31/03/2025

Artigo do mês #63 – março 2025 | “Ganhar as segundas bolas!” O impacto de recuperações de bola estratégicas na performance em jogo no futebol de elite

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto. 

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Autores: Sunjic, I., Pavlinovica, V., Skomrlja, J., Morgans, R., & Modric, T.

País: Croácia

Data de publicação: 5-fevereiro-2025

Título: Win the second balls! The impact of strategic ball recovery on match performance in elite soccer

Referência: Sunjica, I., Pavlinovica, V., Skomrlja, J., Morgans, R., & Modric, T.  (2025). Win the second balls! The impact of strategic ball recovery on match performance in elite soccer. International Journal of Performance Analysis in Sport, 1–19. Advance online publication. https://doi.org/10.1080/24748668.2025.2462399

 

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 63 – março de 2025.

 

Apresentação do problema

O futebol é um desporto coletivo poliestrutural e dinâmico (Kunrath et al., 2024; Radakovic et al., 2023). Devido à sua alta variabilidade e complexidade de movimentos, a performance tem sido categorizada em 3 dimensões: física, tática e técnica (Schuth et al., 2016). Do ponto de vista científico, a performance tática tem sido examinada com base no posicionamento dos jogadores e na coordenação interequipas (Olthof et al., 2018), enquanto a vertente física é avaliada por variáveis como a distância percorrida, acelerações e intensidades de deslocamento (Castellano et al., 2024). O desempenho técnico, por sua vez, tem sido predominantemente analisado através de eventos discretos do jogo, como remates, passes, duelos e dribles, além da sua eficácia e localização (Feng et al., 2024). 

Estudos prévios identificaram a performance técnica como um dos principais indicadores de sucesso no futebol. Andrzejewski et al. (2022) encontraram correlações significativas entre mais de 20 variáveis técnicas e o sucesso na Bundesliga, destacando-se os golos, as assistências e os remates à baliza. Na Superliga Chinesa, Yang et al. (2018) verificaram diferenças significativas entre equipas mais e menos bem classificadas em variáveis como o tempo de posse no meio-campo adversário, passes para entrada no último terço e percentagem de duelos ganhos. Assim, melhorar o desempenho técnico dos jogadores é um objetivo central para os profissionais da modalidade, pois aumenta a probabilidade de alcançar os resultados desejados (Modric et al., 2023). 

Existe uma multiplicidade de fatores que afetam a performance técnica (e.g., posição em campo, resultado do jogo, local da partida, qualidade da equipa e dispositivo tático) (Jiménez et al., 2022; Kádár et al., 2023; Modric, et al., 2024). Outros elementos, como a capacidade de recuperar a posse após duelos – frequentemente designada como “ganhar segundas bolas” – também podem influenciar essa performance. As situações de “segundas bolas” são geralmente definidas como os cenários que surgem após duelos (no solo ou pelo ar), nas quais 2 jogadores disputam a posse da bola, com o objetivo de progredir com a bola ou alterar a sua trajetória (figura 2). Teoricamente, conquistar mais segundas bolas permite maior posse de bola, o que, por sua vez, tende a proporcionar mais ações ofensivas e, consequentemente, melhor performance técnica, como mais passes e remates (Brito Souza et al., 2020; Modric et al., 2022).


Figura 2. A importância das segundas bolas no futebol contemporâneo (imagem não publicada pelos autores) (fonte: https://www.nytimes.com/athletic/4276724/2023/03/05/manchester-city-newcastle-second-balls/).


Entre os profissionais de elite, é reconhecida a importância de ganhar segundas bolas, como mencionado por Pep Guardiola (Grado, 2016; Buldú et al., 2019). A sua recuperação no meio-campo é vista como essencial para controlar o jogo, prevenir contra-ataques e lançar os seus próprios contra-ataques oportunamente (Barreira & Petroski, 2014; Scanlan et al., 2020), o que pode potenciar variáveis técnicas associadas ao sucesso (Andrzejewski et al., 2022; Yang et al., 2018). Contudo, não há estudos que confirmem esses efeitos ou comprovem a utilidade específica da sua conquista no segundo terço do campo. 

Dada a lacuna evidente na literatura, justifica-se a realização de novos estudos que analisem a associação entre o número de segundas bolas conquistadas e o desempenho técnico em zonas específicas do campo. Os resultados poderão ajudar a determinar a importância de ganhar segundas bolas no futebol, aumentando potencialmente as probabilidades de sucesso das equipas. Além disso, poderão ser identificadas as zonas do campo em que recuperar segundas bolas é mais determinante. Esta informação pode levar os treinadores a ajustar a estratégia de ocupação das zonas após os duelos, de acordo com as exigências táticas de cada setor do terreno. Assim, o presente estudo teve como propósito determinar a influência da conquista de segundas bolas na performance técnica, de forma diferenciada para cada um dos 3 terços do campo.

 

Métodos


  • Abordagem experimental

O estudo procurou perceber se ganhar as chamadas “segundas bolas” – aquelas que surgem após um duelo entre 2 jogadores – influencia o desempenho técnico de equipas de futebol. Foram analisados dados de jogos, com enfoque nos terços do campo onde as bolas foram recuperadas (defensivo, intermédio e ofensivo) e o seu efeito em ações como passes ou remates. Também se compararam estas ações com a estatística de “golos esperados” (xG), que estima a probabilidade de uma equipa marcar (Anzer & Bauer, 2021; Mead et al., 2023). Para garantir resultados mais justos, o estudo teve ainda em conta a qualidade das equipas e o resultado dos jogos.

