28/07/2025

Artigo do mês #67 – julho 2025 | Dobramos a área? – Estratégias de ajuste das dimensões do campo para aumentar a representatividade no treino de futebol

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto. 

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Autores: Deuker, A., Wittkugel, J., Jakobs, K., Raabe, D. & Vogt, T.

País: Alemanha

Data de publicação: 23-maio-2025

Título: Shall we double the box? – Pitch scaling strategies for enhanced representativeness in soccer training

Referência: Deuker, A., Wittkugel, J., Jakobs, K., Raabe, D. & Vogt, T. (2025). Shall we double the box? – Pitch scaling strategies for enhanced representativeness in soccer training. International Journal of Sports Science & Coaching, 1–16. Advance online publication. https://doi.org/10.1177/17479541251343589

 

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 67 – julho de 2025.


 Apresentação do problema

A definição das dimensões do campo no treino com jogos reduzidos (JRs) é uma decisão estratégica que depende de múltiplos fatores, incluindo os objetivos da sessão, as intenções táticas do treinador e as condições logísticas disponíveis. Na prática atual, é comum os treinadores optarem por campos mais pequenos e um número reduzido de jogadores, com o intuito de aproximar os exercícios do contexto competitivo e de aumentar a frequência de ações por jogador (Clemente et al., 2021).

Os JRs com forte componente situacional ganham destaque no treino por criarem contextos significativos e ajustados às exigências do jogo. Em vez de recorrer a exercícios descontextualizados, estas tarefas colocam os jogadores perante o mesmo problema de desempenho em condições variáveis, o que estimula a adaptabilidade (Deuker et al., 2024; Correia et al., 2019). Esta abordagem apoia-se no princípio da “repetição sem repetição”, em contraste com a repetição mecânica – “repetição após repetição” –, e permite que os jogadores testem diferentes soluções motoras para a mesma tarefa, levando ao desenvolvimento de competências mais funcionais e ajustáveis à situação de competição (Renshaw et al., 2022).

A área individual por jogador (area per player: APP) é um dos principais constrangimentos espaciais no treino de futebol e tem impacto direto nos comportamentos tático-técnicos, na tomada de decisão e na carga física. Nos jogos formais de 11v11, disputados em campos com dimensões regulamentares da UEFA (105 x 68 m), a APP atinge os 325 m2 (Brandes, 2023). Contudo, nos JRs com forte componente situacional e em muitos formatos de treino convencionais, a área tende a ser significativamente menor, situando-se geralmente abaixo dos 150 m2/jogador (Clemente et al., 2018, 2023). Esta redução influencia o tipo de estímulos a que os jogadores são expostos, nomeadamente em termos de pressão temporal, densidade de ações e espaço disponível para executar comportamentos tático-técnicos. Por isso, Olthof et al. (2019) defendem a necessidade de aproximar a APP dos valores observados em jogo formal, ajustando as dimensões do campo nos exercícios, com o intuito de replicar de forma mais realista as exigências físicas e decisórias da competição. 

Ancorada na perspetiva da Dinâmica Ecológica, a valorização das condições espaciais inspiradas no jogo formal assenta no princípio da representatividade da tarefa na preparação de exercícios de treino desportivo. Um ambiente de aprendizagem representativo garante a funcionalidade e a fidelidade da ação nos processos de treino, ensino e intervenção (Pinder et al., 2011). Para tal, os treinadores devem conceber cenários de aprendizagem dinâmicos que reproduzam com precisão as variáveis informacionais dos contextos específicos de desempenho.

Neste quadro, as dimensões do campo assumem um papel central, com impacto direto na eficácia do treino. Ainda assim, a discrepância entre a APP no jogo formal (325 m2) e nos JRs utilizados em treino continua a ser pouco considerada. O desafio passa por quantificar a representatividade espacial entre formatos. Este artigo analisa se os JRs com componente situacional geram padrões de coordenação interpessoal comparáveis ao 11v11, ao avaliar se as estratégias de definição das dimensões do campo em exercícios fracionários promovem comportamentos espaciais coletivos equivalentes aos do jogo completo (Olthof et al., 2018; Savoia et al., 2021).


Contexto sociocultural: a génese dos constrangimentos espaciais no desenho de tarefas parcelares no futebol

Esta secção analisa o enquadramento sociocultural que está na origem dos constrangimentos espaciais nos exercícios fracionários. O objetivo passa por identificar fatores que influenciam as decisões dos treinadores sobre as dimensões do campo, explicando as discrepâncias observadas na APP entre o treino e o jogo formal.

  

Figura 2. Esboço de diferentes métodos de ajuste dimensional em JRs e respetiva área por jogador (APP): A. Abordagem centrada nos jogos reduzidos e condicionados: utiliza espaços de ação mais pequenos para desenvolver literacia física, técnica e tática, aumentando assim a frequência de ações, como por exemplo o número de duelos (Davids et al., 2013); B. Abordagem por conveniência: consiste em duplicar a área de grande penalidade (“a caixa”), que proporciona uma configuração simples e que requer pouco espaço (Clemente et al., 2023); C. Área de jogo individual: utilizada para extrapolar o tamanho do campo nos JRs a partir do jogo formal, com o objetivo de aumentar a especificidade do treino na melhoria da proficiência tática (Fradua et al., 2013); D. Regra prática: define as dimensões do campo com base no número de jogadores, adicionando 10 metros ao comprimento e 5 metros à largura por jogador (Verheijen, 2014); E. Abordagem tática: estabelece o tamanho do campo com base no espaço tático de ação dos jogadores envolvidos no jogo formal (Peter & Barez, 2016; Paul et al., 2024) (Deuker et al., 2025).

