. A direção do ataque argentino é da esquerda para a direta (Taha & Orlov, 2025).

  

·     Análise dos dados

A análise considerou o tempo e as coordenadas “xy” dos eventos de cada posse de bola. Para cada posse, calcularam-se: (i) a distância total percorrida pela bola (109,0 unidades no exemplo da figura 2); (ii) a distância direta entre o início da posse e o centro da baliza (94,1 unidades no caso da figura 2); e (iii) o rácio de direcionalidade (DIR: distância direta/distância total), que indica o quão diretamente a bola avançou para a baliza (valores próximo de 1 = movimento direto, valores próximos de 0 = mais movimentos laterais ou para trás; valor de 0,86 no exemplo suprarreferido). Determinou-se também a velocidade da posse em direção à baliza (9,7 unidades/segundo no caso da figura 2), calculada com base na distância direta e no tempo total da posse (SPG). Por fim, registou-se a posição inicial de cada posse através da coordenada x (XPOS), para identificar a zona do campo onde se iniciou. As variáveis acima sublinhadas correspondem às 3 variáveis independentes do estudo. As variáveis dependentes foram a ocorrência de remate (variável binária que indica se uma posse de bola resultou ou não num remate) e a conversão do remate em golo (variável binária que indica se um remate resultou ou não em golo).

  

·    Modelagem estatística

Foram desenvolvidos 2 modelos estatísticos para analisar o impacto da direcionalidade (DIR), da velocidade da bola (SPG) e da posição inicial da posse (XPOS) na probabilidade de uma posse originar um remate ou um golo. Utilizou-se a regressão logística multivariada com efeitos mistos (Tenga et al., 2010a), considerando a autocorrelação entre estilos de jogo. Inicialmente saturados, os modelos foram simplificados com base no AIC e avaliados segundo o método de Nakagawa e Schielzeth (2012) (R²). Para a ocorrência de remates, identificaram-se efeitos principais e interações significativas. Para a conversão de remates em golos, a direcionalidade foi o único efeito fixo relevante. Ambos os modelos incluíram efeitos aleatórios e não apresentaram sobredispersão.

 

Principais resultados

Em termos gerais, foram analisadas 22661 posses de bola nos Mundiais de 2018 e 2022, das quais 2878 resultaram em remates e 372 culminaram em golos. É de ressalvar que os efeitos aleatórios dos modelos sugerem que cada equipa pode ter apresentado estilos de jogo distintos entre os 2 Mundiais. Seguem-se os fatores analisados que contribuíram para diferentes desfechos nas sequências ofensivas.

 

·     Fatores que aumentam a probabilidade de rematar

A modelagem estatística demonstrou que, quanto maior for a velocidade da bola rumo à baliza adversária (SPG), maior é a probabilidade de gerar um remate. Quanto à posição inicial da posse de bola (XPOS), recuperar a bola mais perto da baliza adversária também aumenta significativamente a probabilidade de rematar. 

No que respeita a interações significativas, observaram-se 4 resultados de destaque: (1) direcionalidade e posição inicial (DIR*XPOS): um jogo mais direto, quando a recuperação ocorre perto da baliza adversária, reduziu ligeira, mas significativamente, a probabilidade de remate; (2) direcionalidade e velocidade (DIR*SPG): jogadas mais diretas combinadas com alta velocidade reduziram a probabilidade de remate; (3) velocidade e posição inicial (SPG*XPOS): maior velocidade associada a recuperações próximas da baliza oponente também diminuiu ligeira, mas  significativamente, a probabilidade de remate; (4) interação tripla (DIR*XPOS*SPG): uma combinação equilibrada das 3 variáveis independentes teve um pequeno efeito positivo, embora significativo, na probabilidade de remate.

 

·     Fatores que aumentam a probabilidade de marcar golo

De entre todas as variáveis independentes, apenas a direcionalidade da posse (DIR) influenciou a probabilidade de marcar golo. Em concreto, uma maior direcionalidade (i.e., jogar mais diretamente para a baliza) aumentou significativamente a probabilidade de um remate resultar em golo.

 

Aplicações práticas

Com base nos resultados do estudo sobre a influência da direcionalidade, velocidade e posição inicial das posses de bola no sucesso ofensivo, propõem-se as seguintes aplicações práticas para os profissionais do treino de futebol:

 

1. Utilizar a métrica de direcionalidade para caracterizar o estilo ofensivo da equipa​: a direcionalidade, baseada em coordenadas espaciais, oferece uma forma objetiva de quantificar o método de jogo ofensivo de uma equipa, diferenciando estilos de jogo direto (contra-ataque e ataque rápido) de estilos baseados na posse de bola (ataque posicional). Ao analisar esta métrica, os treinadores podem identificar padrões no comportamento ofensivo da sua equipa e ajustá-los conforme necessário para otimizar o desempenho.​ 

2. Implementar estratégias de contra-ataque com foco na direcionalidade e velocidade: posses de bola mais diretas e rápidas em direção à baliza adversária aumentam a probabilidade de marcar golos. Assim, os treinadores devem desenvolver exercícios que reproduzam situações de contra-ataque e, em especial, que encorajem a progressão rápida e direta da bola, no sentido de aproveitar o desequilíbrio momentâneo na organização defensiva adversária. 