 

  • Amostra

Analisaram-se dados técnicos de 40 equipas que participaram nos Mundiais da FIFA de 2018 e 2022. Foram considerados os 128 jogos dessas duas edições, resultando em 256 observações (duas por jogo, uma por equipa).

 

  • Procedimentos

Os dados de evento dos jogos foram obtidos da base de dados da StatsBomb (www.statsbomb.com), uma das principais fornecedoras de dados estatísticos no futebol profissional, com fiabilidade comprovada (Stone et al., 2021). Cada evento incluía informação como o tipo de ação, tempo, localização no campo, equipa em posse, nome e posição do jogador, fase do jogo, e, nos casos aplicáveis, tipo de duelo. As segundas bolas foram definidas como situações que ocorrem imediatamente após duelos (terrestres ou aéreos), sendo consideradas ganhas quando a equipa recupera rapidamente a posse. Estas foram identificadas em todas as fases de jogo, sem considerar o contexto tático. 

As variáveis dependentes (indicadores de performance técnica) abarcaram remates (totais e dentro da área), receções no último terço e na área, passes (totais e verticais), dribles e cantos (ver definições operacionais na Tabela 1). Estas variáveis foram selecionadas por apresentarem maior correlação com os “golos esperados” (xG). O xG foi fornecido pela StatsBomb. 

 

Tabela 1. Variáveis dependentes do estudo e respetivas definições operacionais (adaptado de Sunjic et al., 2025).

As variáveis independentes foram: número de segundas bolas ganhas (variável contínua), resultado do jogo (vitória vs. não vitória) e qualidade da equipa (ranking FIFA antes do Mundial), esta última incluída como covariável (Branquinho et al., 2024; Wunderlich & Memmert, 2016).

 

  • Análise estatística

Numa primeira fase, foi usada regressão múltipla “stepwise” para analisar a relação entre variáveis técnicas e os golos esperados (xG), com metade das observações (n = 128). O modelo foi validado com a outra metade (n = 128) e verificado com um gráfico de Bland-Altman (Sisic et al., 2015). Na segunda fase, recorreu-se a modelos lineares mistos para avaliar o impacto de ganhar segundas bolas no desempenho técnico, controlando fatores como o resultado do jogo e a qualidade da equipa (Modric et al., 2024). Foram considerados efeitos fixos e aleatórios (equipa e edição do Mundial). Os modelos foram construídos progressivamente (“step-up”), com base no AIC e testes de verosimilhança. A adequação foi verificada com gráficos de resíduos e Q-Q plots (Henderson et al., 2019; Lovell et al., 2018). 

Os efeitos estatísticos foram convertidos em tamanhos do efeito (d de Cohen), interpretados como trivial (<0.2), pequeno (0.2–0.5), moderado (0.5–0.8) e grande (>0.8) (Cohen, 2013). A análise foi realizada no SPSS v. 25.0 (p < 0.05).

 

Principais resultados

O trabalho testou a influência das segundas bolas no desempenho técnico das equipas, considerando diferentes zonas do campo (todo o campo, primeiro, segundo e terceiro terço) e controlando o efeito da “qualidade da equipa” e do “resultado do jogo”. Os modelos estatísticos revelaram que os efeitos fixos explicaram entre 0,1% e 16% da variabilidade dos dados, mas este valor aumentou para 12% a 51% quando se incluíram os efeitos aleatórios, o que destaca a importância de fatores contextuais e estruturais na interpretação dos resultados.


Por cada segunda bola adicional recuperada em qualquer zona do campo, as equipas realizaram, em média, mais 0,87 receções de bola no terço final (efeito pequeno), 0,24 receções na área de penálti (efeito pequeno), 1,96 passes (efeito pequeno), 0,86 passes progressivos (efeito pequeno), 0,16 dribles (efeito pequeno) e 0,07 cantos (efeito moderado). Os resultados sugerem um impacto tático e técnico significativo associado à recuperação de segundas bolas em todo o campo (figura 2).

 

Figura 2. Associação entre o número de segundas bolas recuperadas e o desempenho técnico em diferentes zonas do campo (dados apresentados como d de Cohen). NS: associação não significativa; a) total de remates; b) remates dentro da área de penálti; c) receções de bola no terço final; d) receções de bola na área de penálti; e) total de passes; f) passes progressivos; g) dribles; h) pontapés de canto (Sunjic et al., 2025).

 

  • Ganhar segundas bolas no primeiro terço do campo (setor defensivo)

Por cada segunda bola adicional recuperada no primeiro terço do campo, as equipas realizaram, em média, mais 0,41 remates (efeito pequeno), 0,17 remates dentro da área de penálti (efeito pequeno), 1,84 receções de bola no terço final (efeito pequeno), 0,42 receções na área de penálti (efeito pequeno), 4,39 passes (efeito pequeno), 1,95 passes progressivos (efeito pequeno), 0,32 dribles (efeito pequeno) e 0,21 cantos (efeito moderado).


  • Ganhar segundas bolas no segundo terço do campo (setor intermédio)

Não foram observadas associações significativas entre o número de segundas bolas recuperadas no segundo terço do campo e qualquer uma das variáveis de performance técnica.

 

  • Ganhar segundas bolas no terceiro terço do campo (setor ofensivo)

Por cada segunda bola adicional recuperada no terço ofensivo do campo, as equipas registaram aumentos de 3,06 receções de bola no terço final (efeito pequeno), 0,92 receções na área de penálti (efeito moderado), 6,82 passes (efeito pequeno), 2,61 passes progressivos (efeito moderado) e 0,11 cantos (efeito pequeno).


