19/06/2012

Dualidade do jogo e os (inoportunos) momentos

O jogo de futebol engloba duas fases distintas: a ofensiva e a defensiva. É nesta dualidade que assenta os processos das equipas, obviamente inerentes à problemática de deter ou não a posse de bola. Creio que esta é a visão mais simples e crua daquilo que sobressai de um jogo: uma equipa ataca, outra defende.

Contudo, e nos anos mais recentes, instaurou-se um pouco por toda a comunidade do futebol a ideia dos momentos. Há quem apregoe à existência de quatro momentos – organização defensiva, organização ofensiva, transição defesa-ataque e transição ataque-defesa – e há quem considere a existência de cinco momentos ao acrescentar as situações de bola parada (i.e., esquemas táticos).

Na minha perspetiva, estas convenções pouco ou nada acrescentam ao que estava anteriormente delimitado tendo como base a dualidade do jogo. Tanto para o processo ofensivo, como para o processo defensivo, pode entender-se a existência de etapas e métodos (Castelo, 2004). As etapas do jogo ofensivo são: construção, criação da situação de finalização e finalização; no jogo defensivo, temos as etapas de equilíbrio defensivo, recuperação defensiva e defesa propriamente dita. Em termos de métodos ofensivos, são vulgarmente conhecidos o contra-ataque, o ataque rápido e o ataque posicional. Ataque rápido e contra-ataque distinguem-se, essencialmente, pelo facto da equipa oponente estar ou não organizada defensivamente. No processo defensivo podemos ter um método individual (marcação individual), à zona, misto ou zona pressionante.

Posto isto, o surgimento dos momentos deu-me uma certa volta à cabeça. O que é um “momento”? Porquê tanto destaque dado às transições, quando na realidade são meras etapas do ataque ou da defesa? Haveria alguma falha de maior para se desconsiderar as etapas e os métodos associados às duas fases antagónicas do jogo? Parece-me que não.
 
Segundo o dicionário de língua portuguesa, um “momento” é 1) breve período de tempo, instante; 2) pouca duração; 3) tempo ou ocasião em que alguma coisa se faz ou acontece; 4) circunstância, lance; etc. Por sua vez, uma “transição” poderá ser 1) ato ou efeito de passar de um lugar, de um estado ou de um assunto para outro; 2) passagem que comporta uma transformação progressiva; etc. Tendo, por exemplo, o momento da transição ataque-defesa percebe-se que é o período de tempo em que uma equipa passa de um estado para o outro, no caso desde o instante da perda da posse de bola até à organização defensiva. Então, porque é que se refere que esta ou aquela equipa é “de transição”? No decurso do jogo as mudanças de estado não são constantes? Todas as equipas experienciam essas transições, embora umas privilegiem a organização, enquanto outras explorem mais as ditas "transições". É aqui que, na minha opinião, esta teoria dos “momentos” peca, tornando-se mais insidiosa do que a anterior. Os momentos confundem-se com os métodos.
 
Tomemos como exemplo os dois golos de Cristiano Ronaldo, diante da Holanda, no passado domingo.


Métodos distintos apoiados na capacidade coletiva da equipa em jogar consoante as circunstâncias do jogo. Se os espaços estão fechados, então circula-se a bola no intuito de criar desequilíbrios que possam ser aproveitados. Se, ao invés, o contexto é propício para o contra-ataque, a equipa deve estar preparada para saber/conseguir tirar proveito rapidamente do desequilíbrio defensivo contrário. É assim que funcionam as equipa de topo e para as quais jamais deveriam ser colados rótulos derivados de designações inoportunas de momentos do jogo.
 
Referências
Castelo, J. (2004). Futebol – A organização dinâmica do jogo. Lisboa: FMH Edições.
Porto Editora, LTA. (2003). Dicionário da língua portuguesa. Porto: Porto Editora.

Sem comentários: