Nota prévia: O artigo
científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes
critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com
revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3)
associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do
Desporto.
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Autores: Ferrandis,
J., Carril-Valdó, J. J., Gil-Arias, A., Claver-Rabaz, F., Sánchez-Sánchez, J.,
& González-Rodenas, G.
País: Espanha
Data de publicação: 23-abril-2025
Título: Combined effects of age, pitch size, playing position
and tactical formation on training load in youth soccer players during small
sided games
Referência: Ferrandis, J., Carril-Valdó, J. J., Gil-Arias, A.,
Claver-Rabaz, F., Sánchez-Sánchez, J., & González-Rodenas, G. (2025). Combined effects of age, pitch size,
playing position and tactical formation on training load in youth soccer
players during small sided games. International Journal of Sports Science
& Coaching, 1–15. Advance online publication. https://doi.org/10.1177/17479541251333896
Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 65 – maio de 2025.
Apresentação do problema
Uma metodologia de treino representativa das exigências competitivas é essencial para potenciar o rendimento dos jogadores. Para isso, os jogos reduzidos (JRs), que simulam interações e incertezas do jogo real, tornaram-se um dos métodos de treino mais utilizados no futebol (Clemente et al., 2021; Olthof et al., 2019; Nunes et al., 2020; Sarmento et al., 2018).
Os JRs são tarefas de treino realizadas em espaços mais pequenos, que procuram reproduzir as exigências físicas e tático-técnicas da competição, através da manipulação de variáveis como o número de jogadores, as regras e a dimensão do campo (Olthof et al., 2019). Apesar de não reproduzirem plenamente as exigências de alta velocidade observadas em contexto competitivo (Casamichana et al., 2012; Asían-Clemente et al., 2021), ao integrarem estímulos motores, táticos e técnicos, potenciam o aproveitamento do tempo de treino (Davids et al., 2013; Clemente et al., 2020). Suportados por correntes teóricas como o Desenho Representativo da Aprendizagem (Representative Learning Design) e a Abordagem Baseada nos Constrangimentos (Constraints-led Approach), constituem contextos de treino realistas que favorecem a aprendizagem tática e a tomada de decisão, ao promoverem adaptações comportamentais resultantes da interação entre a tarefa, o contexto e o jogador (Renshaw & Chow, 2019; Borges et al., 2022).
A literatura tem investigado amplamente o impacto de variáveis como número de jogadores, espaço, tipo de balizas, regras, uso de neutros (jokers) e regimes de treino no desempenho físico, fisiológico e tático-técnico no futebol (Castellano et al., 2013; Clemente et al., 2020; González-Rodenas et al., 2019). A área por jogador influencia especialmente as exigências locomotoras, sendo que maiores áreas relativas aumentam a distância total percorrida e os valores de variáveis relacionadas com a velocidade (Clemente et al., 2023; Guard et al., 2022; Praça et al., 2022). Contudo, o efeito na carga mecânica é inconsistente (Riboli et al., 2020, 2021). Estudos apontam efeitos opostos consoante a idade e o tipo de jogo (com ou sem balizas), não havendo consenso quanto à relação entre a área por jogador e acelerações/desacelerações, o que reforça a necessidade de mais investigação (Clemente et al., 2023).
Embora, em competição, os estudos sugiram um desempenho físico superior em jogadores de faixas etárias mais avançadas (Al Haddad et al., 2015; Buchheit et al., 2010), a análise de JRs mostra resultados incongruentes (Castillo et al., 2020; Rábano-Muñoz et al., 2019; Olthof et al., 2018). Por exemplo, Rábano-Muñoz et al. (2019) e Santos et al. (2021, 2024) observaram maiores exigências físicas em jogadores Sub-19 e Sub-23, respetivamente, em comparação com Sub-17, Sub-15 e Sub-12. No entanto, outros estudos não identificaram quaisquer diferenças entre Sub-16 e Sub-18 (Castillo et al., 2020; Hauer et al., 2021). Como a maioria das investigações se baseia em formatos reduzidos (4v4, 4v4+2, 5v5), recomenda-se a análise de jogos de média dimensão, mais próximos da realidade competitiva, para melhor entender o impacto da progressão etária no treino.