  • Influência das variáveis contextuais no desempenho técnico

Equipas mais bem posicionadas no ranking FIFA apresentam indicadores superiores de desempenho técnico. Por cada incremento de uma posição no ranking da FIFA, as equipas exibiram mais receções no último terço (0,8 a 0,86), mais receções na área de penálti (0,14 a 0,16), mais passes (2,39 a 2,47) e mais passes progressivos (0,62 a 0,67). Obter a vitória esteve associado a mais remates dentro da área de penálti, com mais 1,56 a 1,61 remates do que nos jogos que terminaram empatados ou com derrota.

 

Aplicações práticas

Este estudo demonstrou que recuperar segundas bolas no primeiro e no terceiro terço do campo pode potenciar o desempenho técnico ofensivo das equipas. Com base nos resultados destacados, propõem-se 4 aplicações práticas dirigidas a treinadores de futebol:

 

1. Estimular a recuperação de segundas bolas no primeiro terço do campo com finalização em contexto ofensivo: a recuperação de segundas bolas nesta zona do campo foi a única associada a um aumento significativo de remates dentro da área de penálti, uma métrica fortemente correlacionada com os golos esperados (xG). Para explorar esta vantagem, os treinadores devem planear exercícios específicos para defesas centrais, laterais e médios defensivos que reproduzam situações reais de duelo, tanto aéreo como pelo solo, no primeiro terço do campo, privilegiando a recuperação imediata da segunda bola. Após a recuperação de bola, o exercício deve prosseguir com uma transição ofensiva vertical, envolvendo outros jogadores e culminando numa finalização dentro da área adversária, de modo a espelhar padrões táticos típicos de contextos reais de competição. 

2. Desenvolver a antecipação e capacidade de recuperação de segundas bolas no terceiro terço do campo: neste setor, a recuperação de segundas bolas demonstrou ser ainda mais eficaz para aumentar as receções de bola dentro da área de penálti contrária, com valores superiores ao dobro dos observados no primeiro terço. Os treinadores devem conceber tarefas específicas para médios ofensivos, extremos e avançados que recriem duelos no último terço do campo, incentivem a recuperação ativa da segunda bola e encorajem o reposicionamento estratégico dos jogadores para gerar espaços e permitir receções em zonas de finalização. Idealmente, estas tarefas devem terminar com passes curtos ou cruzamentos que facilitem a chegada da bola a zonas propícias para finalização. 

3. Treinar a recuperação de segundas bolas em cenários de elevada densidade de jogadores: a ausência de associação entre a recuperação de segundas bolas e o desempenho técnico no terço intermédio do campo pode dever-se à elevada densidade de jogadores neste setor. Neste sentido, os treinadores devem conceber tarefas específicas que exponham os jogadores a situações de maior congestionamento, com foco na recuperação da posse e na tomada de decisão sob pressão. Estas tarefas devem reproduzir cenários realistas de disputa no meio-campo, exigindo ações rápidas e eficientes em espaços reduzidos, de maneira a melhorar a perceção, o posicionamento e a eficácia na recuperação em zonas de elevada pressão defensiva adversária. 

4. Criar rotinas de treino posicionadas nos setores do campo-alvo: os exercícios devem decorrer preferencialmente nas zonas do campo onde se pretende que ocorra a recuperação da segunda bola, por forma a reforçar a representatividade da tarefa. Esta abordagem favorece a leitura de jogo e a adaptação tática dos jogadores face às exigências espaciais específicas de cada setor, ao mesmo tempo que melhora a sua capacidade de perceção situacional e potencia a transferência dos comportamentos adquiridos para os contextos competitivos.

 

Conclusão

​Este estudo evidenciou que a recuperação de segundas bolas nos primeiros e últimos terços do campo melhora significativamente o desempenho técnico ofensivo das equipas. No primeiro terço, a recuperação está associada a um aumento de remates dentro da área de penálti, receções de bola no terço final e na área, bem como a mais dribles. No terço final, a recuperação de segundas bolas influencia positivamente as receções de bola no terço final e na área de penálti, o número total de passes e de passes progressivos. A ausência de associação significativa no terço intermédio pode dever-se à maior densidade de jogadores neste setor, o que compromete a ligação entre a recuperação da posse e o desempenho técnico subsequente. Estes resultados destacam a importância estratégica de recuperar segundas bolas em zonas específicas do campo para otimizar a performance ofensiva.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista International Journal of Performance Analysis in Sport.

26/02/2025

Artigo do mês #62 – fevereiro 2025 | Efeitos de diferentes dispositivos táticos nos comportamentos posicionais coletivos em jogos reduzidos disputados por jovens jogadores de futebol

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto. 

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Autores: González-Rodenas, J., Ferrandis, J., Valdó, J. C., Claver-Rabaz, F., Ballester, R., & Gil-Arias, A.  

País: Espanha

Data de publicação: 19-dezembro-2024

Título: Effects of different tactical formations on positional team behaviors during small-sided games in youth soccer players

Referência: González-Rodenas, J., Ferrandis, J., Valdó, J. C., Claver-Rabaz, F., Ballester, R., & Gil-Arias, A.  (2025). Effects of different tactical formations on positional team behaviors during small-sided games in youth soccer players. Journal of Human Kinetics, 97, 1–11. Advance online publication. https://doi.org/10.5114/jhk/194071

 

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 62 – fevereiro de 2025.

 

Apresentação do problema

O futebol é um jogo dinâmico, no qual as equipas se influenciam mutuamente nas fases de organização ofensiva e defensiva (Duarte et al., 2012). A interação tático-estratégica requer que os treinadores desenvolvam meios de treino representativos para facilitar a transferência de competências para a competição (Passos & Davids, 2015). 