3. Variar as abordagens ofensivas para manter a imprevisibilidade​: embora o jogo direto seja eficaz, a utilização constante desta abordagem pode tornar a equipa previsível e permitir que os adversários se ajustem defensivamente. Incorporar variações nos métodos de jogo, por via da alternância entre jogo direto e posses mais elaboradas, pode dificultar a adaptação da organização defensiva adversária e aumentar as oportunidades de sucesso ofensivo.​ 

4. Adaptar a estratégia ofensiva consoante a zona de recuperação da posse de bola:​ sequências ofensivas iniciadas mais próximas da baliza adversária, quando combinadas com alta direcionalidade e velocidade, podem reduzir a probabilidade de remate, possivelmente devido à maior pressão defensiva contrária. Portanto, os treinadores devem ajustar o método ofensivo com base na zona do campo onde a posse é recuperada; por exemplo, optar por jogadas mais elaboradas a partir de recuperações em zonas de maior pressão ou por ataques rápidos ou contra-ataques em áreas com mais espaço disponível.​

 

Conclusão

​​Durante os Campeonatos do Mundo de futebol masculino de 2018 e 2022, as posses de bola iniciadas mais próximas da baliza adversária e com maior velocidade de progressão apresentaram uma probabilidade acrescida de resultar em remates. Contudo, esta tendência foi atenuada quando tais posses exibiram elevada direcionalidade, especialmente quando combinadas com alta velocidade ou iniciadas perto da baliza adversária. Nestas circunstâncias, os dados insinuam que a eficácia ofensiva pode ser comprometida. Importa salientar que, embora os remates sejam um indicador de desempenho ofensivo, são os golos que determinam o desfecho dos jogos. O estudo revelou que uma maior direcionalidade da posse – ou seja, um avanço mais direto da bola em direção à baliza adversária – aumentou significativamente a probabilidade de marcar golo.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista PLoS One.

23/04/2025

International Journal of Sport and Exercise Psychology (2025) | Impacto do público na vantagem de jogar em casa no futebol europeu antes, durante e após a COVID-19

Este projeto teve início em julho de 2023, por sugestão do Werlayne Leite (Secretaria da Educação do Estado do Ceará, Fortaleza, Brasil; Secretaria Municipal da Educação de Fortaleza, Fortaleza, Brasil; Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, Brasil), com quem tenho colaborado ao longo dos últimos anos. Na altura, o Werlayne propôs a análise de dados relacionados com o fenómeno “home advantage” (i.e., vantagem de jogar em casa) nas épocas mais recentes, com especial enfoque no impacto das medidas restritivas associadas à COVID-19 no futebol europeu de alto nível.

Com o precioso contributo do investigador Cristiano Diniz da Silva (Research Group in Applied Soccer Sciences, Department of Physical Education, Institute of Life Sciences, Federal University of Juiz de Fora, Juiz de Fora, Brasil) na modelação estatística, obtivemos perspetivas interessantes que nos levaram a explorar se a eliminação do suporte social dos adeptos durante a era COVID-19 teria influenciado o desempenho em casa de equipas habituadas a jogar com estádios cheios (figura 1).


Figura 1. O Arsenal FC a jogar em tempos de COVID-19 com o estádio vazio, diante do Manchester City FC (2020/21). Nas últimas épocas, o Arsenal figura no TOP-8 dos clubes europeus com mais adeptos no seu estádio (fonte: arsenalpics.com).

 

Em síntese, o estudo analisou as variações da vantagem de jogar em casa em 51 equipas europeias com maiores médias de assistência por jogo ao longo de 5 épocas, incluindo duas antes da pandemia (2017/18 e 2018/19), uma durante (2020/21, disputada sem público) e duas após a pandemia (2021/22 e 2022/23). Para a análise, aplicámos 4 modelos lineares mistos, considerando as equipas como fator aleatório – 2 modelos incluíram equipas que competiram em diferentes divisões e 2 modelos centraram-se exclusivamente em equipas que competiram na primeira divisão dos respetivos países. 

Os resultados revelaram uma correlação negativa entre a qualidade das equipas e a vantagem de jogar em casa, ou seja, quanto maior a competência da equipa, menor a vantagem de jogar em casa, com reduções entre os 0,12% e os 0,15% por cada ponto adicional na média de pontos por jogo. As equipas que competiram exclusivamente na primeira divisão registaram uma redução significativa de 7% na vantagem de jogar em casa durante a pandemia. Verificou-se ainda que a densidade de público, medida pela percentagem de ocupação dos estádios, influenciou positivamente a magnitude da vantagem de jogar em casa, o que sugere que o efeito do apoio das bancadas depende também da intensidade e proximidade dos adeptos. Concluímos que as flutuações observadas na vantagem de jogar em casa durante o período pandémico poderão estar parcialmente associadas à qualidade das equipas e não exclusivamente à ausência de público nos estádios. 

No passado dia 21 de abril de 2025 foi publicado online o produto final desta investigação na revista britânica International Journal of Sport and Exercise Psychology (figura 2), que figura no primeiro quartil (Q1) nas áreas de Ciências do Desporto, Psicologia Aplicada e Psicologia Social. O resumo ora apresentado não dispensa a consulta da totalidade do artigo para melhor se compreender a influência do apoio do público na expressão da vantagem de jogar em casa no futebol europeu contemporâneo e, designadamente, em equipas habituadas a jogar perante dezenas de milhares de adeptos.