 

A: Abordagem centrada nos jogos reduzidos e condicionados

Os JRs são versões simplificadas do jogo formal, com menos jogadores (máx. 6v6) e menor espaço, o que aumenta a frequência de ações por jogador (Clemente et al., 2021). Inicialmente criados para otimizar o tempo de treino e desenvolver capacidades físicas dentro do princípio da especificidade, os JRs substituem atividades tradicionais (ou gerais) à base de corrida (Davids et al., 2013). A sua evolução para “jogos reduzidos e condicionados” introduz maior complexidade tática e tomada de decisão, o que permite aos jogadores abordar tópicos específicos do jogo em contextos funcionalmente representativos (Davids et al., 2013).

 

B: Abordagem por conveniência

Em muitos contextos escolares ou comunitários, o espaço disponível para treinar futebol é escasso. Por isso, tornou-se comum utilizar apenas meio-campo ou duplicar a área de penálti (prática conhecida como “dobrar a caixa”) para realizar JRs ou formas jogadas (Vilar et al., 2014). Este método aproveita as linhas já existentes no campo, exigindo apenas uma extensão lateral da área de penálti. Por reduzir significativamente o espaço face ao jogo formal, esta abordagem é frequentemente empregue sem a regra do fora de jogo, de forma a recuperar alguma profundidade e aumentar o espaço efetivo de jogo (Praça et al., 2021). Porém, ao eliminar o espaço real atrás da linha defensiva, levantam-se dúvidas sobre a fidelidade das ações ofensivas e defensivas produzidas neste formato.

 

C: Área de jogo individual

A regra do fora de jogo influencia, sobretudo, as tendências de ocupação do espaço por parte dos jogadores de campo num jogo de futebol, os quais utilizam tipicamente apenas entre 20 e 25% do total da área do campo (Fradua et al., 2013). O denominado “espaço efetivo de jogo” torna-se o terreno onde a equipa atacante procura penetrar o bloco defensivo adversário. Como os JRs de incidência situacional foram inicialmente adotados para desenvolver competências técnicas e táticas (Davids et al., 2013), muitos treinadores começaram a concebê-los de forma a reproduzir as dinâmicas espaciais observadas nos jogos formais. Contudo, confinar os jogadores a APP extrapolada pode não representar fielmente as dinâmicas espaciotemporais vividas num jogo em campo inteiro.

 

D: Abordagem da regra prática

A chamada “regra prática”, popularizada por Raymond Verheijen, define o tamanho do campo com base no número de jogadores, somando 10 metros de comprimento e 5 metros de largura por jogador (Verheijen, 2014). Apesar da escassa validação científica, esta abordagem ganhou visibilidade, impulsionada pelos cursos de “periodização no futebol” propostos pelo autor e reconhecidos por várias federações (Zlojutro et al., 2023). Contudo, esta regra apresenta limitações matemáticas: ao dimensionar o campo de forma linear, a área total não acompanha a variação no número de jogadores, fazendo com que a APP diminua à medida que se reduz o número de participantes. Esta estratégia metodológica contradiz o princípio da representatividade, uma vez que compromete a correspondência entre as exigências espaciais do exercício e as do jogo formal, dado que a área do campo aumenta de forma quadrática, não linear.

 

E: Abordagem Tática

A abordagem tática procura replicar os espaços de ação habituais dos jogadores e a estrutura posicional observada no jogo formal, a fim de garantir maior fidelidade tática (Peter & Barez, 2016; Paul et al., 2024). A definição das dimensões do campo nos exercícios baseia-se diretamente nas exigências espaciais do jogo completo, sendo comum utilizar cerca de metade do campo oficial. No contexto da Federação Alemã de Futebol, recomenda-se, por exemplo, cortar lateralmente o campo em diagonal para limitar os espaços dos extremos e, assim, aumentar a representatividade da tarefa (Peter & Barez, 2016; figura 2, painel E). Em comparação com as restantes abordagens descritas, esta estratégia resulta numa das maiores APP, situando-se entre os 200 e os 250 m2. Apesar disso, mesmo estes valores não alcançam a APP típica de jogos formais (325 m2), conforme indicado por Olthof et al. (2018, 2019).


Métodos

 

·     Participantes

Foram recrutados 22 jogadores de futebol do sexo masculino (idade: 23 ± 5 anos) pertencentes a uma equipa satélite profissional de um clube da Bundesliga alemã (4.ª divisão). Os jogadores treinavam 5 a 6 vezes por semana e realizavam um jogo oficial semanalmente. Todos os participantes assinaram o consentimento informado após serem esclarecidos sobre os procedimentos do estudo.

 

·     Desenho do estudo

O estudo adotou um design cruzado, controlado, inspirado em Low et al. (2021, 2022), com o objetivo de comparar o desempenho em jogos 11v11 realizados sob 5 condições distintas de dimensão do campo (Figura 3). Todos os jogos decorreram num campo relvado natural e cumpriram as regras oficiais. Após um aquecimento de 20 minutos orientado pelo preparador físico, o treinador principal (UEFA Pro) organizou os jogadores em duas equipas equilibradas (sistema 4-4-2), sem fornecer instruções táticas adicionais além das funções posicionais e dos objetivos de marcar ou impedir golos. As 5 condições testadas foram: (a) OF11v11: campo oficial com 296 m2 por jogador; (b e d) RP7v7 e RP5v5, respetivamente: campos ajustados para manter a APP do jogo formal (296 m2/jogador); (c e e) S7v7 (184 m2) e S5v5 (174 m2): dimensões recomendadas na literatura sobre JRs (Owen et al., 2014).

 

Figura 3. Dimensões dos campos utilizadas no estudo (representação proporcional): a. OF11v11: área por jogador (APP) de 296 m2, equivalente à de um jogo oficial 11v11; b. RP7v7 e d. RP5vs5: ambas com APP de 296 m2, mantendo a proporcionalidade em relação ao jogo oficial; c. S7v7 e e. S5v5: condições com APP reduzida (184 m2 e 174 m2, respetivamente), de acordo com Owen et al., 2014 (Deuker et al., 2025).