Neste contexto, os jogos reduzidos (JRs) são ferramentas eficazes para o desenvolvimento técnico, tático e físico dos jogadores (Clemente et al., 2021; Sarmento et al., 2018). Através da manipulação de variáveis como o espaço, o número de jogadores e o formato das balizas, torna-se possível (re)criar condições de jogo específicas (Davids et al., 2013; Ometto et al., 2018). O impacto da adaptação destas condições nas variáveis físicas e fisiológicas tem sido amplamente explorado (González-Rodenas et al., 2015; Praça et al., 2022; Rabano-Muñoz et al., 2023), contribuindo para que as equipas técnicas concebam tarefas de treino mais precisas para monitorizar a carga dos jogadores (Clemente et al., 2014; Hammami et al., 2018; Skalski et al., 2024). 

Nos últimos anos, a investigação sobre a influência dos constrangimentos da tarefa nos comportamentos táticos tem vindo a aumentar consideravelmente (Ometto et al., 2018). Também a dinâmica posicional dos jogadores no campo emergiu recentemente como um dos principais aspetos para avaliar a coordenação coletiva das equipas (Coito et al., 2022). Contudo, a investigação em torno de variáveis posicionais tem-se focado predominantemente nos efeitos da manipulação do número de jogadores (Aguiar et al., 2015; Vilar et al., 2014), da dimensão e configuração do campo (Coutinho et al., 2018; Olthof et al., 2018), bem como em ajustes na tarefa, como os métodos concretização de golo (Travassos et al., 2014) ou as regras do jogo (Castellano et al., 2016; Praça et al., 2021, 2022). 

Embora alguns estudos em contexto competitivo indiquem efeitos significativos dos dispositivos táticos no desempenho tático-técnico (Aquino et al., 2020; Forcher et al., 2023; Memmert et al., 2019), a exploração deste fator em JRs ainda é escassa. Os dispositivos táticos estabelecem uma estrutura coletiva que define a distribuição espacial e os papéis específicos dos jogadores (González-Rodenas et al., 2023; Shaw & Glickman, 2019), sendo fundamentais para moldar as interações e sinergias entre as diferentes posições e missões táticas. Por exemplo, Baptista et al. (2020) verificaram que o número de médios utilizados num dispositivo tático afeta a dinâmica do jogo e a ocupação espacial em jogos 7v7. Concretamente, o estudo revelou que o 4-3-0 (4 defesas, 3 médios e nenhum avançado) promoveu a exploração espacial, o 4-1-2 favoreceu uma distribuição mais compacta e a regularidade coletiva, enquanto o 0-4-3 estimulou o equilíbrio e a capacidade de cobertura face ao adversário. 

Assim, é necessário aprofundar a compreensão sobre o modo como comportamentos coletivos são influenciados pela manipulação dos dispositivos táticos em JRs de futebol. As evidências resultantes podem auxiliar as equipas técnicas a definir estruturas táticas específicas em treino, que sejam mais propícias para criar ambientes de aprendizagem mais representativos para os jogadores. Por conseguinte, este estudo teve como objetivo explorar o impacto de diferentes dispositivos táticos nos comportamentos coletivos da equipa em jovens jogadores durante JRs 7v7.

 

Métodos

Participantes: 18 jogadores (idade = 17,9 ± 0,8 anos; massa corporal = 69,2 ± 4,3 kg; estatura = 178,0 ± 5,6 cm) pertencentes a uma equipa subelite sediada em Madrid, que competia ao mais alto nível no escalão correspondente. Os guarda-redes também integraram o protocolo, mas foram excluídos da análise dos dados. Os critérios de inclusão exigiam que os jogadores estivessem oficialmente inscritos em competição e fisicamente aptos para suportar as exigências dos JRs. 

Abordagem experimental: este estudo transversal analisou o impacto de diferentes dispositivos táticos em JRs 7v7. Foram criadas duas equipas equilibradas (A e B), mantendo-se estáveis ao longo do estudo. A seleção das posições teve por base o perfil tático-técnico e a posição habitual dos jogadores. Os jogos foram disputados num campo de 65x50m (232 m²/jogador), replicando as condições da competição, com exceção das reposições, realizadas sempre através de pontapés de baliza. Propuseram-se 3 dispositivos táticos: 2-3-1 e 3-1-2, sempre contra uma estrutura tática 3-3 (Figura 2).

 

Figura 2. Representação dos dispositivos táticos implementados nos JRs (González-Rodenas et al., 2025).


Os JRs decorreram uma vez por semana durante 3 semanas, integrados no treino da equipa Sub-19. No total, realizaram-se 18 jogos de 5 minutos, com 2 minutos de intervalo, sendo os dispositivos táticos atribuídos aleatoriamente a cada equipa (Tabela 1).

 

Tabela 1. Desenho experimental exibindo os dispositivos táticos utilizados por cada equipa em cada período de jogo (adaptado de González-Rodenas et al., 2025).

Antes de cada jogo, os jogadores foram informados pelo treinador sobre o dispositivo tático e respetivas posições de jogo. O aquecimento incluiu 10 minutos divididos entre exercícios de mobilidade, mudanças de direção e passe/drible.

