Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.
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Autores: Taha,
T., & Orlov, I.
País: Canadá
Data de
publicação: 10-março-2025
Título: More direct attacks increase likelihood of goals in 2018- and 2022-Men’s World Cup soccer finals
Referência: Taha, T., & Orlov, I. (2025). More direct attacks increase likelihood of goals in 2018- and 2022-Men’s World Cup soccer finals. PLoS One, 20(3), e0314630. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0314630
Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 64 – abril de
2025.
Apresentação do problema
No futebol, a posse de bola (ou a fase ofensiva) envolve ações coordenadas da equipa atacante no intuito de marcar golos. Contudo, as posses de bola que efetivamente resultam em golos são raras (Tenga et al., 2010a). Assim, compreender os elementos que contribuem para estas situações torna-se crucial para o sucesso competitivo.
Estudos inaugurais, como os de Reep e Benjamin (1968), indicaram que sequências curtas de passes aumentavam a probabilidade de marcar golos. Bate (1988) observou que posses iniciadas no terço ofensivo resultavam em mais golos, sugerindo que um estilo de jogo direto, com poucos passes e avanço rápido, era mais eficaz. Apesar do sucesso de equipas como o Barcelona e a seleção espanhola no início do século XXI, com um estilo de posse prolongada, estudos posteriores, como os de Tenga et al. (2010a, 2010b), demonstraram que o jogo direto era mais propenso a alcançar zonas de finalização quando a defesa adversária estava desorganizada. Collet (2013) analisou a relação entre tempo de posse e pontos médios por jogo e concluiu que, embora uma maior posse estivesse associada a mais pontos, essa relação diminuiu significativamente quando as equipas de elite foram excluídas da análise. Mais recentemente, Taha e Ali (2023) descobriram que, para posses iniciadas no terço defensivo, aumentos no tempo de posse e no número de passes reduziam a probabilidade de marcar, mesmo em equipas conhecidas pelo jogo de posse, como as seleções espanhola e alemã. Sarmento et al. (2014) argumentaram que análises notacionais simples não captam totalmente os elementos de sequências ofensivas bem-sucedidas, pelo que recomendaram a inclusão de dados qualitativos, como entrevistas com treinadores e jogadores, para uma compreensão mais aprofundada.
A análise espacial no futebol evoluiu de simples contagens de ações por zonas do campo (Reep & Benjamin, 1968; Bate, 1988) para o uso de coordenadas “xy” que localizam os jogadores e a bola ao longo do tempo (Sarmento et al., 2018). Este progresso possibilitou estudar medidas de aptidão física relacionadas com o jogo (Teixeira et al., 2022a) e integrar ações físicas e táticas dos jogadores (Teixeira et al., 2022b). Os modelos mais inovadores já analisam automaticamente posições e movimentos dos jogadores, e, em última instância, evidenciam como as equipas criam espaço em competição (Fernandez & Bornn, 2018; Martens et al., 2021). Com a disponibilização de dados espaciotemporais por empresas como a StatsBomb, tornou-se possível rastrear sequências ofensivas completas, incluindo dados notacionais e contínuos, como localizações no campo e tempos associados. Estes dados permitem calcular velocidades da bola e dos jogadores, bem como as distâncias percorridas por cada um.
Neste estudo, aplicou-se uma análise espacial detalhada
para melhor compreender os elementos que caracterizam uma posse de bola
bem-sucedida. Face a evidências contraditórias anteriores – onde equipas de
elite com elevada posse de bola obtiveram mais pontos por jogo (Collet, 2013),
mas posses mais curtas e com menos passes mostraram maior probabilidade de
resultar em golo (Taha & Ali, 2023) –, decidiu-se analisar o trajeto da
bola durante as sequências ofensivas. Os autores colocaram a hipótese que
posses em que a bola seguiu trajetos mais diretos em direção à baliza
adversária teriam maior probabilidade de resultar em golo.