 

·     Unidades experimentais

Foram realizados 60 ensaios ofensivos (12 por condição), sendo cada tentativa considerada uma unidade experimental independente (Low et al., 2021, 2022; Lazic et al., 2018). Cada ensaio iniciava-se com um passe do guarda-redes e terminava com golo, perda de posse ou interrupção do jogo. A defesa podia lançar contra-ataques para simular um posicionamento realista da equipa atacante, garantindo uma estrutura estilo “rest-defending”. Embora recuperações ofensivas permitissem concluir o ataque, esses casos não foram incluídos na análise. Após 6 ensaios e uma pausa, as equipas trocavam de função.

 

·     Recolha de dados

As posições dos jogadores foram registadas com GPS Catapult© a 10 Hz (CV: 1,9–4,7%; Scott et al., 2016), com interpolação linear de falhas inferiores a 2 segundos (s). Uma GoPro Hero 6 Black© (30 Hz, vista elevada) validou os dados e definiu os limites temporais de cada ensaio.

 

·     Processamento de dados

Com base nas coordenadas x-y, foram calculadas duas métricas individuais: distância ao colega mais próximo (Distance to Nearest Mate) e ao adversário mais próximo (Distance to Nearest Opponent), com médias por equipa em ataque e defesa (Low et al., 2020). Ao nível coletivo, utilizou-se a triangulação de Delaunay para estimar a área média dos triângulos formados por cada equipa (Mean Delaunay Triangle Area) em ataque e defesa (Raabe et al., 2024), permitindo uma análise mais detalhada da organização espacial do que o mero polígono convexo (Fradua et al., 2013; Bueno et al., 2021). As falhas de GPS superiores a 2 s levaram à exclusão das métricas afetadas, nomeadamente os cálculos espaciotemporais por frame e a distância ao colega mais próximo em contexto defensivo (Low et al., 2022). O processamento foi realizado em Python (v3.12.2), com os pacotes SciPy e floodlight.

 

·     Análise estatística

O conjunto de dados foi testado quanto à normalidade (teste de Shapiro-Wilk) e homogeneidade das variâncias (teste de Levene). Foi realizada uma ANOVA de medidas repetidas para comparar os valores dos ensaios nas 5 condições. Como a homogeneidade das variâncias foi violada (p < .05), aplicaram-se correções de Greenhouse-Geisser. Em caso de significância, realizaram-se comparações post-hoc par a par (LSD de Tukey). Os tamanhos do efeito foram calculados com eta quadrado parcial (η²) e classificados como pequeno (η² < .06), moderado (.06 ≤ η² < .15) ou grande (η² ≥ .15) (Cohen, 2013). As análises foram conduzidas no RStudio (v1.4.1564).


Principais resultados

A análise comparativa entre as diferentes condições experimentais permitiu identificar variações relevantes nos padrões de organização espacial das equipas. Os indicadores selecionados – distâncias interpessoais e área média dos triângulos de Delaunay – evidenciaram diferenças sistemáticas entre os formatos de campo, com especial destaque para as condições mais reduzidas, nomeadamente:

 

·     Distância ao companheiro de equipa mais próximo (ataque)

Verificou-se uma redução significativa da distância média entre companheiros de equipa em cenários de campo reduzido, sobretudo na condição S5v5, onde essa distância diminuiu para cerca de 70% face à observada no jogo formal (OF11v11). Esta condição apresentou a diferença mais acentuada, evidenciando uma maior proximidade e densidade de jogadores no ataque.

 

·     Distância ao companheiro de equipa mais próximo (defesa)

Em contexto defensivo, observaram-se resultados semelhantes: a menor distância média entre colegas ocorreu na condição S5v5. Esta configuração de campo gerou uma compactação defensiva substancial. Além disso, a comparação entre as condições representativa (RP5v5) e reduzida (S5v5) revelou diferenças significativas, o que reforça a ideia de que campos mais pequenos promovem maior proximidade entre jogadores.

 

·     Área média dos triângulos de Delaunay (ataque)

A área média dos triângulos formados entre os atacantes foi significativamente menor nas condições com campo reduzido. Em particular, a S5v5 apresentou a redução mais acentuada, seguida da S7v7. Estes resultados indicam menor dispersão posicional e maior densidade dos jogadores em fase ofensiva.

 

·     Área média dos triângulos de Delaunay (defesa)

Também em contexto defensivo, as áreas médias foram significativamente inferiores nas condições S7v7 e S5v5, comparadas com a condição de jogo formal. A condição RP7v7 foi a que mais se aproximou dos valores observados no OF11v11, o que sugere uma maior representatividade espacial desta condição experimental.

 

Aplicações práticas

A escolha do formato espacial nos JRs tem implicações diretas na representatividade das tarefas de treino e, consequentemente, na transferência de competências para o jogo formal. Este estudo analisou comparativamente diferentes estratégias de ajustamento dimensional em subtarefas de treino (5v5 e 7v7) e destacou a importância de aproximar as condições espaciotemporais do treino às do jogo formal (11v11). Com base nos principais resultados, apresentam-se 5 recomendações práticas que ajudam os treinadores a tomar decisões mais fundamentadas na organização dos seus exercícios:

 

1. Priorizar formatos representativos (RP7v7 e RP5v5) em tarefas táticas complexas: os formatos propostos com base na área de jogo individual do jogo formal (APP ≈ 296 m2) foram os únicos que não diferiram significativamente do 11v11 em nenhum parâmetro espacial analisado. Assim, quando o objetivo é simular dinâmicas posicionais e coletivas do jogo formal, é recomendável privilegiar-se o uso dos formatos RP7v7 e RP5v5. 

2. Reduzir a utilização excessiva de formatos muito pequenos como o S5v5: apesar de frequente no treino pela elevada repetição e intensidade, o formato S5v5 mostrou-se o mais distante do jogo formal em todos os indicadores. A sua utilização deve ser criteriosa, sobretudo quando possa comprometer a representatividade das ações e o desenvolvimento de competências transferíveis para o jogo. 