Procedimentos: os movimentos dos jogadores nos JRs foram monitorizados com WIMU PRO™ GPS (10 Hz), obtendo-se o registo de 9049 posições coletivas (Bastida-Castillo et al., 2019). A otimização do final foi assegurada mediante a configuração dos dispositivos num espaço desimpedido junto ao campo e colocados em coletes anatómicos ajustados às costas dos jogadores. O software SPRO (WIMU, Hudl, EUA) foi utilizado para calcular 5 variáveis táticas (Low et al., 2020; Rico-González et al., 2022): 

·  Altura da equipa: distância média (m) entre o jogador mais recuado e a baliza;

·  Largura da equipa: distância média (m) entre os jogadores mais afastados lateralmente;

· Comprimento da equipa: distância média (m) entre os jogadores mais afastados longitudinalmente;

·  Índice de dispersão: distância média dos jogadores ao centro geométrico da equipa;

·  Área da equipa: área total (m²) do polígono formado pelos jogadores (“convex hull”).


Estas métricas avaliam a coordenação coletiva, a exploração espacial e as distâncias interpessoais, e têm sido amplamente utilizadas em estudos sobre futebol (Baptista et al., 2020; Low et al., 2020, 2022; Ometto et al., 2018; Praça et al., 2021). 

Análise estatística: os dados foram transferidos do SPRO para o SPSS (v. 27.0). Como não seguiram uma distribuição normal (Kolmogorov-Smirnov), foram analisados com medianas e intervalos interquartis. Para comparar os diferentes dispositivos táticos, recorreu-se ao teste de Mann-Whitney U e ao d de Cohen para determinar a magnitude do efeito (Cohen, 1988, 1992): 0–0.2, trivial; >0.2–0.5, pequena; >0.5–0.8, moderada; >0.8, grande. Os resultados foram apresentados em tabelas e caixas de bigodes para visualizar a distribuição, a tendência central e a variabilidade da amostra (p < 0,05).


Principais resultados

 

·     Atacar com dispositivos táticos 2-3-1 ou 3-1-2

Em organização ofensiva, o dispositivo tático 2-3-1 promoveu uma maior altura e largura da equipa em campo do que a estrutura 3-1-2, com diferenças estatisticamente significativas. Contudo, não foram encontradas diferenças no comprimento da equipa nem no índice de dispersão. Além disso, o 2-3-1 registou uma área total significativamente superior à da estrutura 3-1-2, embora com um efeito trivial.

 

·     Defender com dispositivos táticos 2-3-1 ou 3-1-2

Em organização defensiva, o dispositivo tático 2-3-1 promoveu uma linha defensiva mais alta em campo do que a estrutura 3-1-2, com diferenças estatisticamente significativas. No entanto, também resultou numa equipa mais compacta, apresentando menor comprimento e menor dispersão dos jogadores. O 2-3-1 registou ainda uma área total da equipa significativamente inferior à do 3-1-2, o que reforça a ideia de contribuir para um bloco defensivo mais coeso.

 

·     Atacar contra um dispositivo 2-3-1 ou 3-1-2

Ao construir um ataque contra um dispositivo defensivo 2-3-1, a equipa atacante apresentou uma menor altura média, mas maior largura e dispersão coletiva em comparação com o ataque contra um 3-1-2. Adicionalmente, atacar contra um bloco defensivo 2-3-1 levou a um aumento significativo da área total da equipa atacante face à estrutura 3-1-2, com um efeito de magnitude moderada.

 

·     Defender contra um dispositivo 2-3-1 ou 3-1-2

Em organização defensiva, quando a equipa adversária atacou com um dispositivo 2-3-1, a equipa defensora apresentou menor comprimento e dispersão coletiva do que ao defender contra um 3-1-2, com efeitos de magnitude moderada e pequena, respetivamente. Também, defender contra um ataque estruturado em 2-3-1 resultou numa área total defensiva significativamente menor em comparação com a defesa contra um 3-1-2, embora o efeito tenha sido pequeno.

 

Aplicações práticas

A escolha dos dispositivos táticos nos JRs influencia significativamente as dinâmicas coletivas, tanto na equipa que os implementa como na adversária. A compreensão de como os diferentes dispositivos táticos afetam a ocupação espacial, a organização ofensiva e a organização defensiva pode ajudar os treinadores a conceber tarefas práticas mais eficazes e consentâneas com o modelo de jogo criado. Com base nos resultados deste estudo, propõem-se 4 aplicações práticas para aprimorar o treino tático no futebol juvenil:

1. Definir o dispositivo tático conforme o modelo de jogo pretendido: o 2-3-1 favorece ataques mais amplos e estruturados, proporcionando maior liberdade aos médios-ala e garantindo mais estabilidade defensiva com 2 centrais fixos. Em contrapartida, o 3-1-2 gera maior variabilidade posicional e pode potenciar ataques mais imprevisíveis. Ao ponderar as vantagens e limitações de cada estrutura, os treinadores tomam decisões mais informadas sobre o dispositivo tático que melhor se ajusta ao seu modelo de jogo. 

2. Manipular os dispositivos táticos para condicionar a equipa adversária: a estrutura tática proposta não impacta apenas a organização da própria equipa, mas também a dinâmica da equipa adversária, fenómeno reconhecido como coadaptação tática. O 2-3-1 induz uma defesa mais compacta e organizada, enquanto o 3-1-2 tende a ampliar a dispersão longitudinal da equipa adversária. Os treinadores podem recorrer a esta informação para conceber cenários de treino que desafiem os jogadores a solucionar problemas contextuais, como atacar blocos defensivos compactos ou explorar espaços em defesas mais alongadas, ou seja, cedendo mais espaço entre linhas. 

3️. Refinar a ocupação espacial em função da estrutura tática utilizada: o 2-3-1 promove uma organização simétrica e equilibrada, já que permite que os jogadores mantenham distâncias mais curtas entre si, especialmente em momentos defensivos. Por sua vez, o 3-1-2 apresenta uma estrutura ofensiva menos expansiva, o que pode levar os laterais a assumir um papel mais defensivo para garantir o equilíbrio numérico. Os treinadores podem ajustar o dispositivo tático nas tarefas de treino para enfatizar certos princípios de jogo, por forma a melhorar a ocupação espacial sem comprometer as dinâmicas coletivas pretendidas. 