Métodos
· Dados
Os dados utilizados foram
recolhidos pela StatsBomb (2023) e estavam disponíveis publicamente no seu
repositório no GitHub. A recolha foi realizada por 5 pessoas, complementada por
um algoritmo proprietário para reduzir erros e acelerar o processo. Foram
analisados 128 jogos dos Mundiais de 2018 e 2022, registando-se 461641 eventos
codificados (e.g., passe, receção, condução, remate) com a respetiva
localização (coordenadas xy), num campo de 120x80 unidades e o momento de
ocorrência no jogo. Neste trabalho, foram consideradas apenas posses de bola
compostas por mais de uma ação, excluindo pontapés de cantos e outras bolas
paradas. Após filtragem, analisaram-se 370319 eventos correspondentes a 22661
posses de bola. A título ilustrativo, a figura 2 mostra alguns dados de uma
posse que resultou num golo da Argentina na final do Mundial de 2022.
Figura 2. Posse de bola da Argentina, contra a França, que
resultou num golo durante a final do Campeonato do Mundo de 2022. A direção do
ataque argentino é da esquerda para a direta (Taha & Orlov, 2025).
· Análise dos dados
A análise considerou o
tempo e as coordenadas “xy” dos eventos de cada posse de bola. Para cada posse,
calcularam-se: (i) a distância total percorrida pela bola (109,0 unidades no
exemplo da figura 2); (ii) a distância direta entre o início da posse e o
centro da baliza (94,1 unidades no caso da figura 2); e (iii) o rácio de
direcionalidade (DIR: distância direta/distância total), que indica o quão
diretamente a bola avançou para a baliza (valores próximo de 1 = movimento
direto, valores próximos de 0 = mais movimentos laterais ou para trás; valor de
0,86 no exemplo suprarreferido). Determinou-se também a velocidade da posse
em direção à baliza (9,7 unidades/segundo no caso da figura 2), calculada
com base na distância direta e no tempo total da posse (SPG). Por fim,
registou-se a posição inicial de cada posse através da coordenada x
(XPOS), para identificar a zona do campo onde se iniciou. As variáveis acima sublinhadas
correspondem às 3 variáveis independentes do estudo. As variáveis dependentes
foram a ocorrência de remate (variável binária que indica se uma posse
de bola resultou ou não num remate) e a conversão do remate em golo
(variável binária que indica se um remate resultou ou não em golo).
· Modelagem estatística
Foram desenvolvidos 2
modelos estatísticos para analisar o impacto da direcionalidade (DIR), da
velocidade da bola (SPG) e da posição inicial da posse (XPOS) na probabilidade
de uma posse originar um remate ou um golo. Utilizou-se a regressão logística
multivariada com efeitos mistos (Tenga et al., 2010a), considerando a
autocorrelação entre estilos de jogo. Inicialmente saturados, os modelos foram
simplificados com base no AIC e avaliados segundo o método de Nakagawa e
Schielzeth (2012) (R²). Para a ocorrência de remates, identificaram-se efeitos
principais e interações significativas. Para a conversão de remates em golos, a
direcionalidade foi o único efeito fixo relevante. Ambos os modelos incluíram
efeitos aleatórios e não apresentaram sobredispersão.
Principais resultados
Em termos gerais, foram analisadas
22661 posses de bola nos Mundiais de 2018 e 2022, das quais 2878 resultaram em
remates e 372 culminaram em golos. É de ressalvar que os efeitos aleatórios dos
modelos sugerem que cada equipa pode ter apresentado estilos de jogo distintos
entre os 2 Mundiais. Seguem-se os fatores analisados que contribuíram para
diferentes desfechos nas sequências ofensivas.
· Fatores que aumentam a probabilidade de rematar
A modelagem estatística demonstrou que, quanto maior for a velocidade da bola rumo à baliza adversária (SPG), maior é a probabilidade de gerar um remate. Quanto à posição inicial da posse de bola (XPOS), recuperar a bola mais perto da baliza adversária também aumenta significativamente a probabilidade de rematar.