 

Figura 2. Título, autores e outros informações editoriais do artigo publicado no International Journal of Sport and Exercise Psychology.

 

Antes de concluir, deixo um agradecimento especial ao Werlayne, cuja liderança exemplar, dedicação constante e visão crítica foram fundamentais para o sucesso desta investigação. Um reconhecimento igualmente sincero ao Cristiano, pela condução rigorosa da análise estatística e pelas perspetivas valiosas que contribuíram decisivamente para aprofundar o trabalho. 

Esperamos que o estudo seja útil e inspire novas reflexões sobre o fenómeno da vantagem de jogar em casa.

 Até breve!

 

Referência

Leite, W., Silva, C. D. da, & Almeida, C. H. (2025). Impact of crowd support on home advantage in highly attended European professional football teams: a comparison between pre-, during, and post-COVID-19 periods. International Journal of Sport and Exercise Psychology, 1–19. https://doi.org/10.1080/1612197X.2025.2495680

31/03/2025

Artigo do mês #63 – março 2025 | “Ganhar as segundas bolas!” O impacto de recuperações de bola estratégicas na performance em jogo no futebol de elite

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto. 

- 63 -

Autores: Sunjic, I., Pavlinovica, V., Skomrlja, J., Morgans, R., & Modric, T.

País: Croácia

Data de publicação: 5-fevereiro-2025

Título: Win the second balls! The impact of strategic ball recovery on match performance in elite soccer

Referência: Sunjica, I., Pavlinovica, V., Skomrlja, J., Morgans, R., & Modric, T.  (2025). Win the second balls! The impact of strategic ball recovery on match performance in elite soccer. International Journal of Performance Analysis in Sport, 1–19. Advance online publication. https://doi.org/10.1080/24748668.2025.2462399

 

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 63 – março de 2025.

 

Apresentação do problema

O futebol é um desporto coletivo poliestrutural e dinâmico (Kunrath et al., 2024; Radakovic et al., 2023). Devido à sua alta variabilidade e complexidade de movimentos, a performance tem sido categorizada em 3 dimensões: física, tática e técnica (Schuth et al., 2016). Do ponto de vista científico, a performance tática tem sido examinada com base no posicionamento dos jogadores e na coordenação interequipas (Olthof et al., 2018), enquanto a vertente física é avaliada por variáveis como a distância percorrida, acelerações e intensidades de deslocamento (Castellano et al., 2024). O desempenho técnico, por sua vez, tem sido predominantemente analisado através de eventos discretos do jogo, como remates, passes, duelos e dribles, além da sua eficácia e localização (Feng et al., 2024). 

Estudos prévios identificaram a performance técnica como um dos principais indicadores de sucesso no futebol. Andrzejewski et al. (2022) encontraram correlações significativas entre mais de 20 variáveis técnicas e o sucesso na Bundesliga, destacando-se os golos, as assistências e os remates à baliza. Na Superliga Chinesa, Yang et al. (2018) verificaram diferenças significativas entre equipas mais e menos bem classificadas em variáveis como o tempo de posse no meio-campo adversário, passes para entrada no último terço e percentagem de duelos ganhos. Assim, melhorar o desempenho técnico dos jogadores é um objetivo central para os profissionais da modalidade, pois aumenta a probabilidade de alcançar os resultados desejados (Modric et al., 2023). 

Existe uma multiplicidade de fatores que afetam a performance técnica (e.g., posição em campo, resultado do jogo, local da partida, qualidade da equipa e dispositivo tático) (Jiménez et al., 2022; Kádár et al., 2023; Modric, et al., 2024). Outros elementos, como a capacidade de recuperar a posse após duelos – frequentemente designada como “ganhar segundas bolas” – também podem influenciar essa performance. As situações de “segundas bolas” são geralmente definidas como os cenários que surgem após duelos (no solo ou pelo ar), nas quais 2 jogadores disputam a posse da bola, com o objetivo de progredir com a bola ou alterar a sua trajetória (figura 2). Teoricamente, conquistar mais segundas bolas permite maior posse de bola, o que, por sua vez, tende a proporcionar mais ações ofensivas e, consequentemente, melhor performance técnica, como mais passes e remates (Brito Souza et al., 2020; Modric et al., 2022).


Figura 2. A importância das segundas bolas no futebol contemporâneo (imagem não publicada pelos autores) (fonte: https://www.nytimes.com/athletic/4276724/2023/03/05/manchester-city-newcastle-second-balls/).


Entre os profissionais de elite, é reconhecida a importância de ganhar segundas bolas, como mencionado por Pep Guardiola (Grado, 2016; Buldú et al., 2019). A sua recuperação no meio-campo é vista como essencial para controlar o jogo, prevenir contra-ataques e lançar os seus próprios contra-ataques oportunamente (Barreira & Petroski, 2014; Scanlan et al., 2020), o que pode potenciar variáveis técnicas associadas ao sucesso (Andrzejewski et al., 2022; Yang et al., 2018). Contudo, não há estudos que confirmem esses efeitos ou comprovem a utilidade específica da sua conquista no segundo terço do campo. 