3. Utilizar o RP7v7 como o formato mais próximo do 11v11 para treino coletivo: o RP7v7 foi a condição que mais se aproximou do jogo formal, em termos do número de jogadores, dimensão do espaço e organização coletiva. Pode ser particularmente útil em tarefas de treino centradas em princípios de jogo ofensivos ou defensivos, com elevada exigência tática e posicional. 

4. Adaptar o espaço ao número de jogadores e ao objetivo tático-técnico da tarefa: a definição do espaço de jogo não deve obedecer cegamente a proporções fixas (ex. “dobrar a área”), mas sim àquilo que a tarefa exige em termos de tomada de decisão e interação entre jogadores. Por exemplo, a mesma configuração pode ser adequada para treino de duplas ofensivas versus defensivas, mas inadequada para treino do setor defensivo completo. 

5. Encarar a representatividade como um processo contínuo e não absoluto: nenhuma tarefa de treino reproduz fielmente as condições emocionais, contextuais e competitivas do jogo formal. Porém, é responsabilidade do treinador garantir a maior semelhança funcional possível nas tarefas, e com estímulos espaciais, temporais e decisórios próximos das exigências reais de competição.

 

Conclusão

​​O estudo analisou a adequação de diferentes estratégias de ajuste dimensional do espaço em JRs de treino, com base no princípio da representatividade espacial face ao jogo formal (11v11). Os resultados revelaram que formatos reduzidos com menor número de jogadores e APP inferiores às do jogo formal comprometem a reprodução das condições espaciais observadas em competição. Em contraste, os formatos representativos (RP7v7 e RP5v5), ajustados com base na APP do jogo formal, mostraram maior proximidade posicional e organizacional relativamente ao 11v11. As evidências reforçam a importância de evitar tarefas excessivamente artificializadas, nas quais são removidas fontes críticas de informação, como a profundidade nas costas da linha defensiva. Recomenda-se, assim, que os treinadores concebam exercícios que preservem as condições espaciotemporais essenciais do jogo e proporcionem estímulos relevantes para a transferência de competências do treino para a competição.


P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista International Journal of Sports Science & Coaching.

30/06/2025

Artigo do mês #66 – junho 2025 | Impacto da limitação de toques em jogos reduzidos nas ações técnicas com bola no futebol

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto. 

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Autores: Rosten, M., Aune, T. K., & Dalen, T.

País: Noruega

Data de publicação: 29-maio-2025

Título: The impact of touch restrictions in small-sided games on soccer players’ passing, receiving, and ball-touch temporal intervals

Referência: Rosten, M., Aune, T. K., & Dalen, T.  (2025). The impact of touch restrictions in small-sided games on soccer players’ passing, receiving, and ball-touch temporal intervals. Journal of Human Kinetics, 98, 1–10. Advance online publication. https://doi.org/10.5114/jhk/196142

 

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 66 – junho de 2025.

 

Apresentação do problema

No futebol, os jogos reduzidos (JRs) são amplamente reconhecidos como um pilar da metodologia de treino, valorizados pela sua capacidade de replicar as exigências específicas dos jogos competitivos (Aguiar et al., 2012; Clemente et al., 2012). Com menos jogadores e menores dimensões do campo face ao formato convencional, os JRs são uma forma eficiente de desenvolver competências em múltiplas vertentes (Michailidis, 2013). 

Neste contexto, os JRs com diferentes restrições de toque revelam-se meios de treino valiosos, ao combinar estímulo físico acrescido com elevado realismo competitivo (figura 2). Contudo, os estudos mostram que a limitação a um único toque pode comprometer a execução de ações técnicas essenciais, como a receção seguida de passe, o que reduz a representatividade da tarefa e pode violar o princípio da especificidade (Dellal et al., 2012a; Casamichana et al., 2014).

 

Figura 2. A limitação de toques no treino de futebol (fonte: soccercoachingpro.com; imagem não publicada pelos autores).

 

Ser capaz de executar ações técnicas em alta velocidade é de grande importância no futebol; quando os jogadores conseguem passar a bola de forma rápida e eficaz, a equipa tende a dominar o jogo, mesmo sob forte pressão adversária. A capacidade de realizar ações técnicas no menor tempo possível é considerada uma das qualidades mais determinantes para a competitividade de um jogador (Wang, 2013). Embora investigações anteriores tenham clarificado o papel do posicionamento dos jogadores na dinâmica do jogo – especialmente no que diz respeito às distâncias percorridas e à frequência das ações técnicas (Dellal et al., 2010, 2012b) –, continua a existir uma lacuna no conhecimento sobre os efeitos da posição na intensidade e ritmo das ações com bola. Assim, o objetivo geral deste estudo foi analisar de que forma as ações técnicas dos jogadores são influenciadas por diferentes limitações no contacto com a bola em JRs de futebol (Gr+4v4+Gr).

 

Métodos

 

·     Participantes

O estudo incluiu 12 jogadores de futebol masculinos da categoria júnior (Sub-19), com idade média de 17,9 anos (± 0,8). Em termos físicos, apresentavam uma estatura média de 180,2 cm (± 4,9) e uma massa corporal média de 72,8 kg (± 8,9). Todos integravam a mesma equipa júnior da primeira divisão, atuando em diferentes posições, e tinham uma média de 9,7 anos (± 1,7) de experiência em treino organizado de futebol.

 

·     Desenho e procedimentos

A experiência foi conduzida na pré-época e teve como objetivo analisar os efeitos de diferentes limitações de toque em JRs Gr+4v4+Gr na proficiência do passe (quantidade, direção e sucesso), eficácia da receção (frequência e direção) e intervalo temporal entre o primeiro e segundo toque, indicador da velocidade de controlo da bola. O campo foi dividido em 3 zonas – defensiva, central e ofensiva –, o que permite uma análise mais detalhada das dinâmicas posicionais (figura 3).

Figura 3. Organização da relação numérica e das características espaciais da tarefa proposta (imagem não publicada pelos autores).