No que respeita a
interações significativas, observaram-se 4 resultados de destaque: (1) direcionalidade
e posição inicial (DIR*XPOS): um jogo mais direto, quando a recuperação
ocorre perto da baliza adversária, reduziu ligeira, mas significativamente, a
probabilidade de remate; (2) direcionalidade e velocidade (DIR*SPG):
jogadas mais diretas combinadas com alta velocidade reduziram a probabilidade
de remate; (3) velocidade e posição inicial (SPG*XPOS): maior
velocidade associada a recuperações próximas da baliza oponente também diminuiu
ligeira, mas significativamente, a
probabilidade de remate; (4) interação tripla (DIR*XPOS*SPG): uma
combinação equilibrada das 3 variáveis independentes teve um pequeno efeito
positivo, embora significativo, na probabilidade de remate.
· Fatores que aumentam a probabilidade de marcar golo
De entre todas as
variáveis independentes, apenas a direcionalidade da posse (DIR) influenciou a probabilidade
de marcar golo. Em concreto, uma maior direcionalidade (i.e., jogar mais
diretamente para a baliza) aumentou significativamente a probabilidade de um
remate resultar em golo.
Aplicações práticas
Com base nos resultados do
estudo sobre a influência da direcionalidade, velocidade e posição inicial das
posses de bola no sucesso ofensivo, propõem-se as seguintes aplicações práticas
para os profissionais do treino de futebol:
1. Utilizar a métrica de direcionalidade para caracterizar o estilo ofensivo da equipa: a direcionalidade, baseada em coordenadas espaciais, oferece uma forma objetiva de quantificar o método de jogo ofensivo de uma equipa, diferenciando estilos de jogo direto (contra-ataque e ataque rápido) de estilos baseados na posse de bola (ataque posicional). Ao analisar esta métrica, os treinadores podem identificar padrões no comportamento ofensivo da sua equipa e ajustá-los conforme necessário para otimizar o desempenho.
2. Implementar estratégias de contra-ataque com foco na direcionalidade e velocidade: posses de bola mais diretas e rápidas em direção à baliza adversária aumentam a probabilidade de marcar golos. Assim, os treinadores devem desenvolver exercícios que reproduzam situações de contra-ataque e, em especial, que encorajem a progressão rápida e direta da bola, no sentido de aproveitar o desequilíbrio momentâneo na organização defensiva adversária.
3. Variar as abordagens ofensivas para manter a imprevisibilidade: embora o jogo direto seja eficaz, a utilização constante desta abordagem pode tornar a equipa previsível e permitir que os adversários se ajustem defensivamente. Incorporar variações nos métodos de jogo, por via da alternância entre jogo direto e posses mais elaboradas, pode dificultar a adaptação da organização defensiva adversária e aumentar as oportunidades de sucesso ofensivo.
4. Adaptar a estratégia ofensiva consoante a zona de
recuperação da posse de bola: sequências ofensivas iniciadas mais próximas
da baliza adversária, quando combinadas com alta direcionalidade e velocidade,
podem reduzir a probabilidade de remate, possivelmente devido à maior pressão
defensiva contrária. Portanto, os treinadores devem ajustar o método ofensivo
com base na zona do campo onde a posse é recuperada; por exemplo, optar por
jogadas mais elaboradas a partir de recuperações em zonas de maior pressão ou
por ataques rápidos ou contra-ataques em áreas com mais espaço disponível.
Conclusão
Durante os Campeonatos do Mundo de futebol masculino de
2018 e 2022, as posses de bola iniciadas mais próximas da baliza adversária e
com maior velocidade de progressão apresentaram uma probabilidade acrescida de
resultar em remates. Contudo, esta tendência foi atenuada quando tais posses
exibiram elevada direcionalidade, especialmente quando combinadas com alta
velocidade ou iniciadas perto da baliza adversária. Nestas circunstâncias, os
dados insinuam que a eficácia ofensiva pode ser comprometida. Importa salientar
que, embora os remates sejam um indicador de desempenho ofensivo, são os golos
que determinam o desfecho dos jogos. O estudo revelou que uma maior
direcionalidade da posse – ou seja, um avanço mais direto da bola em direção à
baliza adversária – aumentou significativamente a probabilidade de marcar golo.
P.S.:
1- As ideias que constam neste texto foram originalmente
escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua
portuguesa;
2- Para melhor compreender as ideias acima referidas,
recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;
3- As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos
autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão
original publicada na revista PLoS One.