Dada a lacuna evidente na literatura, justifica-se a realização de novos estudos que analisem a associação entre o número de segundas bolas conquistadas e o desempenho técnico em zonas específicas do campo. Os resultados poderão ajudar a determinar a importância de ganhar segundas bolas no futebol, aumentando potencialmente as probabilidades de sucesso das equipas. Além disso, poderão ser identificadas as zonas do campo em que recuperar segundas bolas é mais determinante. Esta informação pode levar os treinadores a ajustar a estratégia de ocupação das zonas após os duelos, de acordo com as exigências táticas de cada setor do terreno. Assim, o presente estudo teve como propósito determinar a influência da conquista de segundas bolas na performance técnica, de forma diferenciada para cada um dos 3 terços do campo.

 

Métodos


  • Abordagem experimental

O estudo procurou perceber se ganhar as chamadas “segundas bolas” – aquelas que surgem após um duelo entre 2 jogadores – influencia o desempenho técnico de equipas de futebol. Foram analisados dados de jogos, com enfoque nos terços do campo onde as bolas foram recuperadas (defensivo, intermédio e ofensivo) e o seu efeito em ações como passes ou remates. Também se compararam estas ações com a estatística de “golos esperados” (xG), que estima a probabilidade de uma equipa marcar (Anzer & Bauer, 2021; Mead et al., 2023). Para garantir resultados mais justos, o estudo teve ainda em conta a qualidade das equipas e o resultado dos jogos.

 

  • Amostra

Analisaram-se dados técnicos de 40 equipas que participaram nos Mundiais da FIFA de 2018 e 2022. Foram considerados os 128 jogos dessas duas edições, resultando em 256 observações (duas por jogo, uma por equipa).

 

  • Procedimentos

Os dados de evento dos jogos foram obtidos da base de dados da StatsBomb (www.statsbomb.com), uma das principais fornecedoras de dados estatísticos no futebol profissional, com fiabilidade comprovada (Stone et al., 2021). Cada evento incluía informação como o tipo de ação, tempo, localização no campo, equipa em posse, nome e posição do jogador, fase do jogo, e, nos casos aplicáveis, tipo de duelo. As segundas bolas foram definidas como situações que ocorrem imediatamente após duelos (terrestres ou aéreos), sendo consideradas ganhas quando a equipa recupera rapidamente a posse. Estas foram identificadas em todas as fases de jogo, sem considerar o contexto tático. 

As variáveis dependentes (indicadores de performance técnica) abarcaram remates (totais e dentro da área), receções no último terço e na área, passes (totais e verticais), dribles e cantos (ver definições operacionais na Tabela 1). Estas variáveis foram selecionadas por apresentarem maior correlação com os “golos esperados” (xG). O xG foi fornecido pela StatsBomb. 

 

Tabela 1. Variáveis dependentes do estudo e respetivas definições operacionais (adaptado de Sunjic et al., 2025).

As variáveis independentes foram: número de segundas bolas ganhas (variável contínua), resultado do jogo (vitória vs. não vitória) e qualidade da equipa (ranking FIFA antes do Mundial), esta última incluída como covariável (Branquinho et al., 2024; Wunderlich & Memmert, 2016).

 

  • Análise estatística

Numa primeira fase, foi usada regressão múltipla “stepwise” para analisar a relação entre variáveis técnicas e os golos esperados (xG), com metade das observações (n = 128). O modelo foi validado com a outra metade (n = 128) e verificado com um gráfico de Bland-Altman (Sisic et al., 2015). Na segunda fase, recorreu-se a modelos lineares mistos para avaliar o impacto de ganhar segundas bolas no desempenho técnico, controlando fatores como o resultado do jogo e a qualidade da equipa (Modric et al., 2024). Foram considerados efeitos fixos e aleatórios (equipa e edição do Mundial). Os modelos foram construídos progressivamente (“step-up”), com base no AIC e testes de verosimilhança. A adequação foi verificada com gráficos de resíduos e Q-Q plots (Henderson et al., 2019; Lovell et al., 2018). 

Os efeitos estatísticos foram convertidos em tamanhos do efeito (d de Cohen), interpretados como trivial (<0.2), pequeno (0.2–0.5), moderado (0.5–0.8) e grande (>0.8) (Cohen, 2013). A análise foi realizada no SPSS v. 25.0 (p < 0.05).

 

Principais resultados

O trabalho testou a influência das segundas bolas no desempenho técnico das equipas, considerando diferentes zonas do campo (todo o campo, primeiro, segundo e terceiro terço) e controlando o efeito da “qualidade da equipa” e do “resultado do jogo”. Os modelos estatísticos revelaram que os efeitos fixos explicaram entre 0,1% e 16% da variabilidade dos dados, mas este valor aumentou para 12% a 51% quando se incluíram os efeitos aleatórios, o que destaca a importância de fatores contextuais e estruturais na interpretação dos resultados.


