02/07/2013

O Aço Mudou de Têmpera

Manuel do Nascimento (1912 – 1966) foi um escritor monchiquense que publicou um punhado de boas obras literárias em meados do século XX. Num concelho onde o ditado popular “santos da casa não fazem milagres” é milimetricamente preciso, os seus livros e o seu nome ficaram sentenciados ao infortúnio do esquecimento durante longas décadas. Contudo, recentemente, houve a preocupação de um grupo restrito de pessoas de relembrar a obra e a qualidade literária deste nosso conterrâneo da vila de Monchique.

Após o relançamento de “O último espetáculo” (livro de contos), a Junta de Freguesia de Monchique, em parceria com os descendentes do autor, lançou no ano passado (2012), e no âmbito das comemorações do 100º aniversário do nascimento do autor, a segunda edição de “O aço mudou de têmpera”, um romance cuja primeira publicação ocorreu em 1946. Um livro que nos retrata a agrura da vida rural numa aldeia da Beira e que, por um breve período de tempo, foi completamente transformada num espaço de exploração de minério (volfrâmio), na sequência do despoletar da segunda guerra mundial.
 
Figura: Capa do livro "O Aço Mudou de Têmpera" de Manuel do Nascimento.

Para muitos a vida mudou para melhor, mas como tudo na vida é efémero, há quem suba e desça logo em seguida; há quem suba e nunca mais desça; e há, também, quem nunca realmente experiencie um trajeto ascendente. A minha curiosidade ficou aguçada com as descrições físicas dos locais. Nunca se referindo a qualquer região no texto, poderia apostar que muitas daquelas paisagens foram inspiradas na nossa terra natal. Além disso, há excertos que demonstram toda a competência de Manuel do Nascimento no domínio da língua portuguesa. Ei-los:

Maria Antónia, da Quinta do Milheiro, a filha – cento e oitenta e dois escudos. Era dinheiro perdido. Mandou uma vez chamar a mãe para que a obrigasse a pagar mas a mãe veio unicamente para lhe dizer que a filha não lhe devia nada, que estava tudo pago e muito bem pago. «Uma cadela» - resmungou. Entristeceu e repetiu mentalmente a conta. «Ca-de-la. (…)». (p. 132).

Nem ele, nem os outros homens de aldeia, podem passar sem esquecer a vida e quando deviam ter sempre os olhos postos na realidade têm de desertar porque a vida é má… E bebem. Desaparecem todas as lutas, são fortes e não têm fome. E não sonham sequer que existe outro meio… (p. 144).

O minério já não era mais do que simples pedra negra, retinta e fechada como a vida dos homens. Foi preciso tapar, às enxadadas, as covas de tantos sonhos… (p. 232).

Segundo consta, já foi proposto a atribuição do nome do escritor à Escola Básica 2,3 de Monchique, escola que, só por acaso, frequentei durante cinco anos. E voltasse eu aos belos tempos da meninice em Monchique, teria ficado muito mais orgulhoso e gabar-me-ia com outra ênfase se pudesse atirar à boca cheia: “Eu estudei na Escola Básica Manuel do Nascimento”.

2 comentários:

Paula Gervásio disse...

Um livro que todos nós, monchiquenses e não só, deveríamos ler.
É, sem dúvida, e sem subjetividade à mistura, uma excelente leitura!

Carlos Humberto Almeida disse...

Totalmente de acordo! :)