As diferenças entre posições em contexto competitivo estão bem documentadas (Buchheit et al., 2010; Bradley, 2023; Ju et al., 2023); ainda assim, a variável “posição” tem sido frequentemente negligenciada nos estudos sobre JRs. Esta torna-se particularmente relevante em formatos com mais jogadores (6v6 a 8v8), onde posições distintas registam diferentes cargas internas e externas (Owen et al., 2016; Martín-García et al., 2019; Sydney et al., 2021). A literatura científica indica que os JRs podem sobrecarregar ou subcarregar jogadores consoante a posição de jogo (Dellal et al., 2012; Lacome et al., 2018). Além disso, o dispositivo tático influencia o comportamento tático e as exigências físicas em JRs e em competição (Baptista et al., 2020; Low et al., 2022). Esta variável demonstrou afetar as exigências físicas dos jogadores (Forcher et al., 2023; Modric et al., 2020), o que releva a importância de ser investigada nos JRs, sobretudo dada a escassez de trabalhos existentes.
Uma conceção eficaz de JRs exige que constrangimentos da
tarefa (e.g., dimensão do campo, dispositivo tático, posição) se adequem às características
individuais dos jogadores, como a idade e as capacidades tático-técnicas, pois influenciam
de forma interdependente a carga física do treino. No entanto, apesar da
atenção dada à idade e à dimensão do campo, os efeitos do dispositivo tático e
das posições específicas ainda permanecem pouco estudados. Este estudo aborda
este défice ao analisar a interação entre múltiplos constrangimentos em JRs,
com vista à produção de evidência aplicável ao treino (Clemente et al., 2023; Rábano-Muñoz
et al., 2019; Santos et al., 2024). Assim, o objetivo do estudo foi analisar a
carga locomotora e fisiológica combinada em jovens futebolistas durante JRs. Os
autores colocaram as hipóteses de que jogadores mais velhos e JRs em espaços mais
amplos apresentem maiores exigências em corrida de alta intensidade e sprint,
com os alas e os avançados a registar maiores cargas do que defesas centrais e
médios.
Métodos
· Participantes
O estudo incluiu 28 jogadores subelite (Sub-16 e Sub-19) de um clube da região de Madrid, excluindo guarda-redes (Gr) e praticantes não aptos fisicamente. Foram recolhidas 422 observações em 6 sessões e 18 JRs, num desenho fatorial com 2 escalões etários (Sub-16; Sub-19), 4 posições de jogo (DC: defesas centrais; W: alas; M: médios; FW: avançados centro), 2 dispositivos táticos (1-2-3-1; 1-3-1-2) e duas dimensões de campo (232 m2/jogador; 132 m2/jogador; figura 2). A análise post hoc revelou alto poder estatístico (>95%) para o escalão etário, espaço e dispositivo tático, mas baixo para a posição de jogo (~40%). Os jogadores tinham 9–14 anos de experiência e treinavam 3 vezes/semana.
Figura 2. Dimensão do campo de ambos os jogos reduzidos utilizados
no estudo, em relação ao campo inteiro (Ferrandis et al., 2025).
· Procedimentos
O estudo decorreu durante 6 semanas e analisou os efeitos combinados do escalão etário, posição de jogo, dispositivo tático e espaço de jogo na carga locomotora e fisiológica de jovens futebolistas subelite, em contexto de JR. As sessões realizaram-se em relvado sintético, sempre às 20h00, sob condições controladas. Foi realizada uma sessão de familiarização com os JRs, os dispositivos táticos e os equipamentos de monitorização (GPS WIMU PRO™ e bandas de frequência cardíaca GARMIN®).