Por cada segunda bola adicional recuperada em qualquer zona do campo, as equipas realizaram, em média, mais 0,87 receções de bola no terço final (efeito pequeno), 0,24 receções na área de penálti (efeito pequeno), 1,96 passes (efeito pequeno), 0,86 passes progressivos (efeito pequeno), 0,16 dribles (efeito pequeno) e 0,07 cantos (efeito moderado). Os resultados sugerem um impacto tático e técnico significativo associado à recuperação de segundas bolas em todo o campo (figura 2).

 

Figura 2. Associação entre o número de segundas bolas recuperadas e o desempenho técnico em diferentes zonas do campo (dados apresentados como d de Cohen). NS: associação não significativa; a) total de remates; b) remates dentro da área de penálti; c) receções de bola no terço final; d) receções de bola na área de penálti; e) total de passes; f) passes progressivos; g) dribles; h) pontapés de canto (Sunjic et al., 2025).

 

  • Ganhar segundas bolas no primeiro terço do campo (setor defensivo)

Por cada segunda bola adicional recuperada no primeiro terço do campo, as equipas realizaram, em média, mais 0,41 remates (efeito pequeno), 0,17 remates dentro da área de penálti (efeito pequeno), 1,84 receções de bola no terço final (efeito pequeno), 0,42 receções na área de penálti (efeito pequeno), 4,39 passes (efeito pequeno), 1,95 passes progressivos (efeito pequeno), 0,32 dribles (efeito pequeno) e 0,21 cantos (efeito moderado).


  • Ganhar segundas bolas no segundo terço do campo (setor intermédio)

Não foram observadas associações significativas entre o número de segundas bolas recuperadas no segundo terço do campo e qualquer uma das variáveis de performance técnica.

 

  • Ganhar segundas bolas no terceiro terço do campo (setor ofensivo)

Por cada segunda bola adicional recuperada no terço ofensivo do campo, as equipas registaram aumentos de 3,06 receções de bola no terço final (efeito pequeno), 0,92 receções na área de penálti (efeito moderado), 6,82 passes (efeito pequeno), 2,61 passes progressivos (efeito moderado) e 0,11 cantos (efeito pequeno).


  • Influência das variáveis contextuais no desempenho técnico

Equipas mais bem posicionadas no ranking FIFA apresentam indicadores superiores de desempenho técnico. Por cada incremento de uma posição no ranking da FIFA, as equipas exibiram mais receções no último terço (0,8 a 0,86), mais receções na área de penálti (0,14 a 0,16), mais passes (2,39 a 2,47) e mais passes progressivos (0,62 a 0,67). Obter a vitória esteve associado a mais remates dentro da área de penálti, com mais 1,56 a 1,61 remates do que nos jogos que terminaram empatados ou com derrota.

 

Aplicações práticas

Este estudo demonstrou que recuperar segundas bolas no primeiro e no terceiro terço do campo pode potenciar o desempenho técnico ofensivo das equipas. Com base nos resultados destacados, propõem-se 4 aplicações práticas dirigidas a treinadores de futebol:

 

1. Estimular a recuperação de segundas bolas no primeiro terço do campo com finalização em contexto ofensivo: a recuperação de segundas bolas nesta zona do campo foi a única associada a um aumento significativo de remates dentro da área de penálti, uma métrica fortemente correlacionada com os golos esperados (xG). Para explorar esta vantagem, os treinadores devem planear exercícios específicos para defesas centrais, laterais e médios defensivos que reproduzam situações reais de duelo, tanto aéreo como pelo solo, no primeiro terço do campo, privilegiando a recuperação imediata da segunda bola. Após a recuperação de bola, o exercício deve prosseguir com uma transição ofensiva vertical, envolvendo outros jogadores e culminando numa finalização dentro da área adversária, de modo a espelhar padrões táticos típicos de contextos reais de competição. 

2. Desenvolver a antecipação e capacidade de recuperação de segundas bolas no terceiro terço do campo: neste setor, a recuperação de segundas bolas demonstrou ser ainda mais eficaz para aumentar as receções de bola dentro da área de penálti contrária, com valores superiores ao dobro dos observados no primeiro terço. Os treinadores devem conceber tarefas específicas para médios ofensivos, extremos e avançados que recriem duelos no último terço do campo, incentivem a recuperação ativa da segunda bola e encorajem o reposicionamento estratégico dos jogadores para gerar espaços e permitir receções em zonas de finalização. Idealmente, estas tarefas devem terminar com passes curtos ou cruzamentos que facilitem a chegada da bola a zonas propícias para finalização. 

3. Treinar a recuperação de segundas bolas em cenários de elevada densidade de jogadores: a ausência de associação entre a recuperação de segundas bolas e o desempenho técnico no terço intermédio do campo pode dever-se à elevada densidade de jogadores neste setor. Neste sentido, os treinadores devem conceber tarefas específicas que exponham os jogadores a situações de maior congestionamento, com foco na recuperação da posse e na tomada de decisão sob pressão. Estas tarefas devem reproduzir cenários realistas de disputa no meio-campo, exigindo ações rápidas e eficientes em espaços reduzidos, de maneira a melhorar a perceção, o posicionamento e a eficácia na recuperação em zonas de elevada pressão defensiva adversária. 