 

Testaram-se 3 condições: (1) máximo de 2 toques; (2) máximo de 3 toques; (3) jogo livre (sem restrições). Realizaram-se 30 jogos (10 por condição), distribuídos por 8 sessões. Cada jogo teve 4 minutos, com pausas equivalentes, e foi precedido por 20 minutos de aquecimento técnico. As equipas foram formadas aleatoriamente, as regras comunicadas antes de cada jogo, e nenhuma instrução foi dada durante a ação. 

O campo manteve dimensões constantes (30 x 20 m), com zonas de 10 m assinaladas por cones (Rampinini et al., 2007). Todos os jogos ocorreram num espaço interior, de forma a garantir condições ambientais estandardizadas. As ações dos guarda-redes (Gr) foram excluídas da análise. Para evitar viés de ordem ou fadiga, a sequência das condições foi contrabalançada entre sessões. As partidas foram gravadas por duas câmaras: uma fixa (Canon LEGRIA HF R36), colocada a 5,2 m de altura atrás de uma baliza, e uma câmara móvel (Sony HDR-XR155E) que possibilitou a análise detalhada das ações técnicas registadas.

 

·     Análise e variáveis

A análise foi efetuada com o software Kinovea (v.0.8.15), respeitando critérios predefinidos para o passe, a receção e o intervalo entre toques. De acordo com Owen et al. (2004): (1) o passe correspondeu à transmissão intencional da bola entre companheiros de equipa, por ações técnicas como passes rasteiros, altos, em balão, de calcanhar, em vólei ou de diferentes distâncias, realizados com o pé, coxa ou peito; (2) a receção foi considerada quando o jogador controlou e manteve a posse da bola. Situações em que o jogador não executou toque subsequente não foram classificadas como receção. 

Para analisar a direção dos passes e das receções, adotou-se o sistema de Thomas et al. (2009): ações frontais, diagonais e recuadas. O tempo entre o primeiro e o segundo toque foi medido com uma precisão de 0,04 segundos, que serviu como indicador da velocidade de controlo da bola. Foram analisadas tanto a duração média por jogada como o tempo mínimo registado. O campo foi dividido em 3 zonas (defensiva, central e ofensiva), por forma a investigar variações temporais consoante a localização do jogador no momento da receção.

 

·     Análise estatística

Com n = 12, α = 0,05 e 1 - β = 0,80, a análise de potência efetuada no G*Power 3.1.9.7 indicou um efeito mínimo detetável de d = 0,54 para medidas repetidas intraindivíduos (Faul et al., 2007). A normalidade foi verificada pelo teste de Shapiro-Wilk. Seguiu-se uma ANOVA de medidas repetidas unifatorial, com correções de Bonferroni. Quando a esfericidade foi violada, reportaram-se os valores ajustados segundo Greenhouse-Geisser. 

Para analisar a interação entre o tempo entre toques e a zona do campo, aplicou-se uma ANOVA de medidas repetidas bifatorial com correções de Bonferroni. O tamanho do efeito (d de Cohen) foi calculado a partir da diferença entre médias marginais estimadas, dividida pelo desvio padrão, sendo interpretado segundo Cohen (1988): trivial < 0,2; pequeno ≥ 0,2; moderado ≥ 0,5; elevado ≥ 0,8. Os dados foram apresentados em média ± desvio padrão. O nível de significância foi definido em p < 0,05, e a análise estatística foi realizada no SPSS 29.0.2.0 para Windows.

 

Principais resultados

A análise focou-se no número de toques por posse, na velocidade de controlo da bola e nas ações de passe e receção, em função de 3 condições experimentais (2 toques, 3 toques e jogo livre) de JRs (Gr+4v4+Gr). Os dados evidenciaram variações relevantes no tempo de decisão e execução dos jogadores, assim como diferenças consoante a zona do campo em que as ações ocorreram.

 

·     Toques

O número médio de toques por posse de bola por jogador foi significativamente inferior nos JRs com limite de 2 toques, em comparação com os de 3 toques e com o jogo livre (1,54 ± 0,07 vs. 1,74 ± 0,13 e 2,39 ± 0,47, respetivamente).

 

·     Velocidade de controlo da bola

O intervalo médio entre o primeiro e o segundo toque foi mais curto nas zonas próximas da baliza adversária. A menor duração entre toques foi observada, de forma consistente, no terço ofensivo, seguida pela zona intermediária e, por fim, pela zona defensiva. Esta tendência manteve-se estável em todas as condições de jogo (2 toques, 3 toques e livre).

 

·     Passes e receções

Nos jogos com limite de 2 toques, registou-se um número superior de passes face ao jogo livre. Ainda assim, o jogo livre apresentou mais receções totais e mais receções orientadas para a frente. Adicionalmente, os jogadores realizaram significativamente mais passes ao primeiro toque nos jogos com 2 toques do que nos jogos livres e nos de 3 toques. Também nos jogos com 3 toques se verificaram mais passes ao primeiro toque do que no jogo livre. As taxas de sucesso dos passes foram semelhantes entre as 3 condições (75,42%, 75,46% e 74,61%, respetivamente).

 

Aplicações práticas

Criar contextos de treino que aproximem os jogadores das exigências do jogo formal é um desafio constante. Este estudo mostra que as restrições ao número de toques nos JRs aumentam a frequência de passes e favorecem a tomada de decisão sob pressão. Com base nos principais resultados, apresentam-se 5 recomendações práticas que podem ser facilmente integradas na organização das tarefas de treino.

 

1. Promover a eficiência temporal em zonas ofensivas: a menor duração entre toques registada nas zonas ofensivas realça a importância de treinar a tomada de decisão e a execução rápida em setores avançados do campo. Os treinadores devem privilegiar tarefas que envolvam receções e ações rápidas próximas da baliza adversária e encorajar os jogadores a acelerar os seus processos táticos-técnicos sob elevada pressão defensiva adversária. 