Os JRs foram disputados em
duas dimensões de campo (132 m2 e 232 m2/jogador,
incluindo Gr), representando o espaço habitualmente disponível em treino
(meio-campo), com base em evidência prévia sobre as exigências competitivas
(Riboli et al., 2021). Foram testados os dispositivos táticos 1-2-3-1 e 1-3-1-2
(ver Figura 3), com equipas equilibradas em função da posição e do nível tático-técnico
(avaliado pelos treinadores). Independente do dispositivo utilizado, cada
equipa enfrentou um adversário fixo em 3-3. Realizaram-se 6 repetições por
sessão (5 minutos de jogo + 2 minutos de pausa), com alternância semanal das
condições espaciais e estratégico-táticas.
Figura 3. Características dos JRs realizados neste estudo. Gr =
guarda-redes; DC = defesa central; W = ala; M = médio; FW = avançado centro. Dispositivo
1-3-1-2: 1 Gr, 1 DC, 2 A, 1 M e 2 FW; Dispositivo 1-2-3-1: 1 Gr, 2 DC, 2 A, 1 M
e 1 FW (Ferrandis et al., 2025).
Foram recolhidas variáveis de desempenho físico e fisiológico relativas a:
a)
Distância percorrida, expressa em metros por minuto: total (TD), caminhada
(0–6 km/h), jogging (6–12 km/h), corrida moderada (12–18 km/h) e corrida de
alta intensidade (HIRD; >18 km/h);
b)
Carga metabólica
elevada (HMLD): distância percorrida por
minuto quando a potência metabólica excede os 25,5 W/kg;
c) Velocidade: média (SpeedAVG) e máxima (SpeedMAX) alcançadas em cada
repetição;
d) Carga mecânica: distância percorrida por minuto em acelerações (>2
m/s2) e desacelerações de alta intensidade (<–2 m/s2),
e número de impactos intensos por minuto (ações que envolvem forças G
relevantes durante o jogo);
e)
Carga fisiológica: percentagem da frequência cardíaca máxima (%HRmax)
atingida por cada jogador, em relação ao seu valor máximo registado em
competição.
A recolha foi realizada
com recurso ao sistema GPS WIMU PRO™ e bandas de frequência cardíaca GARMIN®,
com visualização e exportação de dados no software WIMU SPRO™. Todas as
variáveis de distância e carga mecânica foram expressas de forma relativa
(m/min ou ações/min), tendo em conta o tempo efetivo de jogo. O protocolo foi
delineado para assegurar validade ecológica e refletir a prática real de
treino, com supervisão contínua por treinadores e investigadores.
· Análise estatística
Os dados foram analisados com modelos lineares generalizados mistos, agrupando as observações por jogador para estudar os efeitos combinados do escalão etário, posição de jogo, dimensão do campo e dispositivo tático na carga física e fisiológica. Os modelos controlaram a variabilidade individual e permitiram lidar com diferentes números de sessões por jogador. A comparação entre o modelo nulo e o modelo completo (com efeitos fixos) revelou melhor ajuste estatístico ao incluir as variáveis independentes, sobretudo para a distância percorrida, velocidade média e corrida moderada. Foram ainda gerados gráficos com médias estimadas e testes LSD para comparar as posições de jogo, considerando um nível de significância de p < 0,05.
Principais resultados
Os modelos estatísticos
indicaram que variáveis como o escalão etário, a dimensão do espaço de jogo e a
posição em campo influenciam de forma diferenciada a carga locomotora e fisiológica
dos jogadores. Em contraste, o dispositivo tático utilizado não teve impacto
significativo. Seguem-se os principais fatores associados às diferenças
observadas.
· Efeitos da idade
Jogadores Sub-19
apresentaram valores superiores de distância total percorrida, velocidade média
e máxima, e número de impactos por minuto, comparativamente aos Sub-16.
· Efeitos da dimensão do espaço de jogo
Jogos realizados em áreas
maiores (232 m2/jogador) resultaram em maiores valores de distância
total, corrida moderada e de alta intensidade, distância sob carga metabólica
elevada, velocidade média e máxima, bem como impactos por minuto. Em contraste,
registaram-se menores valores de caminhada comparativamente às áreas mais
pequenas (132 m2/jogador).