4️. Personalizar os JRs com base nas características dos jogadores e nos objetivos da sessão: a escolha do dispositivo tático deve considerar não apenas o modelo de jogo e o perfil dos jogadores disponíveis, mas também o objetivo específico da sessão de treino. A interação entre diferentes estruturas táticas nos JRs influencia a emergência de padrões coletivos, tornando-se essencial que os treinadores adaptem as tarefas de treino para estimular os comportamentos desejados. Ao manipular os dispositivos táticos de forma estratégica, a equipa técnica pode criar desafios que estimulem a adaptabilidade tática dos praticantes e o desenvolvimento de comportamentos tático-técnicos representativos do jogo competitivo.

 

Conclusão

Este estudo demonstra a influência dos dispositivos táticos nos comportamentos posicionais em JRs de futebol. O 2-3-1 promoveu maior largura e área ofensiva, bem como um posicionamento mais alto, enquanto, defensivamente, proporcionou uma estrutura mais compacta devido à redução do comprimento e do índice de dispersão. Por outro lado, o 3-1-2 resultou numa ocupação espacial mais variável. Atacar contra um 2-3-1 incentivou maior largura e dispersão, enquanto defendê-lo levou a uma estrutura mais compacta. Os resultados enfatizam a importância da escolha do dispositivo tático para modular os comportamentos coletivos. Os treinadores devem manipular estrategicamente o dispositivo tático nos JRs para desenvolver a adaptabilidade dos jogadores e a sua compreensão tática. Ao fazê-lo, otimizam as sessões de treino em função do modelo de jogo idealizado.


P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Journal of Human Kinetics.

31/01/2025

Artigo do mês #61 – janeiro 2025 | Atualização sobre a evolução do Campeonato do Mundo da FIFA: futebol masculino e feminino

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.

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Autores: Norton, K.

País: Austrália

Data de publicação: 8-dezembro-2024

Título: Update on the evolution of World Cup soccer: men and women

Referência: Norton, K, (2024). Update on the evolution of World Cup soccer: men and women. International Journal of Performance Analysis in Sport, 1–14. Advance online publication. https://doi.org/10.1080/24748668.2024.2436276

 

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 61 – janeiro de 2025.


Apresentação do problema

Raros são os estudos que analisaram a evolução dos desportos de invasão ao longo do tempo, devido à falta de tecnologias adequadas até ao início do século XXI (Norton et al., 1999; Sarmento et al., 2018). A introdução de tecnologias como sensores microeletrónicos e sistemas multicâmara revolucionou a análise do jogo no futebol e noutros desportos análogos (Bradley et al., 2016; Bush et al., 2015); porém, as mudanças a longo prazo continuam difíceis de quantificar. Neste sentido, metodologias computacionais e notacionais recentes permitiram superar algumas dessas limitações ao analisar vídeos de arquivo (Edgecomb & Norton, 2006; Wallace & Norton, 2014). Os padrões de jogo, aparentemente aleatórios a curto prazo, revelam-se quantificáveis numa análise de longo prazo (Norton, 2013). Além disso, a evolução destes desportos pode ajudar a identificar vantagens estratégico-táticas, bem como os limites das capacidades humanas. 

Documentar a evolução dos desportos pode trazer diversos benefícios, incluindo: (1) estabelecer ligações com as exigências atuais e futuras do jogo e do treino, (2) otimizar a seleção e o desenvolvimento do talento, (3) avaliar os limites da interação entre o aporte energético, a fadiga e a execução de habilidades motoras e, crucialmente, (4) aprofundar a relação entre as regras, a carga física dos jogadores e padrões de lesão. Todos estes potenciais benefícios podem ser valiosos para jogadores, clubes e organizações desportivas e, em particular, para os diretores/gestores desportivos num contexto em que os jogadores são cada vez mais ágeis, competitivos e fisicamente mais bem preparados (Hill et al., 2018; Norton & Olds, 2001). A compreensão das tendências desportivas também contribui para a definição de diretrizes que minimizam o surgimento de lesões sem comprometer a identidade do jogo. A análise de vídeos históricos e o rastreamento da bola e da estrutura do jogo permitiram identificar padrões emergentes e tendências estratégicas ao longo do tempo em diversos desportos coletivos (Norton, 2013; Norton et al., 1999; Wallace & Norton, 2014). 

A Federação Internacional de Futebol Associativo (FIFA) organiza separadamente os Mundiais de futebol masculino e feminino a cada 4 anos, sendo estes dos maiores torneios desportivos do planeta. O torneio masculino ocorre desde 1930, enquanto o feminino teve início apenas em 1991. A relativa estabilidade das regras e a disponibilidade de imagens de arquivo permitem compreender a evolução deste desporto ao mais alto nível. Estudos prévios quantificaram a evolução do Mundial masculino entre 1966 e 2010, revelando maior velocidade da bola, aumento da densidade de jogadores junto à bola e maior intensidade de jogo (Wallace & Norton, 2014). Alguns trabalhos mais recentes confirmaram estas tendências no futebol de alto rendimento (Bradley et al., 2016; Bush et al., 2015). 