4. Criar rotinas de treino posicionadas nos setores do campo-alvo: os exercícios devem decorrer preferencialmente nas zonas do campo onde se pretende que ocorra a recuperação da segunda bola, por forma a reforçar a representatividade da tarefa. Esta abordagem favorece a leitura de jogo e a adaptação tática dos jogadores face às exigências espaciais específicas de cada setor, ao mesmo tempo que melhora a sua capacidade de perceção situacional e potencia a transferência dos comportamentos adquiridos para os contextos competitivos.

 

Conclusão

​Este estudo evidenciou que a recuperação de segundas bolas nos primeiros e últimos terços do campo melhora significativamente o desempenho técnico ofensivo das equipas. No primeiro terço, a recuperação está associada a um aumento de remates dentro da área de penálti, receções de bola no terço final e na área, bem como a mais dribles. No terço final, a recuperação de segundas bolas influencia positivamente as receções de bola no terço final e na área de penálti, o número total de passes e de passes progressivos. A ausência de associação significativa no terço intermédio pode dever-se à maior densidade de jogadores neste setor, o que compromete a ligação entre a recuperação da posse e o desempenho técnico subsequente. Estes resultados destacam a importância estratégica de recuperar segundas bolas em zonas específicas do campo para otimizar a performance ofensiva.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista International Journal of Performance Analysis in Sport.

26/02/2025

Artigo do mês #62 – fevereiro 2025 | Efeitos de diferentes dispositivos táticos nos comportamentos posicionais coletivos em jogos reduzidos disputados por jovens jogadores de futebol

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto. 

- 62 -

Autores: González-Rodenas, J., Ferrandis, J., Valdó, J. C., Claver-Rabaz, F., Ballester, R., & Gil-Arias, A.  

País: Espanha

Data de publicação: 19-dezembro-2024

Título: Effects of different tactical formations on positional team behaviors during small-sided games in youth soccer players

Referência: González-Rodenas, J., Ferrandis, J., Valdó, J. C., Claver-Rabaz, F., Ballester, R., & Gil-Arias, A.  (2025). Effects of different tactical formations on positional team behaviors during small-sided games in youth soccer players. Journal of Human Kinetics, 97, 1–11. Advance online publication. https://doi.org/10.5114/jhk/194071

 

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 62 – fevereiro de 2025.

 

Apresentação do problema

O futebol é um jogo dinâmico, no qual as equipas se influenciam mutuamente nas fases de organização ofensiva e defensiva (Duarte et al., 2012). A interação tático-estratégica requer que os treinadores desenvolvam meios de treino representativos para facilitar a transferência de competências para a competição (Passos & Davids, 2015). 

Neste contexto, os jogos reduzidos (JRs) são ferramentas eficazes para o desenvolvimento técnico, tático e físico dos jogadores (Clemente et al., 2021; Sarmento et al., 2018). Através da manipulação de variáveis como o espaço, o número de jogadores e o formato das balizas, torna-se possível (re)criar condições de jogo específicas (Davids et al., 2013; Ometto et al., 2018). O impacto da adaptação destas condições nas variáveis físicas e fisiológicas tem sido amplamente explorado (González-Rodenas et al., 2015; Praça et al., 2022; Rabano-Muñoz et al., 2023), contribuindo para que as equipas técnicas concebam tarefas de treino mais precisas para monitorizar a carga dos jogadores (Clemente et al., 2014; Hammami et al., 2018; Skalski et al., 2024). 

Nos últimos anos, a investigação sobre a influência dos constrangimentos da tarefa nos comportamentos táticos tem vindo a aumentar consideravelmente (Ometto et al., 2018). Também a dinâmica posicional dos jogadores no campo emergiu recentemente como um dos principais aspetos para avaliar a coordenação coletiva das equipas (Coito et al., 2022). Contudo, a investigação em torno de variáveis posicionais tem-se focado predominantemente nos efeitos da manipulação do número de jogadores (Aguiar et al., 2015; Vilar et al., 2014), da dimensão e configuração do campo (Coutinho et al., 2018; Olthof et al., 2018), bem como em ajustes na tarefa, como os métodos concretização de golo (Travassos et al., 2014) ou as regras do jogo (Castellano et al., 2016; Praça et al., 2021, 2022). 

Embora alguns estudos em contexto competitivo indiquem efeitos significativos dos dispositivos táticos no desempenho tático-técnico (Aquino et al., 2020; Forcher et al., 2023; Memmert et al., 2019), a exploração deste fator em JRs ainda é escassa. Os dispositivos táticos estabelecem uma estrutura coletiva que define a distribuição espacial e os papéis específicos dos jogadores (González-Rodenas et al., 2023; Shaw & Glickman, 2019), sendo fundamentais para moldar as interações e sinergias entre as diferentes posições e missões táticas. Por exemplo, Baptista et al. (2020) verificaram que o número de médios utilizados num dispositivo tático afeta a dinâmica do jogo e a ocupação espacial em jogos 7v7. Concretamente, o estudo revelou que o 4-3-0 (4 defesas, 3 médios e nenhum avançado) promoveu a exploração espacial, o 4-1-2 favoreceu uma distribuição mais compacta e a regularidade coletiva, enquanto o 0-4-3 estimulou o equilíbrio e a capacidade de cobertura face ao adversário. 