2. Propor diferentes posições de jogo para desenvolver competências técnicas transversais: como verificado, a zona do campo influencia o tempo entre toques, o que reforça a utilidade da alternância posicional em treino. Ao vivenciar diversos contextos espaciais e funcionais, os jogadores desenvolvem um leque mais abrangente de soluções, com ganhos em adaptabilidade e leitura do jogo. 

3. Evitar confiar exclusivamente na limitação de toques para estimular o controlo de bola: a ausência de diferenças no tempo entre toques nas 3 condições testadas (2 toques, 3 toques e livre) sugere que a velocidade de controlo não depende diretamente do limite de toques. Assim, os treinadores devem criar contextos de pressão realista nos JRs e não esperar que a simples limitação do número de toques modifique, por si só, o ritmo técnico dos jogadores. 

4. Utilizar a limitação de toques para aumentar a frequência de passes: a limitação do número de toques (2 ou 3) obriga os jogadores a recorrer mais ao passe como forma de progressão, o que potencia um estilo de jogo mais apoiado e dinâmico. Quando o objetivo passa por aumentar o número de passes e fomentar a circulação rápida da bola, estas restrições revelam-se eficazes. 

5. Recorrer ao jogo livre para estimular a proficiência na receção: o jogo sem restrições fomenta um número mais elevado de receções, em particular receções orientadas para a frente. Para melhorar esta competência, recomenda-se o uso do jogo livre, que proporciona mais oportunidades de contacto com a bola e favorece a adaptação ao ritmo do jogo.

 

Conclusão

​​O presente estudo demonstra que a limitação do número de toques em JRs 4v4 aumenta a frequência de passes sem afetar negativamente a sua eficácia. Por outro lado, o jogo livre promove um maior número de receções por sequência ofensiva. Embora o limite de toque não influencie diretamente o tempo entre toques consecutivos, a zona do campo condiciona esse intervalo, mais curto no setor ofensivo. Estes resultados reforçam a importância de ajustar os constrangimentos e as posições no treino, com vista a melhorar a proficiência no passe e a tomada de decisão sob elevada pressão defensiva dos oponentes.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Journal of Human Kinetics.

30/05/2025

Artigo do mês #65 – maio 2025 | Efeitos combinados da idade, dimensão do campo, posição de jogo e dispositivo tático na carga de treino de jovens futebolistas durante jogos reduzidos

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto.

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Autores: Ferrandis, J., Carril-Valdó, J. J., Gil-Arias, A., Claver-Rabaz, F., Sánchez-Sánchez, J., & González-Rodenas, G.

País: Espanha

Data de publicação: 23-abril-2025

Título: Combined effects of age, pitch size, playing position and tactical formation on training load in youth soccer players during small sided games

Referência: Ferrandis, J., Carril-Valdó, J. J., Gil-Arias, A., Claver-Rabaz, F., Sánchez-Sánchez, J., & González-Rodenas, G.  (2025). Combined effects of age, pitch size, playing position and tactical formation on training load in youth soccer players during small sided games. International Journal of Sports Science & Coaching, 1–15. Advance online publication. https://doi.org/10.1177/17479541251333896

 

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 65 – maio de 2025.

 

Apresentação do problema

Uma metodologia de treino representativa das exigências competitivas é essencial para potenciar o rendimento dos jogadores. Para isso, os jogos reduzidos (JRs), que simulam interações e incertezas do jogo real, tornaram-se um dos métodos de treino mais utilizados no futebol (Clemente et al., 2021; Olthof et al., 2019; Nunes et al., 2020; Sarmento et al., 2018). 

Os JRs são tarefas de treino realizadas em espaços mais pequenos, que procuram reproduzir as exigências físicas e tático-técnicas da competição, através da manipulação de variáveis como o número de jogadores, as regras e a dimensão do campo (Olthof et al., 2019). Apesar de não reproduzirem plenamente as exigências de alta velocidade observadas em contexto competitivo (Casamichana et al., 2012; Asían-Clemente et al., 2021), ao integrarem estímulos motores, táticos e técnicos, potenciam o aproveitamento do tempo de treino (Davids et al., 2013; Clemente et al., 2020). Suportados por correntes teóricas como o Desenho Representativo da Aprendizagem (Representative Learning Design) e a Abordagem Baseada nos Constrangimentos (Constraints-led Approach), constituem contextos de treino realistas que favorecem a aprendizagem tática e a tomada de decisão, ao promoverem adaptações comportamentais resultantes da interação entre a tarefa, o contexto e o jogador (Renshaw & Chow, 2019; Borges et al., 2022). 

A literatura tem investigado amplamente o impacto de variáveis como número de jogadores, espaço, tipo de balizas, regras, uso de neutros (jokers) e regimes de treino no desempenho físico, fisiológico e tático-técnico no futebol (Castellano et al., 2013; Clemente et al., 2020; González-Rodenas et al., 2019). A área por jogador influencia especialmente as exigências locomotoras, sendo que maiores áreas relativas aumentam a distância total percorrida e os valores de variáveis relacionadas com a velocidade (Clemente et al., 2023; Guard et al., 2022; Praça et al., 2022). Contudo, o efeito na carga mecânica é inconsistente (Riboli et al., 2020, 2021). Estudos apontam efeitos opostos consoante a idade e o tipo de jogo (com ou sem balizas), não havendo consenso quanto à relação entre a área por jogador e acelerações/desacelerações, o que reforça a necessidade de mais investigação (Clemente et al., 2023). 

Embora, em competição, os estudos sugiram um desempenho físico superior em jogadores de faixas etárias mais avançadas (Al Haddad et al., 2015; Buchheit et al., 2010), a análise de JRs mostra resultados incongruentes (Castillo et al., 2020; Rábano-Muñoz et al., 2019; Olthof et al., 2018). Por exemplo, Rábano-Muñoz et al. (2019) e Santos et al. (2021, 2024) observaram maiores exigências físicas em jogadores Sub-19 e Sub-23, respetivamente, em comparação com Sub-17, Sub-15 e Sub-12. No entanto, outros estudos não identificaram quaisquer diferenças entre Sub-16 e Sub-18 (Castillo et al., 2020; Hauer et al., 2021). Como a maioria das investigações se baseia em formatos reduzidos (4v4, 4v4+2, 5v5), recomenda-se a análise de jogos de média dimensão, mais próximos da realidade competitiva, para melhor entender o impacto da progressão etária no treino. 