O presente estudo expande a análise até 2022 no torneio masculino e, pela primeira vez, examina a evolução do Mundial feminino (1991–2023). A investigação sobre o futebol feminino é escassa, refletindo a sub-representação de jogadoras em investigações nas áreas das ciências do desporto e da medicina (Costello et al., 2014; Ryan et al., 2023). Com uma história competitiva mais curta, o futebol feminino pode estar a evoluir de forma distinta, tornando-se fundamental a análise de padrões comuns e diferenças entre ambos os géneros.

 

Métodos

Desenho do estudo: o estudo utilizou um desenho correlacional retrospetivo para analisar as gravações das finais do Mundial da FIFA (1966–2022 para o futebol masculino, 1991–2023 para o futebol feminino) e quantificar as mudanças ao longo do tempo em métricas específicas. Foram consideradas 3 grandes dimensões: estrutura do jogo, deslocamento da bola e frequência de passes (tabela 1). A análise utilizou o rastreamento computacional da bola e a cronometragem automática dos períodos de jogo e paragem, complementados por uma análise notacional dos passes efetuados (Edgecomb & Norton, 2006; Wallace & Norton, 2014). Os dados das finais masculinas entre 1966 e 2010 foram previamente publicados (Wallace & Norton, 2014), sendo agora atualizados com as 3 edições subsequentes (2014–2022). Os jogos femininos foram analisados separadamente. Normalmente, as finais do Mundial duram 90 minutos, mas, no torneio feminino, houve duas exceções: em 1991, com partes de 40 minutos e, em 1995, com a introdução experimental do “tempo técnico”, que não foi contabilizado como tempo de paragem.


Tabela 1. Variáveis utilizadas no estudo e respetivas definições operacionais (adaptado de Norton, 2024).

Metodologia de rastreamento: as variáveis relacionadas com a duração dos períodos de jogo/paragem e com o deslocamento da bola foram registadas automaticamente pelo software TrakPerformance (Wallace & Norton, 2014). O sistema rastreia visual e mecanicamente o movimento da bola num campo em miniatura e calibra a posição para calcular a distância percorrida e a velocidade. O tempo de jogo iniciou-se no começo de cada parte, sendo interrompido por eventos como livres ou saídas da bola, e retomado com o seu regresso ao campo. A análise permitiu quantificar o tempo total de jogo/paragem e as respetivas percentagens. A fiabilidade do sistema registou um erro de 5–7%. A precisão foi influenciada pela experiência do rastreador, com erro intra-avaliador de 1,8–3,0% no estudo anterior (Wallace & Norton, 2014). Para o presente estudo, a fiabilidade foi recalculada antes da recolha de dados, com erro máximo de 3,68% na duração mediana das paragens. 

Análise notacional da taxa de passes: definiu-se o passe como qualquer toque deliberado para um colega por forma a manter a posse de bola. Os passes foram contabilizados manualmente por cada parte do jogo e normalizados pelo tempo de jogo, registado via TrakPerformance (Wallace & Norton, 2014). A fiabilidade da contagem foi testada com medições duplicadas em 2 jogos. 

Análise estatística: a análise por partes do jogo permitiu avaliar tendências temporais em função de contextos competitivos e estratégicos distintos (Gollan et al., 2020; Wallace & Norton, 2014). Uma regressão linear simples foi utilizada para avaliar mudanças na estrutura do jogo, no movimento da bola e nas taxas de passes. Os jogos masculinos e femininos foram analisados separadamente, comparando-se as tendências através de um teste F para detetar diferenças entre as inclinações das linhas de regressão. As variáveis foram analisadas com testes t emparelhados para identificar as diferenças entre as partes do jogo. O nível de significância foi definido como p < 0,05.

 

Principais resultados

 

·     Estrutura do jogo

Os tempos totais de jogo e de paragem nas finais masculinas e femininas seguiram padrões semelhantes ao longo do tempo. O tempo de jogo manteve-se estável, enquanto o tempo de paragem aumentou progressivamente, com uma evolução semelhante para ambos os géneros (figura 2a). 

A duração das paragens tem aumentado ao longo das décadas, sem diferenças significativas entre as tendências do futebol masculino e feminino (figura 2b). A percentagem de tempo de jogo diminuiu de 65% para cerca de 55%, com descidas semelhantes para ambos os géneros (figura 2c).


Figura 2. Padrões de jogo e paragens nas finais do Campeonato do Mundo masculino (1966–2022) e feminino (1991–2023). O painel (a) apresenta o tempo total de jogo e o tempo de paragem em cada parte do jogo. O painel (b) ilustra a duração mediana das interrupções. O painel (c) mostra a evolução do tempo efetivo de jogo como percentagem do tempo total da partida.


Na segunda parte dos jogos, o tempo efetivo de jogo foi inferior, devido ao aumento do tempo de paragem, enquanto o tempo total de jogo permaneceu estável. O tempo de paragem foi 9% superior nos homens e 25% superior nas mulheres, comparativamente à primeira parte.

 

·     Movimento da bola

A distância total percorrida pela bola manteve-se estável nos homens e aumentou nas mulheres (figura 3a), embora o deslocamento médio tenha sido 7% superior no futebol masculino. As tendências entre géneros não diferiram significativamente. 

A velocidade média da bola aumentou significativamente em ambos os géneros (figura 3b), mas o crescimento foi mais acentuado no futebol feminino (18%), reduzindo a diferença para os homens: de uma diferença aproximada de 17% nas primeiras edições do Mundial feminino, passou-se para uma diferença atual de cerca de 8%. A distância percorrida e a velocidade da bola permaneceram constantes entre a primeira e a segunda parte, tanto nos jogos masculinos como nos femininos.


Figura 3. Movimento da bola nas finais do Campeonato do Mundo masculino (1966–2022) e feminino (1991–2023). O painel (a) representa a distância percorrida pela bola em cada parte do jogo. O painel (b) mostra a velocidade média da bola (distância percorrida por tempo de jogo) nas finais masculinas e femininas.