Assim, é necessário aprofundar a compreensão sobre o modo como comportamentos coletivos são influenciados pela manipulação dos dispositivos táticos em JRs de futebol. As evidências resultantes podem auxiliar as equipas técnicas a definir estruturas táticas específicas em treino, que sejam mais propícias para criar ambientes de aprendizagem mais representativos para os jogadores. Por conseguinte, este estudo teve como objetivo explorar o impacto de diferentes dispositivos táticos nos comportamentos coletivos da equipa em jovens jogadores durante JRs 7v7.

 

Métodos

Participantes: 18 jogadores (idade = 17,9 ± 0,8 anos; massa corporal = 69,2 ± 4,3 kg; estatura = 178,0 ± 5,6 cm) pertencentes a uma equipa subelite sediada em Madrid, que competia ao mais alto nível no escalão correspondente. Os guarda-redes também integraram o protocolo, mas foram excluídos da análise dos dados. Os critérios de inclusão exigiam que os jogadores estivessem oficialmente inscritos em competição e fisicamente aptos para suportar as exigências dos JRs. 

Abordagem experimental: este estudo transversal analisou o impacto de diferentes dispositivos táticos em JRs 7v7. Foram criadas duas equipas equilibradas (A e B), mantendo-se estáveis ao longo do estudo. A seleção das posições teve por base o perfil tático-técnico e a posição habitual dos jogadores. Os jogos foram disputados num campo de 65x50m (232 m²/jogador), replicando as condições da competição, com exceção das reposições, realizadas sempre através de pontapés de baliza. Propuseram-se 3 dispositivos táticos: 2-3-1 e 3-1-2, sempre contra uma estrutura tática 3-3 (Figura 2).

 

Figura 2. Representação dos dispositivos táticos implementados nos JRs (González-Rodenas et al., 2025).


Os JRs decorreram uma vez por semana durante 3 semanas, integrados no treino da equipa Sub-19. No total, realizaram-se 18 jogos de 5 minutos, com 2 minutos de intervalo, sendo os dispositivos táticos atribuídos aleatoriamente a cada equipa (Tabela 1).

 

Tabela 1. Desenho experimental exibindo os dispositivos táticos utilizados por cada equipa em cada período de jogo (adaptado de González-Rodenas et al., 2025).

Antes de cada jogo, os jogadores foram informados pelo treinador sobre o dispositivo tático e respetivas posições de jogo. O aquecimento incluiu 10 minutos divididos entre exercícios de mobilidade, mudanças de direção e passe/drible.

Procedimentos: os movimentos dos jogadores nos JRs foram monitorizados com WIMU PRO™ GPS (10 Hz), obtendo-se o registo de 9049 posições coletivas (Bastida-Castillo et al., 2019). A otimização do final foi assegurada mediante a configuração dos dispositivos num espaço desimpedido junto ao campo e colocados em coletes anatómicos ajustados às costas dos jogadores. O software SPRO (WIMU, Hudl, EUA) foi utilizado para calcular 5 variáveis táticas (Low et al., 2020; Rico-González et al., 2022): 

·  Altura da equipa: distância média (m) entre o jogador mais recuado e a baliza;

·  Largura da equipa: distância média (m) entre os jogadores mais afastados lateralmente;

· Comprimento da equipa: distância média (m) entre os jogadores mais afastados longitudinalmente;

·  Índice de dispersão: distância média dos jogadores ao centro geométrico da equipa;

·  Área da equipa: área total (m²) do polígono formado pelos jogadores (“convex hull”).


Estas métricas avaliam a coordenação coletiva, a exploração espacial e as distâncias interpessoais, e têm sido amplamente utilizadas em estudos sobre futebol (Baptista et al., 2020; Low et al., 2020, 2022; Ometto et al., 2018; Praça et al., 2021). 

Análise estatística: os dados foram transferidos do SPRO para o SPSS (v. 27.0). Como não seguiram uma distribuição normal (Kolmogorov-Smirnov), foram analisados com medianas e intervalos interquartis. Para comparar os diferentes dispositivos táticos, recorreu-se ao teste de Mann-Whitney U e ao d de Cohen para determinar a magnitude do efeito (Cohen, 1988, 1992): 0–0.2, trivial; >0.2–0.5, pequena; >0.5–0.8, moderada; >0.8, grande. Os resultados foram apresentados em tabelas e caixas de bigodes para visualizar a distribuição, a tendência central e a variabilidade da amostra (p < 0,05).


Principais resultados

 

·     Atacar com dispositivos táticos 2-3-1 ou 3-1-2

Em organização ofensiva, o dispositivo tático 2-3-1 promoveu uma maior altura e largura da equipa em campo do que a estrutura 3-1-2, com diferenças estatisticamente significativas. Contudo, não foram encontradas diferenças no comprimento da equipa nem no índice de dispersão. Além disso, o 2-3-1 registou uma área total significativamente superior à da estrutura 3-1-2, embora com um efeito trivial.

 

·     Defender com dispositivos táticos 2-3-1 ou 3-1-2

Em organização defensiva, o dispositivo tático 2-3-1 promoveu uma linha defensiva mais alta em campo do que a estrutura 3-1-2, com diferenças estatisticamente significativas. No entanto, também resultou numa equipa mais compacta, apresentando menor comprimento e menor dispersão dos jogadores. O 2-3-1 registou ainda uma área total da equipa significativamente inferior à do 3-1-2, o que reforça a ideia de contribuir para um bloco defensivo mais coeso.