As diferenças entre posições em contexto competitivo estão bem documentadas (Buchheit et al., 2010; Bradley, 2023; Ju et al., 2023); ainda assim, a variável “posição” tem sido frequentemente negligenciada nos estudos sobre JRs. Esta torna-se particularmente relevante em formatos com mais jogadores (6v6 a 8v8), onde posições distintas registam diferentes cargas internas e externas (Owen et al., 2016; Martín-García et al., 2019; Sydney et al., 2021). A literatura científica indica que os JRs podem sobrecarregar ou subcarregar jogadores consoante a posição de jogo (Dellal et al., 2012; Lacome et al., 2018). Além disso, o dispositivo tático influencia o comportamento tático e as exigências físicas em JRs e em competição (Baptista et al., 2020; Low et al., 2022). Esta variável demonstrou afetar as exigências físicas dos jogadores (Forcher et al., 2023; Modric et al., 2020), o que releva a importância de ser investigada nos JRs, sobretudo dada a escassez de trabalhos existentes. 

Uma conceção eficaz de JRs exige que constrangimentos da tarefa (e.g., dimensão do campo, dispositivo tático, posição) se adequem às características individuais dos jogadores, como a idade e as capacidades tático-técnicas, pois influenciam de forma interdependente a carga física do treino. No entanto, apesar da atenção dada à idade e à dimensão do campo, os efeitos do dispositivo tático e das posições específicas ainda permanecem pouco estudados. Este estudo aborda este défice ao analisar a interação entre múltiplos constrangimentos em JRs, com vista à produção de evidência aplicável ao treino (Clemente et al., 2023; Rábano-Muñoz et al., 2019; Santos et al., 2024). Assim, o objetivo do estudo foi analisar a carga locomotora e fisiológica combinada em jovens futebolistas durante JRs. Os autores colocaram as hipóteses de que jogadores mais velhos e JRs em espaços mais amplos apresentem maiores exigências em corrida de alta intensidade e sprint, com os alas e os avançados a registar maiores cargas do que defesas centrais e médios.

 

Métodos

 

·     Participantes

O estudo incluiu 28 jogadores subelite (Sub-16 e Sub-19) de um clube da região de Madrid, excluindo guarda-redes (Gr) e praticantes não aptos fisicamente. Foram recolhidas 422 observações em 6 sessões e 18 JRs, num desenho fatorial com 2 escalões etários (Sub-16; Sub-19), 4 posições de jogo (DC: defesas centrais; W: alas; M: médios; FW: avançados centro), 2 dispositivos táticos (1-2-3-1; 1-3-1-2) e duas dimensões de campo (232 m2/jogador; 132 m2/jogador; figura 2). A análise post hoc revelou alto poder estatístico (>95%) para o escalão etário, espaço e dispositivo tático, mas baixo para a posição de jogo (~40%). Os jogadores tinham 9–14 anos de experiência e treinavam 3 vezes/semana.


Figura 2. Dimensão do campo de ambos os jogos reduzidos utilizados no estudo, em relação ao campo inteiro (Ferrandis et al., 2025).

 

·     Procedimentos

O estudo decorreu durante 6 semanas e analisou os efeitos combinados do escalão etário, posição de jogo, dispositivo tático e espaço de jogo na carga locomotora e fisiológica de jovens futebolistas subelite, em contexto de JR. As sessões realizaram-se em relvado sintético, sempre às 20h00, sob condições controladas. Foi realizada uma sessão de familiarização com os JRs, os dispositivos táticos e os equipamentos de monitorização (GPS WIMU PRO™ e bandas de frequência cardíaca GARMIN®). 

Os JRs foram disputados em duas dimensões de campo (132 m2 e 232 m2/jogador, incluindo Gr), representando o espaço habitualmente disponível em treino (meio-campo), com base em evidência prévia sobre as exigências competitivas (Riboli et al., 2021). Foram testados os dispositivos táticos 1-2-3-1 e 1-3-1-2 (ver Figura 3), com equipas equilibradas em função da posição e do nível tático-técnico (avaliado pelos treinadores). Independente do dispositivo utilizado, cada equipa enfrentou um adversário fixo em 3-3. Realizaram-se 6 repetições por sessão (5 minutos de jogo + 2 minutos de pausa), com alternância semanal das condições espaciais e estratégico-táticas.

 

Figura 3. Características dos JRs realizados neste estudo. Gr = guarda-redes; DC = defesa central; W = ala; M = médio; FW = avançado centro. Dispositivo 1-3-1-2: 1 Gr, 1 DC, 2 A, 1 M e 2 FW; Dispositivo 1-2-3-1: 1 Gr, 2 DC, 2 A, 1 M e 1 FW (Ferrandis et al., 2025).

 

Foram recolhidas variáveis de desempenho físico e fisiológico relativas a: 

a)  Distância percorrida, expressa em metros por minuto: total (TD), caminhada (0–6 km/h), jogging (6–12 km/h), corrida moderada (12–18 km/h) e corrida de alta intensidade (HIRD; >18 km/h);

b)  Carga metabólica elevada (HMLD): distância percorrida por minuto quando a potência metabólica excede os 25,5 W/kg;

c)   Velocidade: média (SpeedAVG) e máxima (SpeedMAX) alcançadas em cada repetição;

d) Carga mecânica: distância percorrida por minuto em acelerações (>2 m/s2) e desacelerações de alta intensidade (<–2 m/s2), e número de impactos intensos por minuto (ações que envolvem forças G relevantes durante o jogo);

e)  Carga fisiológica: percentagem da frequência cardíaca máxima (%HRmax) atingida por cada jogador, em relação ao seu valor máximo registado em competição.

