22/06/2014

Análise das grandes penalidades na Liga Portuguesa 2013/2014: Parte 2

Na publicação anterior foi mencionada a importância das grandes penalidades no futebol moderno. Quando estão na origem de 15% da totalidade dos golos concretizados numa liga profissional, é expectável que estas situações fixas do jogo sejam analisadas e trabalhadas no decurso do processo de treino. Na segunda parte da análise das grandes penalidades registadas na Liga Portuguesa 2013/2014, procuraremos perceber (1) quais foram as zonas preferenciais de remate, (2) se houve diferenças em função da lateralidade e da posição desempenhada pelo jogador e (3) se a marcação e o êxito da grande penalidade variou em função de variáveis contextuais do jogo (local, resultado corrente e período do jogo).

Figura 1. Grande penalidade: Evandro vs. Helton na liga portuguesa 2013/2014.

Neste estudo, a baliza foi dividida em 8 zonas de igual dimensão (4 superiores e 4 inferiores), conforme proposto por Palao et al. (2010). A figura 2 exibe os resultados das grandes penalidades, em função da zona alvo de remate.

Figura 2. Resultado das grandes penalidades da liga portuguesa 2013/2014, em função da zona alvo de remate. 
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Na perspetiva do jogador que converte o castigo máximo, o canto inferior esquerdo (zona 1) foi a zona preferencial de remate (44 penalidades; 43,1%). O canto inferior direito (zona 4) surge com 26 penáltis convertidos nessa direção (25,5%). As restantes penalidades foram batidas para as outras zonas da baliza, embora não se tenha registado qualquer ocorrência para a zona 6. Os remates foram dirigidos à metade inferior da baliza em 81,4% das ocorrências; 18,6% foram direcionados para a metade superior. Apenas uma grande penalidade foi defendida pelos guarda-redes (GR) na metade superior da baliza, ainda que nas zonas superiores aumente a incidência de grandes penalidades falhadas (15,8% vs. 2,4% nas zonas inferiores). No cômputo geral, os jogadores foram mais eficazes a rematar para as zonas 2 (100%), 1 (86,4%), 5 e 8 (85,7%).

Como era esperado, a maioria das grandes penalidades foi marcada por jogadores destros (86,3%). No entanto, contrariando a perceção de muitos treinadores e analistas, os jogadores esquerdinos foram mais eficazes da marca dos 11 metros (85,7% vs. 81,8% pelos destros). Na figura 3 podemos observar a distribuição das grandes penalidades, o número de golos e a eficácia por zona alvo de remate, em função da lateralidade (i.e., pé esquerdo ou direito) dos jogadores.

Figura 3. Distribuição das grandes penalidades (n), número de golos e eficácia por zona alvo de remate, em função da lateralidade dos jogadores (e.g., Esq. 8 – pé esquerdo, zona 8; Dir. 3 – pé direito, zona 3). 
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A zona alvo preferencial dos jogadores destros foi a 1 (44,3%), seguida da 4 (26,1%). Destaco ainda a preferência dos destros em rematar para o seu lado esquerdo (zonas 1 e 8 – 51,1%), comparativamente ao lado direito (zonas 4 e 5 – 30,7%). Os jogadores canhotos proporcionaram uma distribuição muito mais homogénea pelas zonas alvo da baliza. Independentemente da lateralidade, os jogadores marcaram mais golos quando dirigiram o remate para a zona 1 (38 golos). Curiosamente, quer destros quer canhotos, foram mais eficazes a rematar para a zona 1. Apesar de estar mais centralizada, a zona 2 foi a única que determinou valores máximos de eficácia (i.e., 100%) para indivíduos esquerdinos e destros. Ao invés, a eficácia foi mais baixa quando os indivíduos canhotos optaram por converter o penálti para a zona 4 (33,3%).