 

·     Taxa de passes

Esta variável registou um aumento significativo no futebol masculino e feminino (figura 4), sem diferenças na taxa de variação entre ambos os géneros. Nos homens, a taxa de passes por 100 metros de deslocamento da bola cresceu ao longo do tempo, enquanto nas mulheres manteve-se estável. A taxa de passes por unidade de distância foi semelhante entre os grupos. Já a taxa de passes por minuto de jogo diminuiu significativamente do primeiro para o segundo tempo em ambos os géneros, tal como a taxa de passes por 100 metros percorridos pela bola.


Figura 4. Variação na média das taxas de passe por minuto de jogo nas finais do Campeonato do Mundo masculino (1966–2022) e feminino (1991–2023).

 

Aplicações práticas

A evolução do futebol, tanto no género masculino como feminino, tem demonstrado um aumento da intensidade de jogo, da velocidade da bola e das taxas de passe. Estes padrões reforçam a necessidade de adaptação por parte de treinadores e equipas técnicas para otimizar o desempenho, mitigar riscos e rentabilizar as vantagens competitivas. A duração crescente das paragens de jogo permite maior recuperação fisiológica, mas também influencia a organização estratégico-tática e a tomada de decisão. Para além disso, o aumento da velocidade do jogo e da densidade de jogadores em zonas-chave do campo exige novas soluções estratégicas para lidar com a pressão, reduzir o tempo de reação e aumentar a eficácia das ações tático-técnicas. 

Com base nos resultados deste estudo, propõem-se 5 aplicações práticas que poderão ser equacionadas pelas equipas técnicas na preparação e gestão dos/as jogadores/as, de modo a promover uma adaptação mais eficaz às novas exigências do futebol moderno:

 

1. Ajustar a gestão do tempo de paragem para incrementar a recuperação e a organização estratégico-tática: o tempo total de paragem nos jogos tem aumentado, permitindo maior recuperação fisiológica, mas também maior organização defensiva e ofensiva. Os treinadores devem utilizar estas pausas de forma estratégica para reforçar instruções táticas, implementar jogadas de bola parada e evitar que o adversário beneficie de períodos de recuperação prolongados. Dito isto, reproduzir contextos de paragem prolongada nos treinos pode ajudar os/as jogadores/as a manter a intensidade após estas pausas, atenuando uma eventual quebra de rendimento. 

2. Desenvolver a velocidade de execução técnica e a tomada de decisão sob pressão: o aumento da velocidade da bola e da taxa de passes destaca a importância da rapidez na receção e na distribuição da bola. As sessões de treino devem conter exercícios que exijam receções de bola rápidas, controladas e orientadas, uma perceção célere do envolvimento que favoreça uma tomada de decisão mais prospetiva e a execução de passes curtos e precisos, não descurando o passe ao primeiro toque. Estas competências são fulcrais para o sucesso num jogo cada vez mais rápido, intenso e com espaços mais congestionados de jogadores. 

3. Aperfeiçoar a performance em cenários de alta densidade de jogadores: a maior intensidade de jogo e a redução do tempo para ler o jogo e tomar decisões aumentam a relevância de habilidades como dribles curtos, mudanças de direção rápidas e fintas eficazes. A integração de jogos reduzidos/condicionados no treino contribui para que os/as jogadores/as fiquem mais preparados para atuar com eficiência em áreas restritas, o que é benéfico para (1) encontrar companheiros em posições mais vantajosas, (2) executar combinações táticas progressivas, (3) aumentar a fluidez do jogo e (4) manter a posse de bola.

4. Inovar na preparação física para acompanhar a evolução do jogo e reduzir o risco de lesões: jogos com mais intensidade e velocidade são suscetíveis de aumentar a incidência de lesões com ou sem contacto. O planeamento do treino deve incluir tarefas específicas para aprimorar a resistência em contexto de alta intensidade, envolvendo aspetos como a aceleração, a desaceleração e as mudanças de direção sob pressão. A preparação física deve também focar-se na eficiência dos movimentos e na manutenção da capacidade cognitiva e técnica sob fadiga, para que os jogadores preservem um ritmo elevado ao longo dos 90 minutos.

5. Valorizar o progresso metodológico no treino face à evolução abrupta do futebol feminino: o futebol feminino tem-se desenvolvido a um ritmo acelerado, aproximando-se das exigências do jogo masculino em termos de intensidade, velocidade e dinâmica coletiva. As equipas técnicas devem adotar metodologias de treino que preparem as jogadoras para um jogo mais rápido e exigente, não somente do ponto de vista físico, mas, sobretudo, do ponto de vista percetivo, decisional e técnico. As tarefas de treino específico devem expor as jogadoras a contextos desafiantes, com menos tempo e espaço para executar as ações de jogo.

 

Conclusão

De forma geral, este estudo demonstrou que a evolução do futebol de elite tem-se mantido constante tanto no género masculino como no feminino: os movimentos e os estilos de jogo estão cada vez mais intensos. Contudo, é evidente que estes progressos não poderão continuar indefinidamente. O presente estudo, assim como investigações anteriores sobre o incremento das ações de alta intensidade e das competências táticas (Barnes et al., 2014; Bradley, 2025), sustentam a hipótese de que os elementos do jogo e as métricas associadas à intensidade continuarão a evoluir no futuro próximo, à medida que novas gerações de jogadores talentosos forem identificadas e desenvolvidas (Nassis et al., 2020).


P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista International Journal of Performance Analysis in Sport.