 

A recolha foi realizada com recurso ao sistema GPS WIMU PRO™ e bandas de frequência cardíaca GARMIN®, com visualização e exportação de dados no software WIMU SPRO™. Todas as variáveis de distância e carga mecânica foram expressas de forma relativa (m/min ou ações/min), tendo em conta o tempo efetivo de jogo. O protocolo foi delineado para assegurar validade ecológica e refletir a prática real de treino, com supervisão contínua por treinadores e investigadores.

 

·     Análise estatística

Os dados foram analisados com modelos lineares generalizados mistos, agrupando as observações por jogador para estudar os efeitos combinados do escalão etário, posição de jogo, dimensão do campo e dispositivo tático na carga física e fisiológica. Os modelos controlaram a variabilidade individual e permitiram lidar com diferentes números de sessões por jogador. A comparação entre o modelo nulo e o modelo completo (com efeitos fixos) revelou melhor ajuste estatístico ao incluir as variáveis independentes, sobretudo para a distância percorrida, velocidade média e corrida moderada. Foram ainda gerados gráficos com médias estimadas e testes LSD para comparar as posições de jogo, considerando um nível de significância de p < 0,05.

 

Principais resultados

Os modelos estatísticos indicaram que variáveis como o escalão etário, a dimensão do espaço de jogo e a posição em campo influenciam de forma diferenciada a carga locomotora e fisiológica dos jogadores. Em contraste, o dispositivo tático utilizado não teve impacto significativo. Seguem-se os principais fatores associados às diferenças observadas.

 

·     Efeitos da idade

Jogadores Sub-19 apresentaram valores superiores de distância total percorrida, velocidade média e máxima, e número de impactos por minuto, comparativamente aos Sub-16.

 

·     Efeitos da dimensão do espaço de jogo

Jogos realizados em áreas maiores (232 m2/jogador) resultaram em maiores valores de distância total, corrida moderada e de alta intensidade, distância sob carga metabólica elevada, velocidade média e máxima, bem como impactos por minuto. Em contraste, registaram-se menores valores de caminhada comparativamente às áreas mais pequenas (132 m2/jogador).

 

·     Efeitos da posição de jogo

Os defesas centrais apresentaram menor distância total, corrida, distância sob carga metabólica elevada, velocidade média e número de acelerações/desacelerações, e maior distância em caminhada, face às restantes posições. Os médios e os avançados percorreram maiores distâncias totais e em jogging do que defesas centrais e alas. Os alas e os avançados também registaram mais distância em corrida de alta intensidade, distância sob carga metabólica elevada, acelerações e desacelerações por minuto do que os defesas. Os médios apresentaram a maior percentagem relativa de frequência cardíaca máxima.

 

·     Efeitos do dispositivo tático

Não foram observadas diferenças significativas na carga locomotora e fisiológica entre os 2 dispositivos táticos testados (1-2-3-1 e 1-3-1-2).

 

Aplicações práticas

Tendo por base os resultados do estudo sobre os efeitos da idade, dimensão do espaço, posição de jogo e dispositivo tático na carga locomotora e fisiológica em jovens futebolistas subelite, propõem-se as seguintes aplicações práticas para os profissionais do treino: 

1. Ajustar progressivamente a carga de treino na transição entre escalões​: a integração de jogadores Sub-16 em contextos Sub-19 deve ocorrer de forma faseada. O foco inicial deve incidir no desenvolvimento tático-técnico, seguido por um aumento gradual da exigência física, de forma a garantir uma adaptação segura e eficaz. 

2. Recorrer a espaços de jogo mais amplos para reforçar a intensidade e a representatividade do treino: quando o objetivo passa por desenvolver a capacidade locomotora e criar contextos próximos da competição, recomenda-se a utilização de áreas de jogo mais alargadas (>200 m2/jogador) nos JRs. 

3. Manipular os constrangimentos dos JRs para responder às exigências específicas de cada posição​: o treino deve ser estruturado com variações na configuração espacial, nas regras ou nas estruturas táticas para privilegiar estímulos diferenciados por função. Por exemplo, para médios, recomenda-se a criação de tarefas com elevada densidade de ações e cobertura de espaço central. Para extremos/alas e avançados, podem explorar-se situações de ataque rápido/contra-ataque em profundidade ou ações em superioridade numérica nas zonas de finalização.

4. Adotar estratégias de rotação posicional no treino, sobretudo em idades mais jovens:​ a influência da posição na carga interna e externa sugere que a especialização precoce pode limitar o desenvolvimento global. Ao alternar funções em campo, os jogadores vivenciam uma maior diversidade de experiências, o que favorece o desenvolvimento tático-técnico, físico e fisiológico de forma mais equilibrada e abrangente.

5. Selecionar o dispositivo tático com base em objetivos estratégicos e não na carga física esperada:​ ao planear JRs, os treinadores podem ponderar uma estrutura tática adequada aos princípios do modelo de jogo da equipa, uma vez que diferentes dispositivos não alteram de forma significativa os estímulos locomotores e fisiológicos dos jogadores.

 

Conclusão

​​O estudo mostrou que os jogadores Sub-19 enfrentaram maiores exigências locomotoras do que os Sub-16, com distâncias percorridas e velocidades superiores. Os JRs em campos de maiores dimensões impuseram maior esforço físico, mantendo cargas mecânicas e fisiológicas semelhantes às de campos mais pequenos. Os defesas centrais revelaram-se os menos solicitados fisicamente, ao passo que os médios suportaram as cargas mais elevadas, sobretudo a velocidades moderadas, refletindo-se num esforço cardiovascular superior. Os alas e os avançados destacaram-se pela maior atividade mecânica e de alta intensidade. O dispositivo tático não influenciou significativamente a carga física nem a fisiológica.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista International Journal of Sports Science & Coaching.