No que respeita às posições ocupadas pelos jogadores especialistas na conversão de grandes penalidades, os avançados foram sem surpresa os mais selecionados (55 penáltis), seguidos pelos médios (44) e pelos defensores (3). Embora os avançados tenham concretizado mais golos que os médios (44 vs. 39), estes últimos foram mais eficazes que os dianteiros (88,6% vs. 80%). Por seu turno, os defensores justificaram porque são pouco selecionados pelos treinadores para cobrarem este tipo de bolas paradas: 1 golo em 3 penáltis (33,3%). A figura 4 oferece-nos uma boa perspetiva sobre a distribuição das grandes penalidades, o número de golos concretizados e a eficácia por zona alvo de remate, em função da posição dos jogadores.    

Figura 4. Distribuição das grandes penalidades (n), número de golos e eficácia por zona alvo de remate, em função da posição dos jogadores (D – Defesa; M – Médio; A – Avançado).
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Podemos constatar que os médios foram mais eficazes que os avançados nos 4 cantos da baliza (zonas 1, 4, 5 e 8), o que não deixa de ser estranho visto os avançados serem, habitualmente, sujeitos com maior aptidão para finalizar. Comparando com os outros cantos da baliza, o canto inferior esquerdo (zona 1) foi a zona alvo na qual, tanto médios como avançados, obtiveram eficácias de remate mais elevadas.

A tabela 1 mostra o resultado das grandes penalidades, em função de três variáveis contextuais: local da partida (casa vs. fora), resultado corrente (vantagem, empate ou desvantagem) e período do jogo (1: 00’01 – 22’30; 2: 22’31 – 45’00; 3: 45’01 – 67’30; 4: 67’31 – 90’00). 

Tabela 1. Resultados das grandes penalidades da liga portuguesa 2013/2014, em função das variáveis contextuais: local, resultado corrente e período do jogo (p.f., clique para ampliar).

As equipas dispuseram de um maior número de castigos máximos na condição de visitados, relativamente à condição de visitante (55,9% vs. 44,1%). Os jogadores foram também mais eficazes a rematar no seu próprio terreno, obtendo 50 golos na condição de visitado contra os 34 alcançados em terreno alheio. Os guarda-redes também defenderam mais penáltis enquanto visitados. As evidências suportam a existência de uma vantagem proporcionada pelo fator casa no desempenho dos jogadores nestas situações estáticas do jogo.

Os árbitros assinalaram mais grandes penalidades com o jogo empatado (51%), havendo, posteriormente, um maior número de castigos máximos para equipas em desvantagem no marcador (27,4%) e, por último, para equipas em vantagem (21,6%). Os jogadores foram mais eficazes quando o jogo estava empatado (90,4%), acusando mais pressão da marca dos 11 metros em contexto de score desfavorável (71,4%). Finalmente, a distribuição das grandes penalidades e o número de golos concretizados foram homogéneos pelos 4 períodos do jogo definidos.

Este estudo pressupôs uma breve análise descritiva do que se passou na liga portuguesa 2013/2014, em matéria de grandes penalidades. A amostra é limitada e não permite representações fidedignas do que sucede noutras competições nacionais ou internacionais. Os dados devem, por isso, ser interpretados com muita cautela. Os treinadores devem propor tarefas de treino que visem desenvolver as competências dos jogadores e dos guarda-redes nas grandes penalidades e não encarar estas situações como uma mera “lotaria”, no qual o fator sorte reina. De acordo com os resultados obtidos, os jogadores são aconselhados a marcar as grandes penalidades para os cantos da baliza (zonas 1, 4, 5 e 8), diversificando a direção do remate e, de preferência, procurando visar a metade superior da baliza. Os guarda-redes devem perceber (1) que o jogador que bate o penálti tem vantagem da marca dos 11 metros (8 em cada 10 penalidades são golo) e (2) os jogadores destros apresentam uma maior tendência para rematar para o seu lado esquerdo (zonas 1 e 8), enquanto que os jogadores canhotos são mais imprevisíveis e ligeiramente mais eficazes.  

Referência
Palao, J. M., López-Montero, M., & López-Botella, M. (2010). Relationship between efficacy, laterality of foot strike, and shot zone of the penalty in relation to competition level in soccer. International Journal of Sport Science, 6(19), 154-165.

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