· Efeitos da posição de jogo
Os defesas centrais
apresentaram menor distância total, corrida, distância sob carga metabólica
elevada, velocidade média e número de acelerações/desacelerações, e maior
distância em caminhada, face às restantes posições. Os médios e os avançados
percorreram maiores distâncias totais e em jogging do que defesas centrais e alas.
Os alas e os avançados também registaram mais distância em corrida de alta
intensidade, distância sob carga metabólica elevada, acelerações e
desacelerações por minuto do que os defesas. Os médios apresentaram a maior
percentagem relativa de frequência cardíaca máxima.
· Efeitos do dispositivo tático
Não foram observadas
diferenças significativas na carga locomotora e fisiológica entre os 2
dispositivos táticos testados (1-2-3-1 e 1-3-1-2).
Aplicações práticas
Tendo por base os resultados do estudo sobre os efeitos da idade, dimensão do espaço, posição de jogo e dispositivo tático na carga locomotora e fisiológica em jovens futebolistas subelite, propõem-se as seguintes aplicações práticas para os profissionais do treino:
1. Ajustar progressivamente a carga de treino na transição entre escalões: a integração de jogadores Sub-16 em contextos Sub-19 deve ocorrer de forma faseada. O foco inicial deve incidir no desenvolvimento tático-técnico, seguido por um aumento gradual da exigência física, de forma a garantir uma adaptação segura e eficaz.
2. Recorrer a espaços de jogo mais amplos para reforçar a intensidade e a representatividade do treino: quando o objetivo passa por desenvolver a capacidade locomotora e criar contextos próximos da competição, recomenda-se a utilização de áreas de jogo mais alargadas (>200 m2/jogador) nos JRs.
3. Manipular os constrangimentos dos JRs para responder às exigências específicas de cada posição: o treino deve ser estruturado com variações na configuração espacial, nas regras ou nas estruturas táticas para privilegiar estímulos diferenciados por função. Por exemplo, para médios, recomenda-se a criação de tarefas com elevada densidade de ações e cobertura de espaço central. Para extremos/alas e avançados, podem explorar-se situações de ataque rápido/contra-ataque em profundidade ou ações em superioridade numérica nas zonas de finalização.
4. Adotar estratégias de rotação posicional no treino, sobretudo em idades mais jovens: a influência da posição na carga interna e externa sugere que a especialização precoce pode limitar o desenvolvimento global. Ao alternar funções em campo, os jogadores vivenciam uma maior diversidade de experiências, o que favorece o desenvolvimento tático-técnico, físico e fisiológico de forma mais equilibrada e abrangente.
5. Selecionar o dispositivo tático com base em objetivos
estratégicos e não na carga física esperada: ao planear JRs, os
treinadores podem ponderar uma estrutura tática adequada aos princípios do
modelo de jogo da equipa, uma vez que diferentes dispositivos não alteram de
forma significativa os estímulos locomotores e fisiológicos dos jogadores.
Conclusão
O estudo mostrou que os jogadores Sub-19 enfrentaram
maiores exigências locomotoras do que os Sub-16, com distâncias percorridas e
velocidades superiores. Os JRs em campos de maiores dimensões impuseram maior
esforço físico, mantendo cargas mecânicas e fisiológicas semelhantes às de
campos mais pequenos. Os defesas centrais revelaram-se os menos solicitados
fisicamente, ao passo que os médios suportaram as cargas mais elevadas,
sobretudo a velocidades moderadas, refletindo-se num esforço cardiovascular
superior. Os alas e os avançados destacaram-se pela maior atividade mecânica e
de alta intensidade. O dispositivo tático não influenciou significativamente a
carga física nem a fisiológica.
P.S.:
1- As ideias que constam neste texto foram originalmente
escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua
portuguesa;
2- Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;
3- As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista International Journal of Sports Science & Coaching.