 

·     Atacar contra um dispositivo 2-3-1 ou 3-1-2

Ao construir um ataque contra um dispositivo defensivo 2-3-1, a equipa atacante apresentou uma menor altura média, mas maior largura e dispersão coletiva em comparação com o ataque contra um 3-1-2. Adicionalmente, atacar contra um bloco defensivo 2-3-1 levou a um aumento significativo da área total da equipa atacante face à estrutura 3-1-2, com um efeito de magnitude moderada.

 

·     Defender contra um dispositivo 2-3-1 ou 3-1-2

Em organização defensiva, quando a equipa adversária atacou com um dispositivo 2-3-1, a equipa defensora apresentou menor comprimento e dispersão coletiva do que ao defender contra um 3-1-2, com efeitos de magnitude moderada e pequena, respetivamente. Também, defender contra um ataque estruturado em 2-3-1 resultou numa área total defensiva significativamente menor em comparação com a defesa contra um 3-1-2, embora o efeito tenha sido pequeno.

 

Aplicações práticas

A escolha dos dispositivos táticos nos JRs influencia significativamente as dinâmicas coletivas, tanto na equipa que os implementa como na adversária. A compreensão de como os diferentes dispositivos táticos afetam a ocupação espacial, a organização ofensiva e a organização defensiva pode ajudar os treinadores a conceber tarefas práticas mais eficazes e consentâneas com o modelo de jogo criado. Com base nos resultados deste estudo, propõem-se 4 aplicações práticas para aprimorar o treino tático no futebol juvenil:

1. Definir o dispositivo tático conforme o modelo de jogo pretendido: o 2-3-1 favorece ataques mais amplos e estruturados, proporcionando maior liberdade aos médios-ala e garantindo mais estabilidade defensiva com 2 centrais fixos. Em contrapartida, o 3-1-2 gera maior variabilidade posicional e pode potenciar ataques mais imprevisíveis. Ao ponderar as vantagens e limitações de cada estrutura, os treinadores tomam decisões mais informadas sobre o dispositivo tático que melhor se ajusta ao seu modelo de jogo. 

2. Manipular os dispositivos táticos para condicionar a equipa adversária: a estrutura tática proposta não impacta apenas a organização da própria equipa, mas também a dinâmica da equipa adversária, fenómeno reconhecido como coadaptação tática. O 2-3-1 induz uma defesa mais compacta e organizada, enquanto o 3-1-2 tende a ampliar a dispersão longitudinal da equipa adversária. Os treinadores podem recorrer a esta informação para conceber cenários de treino que desafiem os jogadores a solucionar problemas contextuais, como atacar blocos defensivos compactos ou explorar espaços em defesas mais alongadas, ou seja, cedendo mais espaço entre linhas. 

3️. Refinar a ocupação espacial em função da estrutura tática utilizada: o 2-3-1 promove uma organização simétrica e equilibrada, já que permite que os jogadores mantenham distâncias mais curtas entre si, especialmente em momentos defensivos. Por sua vez, o 3-1-2 apresenta uma estrutura ofensiva menos expansiva, o que pode levar os laterais a assumir um papel mais defensivo para garantir o equilíbrio numérico. Os treinadores podem ajustar o dispositivo tático nas tarefas de treino para enfatizar certos princípios de jogo, por forma a melhorar a ocupação espacial sem comprometer as dinâmicas coletivas pretendidas. 

4️. Personalizar os JRs com base nas características dos jogadores e nos objetivos da sessão: a escolha do dispositivo tático deve considerar não apenas o modelo de jogo e o perfil dos jogadores disponíveis, mas também o objetivo específico da sessão de treino. A interação entre diferentes estruturas táticas nos JRs influencia a emergência de padrões coletivos, tornando-se essencial que os treinadores adaptem as tarefas de treino para estimular os comportamentos desejados. Ao manipular os dispositivos táticos de forma estratégica, a equipa técnica pode criar desafios que estimulem a adaptabilidade tática dos praticantes e o desenvolvimento de comportamentos tático-técnicos representativos do jogo competitivo.

 

Conclusão

Este estudo demonstra a influência dos dispositivos táticos nos comportamentos posicionais em JRs de futebol. O 2-3-1 promoveu maior largura e área ofensiva, bem como um posicionamento mais alto, enquanto, defensivamente, proporcionou uma estrutura mais compacta devido à redução do comprimento e do índice de dispersão. Por outro lado, o 3-1-2 resultou numa ocupação espacial mais variável. Atacar contra um 2-3-1 incentivou maior largura e dispersão, enquanto defendê-lo levou a uma estrutura mais compacta. Os resultados enfatizam a importância da escolha do dispositivo tático para modular os comportamentos coletivos. Os treinadores devem manipular estrategicamente o dispositivo tático nos JRs para desenvolver a adaptabilidade dos jogadores e a sua compreensão tática. Ao fazê-lo, otimizam as sessões de treino em função do modelo de jogo idealizado.


P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Journal of Human Kinetics.